Discussão durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 8, de 2021, que "Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais".

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Organização Federativa { Federação Brasileira , Pacto Federativo }:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 8, de 2021, que "Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais".
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2023 - Página 29
Assunto
Organização do Estado > Organização Federativa { Federação Brasileira , Pacto Federativo }
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VISTA, PRAZO, CONCESSÃO, PEDIDO, MEDIDA CAUTELAR, COMPETENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, OMISSÃO, AÇÃO DECLARATORIA DE CONSTITUCIONALIDADE, ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF).

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discutir.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores.

    Sr. Presidente, eu gostaria de tecer aqui alguns comentários sobre esta proposta de emenda à Constituição. E considero, em larga medida, que esta proposição é tanto inoportuna, peço vênia, peço perdão, quanto inócua, pelas razões que citarei aqui.

    Um ano atrás, os brasileiros foram às urnas não só para votar para Presidente, mas sobretudo para manifestar o seu irrestrito apoio à Constituição Federal e dizer basta a uma dantesca rotina de confrontação, capitaneada pelo então Chefe do Executivo contra os demais Poderes da União. Permanentemente, seja em eventos públicos, seja em tramas urdidas em porões, nós convivíamos com ameaças de golpe de Estado, de intervenção militar, de fechamento da Suprema Corte e do Congresso Nacional proferidas pelo então Presidente da República, em flagrante atentado contra a harmonia entre os Poderes. A isso o povo brasileiro disse não quando votou de forma soberana, limpa, democrática e transparente, em um processo eleitoral também constantemente desqualificado pelo Chefe de Estado e de Governo, que agiu por todos os meios para o deslegitimar.

    Nesse cenário, a independência do Poder Judiciário, bem como a altivez, a coragem e a determinação dela decorrentes, foi fundamental para pôr em marcha o sistema de freios e contrapesos do regime democrático, pelo qual os ímpetos golpistas puderam ser contidos, as eleições realizadas e os seus resultados legítimos assegurados. Empossado o novo Presidente, uma tentativa de abolição violenta do Estado de direito, perpetrada por vândalos golpistas, destruiu as sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro e, também aí, o Poder Judiciário foi fundamental para assegurar a ordem, o cumprimento da lei e a aplicação da justiça na medida exata dos crimes cometidos pelos golpistas.

    Então, parece-me que, neste momento, medidas que tenham por condão cercear as prerrogativas do Supremo Tribunal Federal, mesmo que bem-intencionadas, especialmente as prerrogativas que lhe são atribuições constitucionais, terminam servindo para fomentar o propósito político eleitoral daqueles que querem punir o STF pelo papel de enorme relevância que tem cumprido nesta quadra histórica. Não que o debate seja proibido ou desnecessário, ele só é totalmente inoportuno. E, nesse contexto pelo qual passa o Brasil, isso não é pouca coisa. Essa é uma maneira de manter vivo um tensionamento entre os Poderes constitucionais, que já nos trouxe enormes prejuízos políticos e institucionais e insuflou até mesmo os que viram nessa seara uma oportunidade de fragilizar a democracia e derrubar o Estado de direito.

    É também um equívoco, porque além de uma descortesia constitucional se imiscuírem em aspectos da dinâmica interna do STF, essa PEC versa sobre ritos sobre os quais o próprio STF já regulou. E falo da descortesia constitucional porque aquela Suprema Corte, incontáveis vezes instada a se manifestar sobre ritos legislativos típicos do Congresso Nacional, pacificou o entendimento de que tais assuntos são interna corporis, ou seja, questões que têm que ser resolvidas pelo próprio Congresso. Por que, então, seríamos nós a querer regular aspectos do trabalho daquele Poder?

    Lembro aqui que o STF decidiu, por seu pleno, em outubro de 2017, que a Corte não poderia promover o afastamento de Parlamentar de suas funções sem o aval da Casa de que é membro. Dessa forma, firmou jurisprudência de que medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal e impostas a Parlamentares têm de ser submetidas à análise da Câmara ou do Senado quando impedirem ou dificultarem o exercício do mandato. Em outra vertente, o Supremo decidiu também, em sessão administrativa realizada em outubro de 2020, que todos os inquéritos e as ações penais em trâmite naquela Corte voltam a ser de competência do seu plenário. A proposta de alteração do regimento interno do STF foi aprovada por unanimidade.

    Desde junho de 2014, com a entrada em vigor da Emenda Regimental nº 49, a competência para julgar inquéritos e ações penais obrigatórias havia sido deslocada do plenário para as duas turmas. Na época, o objetivo da alteração foi dar maior celeridade ao julgamento desses tipos de ação e viabilizar a atuação do plenário, sobrecarregado com o volume de procedimentos criminais originários. Com a alteração, a competência para julgar inquéritos e ações penais, nos crimes comuns contra Deputados e Senadores voltou a ser do plenário.

    Retornou ao plenário igualmente a competência para julgar, nos crimes comuns e de responsabilidade, os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

    Em outra alteração importante, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Emenda Regimental nº 58, de junho de 2023, regulou o prazo de concessão de vista. Para os processos cujos pedidos de vista se deram após a entrada em vigor da emenda, o prazo para a devolução automática é de 90 dias corridos, a contar da publicação da ata do julgamento no qual houve a interrupção pelo pedido de vista, ou seja, um tema que aquela Suprema Corte já enfrentou e decidiu.

    Em relação às liminares concedidas após a emenda, a submissão a referendo passou a ser obrigatória em ambiente virtual. Conforme as regras, se a medida de urgência resultar em prisão, o referendo deve ocorrer obrigatoriamente em sessão presencial. Assim, o próprio Supremo Tribunal Federal buscou, de forma correta, alterar seu regimento para dar celeridade processual adequada aos casos sob sua égide, além de tornar obrigatório em plenário o referendo sobre posições monocráticas. Acrescento ainda o papel fundamental da Suprema Corte na defesa das urnas eletrônicas, na transparência das eleições, no combate à desinformação, na defesa da democracia e agora no julgamento de todos os envolvidos na tentativa frustrada de golpe de Estado.

    Quero aqui me valer, Sr. Presidente, Parlamentar por quem eu devoto absoluto respeito e reconheço o papel que V. Exa. teve, no período mais crítico...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ...desses últimos anos, em defender a Constituição e a democracia. Por isso, quero me valer das palavras de V. Exa., em 18 de agosto de 2021, em um desses momentos dramáticos de ataque ao Estado de direito, abro aspas, "Radicalismos e extremismos são muito ruins para o Brasil e podem ser capazes de derrubar a democracia", fecho aspas, falando na tentativa de restabelecer a harmonia entre os Poderes e em defesa irrestrita do Congresso e do Supremo, àquela altura ameaçados de fechamento por impulsos despóticos e totalitários do então Chefe do Executivo.

    A harmonia entre os Poderes da União, como cláusula pétrea da nossa Constituição, é um exercício permanente e um dever...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Vou concluir, Sr. Presidente, peço-lhe apenas um minuto a mais.

    ... e um dever insofismável de todos nós. Não permite esmorecimento, não pode dar espaço a tentações políticas e é um compromisso com a democracia e com o Estado de direito.

    Nesse sentido, entendo, pelo que aqui aduzi, que a PEC é desnecessária e inoportuna, tanto mais porque o próprio Supremo, usando de boa técnica e de sensibilidade histórica, respondeu com decisões internas às questões apresentadas, que hoje essa proposta visa, num duplo e inócuo esforço, a novamente regular, parecendo um avanço provocativo às prerrogativas daquele Poder.

    Adentrar sobre assuntos interna corporis de outro Poder é abrir um perigoso precedente...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... atentatório à harmonia entre eles, que longe de ajudar a devolver o país à normalidade e reforçar o papel das instituições, atiça os ânimos daqueles que, pelas brechas e pelo caos, buscam minar nossas bases democráticas diante das fragilidades e fissuras abertas na estrutura do Estado de direito.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância. Muito obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2023 - Página 29