Discussão durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Autor
Marcelo Castro (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Marcelo Costa e Castro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2024 - Página 55
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. MARCELO CASTRO (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PI. Para discutir.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, em 2006, nós aprovamos, aqui no Congresso Nacional, a Lei das Drogas e, nessa lei, nós fizemos uma distinção entre o que seria um usuário e o que seria um traficante. Colocamos penas muito gravosas para quem era o traficante, e aquele que fosse considerado usuário poderia receber admoestações, poderia receber orientações, poderia ir ao médico, prestar serviço à coletividade, mas não sofreria pena privativa de liberdade. É o que está na nossa Constituição.

    Como é que se faz para saber se uma pessoa que foi pegada com alguma quantidade de droga é um traficante ou se ela é um usuário? A Associação Brasileira de Jurimetria fez um trabalho na cidade de São Paulo, Sr. Presidente, e fez um levantamento minucioso. Chegou à conclusão de que as decisões judiciais eram as mais díspares possíveis. Se uma pessoa era jovem e era pegada com alguma quantidade de maconha – porque o caso que está em pauta aí é a maconha –, a tendência era de ser considerada um traficante. Se era uma pessoa mais idosa, a tendência era de ser considerada um usuário. Se ele era pegado, digamos, no centro da cidade, a tendência maior era julgar que era um usuário. Se era pegado na periferia, um traficante. Então, a Associação Brasileira de Jurimetria fez um estudo completo.

    O Ministro Alexandre Moraes relatou isso com detalhes, mostrando que, nas decisões judiciais no Brasil, na hora em que o policial, o delegado, o Ministério Público, o juiz julga, é uma subjetividade muito grande. Isso traz uma discricionariedade muito grande e uma disparidade de julgamento.

    Nós colocamos na lei que várias circunstâncias teriam que ser cotejadas para chegar à conclusão de se era um usuário ou se era um traficante. Entre aqueles itens que nós colocamos, colocamos lá a quantidade de droga, só que nós colocamos na lei a quantidade e não dissemos que quantidade era essa, e chega ao Supremo Tribunal Federal um recurso extraordinário para o Supremo responder. O Supremo é obrigado a responder. E, aí, o que é que fez o Supremo? Pegou a legislação mundial, especialmente a legislação de Portugal, que é um Estado-irmão nosso, que tem um sucesso muito grande no enfrentamento das drogas, e disse: "Olhe, Portugal botou que 25g é um valor razoável". Menos disso, há uma tendência a ser usuário; mais disso, há uma tendência a ser traficante.

    Mas aqui, Sr. Presidente, eu tenho observado que muitos Senadores que se pronunciam dizem: "Ah, pegou com 20g, ele é um usuário". Não, tem várias outras circunstâncias que têm que ser levadas em consideração. Então, o camarada estava com a balança? Estava com o celular com a relação de pessoas que entregavam drogas? Alguém viu ele comprando drogas? Alguém dedurou que ele comprou drogas? Quer dizer, há uma série de circunstâncias e, entre elas, a quantidade, que é uma que vai ser também levada em consideração.

    E o Ministro Barroso teve todo o cuidado, para a gente não dizer que ele estava invadindo a competência do Legislativo, e disse: "Estamos usando provisoriamente a norma de Portugal, de 25g, até que o Congresso Nacional se manifeste". Por quê? Porque nós cometemos, nós deixamos um lapso aí quando nós dissemos que a quantidade deve ser levada em consideração, mas nós não dissemos que quantidade é essa. Então, a lei não diz qual quantidade.

    Aí o Supremo está dizendo, provisoriamente, 25g. É um dos itens que deve ser levado em consideração.

    Então, Sr. Presidente, agora me preocupa que eu vejo o mundo ocidental marchando no sentido de uma certa tolerância, de uma certa liberalização. E nós estamos no sentido contrário: nós estamos voltando à década de 70, do Richard Nixon, "guerra às drogas". A "guerra às drogas" não levou a nada; começou nos Estados Unidos, e hoje os Estados Unidos são um dos países que mais fazem a descriminalização das drogas, sobretudo da maconha, que é o que está em jogo. Então, nós estamos caminhando contrariamente à tendência, pelo menos do mundo ocidental.

    E mais, aqui, como psiquiatra, Sr. Presidente, me preocupa. Eu vi aqui o Senador Hiran falando de um parente que ele tem, que há 40 anos traz transtornos para a família porque é um usuário, um dependente de drogas. Agora nós estamos dizendo que ele além de dependente, além de doente, ele é um criminoso? Isso é razoável? Eu entendo que não, eu sou psiquiatra.

    Tem gente que usa maconha recreativamente. Isso está na intimidade e na privacidade da pessoa. Ele não está causando lesividade a ninguém, ele não está causando danos a ninguém, ele não está prejudicando a vida de ninguém. Ele tem o direito, está na Constituição, da sua privacidade. Eu acho que é problema dele.

    Tomar vacina não, porque, se o camarada não se vacinar, ele está levando a doença para os outros, mas você se infligir um autodano, normalmente a Justiça não entende isso como objeto de justiça.

    Mas tudo bem, aí nós vamos dizer, todo mundo que for pego no Brasil com um baseado de maconha é um criminoso? E o doente é um criminoso?

    O que a sociedade ganha em dizer que um doente, que é dependente de droga, além de ser um doente e dependente de droga, é um criminoso? Eu não acho razoável isso.

    Eu acho, sim, o traficante, combater o tráfico, a gente deve ir com todo o rigor e com toda a força e ter um olhar mais tolerante para aquele que é doente, que é dependente e que naturalmente não tem o controle sobre esses atos aí.

    Por isso que tenho me manifestado contra essa droga, pois acho que nós estamos enfrentando um problema, eu disse numa reunião, nós estamos resolvendo um problema que não existe, um pseudoproblema.

    Se nós dissermos, "todo mundo que usa droga, todo mundo que for pego com qualquer quantidade de droga, qualquer quantidade de maconha é um criminoso", isso vai melhorar a sociedade brasileira em quê? Eu entendo que em nada. Com o que nós estamos fazendo, nós não estamos contribuindo para a sanidade e para a saúde do brasileiro.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2024 - Página 55