Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à PEC nº 10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente mercantilizar o sangue humano e colocar em risco a segurança sanitária do Sistema Nacional de Sangue.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Saúde:
  • Manifestação contrária à PEC nº 10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente mercantilizar o sangue humano e colocar em risco a segurança sanitária do Sistema Nacional de Sangue.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2023 - Página 21
Assunto
Política Social > Saúde
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REQUISITOS, COLETA, PROCESSAMENTO, COMPONENTE, SANGUE HUMANO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, PROVIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado e as pessoas que nos seguem nas redes sociais, eu vou abordar hoje um assunto que já foi abordado pelo meu companheiro Paulo Paim e que é da maior importância.

    Amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça, vamos discutir e votar a chamada Proposta de Emenda à Constituição nº 10, que institui no Brasil o comércio de plasma humano. É preciso desconstruir algumas mistificações que estão sendo levantadas por alguns que defendem esse modelo.

    Na verdade, não está em discussão o tema de uma visão estatizante contra uma visão de livre mercado, nem de público contra privado. O fato é que o sangue não é mercadoria e o plasma é parte do sangue – 55% do sangue é formado pelo plasma.

    Além do mais, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Nacional de Sangue, dois terços dos bancos de sangue e dos hemocentros são privados. Então o que está em discussão aqui não é público contra privado; Hemobrás contra laboratório internacional. Não é essa a discussão. O que nós estamos discutindo aqui é a segurança sanitária; é nós termos a certeza de que quem doa sangue, quem doa plasma esteja apto para fazê-lo, e que quem vai receber não está correndo risco de adquirir doenças infecciosas provenientes do doador. Na verdade, quando se defende a possibilidade de coleta remunerada para quem doa, para quem vai oferecer o plasma, nós estamos transformando isso numa atividade mercantil com todos os problemas que ela tem. Quem não lembra, na década de 1980, como funcionava o Sistema Nacional de Sangue? As pessoas vendiam o seu sangue. Daí veio a aids, a hepatite C e tantas outras doenças que acometeram a população do nosso país.

    Quando se diz que se vai fazer coleta de plasma e que isso pode ser remunerado, nós estamos expondo os cidadãos e cidadãs a um grande perigo, bem como a coleta, que está no centro dessa discussão. A PEC diz que uma lei complementar vai dispor sobre a coleta do plasma, sobre o procedimento de processualização do plasma e também sobre a comercialização do plasma. Significa que uma lei complementar, que basta ter apoio de mais da metade da Câmara e do Senado, pode decidir que a coleta pode ser remunerada, e nós entendemos que isso inibe os valores do altruísmo, que estão garantidos pela Constituição brasileira.

    Além do mais, minha gente, quem é que vai vender plasma? Quem é que vai vender o seu plasma? Certamente não será nenhum Senador, certamente nenhum empresário. Serão pessoas pobres, vulneráveis, que vão inclusive, para garantir a remuneração do plasma, por vezes negar coisas que são relevantes na entrevista, que é fundamental para definir sobre a utilização ou não daquele sangue ou daquele plasma. O senhor já teve doença infecciosa ou está com doença infecciosa? "Não" – porque ele está preocupado em receber pelo pagamento daquela coleta. O senhor faz uso de droga injetável? "Não" – porque ele está preocupado em receber o pagamento pela coleta que vai ser dada. Portanto, o risco que a população passa a correr é gigantesco.

    E o que vai acontecer também? Ora, se nós vamos ter a coleta de plasma remunerada e a coleta de sangue voluntária, a coleta de sangue voluntária vai diminuir, e o que vai acontecer é o que a gente vê hoje, por exemplo, no Natal, no Ano-Novo, no São João: os bancos de sangue pedindo doação porque o estoque está restringido, o estoque está pequeno. Vai-se agravar muito mais.

    Para que vocês tenham noção de quem é que faz doação de plasma, nos Estados Unidos, onde a doação de plasma é paga, durante a pandemia, como em todo lugar do mundo, caiu a doação de plasma. No entanto, depois que acabou a pandemia, continuou baixa a doação de plasma nos Estados Unidos. E sabe por quê? Porque as pessoas que vendiam seu plasma – já que nos Estados Unidos, assim como em muitos países, foi instituído um auxílio emergencial para as pessoas –, quem antes vendia sangue deixou de vender o sangue. Só quando acabou o auxílio é que essa doação voltou novamente a se ampliar, como havia sido anteriormente.

    Portanto, isso é uma ameaça ao SUS, isso é uma ameaça à cidadania. Na verdade, essa PEC se adéqua a alguns interesses. E aqui eu vou dizer: tem uma empresa brasileira que recebe hemoderivados e que envasa hemoderivados que agora comprou quatro bancos de sangue nos Estados Unidos, que agora comprou 22% de uma empresa francesa que faz fracionamento de hemoderivados. O que é que vai acontecer? Essa empresa está só esperando a aprovação dessa PEC e sua entrada em vigor para coletar plasma no Brasil, mandar para a França, pegar o plasma que eles vão coletar nos Estados Unidos e vender para o mundo. Não é para vender para o Brasil. Quem vai fiscalizar quantas bolsas de plasma foram vendidas por brasileiros e garantir que elas vão voltar para atender à população brasileira? Na verdade, é o interesse econômico que está em jogo. A disputa aqui é a segurança sanitária da população, é a não mercantilização do sangue e, do outro lado, o interesse econômico empresarial de transformar o plasma numa commoditie, de sugar o sangue e o plasma do povo brasileiro para vender lá fora e ganhar dinheiro com isso.

    Por isso que, amanhã, a CCJ tem que dar uma resposta em defesa da população brasileira. É mentira que haja desperdício de plasma no Brasil hoje, o que há é que os bancos de sangue privados optam por não mandar para a Hemobrás, o que há é que os bancos de sangue públicos, por falta de investimentos nesses quatro anos, não qualificam o plasma, mas o Governo Lula já definiu R$100 milhões para a qualificação dos hemocentros e dos bancos de sangue em nosso país. Não é verdade que estejam pessoas morrendo por falta de imunoglobulina ou que virão a morrer por falta de imunoglobulina, que é uma das substâncias fracionadas do plasma.

    O Brasil faz transplante gratuitamente. Os senhores e as senhoras acham que isso é barato? O Brasil paga tratamento biológico para uma pessoa no valor de R$3 milhões, R$5 milhões. O Brasil vai deixar faltar imunoglobulina para alguém? Isso é uma mentira, isso não é verdade, é uma tentativa de mistificar! Por isso, nós vamos lutar com todas as forças para que isso não passe.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – No Brasil, além dos hemoderivados que vêm da Europa, (Fora do microfone.) da PDP entre a Hemobrás e a Octapharma, o Ministério da Saúde compra mais de R$300 milhões por ano de imunoglobulina.

    E, no Brasil, quem precisa de um tratamento, de uma medicação que não recebe do setor privado ou do SUS entra na justiça e recebe. Então, não é verdade! Não é verdade, isso é uma mistificação! Ninguém morre no Brasil por falta de imunoglobulina!

    Além do mais, sangue é uma questão de soberania nacional. Não sou eu quem está dizendo, foi o Ministério da Defesa do Governo Bolsonaro, que qualificou a Hemobrás, a Empresa Brasileira de Hemoderivados, como uma empresa estratégica de defesa nacional. Por quê? Porque se tiver uma guerra amanhã...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... e o Brasil não produzir os seus hemoderivados – vou concluir –, (Fora do microfone.) o que vai acontecer é que nós vamos ficar nas mãos dos Estados Unidos, vamos ficar nas mãos da Europa.

    Portanto, é fundamental que, amanhã, a Comissão de Constituição e Justiça dê uma resposta ao Brasil e ao mundo de que o Brasil, além de ter um dos melhores sistemas públicos de saúde, tem, reconhecidamente, o melhor sistema nacional de política de sangue que há também no mundo.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2023 - Página 21