Discussão durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2903, de 2023, que "Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973".

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Domínio e Bens Públicos, Patrimônio Genético, População Indígena:
  • Discussão sobre o Projeto de Lei (PL) n° 2903, de 2023, que "Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973".
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2023 - Página 68
Assuntos
Administração Pública > Domínio e Bens Públicos
Meio Ambiente > Patrimônio Genético
Política Social > Proteção Social > População Indígena
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, PROIBIÇÃO, CULTIVO, Organismo Geneticamente Modificado (OGM), AREA, UNIDADE, CONSERVAÇÃO, EXCEÇÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, ESTATUTO, INDIO, COMPETENCIA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL (DF), MUNICIPIOS, GARANTIA, COMUNIDADE INDIGENA, POSSE, USUFRUTO, TERRAS INDIGENAS, CRIAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, GESTÃO, TERRAS, DEFINIÇÃO, PRINCIPIO JURIDICO, PROCESSO ADMINISTRATIVO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDIGENAS (FUNAI), LIMITAÇÃO, PERIODO, RECONHECIMENTO, OCUPAÇÃO, INDENIZAÇÃO, PROPRIEDADE, BENFEITORIA, POSSUIDOR, DESAPROPRIAÇÃO, INTERESSE SOCIAL, HIPOTESE, DESTINAÇÃO, IMOVEL.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP. Para discutir.) – Sr. Presidente, o tema que estamos tratando aqui vai um pouco além do marco temporal e é bom que todos nós tenhamos consciência disso. O projeto de lei que está aqui, em análise, obviamente, trata do marco temporal, mas, veja, trata de outros temas que, no meu humilde entender, são, estes, sim, mais inconstitucionais ainda do que a declaração que o próprio Supremo Tribunal Federal assim fez.

    Veja, um dos trechos trata dos povos isolados. A política, Presidente Rodrigo, em relação aos povos isolados, é pacificada, no nosso país, desde a época do Marechal Cândido Rondon. Não à toa foi dito, ainda há pouco, pelo Líder Wagner que, nestes direitos, veja, desde a Constituição de 1934, a Constituição de 1937, a de 1946 e a de 1988, o ordenamento constitucional brasileiro evoluiu, no entendimento dos direitos dos povos indígenas, dos povos originários, desde esses textos constitucionais, desde a superação, inclusive, do tratamento preconceituoso que se tinha para com eles, quando chamavam-nos, anteriormente, de silvícolas.

    Nesta Constituição, já se entendeu e já se compreendeu que aos povos isolados assiste o direito, inclusive, de não serem contactados. É assim, meu caro Senador Rodrigo, que proclama o art. 231 da Constituição, quando evoluiu, no ordenamento constitucional, sobre os direitos dos povos indígenas. Isso que está consagrado constitucionalmente, Presidente Rodrigo, está sendo flexibilizado neste texto, abaixo da Constituição.

    Trata o texto também de retomada de terras dos povos originários, estabelece a possibilidade de que reservas indígenas – assim trata o texto do projeto de lei – onde tenha alterações culturais sejam retomadas, sejam retomadas pela União! Presidente, isso é um retrocesso a 1500. Isso é um retrocesso à chegada dos europeus e aos primeiros contatos com os povos originários.

    Possibilita plantar transgênicos em terras indígenas.

    Proíbe a ampliação de terra indígena já demarcada. Presidente, isso é inconstitucionalidade flagrante! Aliás, o art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu um prazo para que a União fizesse a demarcação de terras indígenas, estabeleceu um prazo de cinco anos, e esta demarcação não foi cumprida. Retroceder a demarcação é mais do que inconstitucional.

    Exige indenização de terra nua e indenização a posseiros de má-fé. Extrapola tudo quanto é atribuição.

    Onera a União sobre concessão dos entes federados.

    Libera a exploração de terras indígenas para indígenas e para não indígenas.

    Presidente, nós aprendemos aqui que essa história, a que talvez alguns não estejam acostumados, de separação dos Poderes, de independentes e harmônicos, proclamada no art. 1º da Constituição, funciona mais ou menos da seguinte forma: o Legislativo constrói as leis, o Executivo governa e o Judiciário, no caso, a Suprema Corte, guarda este documento aqui, guarda a Constituição, é a intérprete daqui. Esse é o entendimento consolidado que existe na repartição de Poderes tal qual nós conhecemos.

    O Supremo Tribunal julgou um caso sobre isso. Correndo atrás, o Legislativo tentou alterar o julgamento em tela através de uma lei infraconstitucional, abaixo da Constituição. Por óbvio, Presidente, essa matéria será levada ao veto do Presidente da República. Por óbvio, mesmo que o veto ou os vetos venham a ser derrubados, por óbvio, será mais uma vez acionada a Suprema Corte, porque ela existe para isso, para ser acionada quando esse documento é ofendido, quando esse documento é descumprido.

    Existe aqui uma alegação também, Presidente, que me parece flagrantemente falsa, de interferência. Se há interferência, se interferência existe, é a interferência nossa, no entendimento consagrado da evolução do direito dos povos indígenas. Está lá no art. 236. Tudo isso que está sendo aqui ofendido e atacado neste projeto de lei que nós estamos aqui votando, tudo isso está consagrado em um princípio do art. 231 da Constituição, que proclama para nós o seguinte: são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as suas terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar os seus bens. O que está neste art. 231, Presidente, está totalmente sendo ofendido aqui. Por isso, é óbvio que ela não nasce inconstitucional, mas ela será inconstitucional por óbvio, porque ela ofende de morte tudo que está consagrado.

    Mais que isso, Presidente, eu ouvi discursos, desde a CCJ, mas mais adiante, proclamando o seguinte: "mas é impagável essa dívida com os povos originários, é impagável", assim como alguns devem dizer: "é impagável essa dívida com os negros, com os pretos". É impagável, sim. É assim que se constrói a civilização.

    No passado, na Roma Antiga, aos escravizados e aos cristãos, Senador Rodrigo, cabia serem levados ao Coliseu e ao encontro com as feras. A humanidade evoluiu para entender que aquela prática da escravidão e aquela prática de tratar, para diversão particular, o sacrifício de outros, seja no Coliseu, seja na cruz, assim Roma entendia, para o delírio e o privilégio de outros, aquilo era inconcebível com os valores da humanidade. Em nome disso, se construiu até a cruz e os evangelhos. Em nome disso, se construíram religiões para construir e formar entre nós o que se chama pacto civilizatório.

    As dívidas impagáveis da humanidade são um reconhecimento pelas atrocidades que aconteceram no passado. E aconteceu uma atrocidade aqui, sim. Há 500 anos, europeus aqui chegaram e invadiram. Trouxeram influenza, trouxeram tuberculose, trouxeram uma centena de vírus. Aqui já existiam povos, e não eram subumanos, como os europeus diziam; eram povos com civilizações, com culturas, com diversidades.

    Nós não podemos retroceder ao passo de voltar a tratá-los como silvícolas, como um nível aquém, porque há uma conformação e uma convenção pela humanidade, dita pela humanidade. As dívidas impagáveis existem para que a humanidade avance, para que a humanidade reconheça, para que a humanidade compreenda que é na sua diversidade que ela existe, que o que existe não é uma cultura inferior à dos caripunas, galibis, galibis-maruornos, oiampis, só para citar alguns povos da nossa terra. É uma cultura diferente, diversa e que, assim, como cultura, deve ser respeitada.

    Foi nesse sentido que a civilização brasileira chegou. Foi para esse sentido que consagramos isso nesse texto constitucional de 1988. E foi nesse sentido que esse texto constitucional é avanço em relação aos demais. É nesse sentido e é essa evolução que nós chamamos de pacto civilizatório.

    Então, Presidente, ao fim e ao cabo, me parece que nós estamos, em primeira análise, ofendendo, porque não estamos tratando aqui somente de tempo...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) – ... de marco temporal de uma legislação. Ao fim e ao cabo, nós estamos fazendo um estatuto que restaura o trato que o branco tinha com os povos originários, a condição de tratá-los como silvícolas, como era na origem quando os europeus chegaram. É isso que aqui estamos fazendo. É esse o nível do retrocesso.

    Ao fim e ao cabo, nós estamos ofendendo e usurpando o que aqui está na Constituição. A Constituição de 1988 em nenhum momento tratou a questão de marco temporal. A Constituição de 1988, ao reconhecer o direito dos povos indígenas, reconheceu que nós tínhamos, sim, uma dívida com os povos originários daqui que deveria ser paga e deveria ser sobretudo...

    Falo para concluir, Presidente, somente um minuto...

(Interrupção do som.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) – ... sobretudo reconhecer os povos que aqui existem, com culturas diferentes das nossas, com valores diferentes dos nossos e que, junto conosco, constituem um povo só, o povo brasileiro, mas que, por aqui viver antes da chegada dos europeus, tem que ser assim reconhecido.

    A legislação, se triunfasse, seria um retrocesso histórico no que a civilização brasileira ao longo do tempo tratou. Ainda bem que não triunfará, porque padecerá sob o veto do Presidente da República e, em última análise, padecerá sob novo confronto com a inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal. E é assim que tem que ser, porque é a Suprema Corte que deve ser o intérprete da Constituição. Isto é assim em nossa democracia e nas outras, e todas as tentativas de usurpar a democracia, como invadir a Suprema Corte, já foram...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) – ... superadas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2023 - Página 68