Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação pela aprovação terminativa, na Comissão de Educação, do Projeto de Lei nº 3493, de 2021, de autoria de S. Exa., que inscreve no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria os Lanceiros Negros. Exposição sobre a história dos Lanceiros Negros. Destaque para as lutas que a população negra ainda enfrenta nos dias de hoje.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direitos Humanos e Minorias, Homenagem:
  • Satisfação pela aprovação terminativa, na Comissão de Educação, do Projeto de Lei nº 3493, de 2021, de autoria de S. Exa., que inscreve no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria os Lanceiros Negros. Exposição sobre a história dos Lanceiros Negros. Destaque para as lutas que a população negra ainda enfrenta nos dias de hoje.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2023 - Página 11
Assuntos
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Honorífico > Homenagem
Matérias referenciadas
Indexação
  • ELOGIO, APROVAÇÃO, DECISÃO TERMINATIVA, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, INSCRIÇÃO, GRUPO, PERSONAGEM ILUSTRE, BRASIL, SOLDADO, COR, NEGRO, COMENTARIO, HISTORIA, LUTA, POPULAÇÃO, ATUALIDADE.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Obrigado, Presidente Veneziano.

    Eu tenho dito, no dia de hoje, para tantas e tantas mensagens de carinho, como V. Exa. expressou: calma, coração, não explode, coração! É uma forma de me conter. Enfim, vou para 40 anos dentro do Congresso, entrei, nunca saí, desde a Constituinte, e as passagens, os momentos que passei dentro desta Casa jamais vou esquecer. O Senado, tudo que a gente faz aqui e fala repercute, meu querido Plínio Valério, meu querido amigo – agora me deu um branco...

    O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) – Senador Cleitinho.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Cleitinho, estão chegando os novos, mas estou guardando os nomes.

    Ontem V. Exa. me provocou para falar sobre os Lanceiros Negros aprovados. Daí muitas pessoas me pediram para falar mais, o que são os Lanceiros Negros, que história é essa, porque muitos não conhecem a história. Então vou dedicar esses dez minutos para falar sobre esse tema.

    Como V. Exa. mesmo lembrou, a Comissão de Educação aprovou, no dia de ontem, o Projeto de Lei nº 3.493, de 2021, de minha autoria, que inscreveu os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Eles estarão lá ao lado de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, D. Pedro, Ana Neri, Anita Garibaldi, Bárbara Pereira de Alencar, entre tantos outros. Essa lista também inclui os heróis da Batalha de Guararapes.

    A relatoria do projeto foi da querida Senadora Teresa Leitão. Ela apresentou uma peça belíssima, brilhante.

    O texto, em caráter terminativo, segue agora para a Câmara dos Deputados.

    Sr. Presidente, mas a pergunta que ficou no ar ontem: afinal quem foram, quem são os Lanceiros Negros? Os Lanceiros Negros eram escravos que compunham o exército dos Farroupilhas, grupo de estancieiros, charqueadores, povo do meu Rio Grande, que entre 1835 e 1845 tentou ser independente do Império, criando a República do Piratini.

    O grupo de Lanceiros Negros era composto por oito companhias, 51 homens cada, totalizando 408 Lanceiros Negros que andavam trilhando a cavalo ou a pé. A eles, os Lanceiros Negros, foi prometido que, quando a guerra terminasse, independentemente de quem ganhasse ou fechado o acordo, seria assegurado a eles a liberdade. Não seriam mais escravos.

    Esse era o pacto desde o início das pelejas. No dia 14 de novembro de 1844, o que o tempo registrou pelas décadas e pelos séculos, pelos campos sulinos, pelas canções populares, aconteceu o massacre do Cerro de Porongos. Os negros foram desarmados na calada da noite e firmado um acordo entre Canabarro e os imperiais.

    Mais de cem negros foram ali assassinados. Os que sobreviveram, morreram no total 200, foram enviados à Corte brasileira, no Rio de Janeiro. Uns conseguiram fugir para quilombos ou para o Uruguai. A guerra assim termina. A paz foi feita, mas os negros não foram libertos, não foram alforriados. Foram enganados, traídos, mantidos sob o açoite, trancafiados nas senzalas, presos aos grilhões.

    A liberdade dos Lanceiros Negros era a senha, o sinal, a tocha acesa que os abolicionistas esperavam em todo o país como rubra luminária a exigir o fim da escravidão em todo o território nacional. Mas a elite do Brasil, os escravocratas na época, os donos do poder não aceitaram. Podiam fazer o acordo, era o fim da guerra, mas libertar os negros não. Por isso, eles foram massacrados. Somente 43 anos depois é assinada então a Lei Áurea, uma abolição ainda não concluída.

    Colocar os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, como está fazendo o Senado da República, é muito mais do que uma homenagem, é um reconhecimento histórico. É resgatá-los, enfim, para a nossa memória, é assegurar a liberdade coletiva e a nossa identidade nacional, trazendo do passado silenciado a sonoridade vivida para o presente.

    Nas palavras, lembro aqui, de Ieruchalmi, ele disse: "O oposto de esquecer não é lembrar, mas sim fazer justiça". Os Lanceiros Negros lutaram por liberdade, morreram pelos seus sonhos.

    Os negros hoje são 56% da população. Também lutam pela liberdade; pelo direito de serem atendidos em hospitais, de não morrerem em filas; de terem seus filhos colocados em creches; de terem água potável, saneamento básico, escola, universidade, educação; de serem homens e mulheres da ciência, da medicina, da economia, da engenharia, da política. Liberdade é ter moradia decente, emprego decente, renda, salário digno para que se contemple então o direito às necessidades básicas.

    A maioria dos trabalhadores confiscados, hoje, Senador Plínio, no trabalho escravo, são negros. De cada cem, 90 são negros.

    Direito a entrar num shopping – ainda se peleia – sem o medo de ser parado pelo segurança e, muitas vezes, espancado e até morto, como aconteceu com o Beto lá em Porto Alegre; direito a entrar em um supermercado, fazer compra e sair vivo; direito a ser tratado como ser humano numa abordagem policial.

    O homem negro, a mulher negra, a criança negra, o jovem negro, o idoso negro são pessoas de carne e osso, são gente como a gente. Disse o poeta, também são filhos do universo, choram, dão risada, dançam, abraçam, querem viver. São brasileiros e brasileiras e devem ser respeitados como cidadãos.

    Quantos negros morrem pelas chamadas balas perdidas? Morrem por ter a pele preta, como disse a inesquecível cantora; morreram pelo racismo repugnante, traiçoeiro, mesquinho, desumano, desestrutural.

    O Brasil é o país das multicores, das diversidades, da cultura, dos cantos em poesia, dos amores febris, amorosidades e paixões. Por quê? Por que tanto ódio? Por que tanta violência?

    Os Lanceiros Negros não morreram em vão, não pelearam por nada; abriram horizontes rumo à liberdade. Suas mortalhas são sudários da liberdade e da democracia. O sangue derramado tingiu o nosso chão, mostrando, como um mapa, o caminho da resistência e de dias melhores.

    Lanceiros Negros, sim! Sou um lanceiro negro de ontem, de hoje e de sempre. Não mudarei. Lanceiros negros somos eternamente, buscando justiça social, igualdade, fraternidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Somos todos que não aceitamos nenhum tipo de preconceito, nenhum tipo de racismo, que fazemos a boa luta contra todos os tipos de discriminação e de preconceito, fobias diversas, contra o trabalho escravo.

    Sempre existirão, em nosso país, podem crer, lanceiros, lanceiros, sejam negros e, por que não dizer, também brancos. Lanceiros brancos, negros, índios, com suas inquietudes, levantando suas vozes contra a fome, a miséria, a pobreza e a desigualdade.

    Sigamos adiante, sem jamais desistir. Somos todos brasileiros. Somos todos lanceiros.

    Presidente Veneziano, obrigado pela tolerância, como sempre. Eu sei que passei dois minutos. Obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) – Em absoluto. Para nós, sempre é um prazer, uma alegria. Honra-nos muito quando V. Exa. sobe à tribuna, quando V. Exa. participa de todas as formas que são regimentalmente previstas, porque nos enriquece, não é?

    A sua história de vida e a história da sua produção parlamentar são dignas – e incansavelmente sempre haveremos de fazer essas menções – de todos os registros calorosos de aplausos que partem do nosso Sul e que se espalham por todo o resto do país.

    Um grande abraço, meu estimado aniversariante e nosso querido amigo, Senador Paulo Paim.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) – Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2023 - Página 11