Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da PEC no. 3/2021, que amplia as prerrogativas parlamentares, por supostamente desrespeitar o interesse público e os princípios republicanos. Manifestação contrária à proposta de anistia aos condenados por crimes contra a ordem democrática.

Autor
Renan Calheiros (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Atuação da Câmara dos Deputados, Crime Contra a Administração Pública, Improbidade Administrativa e Crime de Responsabilidade:
  • Indignação com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da PEC no. 3/2021, que amplia as prerrogativas parlamentares, por supostamente desrespeitar o interesse público e os princípios republicanos. Manifestação contrária à proposta de anistia aos condenados por crimes contra a ordem democrática.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2025 - Página 18
Assuntos
Outros > Atuação do Estado > Atuação da Câmara dos Deputados
Outros > Crime Contra a Administração Pública, Improbidade Administrativa e Crime de Responsabilidade
Matérias referenciadas
Indexação
  • REPUDIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), TENTATIVA, TRANSFORMAÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, IMPUNIDADE, DEPUTADOS, INSTAURAÇÃO, VOTO SECRETO, JULGAMENTO, PROCESSO JUDICIAL, DEPUTADO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, FORO ESPECIAL, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, MANIFESTAÇÃO, VOTO CONTRARIO, ANISTIA, PRESO POLITICO, ATO, JANEIRO.
  • CRITICA, PARALISAÇÃO, PAUTA, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, ISENÇÃO FISCAL, IMPOSTO DE RENDA, POPULAÇÃO CARENTE, CONDICIONAMENTO, FAIXA, SALARIO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), SEGURANÇA PUBLICA, ESCALA, TRABALHO, SEMANA.
  • ANUNCIO, QUALIDADE, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), SUSPENSÃO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE ALAGOAS (AL), VOTO FAVORAVEL, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), IMPUNIDADE.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, nas democracias representativas, recebemos, Sr. Presidente, a delegação para expressar o desejo da sociedade. O que testemunhamos hoje, lamentavelmente, é um desprezo com quem nos delegou mandatos, notadamente em reiteradas manifestações a partir da Câmara dos Deputados, que optou por um divórcio litigioso do interesse nacional.

    Há uma estridente desconexão ou alienação da pauta do Brasil para priorizar interesses de grupos, de indivíduos, minorias, e até mesmo atender ambições pantanosas. As agendas que interessam ao público vão sendo rebaixadas, mergulhadas em um limbo do esquecimento inaceitável.

    Fui Presidente do Congresso Nacional quatro vezes e em períodos extremamente sensíveis para o Brasil. Em todas as crises que administrei, Presidente, mais ou menos graves, sempre coloquei o interesse público acima de tudo. Sempre priorizei a afirmação do Poder Legislativo e não me afastei jamais da Constituição. Ultrapassamos muitas crises políticas e institucionais pelo diálogo, premissa inafastável das democracias.

    Tenho uma vivência como Deputado e Senador por Alagoas. Já vi, vivi e ouvi coisas impensáveis. Vivi e sobrevivi, mas nunca, Sr. Presidente, presenciei uma tentativa interna de impedir o livre funcionamento do Poder, usando métodos de chantagem e coerção, travando as pautas da sociedade, em troca de miudezas e privilégios indefensáveis.

    Mesmo ouvindo a todos em uma Casa de iguais, nunca me viram medrar diante de ameaças ou arreganhos de quem quer que seja. Poucos podem falar com a autoridade que trago neste tema.

    Enfrentei um massacre, uma perseguição, e dezenas de inquéritos foram abertos contra mim, por ouvir dizer. Fiz minha defesa à luz do dia, às vezes fazendo a prova negativa mais difícil no direito. Provei minha inocência integral e cabal em todos os inquéritos, em todas as investigações. A Lava Jato abriu 41 inquéritos contra mim e nunca conseguiu me denunciar em nenhum desses inquéritos, porque em todos eu aproveitei a oportunidade de fazer a prova negativa, de demonstrar o contrário, e fui absolvido sempre, em todos, pelo mesmo motivo: falta de provas – absolutamente falta de provas.

    Provei a minha inocência – repito – integral e cabal em todas essas investigações. Nunca ninguém me viu pedindo para mudar o jogo no tapetão, pedindo anistia ou divulgando casuísmo. Enfrentei e derrotei uma quadrilha instalada na Lava Jato e condenei um deles, o Deltan Dallagnol, no Conselho Nacional de Justiça. Hoje, trago o maior atestado de inocência da história, depois de devassas perseguições que sofri na política nacional.

    A Constituição tem suas próprias vacinas para punir eventuais excessos de quem recebeu, à delegação popular, um mandato legislativo. As impropriedades não podem ser normalizadas ou vistas como manifestações legítimas. Há muito de ilegítimo neste momento. O abuso das prerrogativas parlamentares é incompatível com o decoro parlamentar.

    Assim, Sr. Presidente, aprovamos uma lei para punir o abuso de autoridade, assim como aprovamos, aqui, neste Congresso Nacional, o juiz de garantias, porque estava havendo uma usurpação de competência na Justiça Nacional. A Justiça do Brasil tem problemas de toda ordem, mas tem também um problema maior, que é a usurpação da competência. No caso da Lava Jato, houve a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal por um juiz provinciano do Estado do Paraná, hoje, inclusive, integrante desta Casa.

    Não legislar em causa própria, não criar modelos ilegais de semideuses, punir transgressores e não desprezar a sociedade são os objetivos de qualquer mandato.

    Temos, Presidente, o premente debate sobre a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$5 mil, que levei para a CAE, porque, lá na CAE, nós já tínhamos tramitando um projeto de 2019, do Senador Eduardo Braga. Temos a PEC da segurança pública, que também não anda, a escalada semanal de trabalho e outros temas de fatos relevantes para a nação.

    Estamos, por inércia ou omissão, congelando essas agendas, para desperdiçar energia em propostas personalistas ou que favorecem grupos e corporações.

    Sempre disse e repito: a Constituição de 1988, que ajudei a fazer, a aprovar, a promulgar, errou no excesso de corporativismo, e agora vamos retroagir em privilégios que revogamos no passado. Sou enfaticamente contrário a tudo isso.

    Essa PEC da blindagem, que a Câmara aprovou ontem na Câmara dos Deputados, é um tapa na cara da sociedade.

    Nesse sacrilégio antidemocrático, há de tudo e muitas estranhezas.

    Há uma minoria que acredita, equivocadamente, na legitimidade e legalidade de teses estranhas à democracia. Há os que buscam o legado dos votos da direita e tentam fidelizar esse eleitor e outros, os interessados anônimos, que manipulam a pauta extremista para tentar debilitar a democracia e chantagear o Governo com ambições inconfessáveis.

    Na antiguidade, Sr. Presidente, o filósofo e orador Cícero indignava-se e desmascarava um dos conspiradores que tramavam para derrubar a República, até com a invasão de forças armadas estrangeiras. Eram liderados pelo conspirador romano Lúcio Sérgio Catilina.

    "Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós com a tua loucura?".

    A PEC denominada equivocadamente de PEC da blindagem é a PEC da impunidade absoluta. Ela encarna uma traiçoeira armadilha contra a democracia, que implode a igualdade e cria uma estratificação feudalista, separando a nobreza dos seus servos.

    Estamos, Sr. Presidente, ressuscitando os senhores dos castelos; para o eleitor, a excelência nas democracias; a justiça humana e a de Deus, para os eleitos; aos consagrados, apenas a justiça de Deus. Uma assimetria indefensável.

    "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" é o que diz a Constituição Federal em seu art. 5º.

    Se aprovarmos essa PEC aqui no Senado Federal – e eu espero que ela não seja pautada; se for pautada, nós precisamos derrubá-la –, nós vamos dar um tapa na cara da sociedade e transformar o Congresso Nacional em um refúgio de bandidos!

    Qualquer bandido endinheirado do Brasil vai querer comprar um mandato no seu estado, à procura da impunidade que o Congresso Nacional garantirá. Será, definitivamente, o fim do Congresso Nacional!

    Esse é um retrocesso, Sr. Presidente, que transforma a imunidade parlamentar em impunidade universal, integral, ilimitada e desmedida.

    Esse "vale-crime" funcionaria como um habeas corpus eterno para criar e, principalmente, proteger uma casta de intocáveis!

    Esse é o modelo arcaico da licença prévia indefensável que vigorou no passado, e as estatísticas sobre autorização para o processo são eloquentes. Elas, por si só, são suficientes para repelir essa ressurreição casuística.

    Entre 1988 e 2021, quando vigorou, foi concedida apenas uma licença aqui no Congresso Nacional, entre 253 pedidos para investigação, e olha, Sr. Presidente, que o caso era de um Deputado traficante que se homiziava no mandato. Era caudaloso e totalmente escandaloso.

    Para variar, vamos tentar iluminar o futuro.

    Se essa PEC avançar – o que não acredito –, o Parlamento será o refúgio de narcotraficantes, contrabandistas, terroristas, chefes do crime organizado, líderes de facções e outros delinquentes. Grupos com algum poder financeiro buscarão mandatos populares, para se esquivar da Justiça. O Congresso será um covil de malfeitores.

    Qual será, então, o próximo passo desse Congresso? Legalizar as milícias? Protegê-las? Não permitir que as milícias sejam investigadas?

    Não creio, Sr. Presidente, estar exagerando, ao considerar que essa proposta é uma construção maquiavélica, com etapas posteriores, para eludir a própria democracia.

    Alguns Parlamentares, sob a égide dessa blindagem espúria, podem ficar mais desinibidos para perseguir, por exemplo, ministros do Supremo Tribunal Federal, que hoje são uns dos garantidores da nossa democracia.

    Vamos chocar o novo ovo da serpente e suas toxinas autoritárias. Com meu voto e meu silêncio, jamais isso acontecerá.

    A captura do judiciário alemão foi determinante para o nazismo prosperar e pisotear a humanidade com suas barbáries.

    Causa um estranho incômodo observar que essa emenda, de 2021, brota agora, em meio ao aprofundamento das investigações sobre as impropriedades no orçamento secreto e ações policiais desbaratando grandes conglomerados financeiros em santuários, agora profanados por atividades ilegais.

    Seria, Sr. Presidente, essa PEC a PEC do PCC? Quero crer que não.

    Não desejo questionar a legitimidade da mudança neste momento, mas mudanças dessa magnitude me parecem impróprias nesta legislatura.

    Se submetermos a vigência dessa proposta à aprovação de um referendo ou plebiscito a ser realizado em 2026, até eu voto, já que a sociedade é a expressão máxima da democracia. Do contrário, não.

    A anistia é outro delírio inconstitucional. Não há perdão, Sr. Presidente, indulto ou graça para crimes contra a ordem constitucional e o Estado democrático de direito, além de ser uma invasão anômala em outro Poder.

    O mandamento constitucional é solar. A jurisprudência, igualmente, já foi firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em maio de 2023, no caso do indulto presidencial conferido pelo então Presidente da República a um Deputado, depois de condenado, por atentar contra a democracia.

    O próprio Regimento do Senado confere ao Presidente da Casa o poder de arquivar propostas inconstitucionais, no art. 48, inciso XI.

    Nos dois casos, desejo, Sr. Presidente, antecipar, de forma enfática, de maneira enfática, que casuísmos ilegais não irão prosperar com o meu voto aqui no Senado Federal. Quanto mais estáveis as regras da democracia, mais seguros estaremos todos nós.

    E eu vejo, para encerrar, Sr. Presidente, tristemente – tristemente! –, a proposta que o Presidente Lula mandou para o Congresso Nacional de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$5 mil ser utilizada como instrumento de chantagem pelo Relator da própria proposta, para se priorizar a votação da PEC da blindagem, da bandidagem, do PCC, talvez, e para votar uma anistia inconstitucional, absolutamente inconstitucional.

    Em tempos anteriores do Parlamento nacional, quem ousasse fazer isso seria cassado, porque estaria descumprindo a Constituição e unicamente legislando na defesa dos interesses próprios, casuísticos, e isso, com certeza, não iria acontecer.

    Quando eu botei para andar a proposta do Senador Eduardo Braga, foi para evitar de o Governo participar dessa chantagem, porque, do ponto de vista do Relator do Imposto de Renda na Câmara dos Deputados, nada me surpreende. Eu conheço os seus métodos e o seu estilo. O que me surpreende é, de uma forma ou de outra, o Governo estar participando desse processo.

    Ontem, na aprovação da PEC da blindagem, 11 Deputados do PT votaram favoravelmente. Isso não pode acontecer, porque não prejudica apenas o PT, Sr. Presidente; acaba prejudicando, de resto, o próprio Governo.

(Soa a campainha.)

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) – Em Alagoas – já estou encerrando –, dois Deputados do MDB votaram favoravelmente à PEC da blindagem.

    Eu sou Presidente do MDB estadual. Eu vou, Sr. Presidente, tomar providências, no MDB de Alagoas, para suspender essas pessoas, para que não venham a fazer novamente o que fizeram na noite de ontem, que é uma noite para ser esquecida, definitivamente, no Congresso Nacional.

    Obrigado, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Fernando Dueire. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PE) – Presidente Renan, o senhor acaba de fazer um discurso histórico. Seu testemunho é um alerta a esta Casa e ao país. Sua lucidez é um farol.

    Concordo plenamente com V. Exa.: a PEC da blindagem é um divórcio; é um divórcio com os anseios do povo brasileiro. É uma vergonha.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Fora do microfone.) – Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2025 - Página 18