Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para o relatório publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a fome no Brasil e comentários sobre os avanços e desafios encontrados no país. Defesa da PEC nº 30/2023, que prevê o estabelecimento do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Autor
Chico Rodrigues (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco de Assis Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Desenvolvimento Social e Combate à Fome:
  • Destaque para o relatório publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a fome no Brasil e comentários sobre os avanços e desafios encontrados no país. Defesa da PEC nº 30/2023, que prevê o estabelecimento do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2024 - Página 31
Assunto
Política Social > Proteção Social > Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Matérias referenciadas
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), FOME, INSEGURANÇA ALIMENTAR, BRASIL.
  • APOIO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PREVISÃO, LEI FEDERAL, CRIAÇÃO, PLANO NACIONAL, SEGURANÇA ALIMENTAR, NUTRIÇÃO, ARTICULAÇÃO, Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), REGIME DE COLABORAÇÃO, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, OBJETIVO, ESTRATEGIA, IMPLEMENTAÇÃO, COMBATE, FOME.

    O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR. Para discursar.) – Isso mesmo, meu caro colega e amigo, Senador Plínio Valério. Eu ontem que tive a felicidade de relatar um projeto de sua autoria, que foi fundamental para as universidades brasileiras, que vão ter a oportunidade também, com recursos da Petrobras, da ANP, de trabalharem no sentido de desenvolver pesquisas nas bacias sedimentares, o que vai ajudar bastante na descoberta de fontes de petróleo e gás neste país tão imenso, onde a Amazônia, o Nordeste tem também o direito, as universidades têm o direito também de pesquisarem. E aí o fizemos, eu como Relator, V. Exa. como autor de um projeto fundamental para essa descoberta de novas fontes de petróleo.

    Eu gostaria de tratar hoje aqui, reconhecendo, e já o fiz na Presidência desta sessão, o sofrimento que vivem os gaúchos com essa catástrofe terrível, que tem abalado todos os brasileiros – todos os brasileiros. A gente tem conversado com as pessoas, tem visto exatamente aquele sentimento de sofrimento coletivo. E desejamos exatamente que as ações a serem desencadeadas possam, na verdade, começar a dar vida novamente a essas milhares de pessoas que foram atingidas e obviamente a seus familiares espalhados pelo Brasil inteiro.

    Mas eu gostaria de tratar de um tema hoje: o IBGE publicou, há poucos dias, um novo relatório com dados sobre a fome no Brasil. A fome, de que eu venho falando já há mais de quatro anos.

    Diante dos resultados divulgados, alcançamos um quadro de considerável avanço. No entanto, como convém a todo e qualquer debate social, é preciso uma reflexão mais profunda sobre essa questão, que é a fome endêmica que se alastra nesse país. De fato, se levarmos em consideração o quarto trimestre de 2023, dos cerca de 80 milhões de domicílios particulares permanentes no Brasil – 80 milhões de domicílios –, cerca de 73% estão em situação de segurança alimentar, ou seja, contam com acesso permanente à alimentação adequada.

    Segundo o módulo Segurança Alimentar do PNAD, tal proporção cresceu 9,1 pontos percentuais em relação à última pesquisa feita pelo IBGE sobre o tema, em 2018, quando 63% dos domicílios se encontravam nessa condição.

    Não por acaso, uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas já havia antecipado, há alguns dias, resultados bem semelhantes. Nessa pesquisa, os dados mostravam que a extrema pobreza havia chegado, em 2023, ao menor nível registrado, cerca de 17 milhões de brasileiros.

    Bem ou mal, graças a esforços mais rigorosos de apuração e leitura de dados, os técnicos da pesquisa do IBGE parecem ser mais cautelosos. Nas conclusões, embora pontifiquem que a fome tenha recuado no país em cinco anos, ponderam que ainda está acima do patamar de 2013, dez anos depois.

    Em uma nação cronicamente desigual, como é o caso do Brasil, a atenção pública direcionada à garantia alimentar adquire importância imperiosa. O combate à fome em nosso país tem que ser prioridade absoluta. Deve estar acima de qualquer divisão ideológica ou partidária e precisa se tornar uma política de Estado e não de governos.

    Políticas públicas emergenciais devem ser somadas a planos de segurança alimentar de médio e longo prazo, como propus na proposta de emenda à Constituição, a PEC 30, de 2023. Essa PEC, de minha autoria, institui o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com atualização a cada cinco anos, definindo diretrizes, objetivos e metas, além de organizar um sistema colaborativo entre todos os níveis federativos para o combate à fome.

    Somente por meio de um planejamento continuado como este e com o compromisso permanente do Estado brasileiro – e não dos governos –, em todos os níveis federativos, alcançaremos a erradicação da vergonha que é a fome, numa condição famélica de boa parte da população brasileira.

    A julgar pelos resultados que temos apurado décadas após décadas, medidas governamentais contra a fome têm sistematicamente atravessado períodos alternados de discreta melhoria e de recuo. A gangorra econômica na qual o nosso desenvolvimento se move parece determinar o ciclo de melhoria e agravamento nas políticas relacionadas à segurança alimentar brasileira.

    Por isso mesmo, o fantasma da fome tem acompanhado desde sempre a história nacional. E por melhores que sejam os números, é preciso lembrar que, em pleno ano de 2023, a insegurança alimentar ainda ronda 27,6% dos lares brasileiros. O problema da fome no Brasil já era para estar nos livros de história. Em um país gigante, com tanta potencialidade de produção agrícola, ainda vivemos mergulhados em índices horrorosos como esses.

    Não nos custa recordar também que já fomos mais eficientes. Em 2013, a proporção de domicílios em segurança alimentar havia atingido o melhor nível na série histórica, cerca de 78% dos lares brasileiros. Mas essa conquista não durou muito. Em 2018, já havíamos desabado a patamares próximos a 65%.

    Vale esclarecer que o conceito de insegurança alimentar se estende desde a incerteza quanto ao acesso ao alimento no futuro até a falta de comida para todos os moradores. Na prática, o que se deduz é que 64 milhões de brasileiros não dispõem ainda de acesso pleno a alimentos para suprir suas necessidades em qualidade e em quantidade.

    Em outras palavras, um em cada quatro brasileiros apresentou algum grau de insegurança alimentar em 2023. Isso equivale a dizer que, nessa categoria, os moradores não sabiam, ao menos, se teriam comida suficiente ou adequada, na mesa, para o dia.

    Tais condicionamentos decorrem, como já havia adiantado, da explanação dos dados colhidos recentemente pelo módulo Segurança Alimentar da Pnad, do IBGE. Aliás, a mesma pesquisa aponta que, das cerca de 64 milhões de pessoas que vivem nesses domicílios com insegurança alimentar, aproximadamente 12 milhões enfrentam uma situação ainda mais dramática, enquanto outros 8 milhões beiram praticamente a fome. Vou repetir, minha gente: 8 milhões de brasileiros beiram a fome.

    Em contraste, na mesma planilha de 2023, aproximadamente 58 milhões de domicílios particulares estavam em situação de segurança alimentar. Cumpre, contudo, ressalvar que, desses 58 milhões, cerca de 22 milhões ainda exibiam alguma dificuldade de acesso a alimentos.

    Por isso mesmo, na avaliação dos analistas da pesquisa, os dados colhidos em 2023 podem ser considerados de moderado otimismo. Para eles, houve, sim, aumento explícito da proporção de domicílios em segurança alimentar, assim como diminuição na proporção de todos os graus de insegurança alimentar. No entanto, repito, o otimismo é moderado, porque ainda há 64 milhões de pessoas vivendo com algum grau de insegurança alimentar. É o que nós presenciamos no cotidiano deste país.

    De acordo com a última pesquisa do IBGE, o cenário de insegurança alimentar grave foi mais expressivo nas áreas rurais do país. A proporção de domicílios particulares em insegurança alimentar moderada ou grave nessas regiões foi de 12,7%, contra 8,9% nas áreas urbanas.

    As diferenças não cessam por aí. Ao analisar a situação alimentar por faixa etária, o IBGE identificou que cerca de 38% das crianças com até quatro anos viviam em domicílios com algum tipo de insegurança alimentar, sendo que 4,5% conviviam com insegurança alimentar grave. Na faixa entre 5 e 17 anos, esse número é um pouco menor: 37%, dos quais 4,9% conviviam com insegurança alimentar grave.

    Regionalmente, os contrastes também se avultam. As Regiões Norte e Nordeste registraram na pesquisa os maiores percentuais de lares com redução de quantidade e de qualidade de alimentos ou risco de fome: quase 8%. Sem sombra de dúvida, a insegurança alimentar é mais presente e mais visível nas Regiões Norte e Nordeste. No nosso caso regional particular, a Região Norte registra apenas 60% de domicílios particulares em estado de segurança alimentar.

    Diante desse quadro, a preocupação com a fome deve ser permanente. Não podemos permitir que as melhorias nos indicadores sejam passageiras e que voltemos à gangorra de descontinuidades. Não podemos nos dar ao luxo de, uma vez mais, fracassar na implementação de múltiplas políticas públicas de combate à fome que permitam um avanço contínuo. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, não podemos admitir conviver com a fome.

    Sr. Presidente, esse é um tema sobre que nós já, há quase quatro anos, estamos nos debruçando aqui nesta Casa e é interessante porque, quando você vê quase 300 milhões de toneladas de grãos, a produção do Brasil, prevista agora para 2024, quando você vê os volumes gigantescos da exportação de commodities, principalmente, a soja, o milho, enfim, você verifica que isso é fundamental, sim, para a economia do país.

    Obviamente que na balança comercial têm um peso enorme as nossas exportações. No entanto, eu entendo que deve haver políticas públicas de governo, e não de governos, que transcendam para o momento em que nós vivemos e, olhando pelo retrovisor do tempo, para os demais momentos.

    Nós não podemos conviver com a vergonha da fome a vida inteira. Somos um dos maiores exportadores de grãos do mundo, produtos, inclusive, essenciais. A soja tem um desdobramento de dezenas de outros subprodutos, provenientes da sua industrialização; o milho – nem se fala! –, que é esse alimento universal e base da alimentação da maioria do povo brasileiro; e o feijão; enfim, o arroz; e ainda nós convivemos com o fantasma diário da fome em milhares e milhares de lares brasileiros.

    Portanto, para esses projetos que apresentamos, essa PEC que apresentamos, é necessário que haja um envolvimento do Governo, até porque o Congresso é a Casa que desenvolve os projetos, apresenta as leis e o Governo executa. Mas entra governo e sai governo e a fome não se cala. A fome não espera.

    Então, eu gostaria de deixar hoje aqui mais esse registro em mais um pronunciamento com mais esta preocupação, que é permanente, porque não é justo, num país gigantesco como este, em que o mundo nos assiste, diariamente, a produzir cada vez mais... O nosso setor agrícola é exemplo para o mundo. Mesmo assim, nós também temos que conviver com esse fantasma de sermos o exemplo para o mundo de não alimentação do seu povo.

    Portanto, deixo esse registro aqui. E a gente que anda por esse país inteiro, do meu Estado de Roraima ao Sul do país, ao leste e ao oeste, a gente vê, nessas andanças sinuosas pelo país inteiro, esse fantasma da fome que assola milhares de lares brasileiros.

    Então, é um alerta, é um grito de alerta e gostaria de que o Governo acordasse, despertasse para esse fantasma que assola as famílias brasileiras, que é a fome.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2024 - Página 31