Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à resolução aprovada pelo TSE sobre o papel das plataformas digitais no processo eleitoral por supostamente violar as disposições do Marco Civil da Internet. Reflexão sobre a necessidade do Parlamento exercer seu papel na regulação do espaço cibernético. Expectativa quanto à aprovação na CCJ, nesta quarta-feira, da PEC no. 45/2023, que prevê a criminalização da posse e porte de drogas.

Autor
Izalci Lucas (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: Izalci Lucas Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Eleições, Telefonia e Internet:
  • Crítica à resolução aprovada pelo TSE sobre o papel das plataformas digitais no processo eleitoral por supostamente violar as disposições do Marco Civil da Internet. Reflexão sobre a necessidade do Parlamento exercer seu papel na regulação do espaço cibernético. Expectativa quanto à aprovação na CCJ, nesta quarta-feira, da PEC no. 45/2023, que prevê a criminalização da posse e porte de drogas.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2024 - Página 27
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direito Eleitoral > Eleições
Infraestrutura > Comunicações > Telefonia e Internet
Matérias referenciadas
Indexação
  • ANALISE, RESOLUÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), NORMA JURIDICA, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, INTERNET.
  • CRITICA, IMPUTAÇÃO, NORMA JURIDICA, REGULAMENTAÇÃO, INTERNET, RESPONSABILIDADE, PLATAFORMA, REMOÇÃO, CONTEUDO, DESNECESSIDADE, NOTIFICAÇÃO, USUARIO, ORDEM JUDICIAL, COMPROMETIMENTO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, POSSIBILIDADE, REFORÇO, CENSURA.
  • ANALISE, RESTRIÇÃO, OPERAÇÃO, EMPRESA, TECNOLOGIA DIGITAL, CONSEQUENCIA, CUSTO, SISTEMA, VIGILANCIA, REMOÇÃO, CONTEUDO, COMPROMETIMENTO, COMPETITIVIDADE, SETOR.

    O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - DF. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, Senadores e Senadoras, o tema que vou abordar é exatamente o que V. Exa. também colocou: entre a regulação e a liberdade, avaliando os impactos da nova resolução do TSE no marco civil da internet.

    Vamos discutir aqui a recente resolução do TSE apontada como contrária ao marco civil da internet. Essa análise visa expor as falhas intrínsecas da norma e suas repercussões potencialmente prejudiciais, englobando aspectos econômicos, jurídicos e políticos.

    Inicialmente, é imperativo destacar a controvérsia em torno do art. 9º-E da mencionada resolução. Este estabelece a responsabilidade solidária das plataformas digitais na pronta remoção de conteúdos especificados, sem a necessidade de notificação por usuários ou ordem judicial prévia. Então, fica a plataforma digital com essa obrigação de remover, retirar os conteúdos, inclusive sem notificação e sem ordem judicial.

    Tal premissa desencadeia um debate sobre a violação ao marco civil na internet, que prescreve a responsabilização das empresas de tecnologia apenas após determinação judicial, exceto em casos específicos já definidos em lei.

    Ao impor às plataformas a obrigação de monitorar e remover conteúdos de forma proativa, a resolução colide frontalmente com a liberdade de expressão, suscitando temores de censura indireta pelo excesso de zelo na moderação dos conteúdos.

    A assertiva de que as empresas devem atuar como árbitros do discurso público durante o período eleitoral é não apenas um desvio de sua função original, mas também um convite à prática de uma vigilância massiva e desproporcional, com graves implicações para a democracia digital.

    Ademais, ao equiparar as plataformas digitais a veículos de mídias tradicionais em termos de responsabilidade pelo conteúdo, ignora-se a natureza distinta dessas empresas, que são, primordialmente, facilitadoras do compartilhamento de informações e não produtoras ou editoras de conteúdo. A plataforma não cuida do conteúdo. Ela cuida, exatamente, de facilitar esse diálogo, esse compartilhamento de informações.

    Esse entendimento equivocado pode resultar em um ônus insustentável para as big techs, potencializando o risco de remoções arbitrárias de conteúdo, com impactos deletérios à pluralidade e ao debate público saudável.

    Importante ressaltar também que, embora a resolução vise combater desinformação e discurso de ódio, sua abordagem ampla e imprecisa suscita preocupações significativas quanto à legalidade e à proporcionalidade das medidas.

    A tentativa de antecipação de juízo pelas plataformas sem o devido processo legal pode conduzir a um estado de vigilância constante e à autocensura, além de, possivelmente, sobrecarregar o Judiciário com litígios resultantes da contestação da remoção de conteúdos.

    Com efeito, o regime de responsabilidade das plataformas de internet delineado pelo marco civil da internet, que foi amplamente debatido aqui, na Câmara e no Senado, durante a construção do projeto, continua a ser crucial, especialmente no que tange à liberdade de expressão e à regulação das atividades da internet.

    Inicialmente, a proposta do marco civil incluía um sistema de notificação e retirada que foi rejeitado em consulta pública. A crítica a esse modelo residia na preocupação de que levaria a uma censura excessiva, pois as plataformas, temendo a corresponsabilidade, optariam por remover todo e qualquer conteúdo notificado. Esta abordagem, indubitavelmente, teria asfixiado a liberdade de expressão, empurrando as plataformas para uma postura excessivamente cautelosa, prejudicando, assim, o debate público e a diversidade de ideias.

    Optou-se, então, por um modelo que só responsabiliza as plataformas após a desobediência de uma ordem judicial. Tal medida reconhece o Judiciário como um árbitro final do que é lícito e do que é ilícito, respeitando a liberdade de expressão e evitando a censura prévia. Entretanto, não se pode ignorar que essa solução, embora equilibrada, traz consigo desafios significativos.

    Em termos de legislação e jurisprudência, o art. 19 do marco civil é um texto pioneiro que busca equilibrar direitos fundamentais com a liberdade de expressão e a responsabilidade civil. No entanto, esse equilíbrio é precário e requer constante vigilância para garantir que não desvie para a censura ou para uma liberdade irresponsável.

    No que concerne às implicações econômicas, a norma pode impor severas restrições operacionais às empresas de tecnologia, afetando a sua capacidade de inovação e a competitividade do mercado digital brasileiro. O custo de implementação de um monitoramento tão abrangente, especialmente considerando a possibilidade de sanções, pode desencorajar qualquer investimento e a entrada de novos players no mercado, com reflexos negativos para a economia digital nacional.

    Juridicamente, a resolução parece caminhar na contramão das garantias constitucionais de liberdade de expressão e do devido processo legal. A possibilidade de responsabilização sem ordem judicial contraria princípios basilares do direito brasileiro, abrindo precedentes perigosos para futuras interpretações legislativas e judiciais. Por certo, a abordagem atual, embora tenha suas virtudes, não está isenta de falhas e desafios. Precisamos de uma regulamentação que preserve a liberdade de expressão, promova a responsabilidade e esteja preparada para os desafios futuros.

    Talvez seja a hora de considerar ajustes no marco civil, buscando uma solução mais flexível e adaptável, que possa efetivamente responder às necessidades de nossa sociedade digital, sem comprometer os nossos valores democráticos. Neste ponto, é crucial enfatizarmos que o foro adequado para discutir e moldar as normas que regem a sociedade digital é o Parlamento. Somos nós, legisladores eleitos pelo povo, que devemos debater, construir consensos e estabelecer leis que refletem os valores e as expectativas da nossa sociedade. Delegar essa responsabilidade a qualquer outro órgão, por mais respeitável que seja, significa abdicar do nosso papel constitucional e ignorar o mandato que nos foi confiado pelos cidadãos.

    Desse modo, convoco este respeitável Senado a reafirmar o seu compromisso com a democracia, assumindo a vanguarda na discussão sobre a regulação do espaço cibernético, e garantir também que qualquer medida adotada seja fruto de amplo debate legislativo, refletindo o equilíbrio cuidadoso entre segurança, liberdade e inovação.

    Cabe a nós, e somente a nós, definir os contornos legais que assegurarão um futuro digital que honre os princípios da justiça, liberdade, democracia, que tanto prezamos. Assim, reitero aqui, Presidente, a minha convicção de que, diante dos desafios impostos pela evolução digital, devemos ser firmes e assertivos na defesa dos valores democráticos. Não podemos permitir que resoluções precipitadas ou unilateralmente impostas comprometam o equilíbrio entre liberdade e segurança, que tanto buscamos preservar em nossa sociedade.

    Portanto, a resolução em análise, embora motivada pela legítima preocupação com a integridade do processo eleitoral, parece ser marcada por excessos regulatórios que podem trazer mais prejuízos do que benefícios à sociedade. É imprescindível buscar um equilíbrio que proteja a democracia tanto das ameaças da desinformação, quanto dos riscos da censura.

    Agradeço a atenção, Presidente, porque essa matéria... Eu digo sempre aqui, o TSE normatiza, executa, fiscaliza e julga. Não dá para pegar um projeto de lei que nós estávamos discutindo aqui e fazer uma resolução em cima de uma matéria que não foi aprovada. Agora, esta Casa precisa, de fato, discutir, elaborar e regulamentar essa questão, porque, quando a gente não faz, acaba incentivando os outros a fazer. Foi exatamente o que aconteceu e acontece sempre com o TSE.

    Então, nós precisamos agir urgentemente para que não aconteça o que está na resolução, colocando as plataformas como órgão de censura. Elas é que vão pela norma do TSE dizer se o conteúdo é ou não é, tirar ou não o conteúdo sem autorização judicial. Então, não dá para brincar com isso. Eu tenho as minhas ressalvas, sim, como auditor e como contador. Eu não estou convencido. E não é o fato de não estar convencido que eu não posso dizer que eu desconfio, sim. Porque há vários elementos, vários indícios da forma, inclusive de como o TSE trata as eleições com relação às urnas. Eu já fiz aqui, no mínimo, três audiências públicas sobre isso. Eu tenho as minhas dúvidas. Então, a gente não pode se omitir e depois ficar reclamando de que realmente o TSE ou o Supremo está invadindo as nossas prerrogativas.

    Por falar em prerrogativas, eu digo sempre aqui que muitas pessoas que têm o poder de decidir, de fazer normas, deveriam conhecer um pouco melhor lá na ponta o que acontece. Eu não sou advogado, então, matéria jurídica a gente tem uma certa dificuldade em debater. Mas, diante do abuso do Supremo Tribunal Federal de ficar interpretando essas matérias que nós já definimos aqui, em especial o que está sendo votado no Supremo, que é a descriminalização das drogas, eu fui, nesse final de semana, visitar algumas delegacias e delegados. E ficou claro, para mim, que essa narrativa que o Ministro Barroso e outros ministros colocam que diz que "no Brasil, só vai preso preto e pobre"... Nesse aspecto aqui das drogas, o que o delegado deixou claro para mim, e é verdade: primeiro, se for identificado por um agente da polícia civil – normalmente eles fazem a operação já gravando, filmando e, às vezes, até dura uma semana –, leva a pessoa para a delegacia.

    Lá, então, verifica se há provas, se há ou não indícios de tráfico de drogas ou se é porte apenas, se é um usuário apenas. Se não tiver consistência, ele é solto imediatamente. Muitas vezes até sai primeiro que o próprio policial militar, se foi um policial militar que o levou.

    Mas, mesmo que haja indício, existe a audiência de custódia, que tem lá o defensor e o Ministério Público. Após a audiência de custódia ainda vai para o juízo original. Então, ninguém prende assim da noite para o dia, sem direito de defesa, sem nada. Não, há todo um processo antes de qualquer prisão.

    Então, essa colocação do Supremo de querer colocar um peso, 60g, 15g, 200g, sei lá, é um absurdo porque os usuários, os traficantes principalmente, vão se adequar realmente à norma. Então, se forem, por exemplo, 10g que eles querem definir – falou-se em 60g –, mas 10g, Presidente, dá 30 baseados. Então, o que vai acontecer? Todo mundo vai – todo mundo que mexe com droga, os traficantes em especial – usar em torno de trinta, vinte e poucos baseados e sair vendendo por aí, e não serão presos exatamente pela decisão do Supremo.

    Por isso é que nós, então, vamos votar na quarta-feira, às 10h30, a PEC, na CCJ, que deixa clara a criminalização do porte e da posse de drogas. De uma vez por todas, vamos deixar isso muito claro. Vamos aguardar evidentemente a conclusão da votação do Supremo e votar aqui no Plenário, então, definitivamente a PEC.

    E, pelo que a gente acompanha e conversa com os nossos colegas, eu não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos, de fato, aprovar e confirmar essa criminalização, porque é um absurdo, todas as áreas, todos os argumentos que você vê em relação a isso são inconsistentes. Os países que já liberaram estão voltando atrás.

    É claro, é óbvio o prejuízo realmente que as drogas causam aos usuários. A gente está vendo aí já um monte de zumbis por todo o país – aqui, inclusive, em Brasília –, principalmente, por falta de políticas públicas: são jovens que não têm qualificação profissional, e a gente luta aqui há anos, falando isso. Eu fui o Presidente da Comissão que aprovou o novo ensino médio, que, infelizmente, está sendo modificado ainda antes mesmo de ser consolidado, implementado. E aí nós temos uma geração imensa de jovens que não estudam e nem trabalham e que estão à mercê desses traficantes que oferecem vantagens para que eles possam fazer o seu trabalho.

    Portanto, Presidente, nós precisamos assumir o nosso papel aqui de legislar. A gente fica reclamando muitas vezes – e com razão – das interferências do Supremo Tribunal Federal, mas precisamos reagir, e rápido. Não dá para aceitar uma resolução dessa sem... como sempre aconteceu.

    Com essa resolução do TSE, com base realmente no projeto de lei das fake news, pode realmente voltar a censura. Nós já vimos esse filme antes do que pode e do que não pode. E nós vamos deixar para quem decidir isso? Para as plataformas? Ou para o próprio Governo? Então esse é um assunto que tem que ser debatido aqui. E a gente precisa regulamentar essa questão, porque, como V. Exa. falou aqui, hoje a inteligência artificial é capaz de fazer absurdos aí, inclusive com imagem e com áudio, imitando perfeitamente as pessoas. Mas não podemos deixar o TSE regulamentar isso.

    Ao mesmo tempo, não podemos também inibir ou dificultar a criatividade nossa. O Brasil já está superatrasado com relação à inteligência artificial. Então nós não podemos, em função também dessas preocupações, podar os nossos jovens, que são criativos, e as nossas empresas, no sentido de evolução da inteligência artificial. Temos que ter uma solução de fiscalização, com o apoio do Poder Judiciário, porque aí, sim, ele pode decidir – e tem que agilizar o processo de decisão – e também penalizar, porque o maior problema do Brasil hoje é esse clima de impunidade, porque lei tem demais. Agora, tem que aplicar as leis no momento certo, na dose certa.

    Então eu conclamo os nossos colegas a discutirem essa matéria o mais rápido possível...

(Soa a campainha.)

    O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - DF) – ... pois as eleições municipais estão chegando. Mas nós não podemos aceitar que o TSE normatize tudo e depois execute, fiscalize e julgue do jeito que está fazendo.

    Era isso, Presidente.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2024 - Página 27