Pronunciamento de Esperidião Amin em 26/06/2024
Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Manifestação contrária à decisão do STF que descriminaliza o porte de maconha para uso pessoal e aos parâmetros fixados pela Corte para diferenciação entre usuário e traficante.
- Autor
- Esperidião Amin (PP - Progressistas/SC)
- Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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Atuação do Judiciário:
- Manifestação contrária à decisão do STF que descriminaliza o porte de maconha para uso pessoal e aos parâmetros fixados pela Corte para diferenciação entre usuário e traficante.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/06/2024 - Página 20
- Assunto
- Outros > Atuação do Estado > Atuação do Judiciário
- Matérias referenciadas
- Indexação
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- CRITICA, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DESCRIMINALIZAÇÃO, PORTE DE DROGAS.
- DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIME, POSSE, ENTORPECENTE, DROGA, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para discursar. Por videoconferência.) – Bastou a sua palavra para que abrissem. Então, o senhor está realmente empoderado – não apenas localizado na cadeira do Presidente, mas empoderado.
Presidente, prezado amigo Senador Marcelo Castro, eu quero complementar o que ontem assinalei no meu pronunciamento a respeito da decisão, complementada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, no tocante ao que se deva considerar como autorizado, posto que deixa de ser crime, o fato de alguém portar uma quantidade, pelo que se pôde depreender da decisão do Supremo Tribunal Federal, um volume de até 40g da Cannabis sativa, ou seja, da maconha.
Fica o enunciado: a interpretação, certamente, será danosa, e inúmeras perguntas há por responder.
Primeiro, qual é a origem desse produto?
Se deixa de ser criminoso portar 40g, deve ter alguma forma de assegurar que esse volume, não caracterizando crime, deva ser considerado menos letal do que 41g.
Quem é que vai fixar? Quem é que vai colocar na balança? E em que balança? Quem será o responsável por isso? Este equipamento, balança, passa a ser de fácil acesso? A autoridade policial portará uma balança, certificada naturalmente, capaz de assegurar que a quantidade que estava de posse da pessoa inquirida ou quem sabe até detida não ultrapasse esse limite?
Em síntese, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão de criar os fundamentos para uma nova política pública que separa o que é crime e o que não é crime, o que é sujeito a uma sanção administrativa, não se sabe ainda qual.
Eu, sinceramente, não sei quem é que vai aplicar essa sanção.
Acho que foi uma decisão infeliz. Acho que ela vai suscitar desânimo, revolta e, no mínimo, vai ensejar, Senador Marcelo Castro, muitas sessões de psicoterapia para quem entende que o Parlamento tem relevância, para quem complementa as palavras do Ministro Fux dizendo que nós não temos, ou não deveríamos ter, um governo constituído por juízes no Brasil.
Deixo aqui, mais uma vez, assinalado que decisões monocráticas e às vezes decisões colegiadas, que nós temos que respeitar, estão nos levando à sensação de que há um caminho incerto, nebuloso e complicado diante de nós, uma vez que, paralelamente, mas conflitantemente com decisões que o Congresso tem tomado, pelo menos a maioria exigida para aprovar uma emenda constitucional foi obtida aqui no Senado, a respeito da PEC da criminalização das drogas, incluindo a maconha, se eu bem me lembro...
Não posso dizer que V. Exa. tenha votado conosco, mas respeito o voto de quem pensa diferente, é evidente.
O fato é que está na Câmara e já foi aprovado na Comissão de Justiça o teor que saiu daqui. Mas, enquanto isto, o Supremo Tribunal Federal se apressou em estabelecer esse novo parâmetro de separação entre o que é crime, do que é merecedor de uma sanção administrativa.
Repito, isto soa aos meus ouvidos e representa, na minha percepção, no mínimo, uma provocação àquilo que o Congresso está decidindo e, no caso, o Senado, que já decidiu.
Deixo essa colocação de forma reflexiva para a consideração de todos, mas duvido que essa decisão signifique um esclarecimento para a sociedade brasileira.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Castro. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PI) – Sr. Senador Esperidião Amin, V. Exa. não se recorda como eu votei essa PEC. Na verdade, eu não votei. Nesse dia, eu estava internado e não pude votar, porque é uma PEC, exigia presença, mas eu me manifestei várias vezes aqui no Senado Federal e eu teria votado contrariamente à aprovação dessa PEC, porque entendo que é um retrocesso a gente colocar no texto constitucional um fato tão grave desse de não fazer nenhuma distinção entre o usuário e o dependente.
Evidente, como sou médico, psiquiatra, V. Exa. sabe perfeitamente, convivi em hospital psiquiátrico, em consultório médico, e vi muitos casos de dependência de droga. E é evidente que, para um psiquiatra, para um médico, equiparar um dependente, um usuário, a um criminoso parece uma coisa assim, para nós médicos, psiquiatras sobretudo, que convivemos, um despropósito.
Eu lutei muito contra isso aqui, mas a maioria é que vence. Eu não tenho a menor dúvida de que vai passar na Câmara, e vai tornar crime, e não vai se fazer mais essa distinção.
O que o Supremo está fazendo – não tenho procuração para defendê-lo – é...
Na lei que nós aprovamos, em 2006 – dessa eu votei a favor –, nós fazíamos uma distinção bastante nítida entre o que era usuário e o que era traficante: ao traficante, toda a culpabilidade, toda a responsabilidade, prisão de 5 a 15 anos; e, ao usuário, embora fosse considerado um ilícito, penas alternativas, como assistir a palestras, prestar serviços à comunidade. E nós dissemos: "O que é que vai distinguir um traficante de um usuário?". Nós colocamos na lei que seria a quantidade, que seria a circunstância, que seriam os meios. Por exemplo, a pessoa foi encontrada com pouca quantidade de droga, mas estava com a balança, com a relação de nomes, é óbvio que aquela pessoa estaria traficando – o policial rapidamente vê isso –, mas nós não dissemos, de maneira objetiva, quanto seria essa quantidade.
E aí o que está ocorrendo, na prática? Então, tem já várias pesquisas feitas e publicadas, estudos de jurimetria mostrando que, se uma pessoa é mais idosa, com nível superior e é pega com uma quantidade de droga, a tendência é de o policial, o promotor e o juiz dizerem: "Não, esse é um usuário"; já, se é um jovem, com nível de escolaridade menor, de um nível socioeconômico menor, a tendência já é... E os estudos mostram isso de maneira clara.
E aí essa questão chegou ao Supremo. Ele foi provocado e tem que dar uma resposta. Qual é a resposta que o Supremo está dando? Ele está tentando objetivar, não deixar de uma maneira tão subjetiva que dê margem a decisões tão díspares como estão ocorrendo atualmente e está dizendo: "Não, para uso pessoal, seja recreativo, seja porque é dependente – para uso pessoal –, nós não devemos considerar crime". Isso não é legalização, isso não é liberação, apenas a pessoa não é considerada criminosa.
Mas que quantidade seria essa, o porte da droga? Então, há vários exemplos no mundo a serem seguidos. O exemplo mais ou menos que o Supremo vem tomando é o do nosso vizinho e nosso pai, Portugal, que tem uma política de drogas, que alguns querem que esteja sendo exitosa, que estabelece, se não me falha a memória, 30 gramas; o Supremo aqui chegou a 40 gramas. Eu não sei medir isso aí. Mas o fato, Senador Esperidião Amin, é que, se uma pessoa for pega com 40g, dizem: "Esse é usuário"; se for pega com 41g, dizem: "Esse é traficante". Não é bem assim. Esse é um dos itens de que a polícia, o Ministério Público e a Justiça vão se valer para dizer se é traficante ou não. Se a pessoa estiver com 10g de maconha, por exemplo, mas estiver com a balancinha de medir, com a lista de pessoas a quem vendeu, a circunstância toda, a polícia vai ver que aquele ali é um traficante.
É por isso que eu estou fazendo essas observações. E me preocupa muito, Senador Esperidião Amin, eu que sou médico psiquiatra... E o dependente, o doente? Quer dizer, ele agora, além de dependente, de doente, porque em alguns casos é doença – na maioria dos casos, não; mas, em alguns casos, é doença –, também vai ser considerado um criminoso. Não tem como livrar, vai ter que constar na ficha dele, vai perder a primariedade.
E aí eu pergunto: o que a sociedade ganha com isso? A opinião do mundo civilizado vai no sentido contrário, é assim que estão caminhando os países mais desenvolvidos do nosso planeta.
Bom, nós estamos vivendo um momento especial, e o Senado achou que nós deveríamos decidir desta maneira; com certeza, a Câmara vai decidir da mesma maneira. E aí qualquer quantidade de droga é crime, e quem pratica crime, até provem o contrário, é criminoso.
Com a palavra, V. Exa., Senador Esperidião Amin.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Por videoconferência.) – Eu não esperava, mas eu quero agradecer efusivamente a provocação que eu lhe fiz, e o senhor viu que eu não esgotei o meu tempo.
Quero lhe dizer que não concordo com as suas observações, especialmente do ponto de vista institucional, nem vou discutir a questão da rotina de se vai representar crime ou de se vai representar sanção administrativa, porque isso não está escrito em lugar nenhum, isso é uma invenção que está sendo feita.
O que eu quero apenas focalizar ao Parlamentar, ao meu amigo Marcelo Castro, é que o Supremo Tribunal Federal cometeu, no mínimo, um erro no cronograma. Ele está por responder a esta ação sobre a lei de 2006 há nove anos – há nove anos – e respondeu exatamente quando o Congresso está deliberando, exatamente entre a deliberação da Comissão de Justiça e a do Plenário da Câmara. No mínimo, ou é uma decisão tomada num compartimento estanque, numa bolha que ignora o que está acontecendo lá fora, ou é uma entidade que tem o sentimento de que o Congresso eleito pelo povo, que vai tomar esta ou aquela decisão, como a V. Exa. antecipou, nem vou corroborar... Mas estou dizendo que a Câmara tem um processo decisório que começa na Comissão de Constituição e Justiça, cuja etapa já foi vencida. Falta só o Plenário. Tomar esta decisão, neste momento, um psiquiatra sabe, não foi para render homenagens ao Poder Legislativo. Até um estudante de psiquiatria, sem essa experiência rica da política que V. Exa. tem, a qual eu respeito, admiro e me faz ser orgulhoso de ser seu amigo, quer dizer, eles devem pensar muito mal de nós... Eles devem... Olha, é uma decisão que realmente nos considera... Parece que alguém falou em pigmeus morais uma vez – eu me lembro de ter ouvido isso. Eu me lembro de ter ouvido a expressão pigmeus morais depois que o Senado tomou a decisão sobre decisões democráticas. Agora, parece-me que, além de pigmeus morais, nós somos pigmeus políticos também. É sobre esse sentimento que eu, serenamente, sem nenhuma dor – serenamente – procuro refletir neste momento.
Mas lhe agradeço muito pela – como sempre – pedagógica e muito bem urdida explanação que V. Exa. proferiu aqui, neste momento, da tribuna da Presidência do Senado, não da tribuna, mas da Presidência do Senado. Não vou polemizar com o Presidente da Casa em exercício.