Discussão durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 8, de 2021, que "Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais".

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Organização Federativa { Federação Brasileira , Pacto Federativo }:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 8, de 2021, que "Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais".
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2023 - Página 38
Assunto
Organização do Estado > Organização Federativa { Federação Brasileira , Pacto Federativo }
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VISTA, PRAZO, CONCESSÃO, PEDIDO, MEDIDA CAUTELAR, COMPETENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, OMISSÃO, AÇÃO DECLARATORIA DE CONSTITUCIONALIDADE, ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF).

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discutir.) – Sr. Presidente, senhoras e senhores, nós temos que entender, já dizia o Ministro Eros Grau, que a Constituição não pode ser interpretada por retalhos ou por tiras. Tudo existe por uma razão de ser, Sr. Presidente. A Constituição Federal existe para assegurar a efetivação dos direitos difusos de todo brasileiro e brasileira, de todos os direitos inerentes à pessoa humana, e quem exerce esse poder é o Poder Judiciário.

    Ora, essa PEC trata de um único objetivo: acaba com decisão monocrática em ação de controle de constitucionalidade. Ora, quando o próprio Supremo Tribunal Federal já determina, no art. 21, que decisão monocrática deve ser levada imediatamente ao plenário! Os Poderes são independentes e harmônicos entre si.

    Eu acho que nós aqui não estamos caminhando no caminho adequado com essa PEC. E falo com bastante tranquilidade. Eu vou exemplificar, Senador Nelsinho Trad. Imaginem – só hipoteticamente –, imaginem que nós temos uma pandemia, que todos os órgãos de controle sanitário determinem lockdown, e temos um Presidente – hipoteticamente – que seja negacionista e baixe um ato determinando a abertura do comércio. Ora, está em jogo ali um principal bem jurídico que é a vida humana!

    Acaba-se agora com decisão monocrática. Com essa PEC, não é mais possível um ministro decidir e determinar que aquele ato do Presidente da República é inconstitucional e preserva o principal bem jurídico que é a vida humana e o respeito à integridade física. Vai se esperar e, apenas quando se reunir o Plenário, irá se decidir sobre assunto de tamanha urgência.

    Digo mais! Nem mesmo colocando, na Constituição Federal – o que nós estamos fazendo aqui –, pode uma norma de direito processual se sobrepor a um direito material! Eu exemplifico na área que é minha competência, Código de Processo Penal. Se você pegar lá, e todo mundo fala, a Justiça é lenta, demora. Se a pessoa é presa, fica seis anos para responder a um processo e ser condenada. O problema está na lei. Eu falo "não, não basta você colocar isso na lei". E eu pontuo o porquê. Conclusão do inquérito, dez dias, pelo art. 10 do Código de Processo Penal. Oferecimento de denúncia, art. 46, cinco dias. Prazo para apresentar resposta à acusação, art. 396. Prazo para concluir instrução, 60 dias, art. 400. Prazo para apresentar alegações, art. 403, dez dias. Apelação, art. 593, cinco dias. Proferir sentença, apelação, não poderia ultrapassar seis meses.

    Ora, esses prazos são cumpridos? É óbvio que não. Nós estamos querendo legislar e interferir no Poder Judiciário quando nós não sabemos a realidade que é o Poder Judiciário. Quantas ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade versam sobre direitos difusos e coletivos, que já são concentradas ou não, e é preciso se debruçar sobre a matéria? O próprio Regimento Interno determina que, em ação monocrática, deve o Relator submeter imediatamente aquela decisão ao Plenário.

    O que nós estamos fazendo aqui? Nós não estamos inovando. Nós estamos violando aquele art. 2º da Constituição Federal, que diz que são Poderes independentes e harmônicos entre si o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Nós não queremos que haja nenhuma interferência aqui interna corporis no Senado, mas nós estamos fazendo isto hoje. E digo mais: há que se ter em mente que o Poder Judiciário tem que sopesar, valorar, mensurar esses valores. É a ponderação de princípios.

    Eu vou dar um exemplo muito didático. Imagine que uma mãe, testemunha de Jeová, por convicção religiosa, não autoriza a urgente transfusão de sangue do seu filho recém-nascido. Olha, nós temos ali dois bens jurídicos constitucionais. Um é o direito à liberdade religiosa, mas eu tenho o direito à vida. O Supremo já pacificou isto: que, quando há dois bens jurídicos constitucionais em conflito, um há que se sobrepor. Nesse caso, a vida tem que se sobrepor.

    O que nós estamos fazendo aqui? Nós estamos violando o art. 2º. Nós estamos interferindo numa determinação que é do próprio Supremo Tribunal Federal. É o Poder Judiciário que faz essa ponderação de princípios. Não basta você colocar uma norma de processo em termos de prazo quando esse prazo vai interferir num direito constitucional ali estabelecido.

    A Constituição Federal, minha gente, é a espinha dorsal do Estado democrático de direito, e todos nós temos interesse no fortalecimento dessa espinha dorsal. Nós não podemos deixar de reconhecer isso. E digo até mais: não há que se falar que os juízes ou que o Supremo ficará impedido de decidir. Sabe por quê? Porque aqui há o poder geral de cautela do juiz e do Poder Judiciário. Isto não sou eu que estou falando; isto está no art. 5º, item XXXV, da Constituição Federal, que diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Então, não pode uma norma de direito processual se sobrepor a um direito material.

    O que essa PEC faz tem como pano de fundo, única e exclusivamente, acabar com decisão monocrática em ação de controle de constitucionalidade, com efeito erga omnes, quando isso é uma função do Poder Judiciário.

    Por isso que eu subo a esta tribuna para defender o voto contrário a essa PEC, uma vez que nós estamos legislando em matéria interna corporis do Poder Judiciário, e é o Poder Judiciário que tem essa função constitucional para garantir e efetivar os direitos fundamentais a todos os brasileiros e brasileiras, com a ponderação de princípios, com o devido processo legal. Mas agora, no exemplo que eu dei de uma pandemia, não vai ser mais possível uma decisão monocrática para tutelar o principal bem jurídico, porque o Senado vai aprovar, a tendência é aprovar essa vedação de decisão monocrática em ação direta de constitucionalidade ou inconstitucionalidade com efeito erga omnes.

    Eu lamento que o Poder Legislativo aja dessa forma. Eu lamento que o Poder Legislativo tenha um comportamento nessa linha, porque o que se passa não é que nós não estejamos invadindo uma função; nós estamos, sim, invadindo a função do Poder Judiciário, essa é uma realidade.

    E cito aqui três exemplos em que eu fico muito à vontade: o Supremo decidiu o marco temporal, nós aqui, para dar uma resposta, aprovamos o marco temporal; o Supremo fala em descriminalização de substância entorpecente, nós colocamos na Constituição Federal porte de substância entorpecente como crime; agora nós estamos aqui determinando, acabando com decisão monocrática em ação de controle de constitucionalidade, com efeito erga omnes, quando a função do Poder Judiciário é garantir a todo brasileiro e brasileira que seja dada a garantia de seus direitos fundamentais, e isso pode requerer urgência, e essa urgência não será mais dada para decisão de ministro do Supremo do Tribunal Federal.

    Eu fico triste com essa decisão, fico triste com esse encaminhamento que se dá, mas eu tenho esperança de que a Câmara dos Deputados...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... em aqui passando essa PEC, a Câmara efetivamente se debruce sobre esse tema com mais serenidade, com mais equilíbrio, para manutenção e efetivação daquela determinação, que eu vou morrer defendendo, que é o art. 2º da Constituição Federal: são Poderes independentes e harmônicos entre si o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2023 - Página 38