Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a PEC nº 10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente permitir a comercialização do sangue humano e prejudicar os Hemocentros nacionais.

Autor
Zenaide Maia (PSD - Partido Social Democrático/RN)
Nome completo: Zenaide Maia Calado Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Saúde:
  • Indignação com a PEC nº 10/2022, que dispõe sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de plasma humano, por supostamente permitir a comercialização do sangue humano e prejudicar os Hemocentros nacionais.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2023 - Página 38
Assunto
Política Social > Saúde
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCURSO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REQUISITOS, COLETA, PROCESSAMENTO, COMPONENTE, SANGUE HUMANO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, PROVIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

    A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para discursar.) – Obrigada, Presidente Chico Rodrigues.

    Já parabenizo minha colega de Santa Catarina. Há a importância de mostrar a cidade que faz de tudo para atrair o turismo, porque a gente sabe que o turismo é uma das maiores fontes de renda deste país.

    Belo pronunciamento, uma fala edificante e uma fala promissora, viu, minha amiga?

    Mas, Sr. Presidente, colegas Senadores, colegas Senadoras, eu quero aqui falar neste Plenário desta Casa, porque nós estamos nesta Casa prestes a tomar uma decisão gravíssima, com sérias consequências para a saúde da população. Refiro-me aqui à Proposta de Emenda à Constituição 10, de 2022, que permite a venda do sangue e seus derivados, ao alterar o art. 199, da Constituição Federal, sobre as condições e os requisitos para a coleta e para o processamento de plasma humano por empresas privadas.

    Eu costumo dizer: o corpo humano não é mercadoria. Então, há implicações éticas claras, na medida em que os patrocinadores da proposta entendem como um produto comercial o sangue e o plasma humano, que são um produto comercial.

    Isso ocorre no momento em que a humanidade comemora o Dia Mundial do Doador de Sangue, agradecendo publicamente àquelas pessoas que, solidariamente, procuram os hemocentros para salvar vidas.

    A gente sabe que tem doadores que faz 20, 30 anos que, regularmente, a cada seis meses, procuram o seu hemocentro mais próximo e fazem essa doação; ou seja, ao mesmo tempo em que a especialista em saúde pública entende por estimular o ato generoso da doação, grupos que querem lucro querem fazer disso um comércio. E, é claro, há interesse econômico poderoso por trás disso.

    É um princípio básico da saúde pública o direito ao acesso seguro aos componentes do sangue. A gente sabe que isso foi uma luta grande.

    Sou médica da universidade e sei da importância da doação espontânea do sangue – isso salva vidas –, especialmente os concentrados de hemácia e de plaquetas e o plasma. Nesse princípio, há toda uma rede ligada ao SUS que abastece hospitais e serviços de saúde em todo o país. Isso é uma coisa que a gente conseguiu com uma luta árdua.

    O plasma é também uma matéria-prima para as indústrias que obtêm o seu processamento de subprodutos. Dele deriva os fatores de coagulação, a albumina, as imunoglobulinas, essenciais para o tratamento de algumas doenças, como, por exemplo, a hemofilia. E essas imunoglobulinas e albuminas, que são produtos caríssimos... Queria explicar aqui o que é a imunoglobulina, que hoje tem um leque de patologias que precisa dela; são para aquelas pessoas que são imunodeprimidas, aqueles que não formam anticorpo para as doenças.

    Antigamente, a gente tinha poucas patologias que entravam nesse rol de imunoglobulina, como a aids e outras. Hoje, nós temos um leque de doenças raras que precisam. Então, existe um olhar grande sobre isso.

    Sobre a imunoglobulina, eu dizia, por exemplo: se você levou... Assim, mais claramente, para as pessoas que estão nos assistindo verem o que é: você levou um ferimento, e não tem uma vacina contra o tétano em dia, você vai tomar imunoglobulina e se vacinar, porque a vacina demora até 60 dias para formar os seus anticorpos, e você já prepara os anticorpos, que são as imunoglobulinas, para lhe dar aquela segurança, enquanto o seu organismo se encarrega de criar essas células defensoras da saúde da população.

    Os defensores dessa PEC retrocedem aos anos 80. Quem não lembra quando a venda do sangue humano era permitida, gerando um nefasto comércio, pois pessoas desesperadas, que são as mais pobres, vendiam o seu sangue para comprar comida?

    Não é isso que a gente quer de volta, não é, Chico? A gente avançou um bocado para chegar aqui, salvando vidas, e não vamos retroceder.

    Além disso, há uma outra consequência óbvia, e isso me preocupa: a possibilidade dessa venda do sangue, que terá o efeito de diminuir os estoques nos bancos públicos. As pessoas que vão fazer coleta do plasma provavelmente não vão fazer a doação de sangue, e é o que mais os hospitais precisam.

    Só para lembrar aqui, nenhum cirurgião leva um paciente a uma cirurgia eletiva, uma grande cirurgia eletiva, sem ter a garantia do sangue. Todos conhecem isso. "Fulano vai se operar, e nós vamos doar sangue, para ter a garantia, se ele precisar".

    Outra coisa: nunca esquecer que tem crianças, idosos, mulheres e homens neste país que têm leucemias e outros tipos de cânceres, que praticamente a gente ouve muito dizer "ele tomou duas bolsas de sangue hoje".

    A hemorrede, na hora em que você tira o plasma, quem vai doar é quem precisa. Tirar o plasma para negociar, provavelmente essas pessoas que doam o sangue voluntariamente vão deixar de ir.

    Colapsar é botar em risco a vida de muita gente neste país.

    Por isso que eu faço um apelo aqui a esta Casa, à Comissão de Constituição e Justiça, pois mudar a Constituição para permitir a comercialização de parte do corpo humano é muito perigoso. A gente bota em risco a vida de muita gente.

    A gente vê o seguinte também, continuando isso aí: se o plasma for pago, é claro que as pessoas vão ver o seguinte: "Eu vou doar o meu sangue, e alguém vai faturar altíssimo – as empresas privadas – em cima do meu sangue e, com certeza, vai recuar.

    Gente, eu não conto as vezes que, num plantão no Hospital Universitário Onofre Lopes, em cirurgias de grande porte para serem executadas ou com pacientes com hemorragia digestiva, precisando de concentrado de hemácias e plaquetas, bastava um telefonema para o Corpo de Bombeiros, para a Polícia Militar ou para o Exército ou para a Marinha ou para a Aeronáutica, que, no outro dia, no Hemocentro, de manhã cedo, esse pessoal já estava dando voluntariamente o seu sangue para salvar vidas. Nisso, a gente não pode correr riscos.

    Eu digo que o Brasil tem instrumentos, nós precisamos, e, não, o plasma não está sendo descartado.

    A gente criou a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) e, essa empresa, Chico, Presidente, tem sido incansável para chegar a processar 100% do plasma, e não existe nenhuma garantia de que essa retirada de parte do sangue dos brasileiros vai retornar, nem que seja para a gente comprar em forma de albumina e de imunoglobulina. Não tem garantia para isso!

    Mas eu lhe digo sinceramente que, por isso, eu acho que a gente tem que rejeitar essa PEC, que trata a saúde pública como uma mercadoria, gente. Nada contra você aqui ser neoliberal, fazer pactuação público-privada, mas, com o corpo humano, eu acho que é ir longe demais.

    Pelo aumento do investimento estatal, é isso, Chico, que a gente tem que fazer. A gente tem que melhorar as situações dos nossos hemocentros, botando aqueles carros equipados para irem procurar o doador, e facilitar para que a Hemobrás consiga processar tudo.

    Quanto a essa desculpa de que o plasma está sendo descartado, a gente sabe que há um interesse econômico muito grande e forte por trás disso, mas isso é muito grave. Eu presencio isso. Como se diz, eu tenho experiência própria e vejo os brasileiros e brasileiras deste país, independente de a que setor pertençam, com esse ânimo de salvar vidas. Duvido... E a gente vê, até nos meios de comunicação locais, "criança, com tantos anos, precisando desse tipo de sangue" – não é assim? –, e todo mundo indo lá doar.

    Depois dessa comercialização, todas as associações médicas acham que haverá o risco de colapsar nossas hemorredes, levando milhares, centenas de brasileiros à morte, aquele que precisa de, como a gente diz, concentrado de hemácia e plaqueta, que é 75%, que é aquela parte sólida do sangue.

    Então, eu queria que a gente, ao invés... Se nós estamos falhando em algum lugar – o Estado brasileiro –, a gente tem que corrigir melhorando as condições de doação cada vez mais, porque isso é abrir uma jurisprudência para, daqui a pouco, a gente estar mudando a Constituição para a venda de órgãos. E o que é que a gente sabe? Quem mais doa sangue para a população brasileira é, na maioria, os mais pobres. E o SUS vai ter que comprar caríssimo essa albumina e importá-la novamente? A gente já sabe as condições da saúde, em que a gente precisa de muito mais investimento.

    Por isso, este apelo aos colegas Senadores: nada justifica a gente mudar a Constituição do país...

(Soa a campainha.)

    A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN) – ... para tirar algo que se construiu durante muitos anos, que é a solidariedade de brasileiros e brasileiras doarem sangue para salvar vidas.

    Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2023 - Página 38