Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Em fase de revisão e indexação
Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, internautas que nos seguem pelas redes sociais, eu quero, no dia de hoje, aqui da tribuna, expressar o meu repúdio à vergonhosa Proposta de Emenda à Constituição nº 3, de 2022, que pretende privatizar as praias no Brasil. Essa proposta tem mobilizado o país. Por meio de redes sociais, os brasileiros têm externado sua repulsa a essa escandalosa medida de entregar parte do litoral brasileiro à sanha da iniciativa privada.

    A PEC está hoje na Comissão de Constituição e Justiça e conta com toda a nossa oposição. Nós vamos trabalhar para rejeitá-la. Ela retira o domínio da União sobre os chamados terrenos de marinha – que nada têm a ver com a Marinha ou com as Forças Armadas – e repassa para estados, municípios e para particulares, os mais interessados em se envolverem com a dilapidação de um dos patrimônios naturais mais belos do mundo. Querem se apoderar desse patrimônio.

    Essa proposta de emenda à Constituição oferece claro risco de ocupação desenfreada da orla, com a criação de praias privadas e terríveis riscos à biodiversidade e às comunidades tradicionais, de pescadores e caiçaras.

    Os terremos de marinha, para que todos possam entender, representam a área de litoral brasileiro situada em uma faixa de 33m de largura, fixada a partir do mar, em direção ao continente. A Constituição prevê que terrenos de marinha – e não da Marinha, como eu disse – são bens da União. Hoje, cerca de 2,9 milhões de imóveis estão nessa área, no terreno de marinha, em todo o país, dos quais somente 565 mil são cadastrados. A aprovação dessa proposta de emenda à Constituição começaria, então, por provocar um desastroso caos administrativo e a abrir portas para que aproveitadores e especuladores também se valessem da situação para se apropriarem do litoral.

    Atualmente, a Secretaria de Patrimônio da União investe para avançar na regularização da ocupação dos terrenos de marinha por moradores, comércio ou indústria, e recolhe receitas importantes para o Estado brasileiro. Somente em 2023, a União arrecadou R$1,1 bilhão com taxas, das quais 20% foram repassadas aos municípios.

    Essa PEC elimina o poder da União sobre áreas públicas e estratégicas e outorga domínio pleno dos locais a estados, municípios e proprietários privados. É uma escabrosa transação em que dilapidaríamos diretamente R$213 bilhões do patrimônio público, entregando um bem gratuito e do povo a particulares, com sérios prejuízos ambientais.

    Cerca de 30% dos terrenos de marinha estão em 279 municípios litorâneos, dos quais 11 são capitais. Até o momento, foi demarcada uma área de 15 mil quilômetros, do total de 48 mil quilômetros de extensão que precisam ser mapeados.

    A PEC, então, é algo desastroso em todas as suas dimensões, em todas as esferas. Alterar a Constituição para inserir dispositivo de tal natureza é sobrepor o interesse privado ao público, é favorecer a privatização e o cerceamento das praias, é ameaçar os ecossistemas costeiros, diminuir a arrecadação da União e pôr em risco a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais.

    Entregar terrenos de marinha à virulenta especulação imobiliária é abrir portas a edificações desordenadas nesses locais, agravando, por exemplo, processos erosivos, o que fará com que as nossas praias já ameaçadas sumam rapidamente.

    A PEC autoriza diretamente que proprietários possam cercar terrenos e impedir a passagem de banhistas na faixa de areia. Isso é inaceitável! Isso é um intento de fazer com que a população que tem como uma das poucas distrações gratuitas ir à praia tenha esse direito retirado.

    Nessa dilapidação estão áreas de restinga, mangues, dunas, entradas de rios, locais que vivem sob a influência da maré e têm ligação direta com o aumento do nível do mar, terrenos que são a salvaguarda para a adaptação da mudança do clima.

    Parece incrível que uma agressão ao meio ambiente dessa proporção ainda tenha espaço para discussão enquanto vivemos uma tragédia climática sem precedentes como aquela que acometeu o Estado do Rio Grande do Sul.

    Hoje passamos por um avançado processo erosivo em 40% da costa brasileira, e a aprovação da PEC intensificaria a erosão, causando ainda maior estreitamento da faixa até o colapso do turismo com a supressão das praias.

    Esta proposta de emenda à Constituição é algo atentatório ao preconizado pela Constituição: é excludente, é segregadora, é preconceituosa, é elitista, é atentatória ao direito de ir e vir e violenta pilares dos princípios democráticos. Tem uma lógica miliciana, em que grupos articulados ocupam territórios públicos para suprimir o Estado e impor a sua própria lei nas áreas que usurparam. Não à toa, é muito bem recebida pelo projeto bolsonarista, totalmente associado a essa lógica, a esse modelo.

    Ainda quando Deputado Federal, o ex-Presidente Bolsonaro fez um discurso na Câmara em que ele dizia o seguinte, abro aspas: "Não aconselho ninguém a ir à praia lá no meu querido Rio de Janeiro, num sábado ou num domingo de muito sol, porque não tem lugar mais para se deitar. Ou se fica em pé, ou se fica dentro d'água, ou se fica no calçadão. É gente demais! Nós temos que colocar um ponto final nisso" – fecho aspas.

    Ora, essa é a melhor tradução do que essa PEC representa: vender praias para tirar o povo de lá, para que os ricos possam ir sem terem que dividir o espaço com os pobres; possam usar do dinheiro que têm para pagar por um espaço privado, longe daqueles que não têm.

    É por isso que há tanta gente graúda envolvida nessa proposição. Vejam o caso do jogador Neymar, que, neste tema, está se envolvendo diretamente. Será que é uma defesa inocente dessa proposta de emenda à Constituição? Será que essa defesa é desprovida de interesse? Não! Ele é sócio de um empreendimento com a Due Incorporadora, que prevê a construção de 28 imóveis de alto padrão entre os litorais sul de Pernambuco e norte de Alagoas, em uma faixa de 100km de extensão, cuja previsão de faturamento é de R$7,5 bilhões e que leva o nome, de gosto duvidoso, de Caribe brasileiro – e digo "de gosto duvidoso" porque nossas praias não deixam nada a dever às do Caribe. Aliás, no México, existem lugares em que esse tipo de privatização existe, onde resorts dominam uma larga faixa da praia e proíbem, inclusive, a passagem de qualquer pessoa naqueles espaços, que ficam reservados só para quem pode pagar uma fortuna por esses resorts. É isso que querem fazer aqui no Brasil; é isso que eles pretendem.

    Quantas famílias dependem, por exemplo, do direito de estar na praia para ganhar a sua sustentação, de colocar uma barraca, de vender uma bebida, um tira-gosto, o que quer que seja? Com a aprovação de uma PEC como essa, nas áreas privatizadas isso não vai ser possível. O próprio acesso às praias vai ser proibido. Eu vejo o exemplo, no meu estado, de uma das praias mais bonitas que lá existe, a Praia dos Carneiros, que fica em Tamandaré. Hoje, se você quiser ter acesso à praia, você vai andar quilômetros ou, então, você vai se submeter a estacionar o automóvel num estacionamento onde se paga uma fortuna para parar ali, e a população nativa, a população local, tem que andar quilômetros para encontrar uma saída para a praia, porque os condomínios, os resorts ocupam todo esse espaço. E olhe que, hoje, não há vigendo um artigo da Constituição que garanta a privatização plena, como é essa proposta.

    Enfim, esse papel que a extrema-direita faz em relação ao meio ambiente e a esse processo de privatização predatória do patrimônio do povo brasileiro é uma prática. O próprio Governo Bolsonaro tentou, durante quatro anos, passar a boiada também no nosso litoral; tentou tirar Fernando de Noronha do Estado de Pernambuco para jogar o arquipélago, um dos lugares mais bonitos do mundo, à especulação imobiliária; tentou fazer isso também com as praias do Rio de Janeiro; enfim, tentou, por todos os meios, destruir nossos recursos naturais, rifá-los ao capital privado.

    Não é estranho, então, que esteja nas mãos deles a relatoria dessa PEC e que o parecer seja favorável à espoliação do litoral brasileiro, a essa escandalosa privataria das praias. São defensores de empresários que são verdadeiros vândalos, vendilhões da pátria, entreguistas, mercadores do patrimônio nacional. Foi isso que a extrema-direita fez com tantos dos nossos bens e empresas estratégicas, entre elas, a Eletrobras.

    Então, quero aqui dizer que lutaremos duramente para derrotar essa PEC nefasta, que pretende enriquecer alguns grupos à custa da privatização das praias brasileiras, que pretende impedir o acesso do povo ao litoral com cercas e áreas de exclusão, num flagrante atentado à Constituição Federal.

    Essa é uma pauta que não interessa ao Brasil, que não dialoga com as necessidades, que tem o único condão de colocar à venda nosso patrimônio natural e expô-lo à ocupação predatória e desordenada, em um momento em que o planeta implora por clemência ambiental.

    Entendo, Sr. Presidente, que representa um escárnio que, diante de tantos problemas a enfrentar, tenhamos que gastar energia com algo tão inoportuno, inapropriado e escandaloso. Vem somar-se a um conjunto de ações que querem tirar o Brasil da condição de ser o país que mais preserva as suas riquezas naturais, que mais atua para preservar o seu meio ambiente. Por exemplo, há um pacote de 25 projetos de lei – e eu vou falar disso esta semana aqui –, que estão tramitando lá na Câmara dos Deputados e aqui no Senado Federal, que vão desde a redução das reservas florestais amazônicas no Brasil a uma série de outras propostas de afrouxamento do nosso código ambiental e de preservação do Pantanal, de preservação da Mata Atlântica, um processo que já se forjou com a aprovação da chamada PEC do veneno, que liberou para o Brasil centenas de agrotóxicos, muitos deles proibidos no exterior.

    Ainda esta semana, eu conversava com um grupo de ambientalistas, e lá nos diziam: "Como é possível que uma empresa que produz um determinado agrotóxico que é proibido no seu país ou que é proibido na União Europeia vá produzir no Brasil?". Ele vai produzir no Brasil, ou já produz no Brasil.

    Então, nós estamos perdendo a condição de, em sendo um dos países do mundo com maior potencial para contribuir com o processo de enfrentamento e controle das mudanças climáticas, de enfrentar o aquecimento global a partir da mudança de uma legislação que é exemplar para o mundo.

    Sinceramente, nós vamos marchar na contramão daquilo que é o potencial do Brasil hoje. O Brasil hoje tem uma condição ímpar em relação aos demais países do mundo para atrair investimentos, por exemplo, para a transição energética. Está crescendo a olhos vistos o processo de ampliação dos parques eólicos, dos parques de energia solar, de estudos sobre o hidrogênio verde. Esse é o caminho para o país crescer, esse é o caminho para nós atrairmos investimentos do mundo inteiro!

    Esse recurso que vai chegar para montar resort e privatizar praia é um recurso que não nos interessa. Queremos um recurso para garantir ao povo brasileiro os direitos que ele tem...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... o direito de ir e vir, o direito de utilizar do patrimônio público que o Brasil tem para ter acesso a alguns direitos que são fundamentais.

    Portanto, Sr. Presidente, como disse, é um escárnio que, diante de tantos problemas, esse tema esteja sendo discutido, mas, como os dilapidadores da pátria, especialmente esses empresários egoístas que só buscam o lucro, não dão trégua, nós estamos atentos e vamos entrar junto com o povo brasileiro em mais essa luta para derrotá-los uma vez mais.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Muito obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2024 - Página 16