Discussão durante a 41ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2024 - Página 50
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discutir.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, acho que este é um assunto extremamente sério, grave que não pode ser discutido no tema do histrionismo, às vezes até de uma certa histeria, mas dentro de uma racionalidade.

    O que nós estamos debatendo hoje é algo que temos que fazer. Uma PEC que procura criminalizar integralmente a posse de entorpecentes independentemente da sua quantidade, como uma resposta ao STF, nem mesmo algo que esteja absolutamente casado com os grandes problemas da população brasileira... E essa emenda constitucional é um atestado de que nós falhamos, de que essa política punitivista e repressiva é ineficaz e produz impactos devastadores.

    Vou fazer algumas colocações importantes aqui.

    Primeiro, o que aconteceu no Brasil desde quando a estratégia tem sido essa é o encarceramento excessivo, é a superlotação das prisões, é mais criminalidade e violência, é o aumento do próprio consumo de drogas e a ampliação do mercado ilegal que existe no nosso país. Além disso, com a superlotação das prisões, inclusive com jovens, o que tem feito é ampliar o exército que é recrutado nas prisões para trabalhar a serviço das organizações criminosas.

    Nós deveríamos estar discutindo a política de drogas com medidas de tratamento, de redução de danos, que fossem acessíveis a quem precisa, mas nós estamos criminalizando. Eu falo como psiquiatra que sou e que já trabalhou durante um largo período com dependentes de álcool e de outras drogas. Sei, inclusive, que esta PEC, em vez de estimular aquelas pessoas que sintam necessidade de ter tratamento médico a procurarem um serviço de saúde, na verdade, vai afastá-las. Procurar um serviço de saúde é reconhecer a condição de usuário ou dependente, quando, portanto, está submetido à possibilidade de ser criminalizado e responder a processos vários.

    Nós, se aprovarmos esta medida aqui, vamos ter que ampliar muito a quantidade de prisões no Brasil. Para se ter uma ideia, em 2017, foi feito um levantamento de pessoas que, em algum momento, recentemente àquela pesquisa, tinham feito uso de droga ilícita. Chegou-se a encontrar 3,6 milhões de pessoas que tiveram esse consumo. Nós vamos colocar todas essas pessoas na prisão?!

    Na verdade, o que esta proposta vai fazer, em vez de enfrentar o problema do tráfico, que está sendo enfrentado pelo Governo Federal, com a Polícia Federal, com o desmantelamento da estrutura econômico-financeira das organizações criminosas, como está fazendo o Ministério Público no Estado de São Paulo, que está mostrando a relação espúria entre tráfico de drogas, entre organização criminosa e negócios legais... Era isso que a gente deveria estar discutindo aqui e não dizendo que quem for preso com qualquer quantidade de drogas vai ser processado.

    Imagine alguém que esteja com a quantidade que seja de droga e que aí vá ser processado. Aqui fala em separar usuário de traficante, mas na prática não faz isso, porque admite pena para quem é usuário ou dependente – pena alternativa, obrigatoriedade de tratamento. Isso já é a punição. Essas pessoas deixam de ser rés primárias para serem pessoas com antecedentes criminais. O que nós precisamos no nosso país é dar aos dependentes, dar aos drogadictos a possibilidade de um tratamento humanizado, tirando-o da esfera criminal e fortalecendo a rede de atenção psicossocial que temos no nosso país.

    O que vai acontecer... E é verdade, não adianta esbravejar, porque a realidade está mostrando isto: esta é uma lei para ampliar a discriminação contra as pessoas pobres, contra as pessoas marginalizadas, contra as pessoas negras, contra as pessoas que vivem na periferia. Isso vai atrás dos aviõezinhos. Os grandes traficantes moram, no Rio de Janeiro, lá na Tijuca; moram, em São Paulo, nos Jardins; moram, em Recife, nos bairros mais nobres. E o que é que se está propondo para enfrentar esse problema? Esta PEC não enfrenta esse problema, esta PEC só vai ampliar o processo de criminalização de pessoas pobres, negras e periféricas. Portanto, ela não é resposta para o problema que nós estamos enfrentando e vivendo. E, por essa razão, eu entendo que devemos rejeitá-la.

    E rejeitar esta PEC não é legalizar droga nem flexibilizar o uso de drogas, de forma alguma. A lei que prevalecerá é a lei que já existe, a de 2006, uma lei que tratou dessa temática. É um tema que, inclusive, deve ser analisado sob a ótica da Constituição, com uma emenda constitucional. Quando a Constituição prevê os crimes, que ela deixa claramente explícitos que os são, inclui o tráfico ilícito de drogas e não o uso de drogas. Nós estamos ultrapassando a própria previsão constitucional para tentar criar essa situação, que certamente não vai resolver o problema das pessoas que precisam ser vistas, quando dependentes do uso de drogas, como pessoas que necessitam de um tratamento.

    E esse tratamento pode ser diverso; pode ser um tratamento com medicamentos, pode ser um tratamento com a psicoterapia individual, com a psicoterapia de grupo, com o A.A., com tantas outras possibilidades que são válidas para que alguém encontre a melhor maneira de se libertar das drogas. Agora, tornar essas pessoas criminosas, tornar essas pessoas parte de um sistema penal que nós sabemos que é profundamente injusto, com toda certeza, não é a solução.

    Será que a lei vale igualmente para todos? Agora mesmo, nós vimos um caso gritante de um filhinho de papai com um carro comprado aí por mais de R$1 milhão que, embriagado, mata uma pessoa de classe média que dirigia o seu carro e fazia uber...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Essa pessoa, porque era rica, foi liberada pela polícia. Depois, por duas vezes, a sua prisão preventiva foi rejeitada. Ah, se fosse um pobre! Ah, se fosse um negro! Ele já estaria na cadeia há muito tempo.

    Por isso, nós precisamos avançar para buscar aquilo que é o adequado, o correto: é nós entendermos que a questão das drogas é um problema de saúde pública em primeiro lugar e é um problema da repressão na outra ponta, quando nós tratamos da oferta. Esta PEC aqui não trata nem de uma coisa nem de outra; ela trata de criar as condições para que as cadeias no Brasil estejam ainda mais superlotadas e para que os pobres continuem a ter a sua saga de serem os únicos atingidos pelo sistema penal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2024 - Página 50