Discussão durante a 41ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Autor
Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: Rogério Carvalho Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Individuais e Coletivos:
  • Discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 45, de 2023, que "Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2024 - Página 52
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Matérias referenciadas
Indexação
  • DISCUSSÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discutir.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, em primeiro lugar, eu quero dizer que o STF ou o STJ ou o juiz de primeira instância não saem à procura daquilo que vai ser objeto de discussão – eles são provocados. E, neste caso em particular, quando se trata de definir uma regra mais objetiva sobre o que é tráfico e o que é posse para uso, é uma provocação que vem acontecendo em vários processos que chegaram à Suprema Corte. Então, querer trazer o problema para a Suprema Corte como ela estar legislando é não lembrar o papel que ela tem de julgar casos objetivos, que ela julga baseada num histórico de eventos que se repetem e que chegam àquela Corte. E eu queria, dito isso, dizer que eles têm o papel de tomar a decisão, baseados na Constituição, do que é e do que não é fazer justiça; do que é e do que não é possível de ser tratado no âmbito da Justiça. Acho que essa é uma questão que a gente precisa sempre observar: nenhum órgão do Judiciário vai se posicionar sem ter provocação histórica de eventos, de fatos que ocorrem.

    O que está em discussão aqui, Sras. e Srs. Senadores, e com que eu quero concordar, é que nós estamos questionando, ao mesmo tempo, a Justiça, mas dando a servidores públicos do Judiciário ou da polícia o poder discricionário para definir quem é dependente químico e quem é traficante, e essa discricionariedade é a base de toda ou da maior parte da corrupção que a gente tem em todos os países. Quanto maior a discricionariedade ou o poder contido na mão de um servidor maior a possibilidade de a gente ver atos de corrupção e de injustiça, e de injustiça. Então, se a gente quer fazer justiça, esta Casa tem por obrigação estabelecer critérios objetivos do que é a condição de dependente químico e o direito individual daquela pessoa que tem uma patologia crônica, porque a dependência química é uma doença crônica que não tem cura, que a pessoa carrega para o resto da vida e que precisa ser encarada dessa forma.

    Sendo assim, transferir para terceiros – eu chamo a atenção de todos aqui –, para um agente público se aquela pessoa é traficante ou é dependente químico é gerar injustiça, é gerar um sistema que vai colocar muita gente inocente e sem necessidade na prisão.

    Então, é importante que a gente entenda que aqui não está em debate a descriminalização das drogas, não é esse o tema que está em debate; o debate que se encontra aqui é o que é considerado porte para consumo e o que não é considerado porte para consumo. Na verdade, nós estamos criminalizando o dependente químico e estamos definindo que o dependente químico vai ter tratamento de traficante, neste momento, nesta votação. Então, é importante que a sociedade brasileira, que o povo brasileiro entenda o que está em debate neste momento, porque senão a gente vai votar em cima de uma ideia equivocada, como se aqui estivéssemos votando contra a liberação desta ou daquela droga. Ninguém está votando aqui para descriminalizar as drogas no Brasil. Essa não é a votação. A votação, repito, é sobre dar a um agente público o poder de definir quem é dependente químico e quem é traficante, e isso é aumentar a injustiça.

    Eu quero dar um dado para todos: essa situação colocou 40% de mulheres no presídio por tráfico de drogas; a maioria das pessoas que estão nos presídios hoje, mais de 60%, é de origem africana: são pretos ou pardos; a maioria das apreensões de drogas no Brasil não é feita entre pretos e pardos, é feita entre pessoas de pele branca, mas quem está na cadeia são os pretos e pardos, na sua grande maioria.

    Então, nós vamos ampliar a injustiça? Nós vamos dar mais poder e mais discricionariedade, se a gente pode definir objetivamente o que é, que é o que o STF está fazendo, baseado num histórico?

    E a gente não tem que ter esse posicionamento infantil de dizer que é prerrogativa da Câmara, do Senado, do Congresso ou é prerrogativa do Judiciário! Ambos têm prerrogativas e a prerrogativa do Judiciário, ao analisar um caso objetivo, pode gerar jurisprudência, sim, pode gerar análise ao bem e para o bem da sociedade!

    Essa disputa infantilizada, arcaica, menor, não vai trazer nem paz, nem consolidação da institucionalidade democrática brasileira. Essa disputa não interessa ao Brasil. O que nós precisamos aqui é definir claramente e ter a clareza de que dependente químico precisa ser tratado pelo sistema de saúde e não pelo sistema prisional brasileiro.

    E o que está sendo feito hoje aqui, essa votação, vai tratar dependente químico como potencial morador do sistema prisional brasileiro e, mais – e mais! –, vai botar um monte de gente na cadeia, que vai ficar estigmatizada. Já é pobre, já é preto, já tem uma série de discriminações sofridas e ainda vai ter a ficha de que foi preso por tráfico. Essa pessoa não vai conseguir emprego, essa pessoa vai entrar no lugar que a gente pode chamar de universidade do crime.

    Então, para que tratar dependente químico como caso de polícia? Dependente químico se trata como problema de saúde pública.

    E chamo a atenção: o que está em discussão aqui não é a descriminalização das drogas, o que está em discussão aqui é aumentar a discricionariedade de servidores públicos que vão tratar dependente químico como criminoso e vão tratar a dependência química como um caso de polícia e não como um caso de saúde.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2024 - Página 52