Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a PEC nº 45/2023, que prevê como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins e sobre a PEC nº 8/2024, que revoga a competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário, atribuindo-a aos Estados. Expectativa de rejeição do veto aposto ao Projeto de Lei nº 583/2011, que extingue o benefício da saída temporária.

Autor
Sergio Moro (UNIÃO - União Brasil/PR)
Nome completo: Sergio Fernando Moro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Poder Legislativo:
  • Comentários sobre a PEC nº 45/2023, que prevê como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins e sobre a PEC nº 8/2024, que revoga a competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário, atribuindo-a aos Estados. Expectativa de rejeição do veto aposto ao Projeto de Lei nº 583/2011, que extingue o benefício da saída temporária.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2024 - Página 49
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Organização do Estado > Poder Legislativo
Matérias referenciadas
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), CRIME, POSSE, PORTE DE DROGAS, REVOGAÇÃO, COMPETENCIA, CONCORRENCIA, LEGISLAÇÃO, DIREITO PENITENCIARIO, VINCULAÇÃO, ESTADOS, EXPECTATIVA, REJEIÇÃO, VETO (VET), PROJETO DE LEI, EXTINÇÃO, BENEFICIO, SAIDA TEMPORARIA.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para discursar.) – Boa tarde, Senadores, Senadoras.

    Presidente, eu vou ser breve aqui nas minhas considerações. Eu queria aqui fazer um registro porque, na semana passada, eu não pude falar durante a aprovação da PEC antidrogas, mas quero elogiar até a colocação em pauta desta PEC assim como outras medidas importantes que foram colocadas nesta Casa recentemente, como a PEC 8 e, igualmente, o PL que põe fim às saidinhas.

    Creio que essa PEC restabelece a vigência da nossa política antidrogas do presente, deixando claro que o tráfico e o consumo de drogas continuam sendo criminalizados no país e que qualquer revisão dessa política específica tem que passar, como é natural, pelo Congresso Nacional.

    A gente sabe que existem divergências – razoáveis, inclusive – quanto ao enfrentamento do tráfico e do uso de drogas. Há quem argumente que a descriminalização significaria retirar uma importante fonte de recursos do crime organizado, fazendo uma comparação com o que aconteceu na era da proibição nos Estados Unidos.

    Mas quem utiliza esse argumento se esquece de que a utilização, o uso e o abuso de drogas são muito mais perigosos do que a utilização e o abuso do álcool. Não que o consumo excessivo de álcool não gere os seus problemas, inclusive de saúde. Mas os riscos de overdose e de dependência com o abuso de drogas são muito maiores. Aí se justifica uma cautela adicional.

    De todo modo, uma descriminalização, como alguns pretendiam, do pequeno comércio varejista de drogas teria por efeito único potencializar e facilitar as atividades das organizações criminosas, já que não existe um mercado varejista que seja independente dessas organizações. O tráfico de drogas hoje é um empreendimento de negócios nas mãos do crime organizado. Então, qualquer iniciativa para a legalização do tráfico ou do próprio uso de drogas – embora eu seja contra essa legalização – teria que ser feita através da criação de um mercado legal, e não através da descriminalização de parte dessa atividade.

    Então, veio em boa hora o Senado Federal e aprovou a PEC antidrogas, trazendo uma tranquilidade à sociedade e à família brasileira de que qualquer alteração brusca nessa política tenha que passar, como é natural, pelos representantes eleitos das duas Casas.

    Agora, precisamos rogar, pedir que a Câmara dos Deputados se debruce sobre a matéria. É uma matéria relevante. E essas medidas que têm sido aprovadas aqui no Senado muitas vezes não estão encontrando ali uma ressonância na outra Casa. Entretanto, como a gente tem visto uma grande demanda da população em relação à segurança pública e esses dois temas estão intimamente vinculados, eu acredito aqui humildemente que a PEC antidrogas vai ter o seu trâmite adequado ali dentro da Câmara dos Deputados para que esse assunto receba, enfim, a deliberação final do Congresso Nacional.

    Espero também que possamos, na sessão do Congresso que está marcada, a não ser que haja aí alguma surpresa, votar finalmente para derrubar o veto feito pelo Presidente Lula em cima do fim das saidinhas temporárias dos presos do regime semiaberto. É um primeiro passo, um passo significativo, que esse Congresso dá para virar maré.

    A gente tem visto por vários anos uma maré em favor da criminalidade, legislação leniente em relação à criminalidade ou medidas muitas vezes pouco efetivas. Recordo-me que as últimas exposições mais rigorosas estavam lá no pacote anticrime aprovado em 2019, e, ainda assim, não em sua inteireza. E depois tivemos praticamente um vácuo ao aprovarem leis lenientes ou simplesmente essa matéria ter sido deixado de lado. E a aprovação do fim da saidinhas acaba possibilitando uma mudança dessa maré.

    O Governo Lula divulgou uma preocupação de que o fim da saidinhas poderia gerar motins e rebeliões no sistema prisional. Particularmente entendo que não podemos ser reféns de criminosos. Não podemos ser intimidados por uma possibilidade ainda apenas abstrata. De todo modo, é oportuno lembrar que esse argumento ignora que o bom comportamento carcerário ainda é necessário para que os presos possam obter os benefícios de progressão de regime e a própria saída temporária para fins de atividade de educação e de trabalho, que o Senado, em boa hora, preservou nesse projeto de lei, que põe fim às saídas temporárias nos feriados.

    Logo, é falsa a afirmação de que, com o fim das saídas temporárias nos feriados, cairiam todos os incentivos para o bom comportamento carcerário. Ao contrário, permanece ainda ele fundamental para a obtenção desses outros benefícios, com o que esse temor abstrato da ocorrência de motins ou de rebeliões é algo muito distante da realidade e que não deve ser utilizado para tentar justificar um veto que todos já consideram absolutamente injustificável.

    Espero que nós possamos, nos próximos tempos, em breve, debruçar-nos sobre outros projetos de lei que aumentem, que reforcem a segurança no Brasil, já que esse é um setor que, como nós temos visto, tem sido abandonado pelo Governo Federal.

    Aí se faz mister o Senado e o Governo Federal se debruçarem, cada vez mais, e fazerem a sua parte sobre esse tema.

    Muito obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) – Senador Sergio Moro, se me permite, ao ensejo do pronunciamento de V. Exa. em relação a vários pontos, me chamou a atenção a questão da proposta de emenda à Constituição relativamente às drogas no Brasil.

    É importante sempre neste debate, e não me cabe, como Presidente, fazer uma discussão a respeito do tema, porque eu preciso presidir, e os dois lados têm a suas posições, e nós temos que respeitá-las, mas, como autor da proposta de emenda à Constituição, eu vi muitas informações e algumas desinformações em relação a essa proposta de emenda à Constituição. E a que mais me chamou a atenção foi a de que se pretende prender – o termo é esse –, colocar na cadeia usuários de entorpecentes.

    Definitivamente, isso não tem o menor lastro, o menor sentido nem na PEC nem na realidade atual da política antidrogas no Brasil. A rigor, se nós formos analisar o que essa PEC representa, no final das contas, ela representa a ratificação, na Constituição, da política antidrogas do Brasil atual, desde 2006, quando houve, inclusive, um abrandamento, justo, inclusive, de prever penas não corporais ou penas não privativas de liberdade a quem porta substâncias entorpecentes sem autorização legal.

    Então, o que a proposta de emenda à Constituição vem fazer – e não há nenhum absurdo nisso, porque o próprio art. 5º, em dois incisos refere-se a tráfico de drogas, refere-se a substâncias ilícitas e entorpecentes –, o que essa PEC vem dizer é que a lei, após a edição da emenda constitucional, deverá considerar crime o porte e a posse de substância ilícita e entorpecente.

    Aí vem uma discussão – e aqui nós não podemos entrar na questão de mérito de se faz bem ou se faz mal, se deve ser proibido ou legalizado – que, obviamente, é uma discussão relevante. O fato é que a administração pública brasileira – e isso é administrativo –, através da Anvisa, define o que são as substâncias entorpecentes ilícitas. Não somos nós no Congresso, muito menos o Poder Judiciário, há uma definição da administração pública que define o que são as substâncias ilícitas entorpecentes.

    Muito bem. A lei federal, quando se refere à política antidrogas, não fala de maconha, de cocaína, de cloreto de etila ou de qualquer outra coisa. Fala de substâncias ilícitas entorpecentes. É uma norma penal em branco, que V. Exa. bem conhece, remetendo ao que a administração pública define como substância ilícita e entorpecente.

    Então, se nós colocarmos esta caneta na Anvisa como substância ilícita e entorpecente, portá-la, segundo a lei, será considerado crime no Brasil. E assim é. E é assim que funciona.

    Muito bem. Se há uma norma administrativa que define o que são as substâncias ilícitas e entorpecentes e se há uma lei federal que disciplina os crimes de se portar esse tipo de substância, quem trafica comete um crime equiparado a hediondo, um crime com pena de 5 a 15 anos; e quem porta para consumo próprio ou para consumo compartilhado não pode ser preso. Ele tem uma consequência jurídica, alguma relevância jurídica, mas não pode ter prisão.

    No final das contas, o que não é razoável, é, considerando essa realidade de uma lista, de um rol de substâncias entorpecentes e de uma lei federal que remete a esse rol, que o Poder Judiciário, numa decisão judicial, possa pensar – uma das substâncias entorpecentes ilícitas do rol de proibição, cuja inclusão foi aferida a partir de critérios técnicos, ou seja, a ciência é que determina se essa substância entorpecente deve ser lícita ou ilícita –, não pode uma decisão judicial pensar em uma substância e dizer: "Não, essa substância, em determinada quantidade, ah, isso passa a ser lícito".

    Se quer se descriminalizar a maconha e torná-la legal, essa é uma discussão política que cabe à política fazer, no âmbito do Executivo e da Anvisa, com cientistas, com a universidade e com a sociedade, no Parlamento brasileiro para a gente ter uma discussão sobre isso, sob pena de uma decisão judicial, e a precariedade dela, gerar tanta perplexidade que, amanhã, você possa pensar numa decisão que considere o lança-perfume, que é proibido no rol da Anvisa e é socialmente aceito, porque, no tempo dos nossos pais tinha nos bailes de Carnaval, então, se isso é socialmente aceito, em relação a lança-perfume não se pode proibir a partir de uma decisão de um juiz de primeira instância, por exemplo. Ou pensar que, em determinadas circunstâncias, não se pode punir alguém que tenha um porte de cocaína e que justifique esse porte porque precisava ficar acordado para poder proteger uma residência que seria furtada naquela madrugada.

    Ou seja, você começa com casuísmos e com exceções legais que contrariam uma regra clara, administrativa, do que se define como substância ilícita entorpecente, e de uma lei federal que também não faz discriminação sobre o tipo de droga; é aquela da lista de substâncias ilícitas entorpecentes. Quer legalizar qualquer dessas substâncias, discute-se na política para poder excluí-la do rol de proibição.

    O Gustavo Sabóia, nosso Secretário-Geral da Mesa, me lembrava quando o Congresso Nacional votou uma lei para poder definir uma substância de combate ao câncer como lícita, e o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o Congresso não podia fazer aquilo porque cabia à Anvisa definir se aquilo podia ser liberado ou não, porque há critérios científicos e técnicos para poder se definir isso.

    Então, eu estou vendo muitos argumentos e muitas notícias falando de retrógrado, de retrocesso, etc. Eu respeito quem define a liberação da maconha, mas até esses que defendem a liberação da maconha devem reconhecer que o caminho não é uma decisão judicial de um recurso extraordinário, num caso concreto. Essa é uma discussão muito mais ampla que se deve fazer para seguir num caminho ou num outro.

    Então, há uma questão de reserva de poder, que é o poder da política de decidir isso junto com a sociedade brasileira, junto com as discussões dos cientistas que possam aferir isso, mas não pode ser por uma decisão judicial isolada que resolva descriminalizar certa substância, em certa quantidade, sob pena, de fato, de nós gerarmos uma perplexidade e insegurança jurídica, inclusive, para a própria normatização disso no Brasil.

    Qual é a lógica? Se uma substância, reconhecida pela Anvisa e pela lei como substância ilícita, entorpecente é gravemente ilícita na mão de alguém que está vendendo aquela substância, aquela mesma substância, e, a partir do momento que passa para um outro alguém, que adquiriu para consumo próprio, essa mesma substância passa a ser um insignificante jurídico; aí não importa. Ou seja, na mão de um jovem de periferia, cooptado pelo tráfico, que está vendendo a serviço do tráfico, ele vai responder por um crime hediondo e vai ser preso por isso, por essa pequena quantidade de substância. E a decisão do Supremo Tribunal Federal não descriminalizava esse tipo de conduta. O tráfico, inclusive de um grama, continua sendo crime se for tráfico, mesmo na decisão do Supremo Tribunal Federal. E aí, quando vai para a mão de alguém que adquiriu essa substância entorpecente, isso passa a ser um insignificante jurídico. E a polícia que identificar isso, simplesmente, não vai tomar providência alguma. Pode inclusive seguir o seu caminho; não há nenhum um tipo de apreensão, não há nenhum tipo de estatística, não se indaga nem de quem ele comprou, porque, na verdade, nessa história toda se resolve um problema de demanda, mas não se resolve de oferta. Ou seja, de quem vai se adquirir essa droga se ela for descriminalizada? No Brasil, só de um traficante, diferentemente de outros países que fizeram um programa, que definiram onde comprar, a loja, a farmácia, cadastro de usuários. Há limite, há regras para aquilo. Aqui, não. É uma pura descriminalização em que se pune gravemente aquele que a mesma substância vendeu, e, para quem a adquiriu, não tem nenhum tipo de consequência jurídica, nada de coisa alguma como consequência jurídica. Daí a deficiência de se fazer isso numa decisão judicial num caso concreto.

    É essa a nossa ponderação. É essa a nossa posição, com ampla maioria, no Senado Federal; e, agora, a Câmara, ao seu tempo e com sua autonomia, deverá apreciar. Mas, apenas para que não rendamos, ou não resumamos essa discussão a uma discussão de quem é a favor à liberação da maconha, porque quem é a favor da liberação da maconha há de convir que isso deve se dar, de acordo com entendimento de quem prega isso, dentro de um cronograma, de uma política pública e de uma discussão através da política, nas Casas próprias, sem prescindir da participação da Anvisa, que define as substâncias ilícitas entorpecentes no Brasil.

    Então, faço apenas essa ponderação no ensejo do seu pronunciamento para evitar que haja distorções, desinformações, e que se coloque o Senado Federal como uma Casa que não mediu as suas consequências ou as consequências dessa proposta de emenda à Constituição. Nós aferimos isso, nós consideramos isso, é uma discussão muito mais ampla em que a proteção de jovens, a proteção de famílias, obviamente que isso tudo está na pauta, mas é também uma discussão puramente técnica em relação a isso e sobre os caminhos que se devem percorrer para atingir um determinado objetivo. E, repito: quem é a favor dessa tese – eu respeito quem é a favor dessa tese; ela poderá sempre ser discutida no âmbito do Parlamento – deve reconhecer que essa é uma reserva nossa, essa é uma reserva da ciência, essa é uma reserva da sociedade, e não de uma decisão judicial.

    Portanto, eu faço esse registro, se me permite essa discussão, apenas como autor da proposta de emenda à Constituição, que sofreu, naturalmente, muitas críticas, mas, muitas delas – perdoem-me – a partir de premissas equivocadas, inclusive esta: a de que nós estaríamos pretendendo a punição criminal com prisão de dependentes químicos.

    Aliás, dependência química nem crime é. Se alguém é dependente químico, se alguém consumiu uma substância entorpecente, não há tipo penal nisso, ele não pode ter nenhum tipo de processo em razão disso. O fato é que a existência da droga, por si só, é um perigo abstrato, e é assim considerado, inclusive, na doutrina e na jurisprudência. A existência da droga é um perigo abstrato. A existência na mão de quem pretende traficar é um crime equiparado a hediondo. A existência na mão de quem pretende consumir, na sequência, é um crime menor, sem pena de prisão, mas que tem que ter alguma consequência para mostrar que isso aqui não pode existir, porque isso aqui está dito, pela administração pública, que é uma substância ilícita, entorpecente ilícita, porque, se pudesse estar na mão de alguém, ela seria lícita.

    Então, a PEC visa a punir traficante; faz a ressalva de que o usuário não pode ser punido com pena de prisão, e faz uma ressalva de que só será crime contra a lei e contra disposição regulamentar, fazendo, inclusive, todas as reservas em relação ao uso medicinal. Há uma discussão futura em relação a alguma substância entorpecente que vise a ser retirada do rol de proibição e tudo isso está garantido na proposta de emenda à Constituição, e a desinformação não pode se sobrepor ao bom mérito dela.

    Por isso, eu faço esse esclarecimento aos colegas Senadores e eu espero que a Câmara faça toda essa reflexão, e que, eventualmente, aprimore o texto dela para deixar claras estas premissas: de que não se pretende prender o usuário, não se pretende tratar dependente químico como criminoso, mas que se tem que considerar que a política antidrogas no Brasil não pode arrefecer, porque em torno dela estão: crime organizado, homicídio, chacinas, tráfico de armas, lavagem de dinheiro, corrupção, corrupção de menores.

    Então, um arrefecimento precário por uma decisão judicial ser uma discussão de projeto público, de um programa estrutural, é um erro. E assim nós reconhecemos, em uma ampla maioria, na votação da PEC. 

    Senador Sérgio Moro.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) – Pela ordem, um aparte.

    O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) – Só um minutinho.

    Eu quero aqui concordar com todas as palavras de V. Exa. Eu quero até aproveitar e elogiar, porque a gente vê muita falação, muito histrionismo, muita histeria, mas V. Exa. colocou um projeto importante para a sociedade brasileira em pauta, foi o autor dele. E houve uma reflexão grande aqui dentro do Senado em cima. A redação inicial, embora fosse boa, foi até aprimorada para deixar claro que o usuário não seria preso, porque o que a lei prevê atualmente é o tratamento, é a alternativa. E V. Exa. apresentou uma proposta importante que foi aprovada e também pautou essa proposta, mesmo sujeito a um tema absolutamente divergente perante a sociedade e que evidentemente suscitou críticas.

    Agora, como V. Exa. disse, o texto – existe aquela expressão em inglês, "crystal clear" – é claro cristalino que ele apenas estabelece que vai continuar sendo crime tanto o tráfico como o uso, mas que o usuário terá um tratamento diferenciado, que é o registro da política atual. E a mudança dessa política, que é um passo arriscado... Eu gostaria de ter certeza de muitos que falam e defendem a descriminalização completa do uso do tráfico de drogas, como se isso resolvesse todos os problemas. O que a gente vê nos locais em que isso foi feito, embora haja resultados díspares, é que existem problemas.

    Eu vi recentemente um estudo no Estado do Colorado, em que eles liberaram, foi o estado americano pioneiro em liberar o consumo de maconha, e um dado que me chamou a atenção foi o aumento do número de suicídios, nos quais os exames toxicológicos detectaram a utilização da maconha. O percentual foi de 14% para 29% naquele estado, só para ficar nesse dado específico.

    Então, num terreno em que a gente tem muitas dúvidas, em que as experiências podem ter consequências imprevisíveis, veio em boa hora o Senado e aprovou uma proposta que dá tranquilidade de que o tráfico vai continuar sendo crime e que vai haver distinção entre o usuário e o traficante. E nós não podemos aí perder esse rigor.

    Eu lembro aqui, Presidente, algo que aconteceu, e V. Exa. conhece esse assunto bem como advogado. No crime de lavagem de dinheiro, a nossa legislação inicialmente estabelecia que operações suspeitas de valor igual ou superior a R$10 mil deveriam ser comunicadas ao Coaf. E o que fizeram os lavadores de dinheiro? Começaram a estruturar suas operações abaixo de R$10 mil, era muito comum em processos criminais. Isso eu falo como juiz criminal, mas é uma experiência que policiais tiveram, promotores tiveram, juízes tiveram e advogados também se debruçaram nos casos concretos que lhes chegaram às mãos sobre diversas transações de valores próximos a R$10 mil, R$9 mil, R$9,5 mil, R$9,8 mil.

    Então, quando se tem uma proposta de se distinguir o traficante do usuário unicamente pela quantidade de droga, as consequências disso seriam equivalentes ao que seria a estruturação da atividade varejista da venda de droga abaixo desse limite. E isso não significaria que se estaria preservando o usuário, mas sim se estaria liberando o tráfico varejista em pequenas quantidades. E quem é o beneficiário final disso? São as organizações criminosas. Ninguém imagina que tem um traficante vendendo na esquina sem que ele seja subordinado a uma organização criminosa.

    Então, aqui eu faço coro às palavras de V. Exa, acho que há muita incompreensão e críticas. E creio que esta Casa aqui deu uma resposta importante a esse tema, mas cabem os elogios a V. Exa. por ter a coragem institucional de apresentar o projeto e de pautar esse projeto, apesar de todas as críticas que foram colocadas. E a gente precisa de menos histrionismo e mais resultado.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2024 - Página 49