Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à PEC nº10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente ferir a dignidade humana ao permitir a mercantilização do sangue humano e gerar o esvaziamento da rede nacional de doação e armazenamento gratuito de hemocomponentes.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Saúde:
  • Críticas à PEC nº10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente ferir a dignidade humana ao permitir a mercantilização do sangue humano e gerar o esvaziamento da rede nacional de doação e armazenamento gratuito de hemocomponentes.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2023 - Página 38
Assunto
Política Social > Saúde
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REQUISITOS, COLETA, PROCESSAMENTO, COMPONENTE, SANGUE HUMANO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, PROVIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado e pelas redes sociais, está pautada para amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, a votação da Proposta de Emenda à Constituição n°10/2022, que instaura no Brasil o comércio de plasma humano.

    Eu quero acreditar que uma matéria com esse potencial danoso à saúde pública não seja apreciada e, se for, que seja rejeitada por aquele colegiado.

    Nossa Constituição consagrou a ideia da doação de sangue altruísta e voluntária, banindo a remuneração de doadores que, nas décadas anteriores, foi responsável por cenas deploráveis, como pessoas trocando sangue por um copo de café e um pedaço de pão e se expondo a doenças maléficas. Reinstituir essa mercantilização de um componente sanguíneo nobre, como o plasma, é atentatório à dignidade humana e um retrocesso inaceitável para o nosso país.

    É virulenta a ideia de que a nossa Lei Maior, antes mesmo de se buscar aprimorar a legislação infraconstitucional, abra as portas desse setor estratégico para a saúde pública à iniciativa privada e, pior que isso, autorize a que pessoas sejam pagas ou tenham qualquer tipo de compensação material para doar sangue com a finalidade de que dele seja retirado somente o plasma.

    Como consequência imediata, teremos um esvaziamento da nossa Hemorrede, cuja própria sustentabilidade ficará ameaçada, porque resta evidente que as pessoas preferirão a doação remunerada ou mediante compensação somente do plasma, por meio da plasmaférese, à doação convencional do sangue total, pelo qual garantimos efetivamente a vida humana, ou seja, esvaziaremos, assim, os estoques dos bancos de sangue.

    Aquele sangue total, que é utilizado para transfusão e do qual, depois, são retiradas as plaquetas e onde remanescem as hemácias na forma de concentrado, é o componente sanguíneo mais importante, porque é ele que é administrado nos hospitais, nas cirurgias, nos acidentes em que há uma hemorragia enorme. E a tendência é que, por uma compensação ou por uma remuneração, as pessoas deixem de doar o sangue total para doar somente o plasma. Ou seja, como eu disse, vamos esvaziar os estoques dos bancos de sangue.

    Quem não lembra, no São João, no Natal, no Carnaval, os bancos de sangue pedindo que as pessoas façam doação porque pode haver falta de sangue para atender acidentados ou outras vítimas de problemas relativos à saúde? Com essa doação de plasma, nós não vamos ter o sangue total para atender a essas situações emergenciais.

    Nós somos contra essa proposta, o Ministério da Saúde é contra essa proposta, a Organização Pan-Americana de Saúde, a Opas, é contra essa proposta; ela, que é braço da Organização Mundial da Saúde para as Américas, é contra também. São igualmente contra essa proposta o Ministério Público Federal e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, que emitiram uma nota técnica criticando duramente a coleta remunerada do plasma humano, a sua comercialização, bem como a dos hemoderivados, porque isso afronta o interesse público e vai de encontro a princípios e garantias constitucionais, entre os quais a dignidade humana, a segurança nacional e o direito à saúde.

    É preciso ressaltar que a fundamentação da própria PEC, que era o eventual desperdício de plasma, perdeu o objeto a partir do momento em que o cenário de ruptura de um contrato internacional com uma empresa estrangeira e o Ministério da Saúde – e a Hemobrás, na prática – foi vencido após um novo contrato firmado. Uma portaria do Ministério da Saúde, ainda de 2020, implementou a destinação do plasma excedente do uso hemoterápico no âmbito dos serviços de hemoterapia do país, determinando o seu envio à Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) para estocagem e posterior destinação, visando a produção dos hemoderivados ou a obtenção no mercado externo.

    Depois dessa portaria, a adequada destinação do plasma excedente das doações de sangue, de modo a se evitar o desperdício, passou a depender tão somente da qualificação e certificação dos hemocentros, que devem dispor de estrutura e capacidade técnica adequada para processar, armazenar e repassar o material para a Hemobrás, e o Ministério da Saúde está começando a requalificar toda essa hemorrede.

    Então, é uma questão com a qual estamos lidando a partir de solução infraconstitucional, dependendo apenas de fatores técnicos e operacionais. Temos uma inteligente Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados que regula incontáveis aspectos e está aberta a aprimoramentos, sem necessidade de qualquer alteração constitucional, ainda mais para rebaixar, em nossa Carta Magna, o sangue e os hemoderivados à condição de mercadoria.

    Mercantilizar a doação e os derivados do sangue é afastar os ideais do pensamento coletivo e do compromisso com a cidadania, imprescindíveis para garantir isenção e segurança; é expor um componente humano altamente relevante como o sangue, bem como os seus derivados, às práticas do livre mercado; é largá-lo às consequências inerentes aos princípios da oferta e da procura, como a manipulação de preços, a estocagem indevida e a concorrência desleal.

    A Hemobrás, que tive a honra de criar como Ministro da Saúde do primeiro Governo Lula, é estratégica para o Brasil. Os hemoderivados por cuja produção responde, como albumina, fatores VIII e IX de coagulação e imunoglobulina, são reconhecidos como produtos de defesa nacional, conforme a Portaria n° 5.888, de 2022, do Ministério da Defesa.

    A gestão do plasma sanguíneo, a cargo da Hemobrás, visa justamente a garantir a adequada destinação da matéria-prima, que é remetida ao exterior para fracionamento...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... retornando integralmente ao Brasil na forma de hemoderivados, cuja fabricação, em sua totalidade, será feita pela própria estatal em 2025.

    Quero dizer que, além dessas instituições a que me referi e que são contra essa PEC, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde é contra a PEC; o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde é contra a PEC; o Conselho Nacional de Saúde é contra a PEC. A Conferência Nacional de Saúde, que se realizou há pouco tempo, teve aprovada uma moção de repúdio à aprovação dessa proposta de emenda à Constituição.

    Portanto, Sr. Presidente, espero que amanhã a CCJ esteja dominada pelo bom senso e pelo interesse público, o que, se acontecer, ou essa matéria será retirada de pauta ou ela será votada e derrotada, porque é esse o melhor caminho para a saúde do povo brasileiro.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2023 - Página 38