Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária ao Projeto de Lei nº 5008/2023, que dispõe sobre a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda de cigarros eletrônicos.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Fiscalização e Controle, Saúde:
  • Manifestação contrária ao Projeto de Lei nº 5008/2023, que dispõe sobre a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda de cigarros eletrônicos.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2024 - Página 26
Assuntos
Organização do Estado > Fiscalização e Controle
Política Social > Saúde
Matérias referenciadas
Indexação
  • CRITICA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, CONSUMO, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, PROPAGANDA, APARELHO ELETRONICO, CIGARRO, REGISTRO, CADASTRO, REQUISITOS, DEFINIÇÃO, EMBALAGEM, CONTEUDO, SUBSTANCIA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, as pessoas que nos acompanham pelas mídias do Senado Federal, é extremamente preocupante que este Senado esteja discutindo a regulamentação da produção e venda de cigarros eletrônicos no Brasil, os chamados vapes, matéria que está sob análise da Comissão de Assuntos Econômicos nesta Casa.

    Esse projeto de lei, na minha opinião, é lobo em pele de cordeiro. Foi apresentado sob a falsa premissa de que vai reduzir danos, de que o vape já circula por aí, de que teria potencial ofensivo à saúde menor do que o tabaco e que, regulamentar a sua comercialização seria uma forma legal de fiscalizá-lo. Nada disso é verdade.

    Essa ideia de que o vape é alternativa potencialmente menos tóxica que o cigarro é uma mentira plantada na sociedade pela indústria tabagista, a mesma que disse, lá atrás, que a nicotina também não viciava. O vape é uma nova fábrica de câncer, uma maneira socialmente tragável de se matar seres humanos por meio da degeneração dos seus órgãos e com as doenças mais atrozes. Não há nada de positivo ou menos danoso nos cigarros eletrônicos. É uma falácia. São afirmações sem qualquer evidência científica. Ao contrário, todos os estudos e pesquisas mostram o dano que é o uso desse equipamento.

    O cigarro eletrônico tem mais de duas mil substâncias, incontáveis delas tóxicas e cancerígenas. Não à toa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu a sua produção e comercialização desde 2009 e, mesmo que a normativa esteja passando por um regular período de revisão, a vedação não vai ser levantada – não foi levantada –, dada a robustez dos trabalhos técnicos sobre os enormes malefícios do uso desses vaporizadores e a forte oposição da comunidade científica à sua eventual liberação.

    Recentemente, juntamente com outros sete ex-ministros da saúde, publicamos um artigo na Folha de S. Paulo em que alertamos para o sério risco em que o Senado lançava a sociedade brasileira ao propor a regulamentação do cigarro eletrônico. Uma defesa enfática da saúde pública contra um dispositivo que, além do risco da explosão da bateria, que pode redundar em lesões e morte do usuário, carrega elevadas concentrações de nicotina e níveis significativos de metais como alumínio, associado ao enfisema pulmonar, o cromo, relacionado ao câncer de pulmão, níquel, também ligado ao câncer de pulmão e do seio nasal, e cobre, causador de danos ao fígado, rins e pulmões.

    O cigarro eletrônico se vale do sal de nicotina, o que faz com que a substância seja recepcionada pelo corpo em concentrações até 20 vezes maiores que o cigarro normal, um potencial muito mais viciante, que leva quem consome a, somente com algumas baforadas, perder o controle sobre o uso.

    O emprego de aromas e sabores de frutas nesses equipamentos tem sido um forte apelo aos adolescentes e aos mais jovens. Uma pesquisa realizada em 2019 mostrou que 60% dos entrevistados utilizavam o vape e jamais haviam fumado antes. Ou seja, um novo público dependente de nicotina, a maioria com até 24 anos de idade.

    Ainda na semana passada, o jornal O Globo noticiou o triste caso de uma jovem de 19 anos colocada em um respirador artificial depois de dar entrada em um hospital com os pulmões inflamados e manchados, segundo os médicos, como se fossem vidros estilhaçados. Tudo pelo uso do vape.

    No Brasil, cerca de 400 pessoas morrem por dia vítimas do tabagismo. Não existe redução de danos nessa área. A única forma de reduzir danos é cessar absolutamente o uso de qualquer tipo de fumo.

    Cem anos atrás, a indústria tabagista dizia que nicotina não viciava, que cigarro não fazia mal, e foram milhões de viciados doentes e mortos até que nos déssemos conta da tragédia. Não podemos reeditar essa máquina mortífera. O vape circula há poucos anos, e, nesse curto período, já há uma doença para chamar de sua: a Evali, Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico.

    É inaceitável que o Senado queira legar à sociedade brasileira uma mazela dessa magnitude, um dispositivo altamente danoso com o potencial de matar milhões de pessoas. É uma história que não pode se repetir. O Brasil tem sido modelo na luta contra o tabagismo em todo o planeta, e aqui as minhas homenagens ao Ministro que mais levou adiante a luta antitabagista, o nosso ex-colega Senador José Serra. Lutar contra o vape é homenagear a luta que José Serra fez contra o tabagismo.

    Em função de o Brasil ter sido um modelo na luta contra o tabagismo em todo o planeta, em função de décadas de esforços, houve uma clara redução no consumo de tabaco, que caiu, entre os adultos, de 34%, em 1996, para 11%, em 2023, com benefícios evidentes aos indivíduos e à sociedade em geral, porque muitos não fumantes eram prejudicados pela prática do tabagismo em ambientes fechados, que o Congresso Nacional, pasmem, também quer devolver, pela restauração dos fumódromos em casas de jogos de azar.

    É um retrocesso inacreditável! Não é possível crer que, em 2024, queiramos estimular por meio de lei o consumo de nicotina e a volta do uso de cigarros em ambientes fechados. Recentemente, esta Casa aprovou a controversa PEC das drogas, que iguala usuários a traficantes e, naquela época, o proponente dessa PEC, o Presidente do Congresso e deste Senado Rodrigo Pacheco, dizia que é competência da Anvisa estabelecer a legalização ou não do uso de uma substância. Ora, esse raciocínio vale, e vale mesmo, para a maconha, e não vale para o vape...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... o vape, que a Anvisa considera ilegal e maléfico?

    Esse projeto, segundo esse entendimento, nem deveria estar tramitando porque invade a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, prática repudiada pelo Presidente desta Casa, com o nosso apoio, dias atrás. Em suma, liberar o cigarro eletrônico não vai reduzir quaisquer danos; ao reverso, vai ampliar o acesso e a oportunidade do consumo entre os jovens, especialmente com essa ideia mentirosa de que o produto é menos nocivo, vai condenar crianças, adolescentes e jovens a iniciar ou manter o vício desde muito cedo, com todos os riscos à saúde e à vida que isso trará.

    Finalmente, Sr. Presidente...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... entendo que...

    A votação desse projeto ocorreria hoje na CAE e, graças a Deus, foi adiada o para o próximo dia 24 de agosto. Espero que, nesse período, haja discernimento suficiente dos membros desta Casa para que, a despeito do que desejam a indústria tabagista e as associações que lhe dão suporte político, em lobby pelos corredores desta Casa, possamos derrotar isso, o que representa essa matéria: uma agressão legislativa sem precedentes à saúde pública e à vida dos brasileiros.

    Quero dizer também que o argumento de que a regulamentação vai gerar impostos, vai gerar recurso pro Governo Federal não vai ficar nem perto do que o Governo vai ter que gastar com previdência social e com internações e mortes do Sistema Único de Saúde.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, obrigado pela tolerância, obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2024 - Página 26