Discussão durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2024 - Página 45
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discutir.) – Quer conceder, Sr. Presidente, antes? (Pausa.)

    Sr. Presidente, senhoras e senhores, a quem se destina essa proposta de emenda à Constituição? Essa proposta de emenda à Constituição – eu faço esta pergunta – vai resolver o problema da segurança pública, de combate à criminalidade, aos grandes traficantes? Não. Ela está preocupada com a saúde pública daquela pessoa que tem em casa um filho que tem problema com dependência química? Também não. Essa proposta de emenda à Constituição se preocupou em definir por critérios objetivos e subjetivos qual conduta típica será para o tráfico ou para porte de substância para o uso próprio? Também não. Ela simplesmente diz que, pelas circunstâncias fáticas, portar substância entorpecente para uso próprio é crime.

    Ora, o Congresso Nacional, através da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sancionou a Lei 11.343, ocorrendo ali a chamada despenalização. Ou seja, no tipo penal previsto no art. 28, de posse de substância entorpecente para uso próprio, não mais se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança; o nome não vai ser lançado no rol dos culpados e não vai para a folha de antecedentes criminais.

     Ele é advertido, ele vai comparecer a programas para ajuda; é isso que nós temos que falar para a população. Aquela população que pensa que essa PEC vai combater a criminalidade e combater o tráfico está sendo enganada.

    Eu lembro um episódio: eu era delegado de plantão, um pai chegou desesperado no plantão com um carro e me conduziu até o veículo dele. Abriu o porta-malas do carro e o filho dele estava todo amarrado com uma corda – dependente químico –; e ele, olhando para mim, falou: "Pelo amor de Deus, doutor, prenda o meu filho". Aquele pai não quer que o filho seja preso, ele quer uma ajuda do Estado. E o que nós estamos fazendo aqui, mais uma vez, é contribuir para que o Estado criminalize a cor da pele, criminalize a pobreza. Senador Nelsinho, eu não tenho dúvida: o critério que vai ser para você definir quem é traficante ou usuário vai ser o local onde ele está sendo detido, se for bolsão de pobreza; em que está sendo vilipendiado em seus direitos, como na falta de saneamento básico, saúde pública, iluminação pública, unidade de saúde. No caso daquele jovem preto, naquele local, eu não tenho dúvida, o despacho fundamentado de natureza subjetiva vai ser que ele vai ser traficante.

    Nós vamos colocar na cadeia traficantes, traficantes no sentido de pessoas que usam substância entorpecente como sendo traficantes, que não são, são pessoas que precisam de ajuda. Eu quero aqui falar que nós temos que aumentar, inclusive, a pena para traficante! Nós temos que colocar de forma muito mais contundente o traficante, sim! Eu morro defendendo que o apenamento para o traficante seja cada vez mais rigoroso. Agora, ao dar esse tratamento a uma pessoa dependente por substância entorpecente, nós estamos retroagindo na nossa lei, porque o art. 28 já fez a chamada despenalização.

    É preciso também se falar aqui de uma circunstância fática de extrema importância: o perfil socioeconômico da população carcerária do Brasil. Nós temos uma população carcerária em que 68,2% dessa população é composta de pretos e pardos, porque o Estado brasileiro tem um racismo estrutural. Nós temos estudos – e em alguns dos votos dos Ministros se fala isso – segundo os quais um homem branco, para ser tipificado como traficante, tem que estar portando 80% a mais que aquela substância entorpecente encontrada com um homem preto. Eu não tenho dúvida de que a um jovem, aqui no Plano Piloto, filho de classe média, com uma pequena quantidade, vai ser atribuída posse de substância entorpecente para uso próprio; mas com a mesma quantidade, um homem preto, nos bolsões de pobreza, vai ser tipificado como tráfico ilícito de entorpecente.

    Então, eu não poderia deixar de falar aqui, de manifestar a minha preocupação, porque nós não estamos resolvendo o problema fundamental. Se os senhores me respondessem que efetivamente nós estamos definindo quais são as condutas que serão tipificadas como traficante e quais condutas serão consideradas como porte de substância entorpecente para uso próprio... Mas não é isso que está acontecendo.

    E digo mais: o que o Supremo Tribunal Federal está fazendo não é ativismo, porque uma das funções dele é atender a um princípio constitucional da inafastabilidade jurisdicional, que está no art. 5º, item 35: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Então, se nós, Parlamentares, nos acovardamos, se nós nos intimidamos, se nós não definimos, por circunstâncias objetivas e subjetivas, quem é traficante e quem é usuário, o Supremo Tribunal Federal é instado a dizer. Não foi por um ato voluntário dele e não foi por um momento agora não, porque essa discussão está no Supremo Tribunal Federal há exatamente 13 anos, quando um homem dentro do presídio foi flagrado com 4g de maconha – 4g de maconha! Então, essa discussão já ocorre há 13 anos no Supremo Tribunal Federal, e a resposta que o Senado dá é alterar a Constituição.

    E digo mais: alterar a Constituição porque em projeto de emenda à Constituição não se ouve o Chefe do Executivo. Como que o Presidente da República, os Governadores, os gestores vão implementar políticas públicas se sequer eles foram ouvidos nesse debate, nesse tema tão importante, sequer houve a participação deles para efetivamente implementarmos.

    E digo mais: mesmo se alterarmos a Constituição Federal, da forma como está sendo feito, Senador Marcelo, por força do que determina o art. 60, §4º da Constituição Federal, de que não será objeto de emenda constitucional qualquer emenda constitucional que violar direitos fundamentais, nós estaremos alterando um direito fundamental. Corre-se o risco de, oportunamente, futuramente, ser declarada a inconstitucionalidade dessa proposta de emenda à Constituição.

    E não venham falar em ativismo do Supremo, porque o Supremo está ali num papel contramajoritário, num papel representativo, num papel iluminista, empurrando a história para o rumo certo, como guardião do Estado democrático de direito, como guardião daquilo que eu chamo a espinha dorsal desse Estado democrático de direito, que é a Constituição da República Federativa do Brasil.

    Eu não tenho dúvida de que essa PEC não define quem é traficante e quem é usuário e, pior ainda, vai cada vez mais agravar o sistema prisional para colocar na cadeia, como se fosse traficante, pessoas que têm problemas de dependência química.

    Eu faço este apelo e este convite a você que está nos assistindo aí, você, mãe e pai, você, tio, você que tem um filho ou um irmão que tem problema com dependência química: você acha que o seu filho precisa ser considerado criminoso, precisa ser atribuída a ele cadeia ou você efetivamente quer que o Estado seja humanizador e atenda, olhe, cuide, implemente políticas públicas para cuidar daquele problema, que é de saúde pública?

    Rigor para traficante, condenação de traficante, equiparando-se a crime hediondo, aumento da pena para traficante tem em mim um defensor, mas não vamos fazer isso com a população, porque tenho certeza de que ela vai ser subjugada, humilhada, execrada, vilipendiada, mais uma vez, desprovida de todos os seus direitos fundamentais, de todos os seus direitos inerentes a qualquer cidadão ou cidadã brasileira. Não vamos fazer isso com a população que mais precisa, aquela população em que, não tenho dúvida, volto a falar, 68%, quase 70% da população carcerária são de pretos e pardos.

    Não vamos fazer isso com a população que mais precisa, aquela população de que, não tenho dúvida, volto a falar, 68%, quase 70% da população carcerária são de pretos e pardos. Isso tem que me dizer alguma coisa. Isso tem que nos dizer alguma coisa, porque é cômodo para nós, homens brancos, ricos, engravatados, decidirem a vida de milhões de pobres. Isso tem que me dizer alguma coisa, quando eu tenho estudo de que um homem branco, para ser considerado traficante, tem que estar 80% acima daquela mesma quantidade que um homem preto e pardo.

    Não sejamos cruéis com a população que mais precisa. E teremos que ter a altivez, a serenidade...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... o equilíbrio emocional para dar uma resposta, sim.

    Eu queria aqui – teria o meu voto com todo o prazer – que nós estivéssemos aqui enfrentando o problema: quem considera traficante com requisitos de natureza objetiva e subjetiva. Mas não é isso que estamos fazendo, nós estamos botando mais uma vez...

    Falo isso como testemunha que fui de 27 anos como delegado: em ocorrência conduzindo um homem pobre, preto, num bairro bolsão de pobreza, com a quantidade pequena de maconha, fundamenta-se o despacho para ser considerado traficante; a mesma quantidade para um homem branco em bairros nobres, posse para uso próprio.

    É esse o caminho que nós queremos traçar? Eu faço uma reflexão aos colegas Senadores e Senadoras.

    Eu sei que às vezes o discurso populista contamina melhor. Eu sei que seria fácil fazer um discurso falando: olha, essa PEC é boa; mas essa PEC...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Só para concluir.

    Essa PEC só vai tratar, volto a frisar, de como o seu filho aí que tem problema de dependência vai ser tratado – eu não tenho dúvida – como traficante. E isso nós não admitimos e não queremos.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2024 - Página 45