Discussão durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2024 - Página 50
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discutir.) – Sr. Presidente, senhoras e senhores, eu descobri em pouco tempo como político, Senador, que na política não há espaço para homens covardes, e eu tento exercitar isso diuturnamente no meu mandato.

    Subo a esta tribuna aqui, de novo, para falar também que, na qualidade de Delegado de Polícia por 27 anos, uma função como garantidor de direitos, eu recebia diuturnamente... E agora eu quero falar para você, mãe, você, D. Maria, Sr. José, Sr. João, Sr. Pedro, você que tem um filho dependente químico, você que tem um filho que, infelizmente, é viciado. Quantas vezes eu, como delegado de plantão, Senador Nelsinho Trad, recebi a Polícia Militar me conduzindo um jovem muitas das vezes com pouca idade, mas, infelizmente, acabado pelo uso da substância entorpecente, aquele jovem de quem foi tirado tudo, até a dignidade? E aquela família ali, desesperada, pedindo socorro ao Estado brasileiro. Mas aquela família, eu tenho plena convicção disso e por isso que eu tenho a coragem de aqui subir a esta tribuna, não quer que o seu filho que é dependente seja tratado como criminoso, porque agora ela vai ter duplo encargo: além de ter um filho dependente, agora ele vai ser criminoso.

    Isso não sou eu que estou dizendo; é o que nós aqui estamos fazendo e que, infelizmente, conta com a participação e o aval de muitos dos meus colegas, a quem eu tanto admiro.

    O único momento em que a Constituição Federal ousa colocar e inserir crimes dentro dela foi quando ela quis, por sua natureza, invocar aqueles crimes de tortura, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecente, leis de segurança nacional e racismo. Agora nós, vendendo um discurso fácil para a população brasileira, porque é um discurso fácil, nós estamos enganando a população brasileira de que estamos resolvendo o problema da criminalidade. Não se combate a criminalidade criminalizando o dependente; não se combate a criminalidade encarcerando pretos e pardos; não se combate a criminalidade fazendo esse recorte na sociedade.

    Colocar na Constituição Federal, que já foi remendada 132 vezes, que portar substância entorpecente para uso próprio é crime, o que nós estamos fazendo de inovação? Eu desafio todos os Senadores aqui que são a favor dessa PEC que me provem por A mais B que essa PEC está definindo quem é traficante e quem é usuário. Não, mas é cômodo; é cômodo o Estado lançar longa manus e atingir aquela população que mais sofre.

    Eu quero, D. Maria, a senhora que está aí com o seu filho com dependência química, que a senhora vai ver o seu filho sendo algemado, sendo tratado como dependente, mas agora como criminoso. E digo mais, rotulado com despacho fundamentado porque, circunstâncias fáticas para atribuir quem é traficante ou quem é usuário eu não tenho dúvida de que vai ser a cor da pele; eu não tenho dúvida de que vai ser o bolsão de pobreza, porque eu já fiz isso, eu já recebi ocorrências dessa natureza.

    Um pobre preto num morro desprovido de todos os direitos humanos essenciais, direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal, para aquele pobre preto com a bucha de maconha o despacho fundamentado é que ele é traficante. E, além daquele dependente ser dependente, precisando de ajuda do Estado, vai ser cerceado de sua liberdade agora com o crime hediondo constitucional.

    Agora, não podemos nos furtar de reconhecer que, infelizmente, essa é uma realidade que o Estado criminaliza a pobreza. Aqui, em bairros nobres, em Brasília, ou no meu Espírito Santo, nos bairros nobres, um mesmo jovem rico, com a mesma quantidade, a ele o tratamento vai ser de um dependente. O que é que nós estamos fazendo de positivo com essa PEC? O que é que nós estamos respondendo para a população de combate à insegurança pública? Porque o que a população quer é segurança pública, é o cumprimento da determinação do art. 144; de que segurança pública é direito de todos, mas é dever do Estado.

    O que aquela família quer com o seu filho dependente de substância entorpecente não é que ele seja tratado como criminoso. Não, não é isso. Ele quer que o Estado exerça aquele princípio constitucional do art. 37, da legalidade, da eficiência. É essa a eficiência que nós temos que ter: é se colocar na dor do outro, é ter empatia. Mas é cômodo para nós, engravatados e brancos, aumentar penas para pobres e pretos, para furto de cabos de energia. É cômodo para nós colocar na Constituição que portar substância entorpecente para uso próprio é crime, sendo que isso nós já fizemos, já foi sancionado pelo então Presidente da República, que foi a Lei 11.343, em que, no art. 28, no tipo penal de porte de substância para uso próprio, houve a chamada despenalização – ele não é preso em flagrante, não é fixada fiança.

    Então, o que é que, de novo, Senador Humberto, nós estamos fazendo? O que é que, de novo...? Porque eu queria, sim, que este Senado tivesse a altivez de falar "constitui conduta tipificada no art. 33, que é tráfico de entorpecentes", e de estabelecer, ali, requisitos de natureza subjetiva, mas também de natureza objetiva.

    Agora, eu volto a afirmar que uma pessoa dependente química no Brasil que precise de ajuda vai ser tratada como criminosa. É isso que você, Senador, Senadora ou qualquer pessoa que está nos assistindo, que tem um filho, um parente que é dependente químico, quer? É esse o tratamento que você quer? Que a ele seja dado o rótulo "além de dependente, criminoso", e, "além de dependente e criminoso, traficante"? Sim, porque, nos bolsões de pobreza, vilipendiados pela ausência do próprio Estado, aquele jovem, aquele rapaz, aquela moça vão ser tipificados como traficantes.

    Ora, estudos apontam, minha gente, estudos apontam que nós temos uma população carcerária, Senador, em que mais de 69% da população carcerária hoje é de pretos e pardos. Isso não diz nada para os senhores? Isso não diz nada para a gente? Isso não inquieta? Porque isso me inquieta diuturnamente – não porque eu tenho dois filhos pretos, mas porque eu fui utilizado pelo Estado, por 27 anos, para agir de forma contundente contra pobres, pretos, pardos! É isso que tem que ser dito!

    E nós estamos aqui, fingindo, como Alice no País das Maravilhas. Alice chega para o gato e diz: "Você me ensina a sair daqui?". Ele fala assim: "Tudo depende de para onde você quer ir". E Alice diz: "Ah, não me importa". E o gato responde: "Então não importa o caminho que você deva tomar". Qual é o caminho que nós estamos tomando aqui no Senado? Nós estamos nos acovardando. Nós não estamos tendo a coragem de subir aqui e falar: olha, nós não estamos dando uma resposta para definir quem é traficante; nós não estamos dando uma resposta para definir quem é usuário; e nós só vamos chancelar esse racismo, que é...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... estrutural: 69% da população de pretos e pardos.

    Amigos e amigas que eu amo, queridos, vamos acordar para isso!

    Eu tenho estudos. Um homem branco, para ser tipificado como traficante, tem que estar com 80% a mais do que um homem preto! Será que isso não incomoda a todos nós? Nós não podemos perder a capacidade de indignação. Por isso eu tenho a coragem de subir aqui, mais uma vez, para falar "Não a essa PEC".

    O rigor ao traficante, não tenho dúvida disso, mas atribuir àquele jovem que tem um problema de dependência química, que agora, além de ser tratado como dependente, vai ser tratado como criminoso, me perdoe. Como a literatura move minha vida,...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – ... eu não poderia deixar de concluir, e não se sintam ofendidos, eu não poderia deixar de concluir com um trecho de um poema de José Régio, que é o pai do presencismo, o eu dentro da poesia:

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

(...) os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes [...] [canteiros],

Tendes jardins, tendes [...] [estradas],

Tendes [...] [caminhos]

(...)

[...] tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha [...] [a minha chama a arder na noite escura]

(...)

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

(...)

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

[que] ninguém me peça [as] definições!

[Que] ninguém me diga: "Vem por aqui"!

[...] [Eu sou como o] vendaval que se soltou,

[...] [Como a] onda que se alevantou,

[...] [Como] um átomo a mais que se animou...

Não sei [...] [para] onde vou,

Não sei para onde vou,

[Só] Sei que não vou por aí!

Obrigado, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Obrigado, Senador Fabiano Contarato.

    Para discutir, concedo a palavra ao Senador Jorge Seif. (Pausa.)

    Senador Fabiano Contarato, para um breve registro, antes do próximo orador.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Pela ordem.) – Perfeito, Senador.

    Desculpe, todos acompanharam aqui a tragédia, infelizmente, no meu Estado do Espírito Santo. Nós tivemos aí 20 pessoas que vieram a óbito e vários estão desaparecidos.

    Quero agradecer o empenho do Governo Federal na pessoa do Presidente Lula, e de todos os ministros.

    Quero enaltecer aqui a atuação do Governador Casagrande para mitigar os danos. Eu não poderia deixar de fazer esse registro e pedir a V. Exa. esse requerimento, nos termos do Regimento Interno do Senado Federal, para inserção em ata de voto de pesar das 20 vítimas dessa chuva e dos que estão desaparecidos. Eu não poderia também...

    Como uma singela homenagem, quero aqui falar o nome delas.

    Clara Treggi Moutinho, 92 anos.

    José Ricardo de Oliveira, 67 anos

    Adair Antônia Fernandes, 43 anos

    Denise Beraldes Mendes, 39 anos

    Flávia Barbosa Almeida, 20 anos

    Gilda Hastemreitez Leite, 49 anos

    Lorena Moraes Miguel, 16 anos de idade.

    Luzia Catarina, 61 anos de idade.

    Rosa Tome, 81 anos

    Heloiza Cornelio, 7 anos de idade – 7 anos de idade!

    Antonio Marcos Fernandes, 52 anos de idade.

    Davi Gomes, 51 anos.

    Nelson Martins, 91 anos.

    Rodrigo Moraes, 22 anos.

    Sergio Luiz, 60 anos.

    Ester Santána dos Santos, 25 anos.

    João Carlos Alves Ferreira, 53 anos.

    Regina Montella Vançato, 79 anos.

    Denise Ramos Vançato, 29 anos.

    Leonardo Fernandes Medeiros, 5 anos de idade.

    Em homenagem a elas e todas as vítimas fatais e que estão desaparecidas, e todas aquelas que sofreram danos, eu faço aqui esse registro de votos de solidariedade.

    E que a gente não perca jamais a capacidade de se humanizar e de se indignar.

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Nós podemos, sim, prevenir essas catástrofes. Nós sabemos que isso é fruto de um aquecimento global, e eu acho que aqui esse voto de pesar é o mínimo que podemos fazer. Eu peço a compreensão dos colegas Senadores e Senadoras.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2024 - Página 50