Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da PEC nº 3/2024, idealizada por S. Exa., que veda o uso da aposentadoria como sanção quando do cometimento de infração disciplinar pelos militares, magistrados e membros do Ministério Público.

Argumentação a favor do Projeto de Lei nº 287/2024, que dispõe sobre a Estratégia Nacional de Controle e Avaliação da Qualidade da Assistência à Saúde prestada pela Iniciativa Privada.

Autor
Flávio Dino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/MA)
Nome completo: Flávio Dino de Castro e Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Agentes Públicos:
  • Defesa da PEC nº 3/2024, idealizada por S. Exa., que veda o uso da aposentadoria como sanção quando do cometimento de infração disciplinar pelos militares, magistrados e membros do Ministério Público.
Agências Reguladoras, Defesa e Vigilância Sanitária, Saúde Suplementar:
  • Argumentação a favor do Projeto de Lei nº 287/2024, que dispõe sobre a Estratégia Nacional de Controle e Avaliação da Qualidade da Assistência à Saúde prestada pela Iniciativa Privada.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2024 - Página 18
Assuntos
Administração Pública > Agentes Públicos
Administração Pública > Serviços Públicos > Agências Reguladoras
Política Social > Saúde > Defesa e Vigilância Sanitária
Política Social > Saúde > Saúde Suplementar
Matérias referenciadas
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, DISCURSO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HIPOTESE, INFRAÇÃO DISCIPLINAR, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, APOSENTADORIA, FORMA, SANÇÃO.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, DISCURSO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, LEI FEDERAL, ESTRATEGIA, CONTROLE, AVALIAÇÃO, QUALIDADE, ASSISTENCIA, SAUDE, INICIATIVA PRIVADA, COMPETENCIA, DIRETRIZ, ALTERAÇÃO, INFRAÇÃO, MULTA, DESCUMPRIMENTO, PADRÃO DE QUALIDADE, SERVIÇO DE SAUDE, QUALIFICAÇÃO.

    O SR. FLÁVIO DINO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - MA. Para discursar.) – Sr. Presidente, colegas que aqui se encontram neste Plenário, todos que nos acompanham pelos meios de comunicação, venho aqui hoje, sobretudo, para consignar, para registrar uma proposta de emenda à Constituição cuja coleta de assinaturas comecei hoje. Quero, desde logo, agradecer a V. Exa. e ao Senador Paim, que já subscreveram a nossa proposta, visando a que nós possamos corrigir uma quebra de isonomia injustificável no que se refere ao serviço público brasileiro.

    Semana passada eu estive aqui, Sr. Presidente, fazendo uma defesa institucional do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, e acentuei ser imprescindível que todos nós cumpramos o princípio da harmonia entre os Poderes. Ora, isso não significa dizer que os Poderes não tenham, cada um ao seu tempo, de proceder às devidas correções naquilo que está errado. Nós precisamos entender que a ingerência recíproca entre os Poderes, ou seja, que o princípio de freios e contrapesos é inerente à lógica constitucional que nós elegemos desde o alvorecer da República.

    Assim sendo, nós temos que ser os primeiros a reconhecer que, não obstante sejam injustas as críticas que de um modo generalista ou genérico se dirigem ao Poder Judiciário, quando há erros eles devem ser prontamente apontados para buscarmos juntos as saídas adequadas.

    Ora, o que se passa há muito tempo, por uma decisão do Congresso Nacional? Se um servidor público civil – imaginemos, Senador Paim, um Delegado da Polícia Federal – pratica um ato de corrupção, ele é processado administrativamente e é demitido, perde o cargo. Assim também é em relação a um servidor deste Senado da República. E praticamente 99% dos servidores públicos são submetidos a essa lógica. Se você cumpre os seus deveres, você tem os seus direitos, se você pratica uma falta leve, você tem uma punição proporcional. Mas se você pratica um delito grave que configura, inclusive, eventualmente, até um crime, é claro que você tem que receber uma sanção simétrica. No caso, a perda do cargo.

    Tal não ocorre, contudo, em relação a três categorias do serviço público brasileiro: a primeira é a categoria à qual eu tenho a honra de ser vinculado há 30 anos, de um modo ou de outro, a magistratura; a segunda, o Ministério Público; a terceira, os militares. Em relação a essas três categorias o que ocorre, Senador Izalci, cuja assinatura desde logo demando. Em relação a essas três categorias o que ocorre, Senador Izalci, cuja assinatura desde logo demando?

    O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - DF) – Já assinei. Só para informar a V. Exa.

    O SR. FLÁVIO DINO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - MA) – Agradeço a V. Exa.

    O que se passa, Senador Izalci? Se um juiz pratica um ato de corrupção ou mata uma pessoa, ele é processado administrativamente, e a sanção máxima hoje é a aposentadoria compulsória. O mesmo se dá em relação ao Ministério Público. E, em relação aos militares, ocorre a aplicação indevida de um instituto chamado pensão por morte ficta ou pensão por morte presumida. Sr. Presidente, é a famosa viúva de marido vivo. Cria-se a seguinte circunstância: se o militar pratica um ato ilícito, e ele é excluído dos quadros da instituição militar, presume-se que ele tenha morrido, e a sua pensionista passa a receber a pensão, como se viúva fosse, mas o marido está vivo! Acaba sendo, em termos práticos, um resultado equivalente ao que se passaria em relação aos juízes e aos promotores.

    Há vários argumentos para sustentar este erro. Um deles é o chamado princípio da vitaliciedade, que é correto, adotado pela imensa maioria dos países do mundo. Ocorre que o princípio da vitaliciedade não é absoluto. Ele é submetido ao cotejo, à vista de outros princípios de idêntica estatura, de idêntica dignidade; por exemplo, o princípio da moralidade. A vitaliciedade cede espaço, deve ceder terreno quando há a perpetração de uma ilicitude. E, por isso, nesta proposta, consigno claramente que: de um lado, é proibida a sanção de aposentadoria compulsória; e, de outro, que, no caso de falta grave, a sanção aplicável deve ser a demissão ou a perda do cargo – o nome que queiram dar –, à luz da lei de regência do respectivo regime jurídico.

    Chama a atenção, Sr. Presidente, que este Parlamento brasileiro, muito recentemente, desejou acabar com a aposentadoria compulsória dos juízes e dos promotores no âmbito da chamada reforma da previdência. Ocorre que a técnica legislativa não foi a melhor, e isso ensejou que houvesse a seguinte circunstância.

    O que aconteceu no âmbito da reforma da previdência? Quando da análise do art. 93 da Constituição, assim como da do art. 103-B da Constituição, havia um rol de sanções: remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória – tanto no 93 quanto no 103-B. O que fez o Constituinte derivado, ou seja, o Senado e a Câmara? Retirou desse rol a aposentadoria compulsória, e ficaram apenas, como sanção, declaradas expressamente no texto constitucional, a remoção compulsória e a disponibilidade.

    Ora, apreciando um caso concreto meses depois, o Conselho Nacional de Justiça se viu diante da seguinte situação: era uma falta grave, e não havia sanção prevista no texto constitucional, porque se retirou a aposentadoria compulsória e não se colocou nada, expressamente, no lugar. E o que fez o Conselho Nacional de Justiça? Acertadamente, o Conselho Nacional de Justiça aplicou a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a velha Loman, de muitas décadas, e seguiu aplicando a aposentadoria compulsória, aquela com que o Senado e a Câmara desejaram acabar.

    Portanto, nós estamos buscando corrigir essa lacuna. Como? Deixando claro no texto constitucional que não apenas não há a previsão de aposentadoria compulsória como sanção; passará a constar expressamente a proibição de aplicação de aposentadoria compulsória como sanção, porque é uma incompatibilidade semântica, ontológica, conceitual. Aposentadoria é um direito. Está aqui um dos grandes lutadores da previdência brasileira, o Senador Paim. A aposentadoria é um direito sagrado de todos. Como é que a aposentadoria, que é um direito que visa assegurar a dignidade, é uma punição? Acaba sendo um prêmio! Infelizmente, há pessoas destituídas de senso ético que não se constrangem de serem, entre aspas, "punidas" e passam a vida a receber uma aposentadoria porque foram punidas. O mesmo se dá em relação ao Ministério Público e o mesmo se dá em relação aos militares, mediante a aplicação daquele instituto exótico da pensão por morte ficta. Corrijamos isso no texto constitucional.

    E ergue-se, finalmente, o último óbice. Diz-se assim: "Mas as contribuições?". Ora, esse óbice só é erguido em relação a essas três categorias, porque todos os demais que sofrem a sanção de demissão contribuíram também – o servidor do Senado contribui, o servidor da Polícia Federal contribui –, e este tempo não vai ser anulado, este tempo contributivo o servidor manterá. Ele apenas, por ter praticado uma falta grave, por ter sido desligado do serviço público – V. Exa. é contador e sabe –, vai pegar a certidão de tempo de serviço e vai averbá-la em um novo vínculo que ele tenha. Nada o impede. Portanto, não há a anulação das contribuições feitas; há apenas o reconhecimento de que aquela pessoa rompeu o liame de confiança que a vinculava ao cargo público e, por isso mesmo, tem que ser efetivamente punida.

    Eu tenho certeza de que a imensa maioria dos juízes, promotores e militares haverão de concordar com essa proposta, porque a imensa maioria dessas categorias profissionais é composta por pessoas sérias, que não temem, obviamente, amanhã, responder a um processo.

    Espero, portanto, que não haja uma incidência indevida de alguma visão corporativista que procure fazer com que a imensa maioria dos bons seja indevidamente capturada por um discurso para considerar que essa proposição seria uma violação ao estatuto constitucional da independência da magistratura ou mesmo à imprescindível dignidade das classes ou das corporações militares. Não, não é nada disso, é uma medida de valorização funcional e, ao mesmo tempo, é uma medida que se coaduna com o princípio da isonomia.

    É evidente que o princípio da isonomia não significa igualdade absoluta. Há situações em que a desigualação se justifica, nós todos sabemos disso. Ocorre que essa desigualação, para se justificar, deve ser compatível com a lógica constitucional, com o princípio da proporcionalidade, com um certo coeficiente de justiça socialmente e normativamente consagrado.

    Alguém tem coragem de encontrar o fator objetivo que leva a que um juiz que pratique homicídio seja punido com aposentadoria compulsória e qualquer servidor público que pratique um homicídio na repartição seja demitido? Qual a razão dessa desigualação? Nenhuma!

    E, por isso, eu quero, Sr. Presidente, finalizar esta parte desse breve pronunciamento pedindo o apoiamento dos Parlamentares que não estão aqui, mas estão em seus gabinetes, via internet, via TV Senado, porque eu estou numa espécie de contagem regressiva. Para a proposta efetivamente tramitar, eu tenho que ter os apoiamentos equivalentes a um terço da Casa até quarta-feira, porque amanhã faço o meu último discurso nesta tribuna e, na quarta, renuncio ao mandato. E acho que, neste momento, nessa quadra histórica, é importante que nós possamos discutir propostas boas, positivas, sérias, para unir o país tanto quanto possível e, ao mesmo tempo, retirar da agenda propostas que não são as mais adequadas.

    Em segundo lugar, Sr. Presidente, eu, finalizando essa atividade legislativa, hoje protocolei outros projetos de lei – aí não se cuida mais de PECs, mas, sim, de projetos de lei. Eu, nessas duas semanas, apresentei sete propostas aqui na Casa. As de hoje versam sobre vários temas, mas há uma muito especial, que trata sobre a qualidade no serviço de saúde.

    Quantos cidadãos e quantas cidadãs do nosso país foram iludidos ao achar que, ao ingressar com um ente familiar em um hospital público ou privado, estavam ingressando em um ambiente seguro? Eu mesmo sei disso do pior modo, do modo que me dói até pensar, e não vou repetir, por um evento trágico no hospital que era tido como o melhor da capital do país, que era o Hospital Santa Lúcia, no fim da asa sul; era tido e havido, e cometeu erros injustificáveis, descumpriu normas e levou à maior tragédia da minha vida pessoal. Ora, você passa por esse hospital, vê Blindex, mármore, granito... E me lembro sempre da figura bíblica do sepulcro caiado: por fora é uma coisa, por dentro é outra.

    O que se passa com a educação brasileira? A educação brasileira, Senador Paim, tem um sistema de avaliação. As faculdades privadas e públicas são ranqueadas; é feita uma mensuração organizada sobre a qualidade do ensino superior. Faculdades que não cumprem os requisitos legais são parte de listas com conceitos públicos e podem, eventualmente, até deixar de funcionar.

    Na saúde não acontece isso. Na saúde, nós não temos um sistema organizado de avaliação. Nós temos a ação da Anvisa? Temos. Temos da ANS? Temos. Mas não há um sistema nacional. E o projeto de lei que eu apresentei, em relação ao qual faço idêntico pedido de apoio para aprovação nas Comissões e, sucessivamente, no Plenário, visa a que nós possamos adaptar essa estratégia nacional de avaliação, auditoria e fiscalização que existe em relação ao sistema educacional no Brasil, por lei aprovada neste Congresso, e que possamos também ter isso em relação ao setor privado, como também em relação aos próprios hospitais públicos, para que os usuários, os cidadãos, os consumidores possam dispor de informações confiáveis – se aquele hospital, além do granito e do Blindex, dispõe de médicos em número adequado; se tem enfermeiros em número adequado; se eles não praticam métodos gerenciais criminosos, como aconteceu neste Hospital Santa Lúcia aqui de Brasília – e, com isso, nós possamos prevenir.

    Esse é aquele tipo de projeto de lei que é aqui apresentado em que as vítimas, que são milhares, milhares no sistema público, no sistema privado, talvez se perguntem: para quê? Esse projeto de lei, Senador Chico Rodrigues, é para que outros não sofram o que nós, integrantes dessas famílias, sofremos todos os dias, e para que nós tenhamos um passo a mais.

    O SUS foi um passo extraordinário no Brasil. Nós temos hospitais privados da maior seriedade no nosso país. Eu, quando caminhava para assumir esta tribuna, recebi apoio de donos de hospitais privados, mensagem dizendo: "Sim, Senador, esse é um projeto importante". Porque separa o joio do trigo e obriga à adoção das melhores práticas, porque, se você tem um hospital que não cumpre as normas da Anvisa e você tem outro que cumpre, aquele que cumpre e, portanto, oferece um serviço melhor acaba tendo um custo mais alto, o que distorce, portanto, o princípio da livre concorrência e premia o mau empresário. Então, é o mesmo raciocínio – e com isso concluo – que embasa a proposta anterior: separar o joio do trigo, punir o mal e iluminar as boas práticas.

    Esse é o sentido desse projeto de lei que apresentei hoje ao lado de outras proposições, completando, portanto, Sr. Presidente, esse itinerário como legislador. Como disse, amanhã, às 16h, estarei aqui nesta tribuna pela derradeira vez, mas não farei um discurso nesse momento – amanhã – marcado pelo embate político, pelo debate político, tampouco uma resenha desnecessária dessas sete proposições. Elas aí estão, aí ficarão, para marcar esse compromisso com a nossa pátria.

    O que farei amanhã é um agradecimento, um agradecimento afetivo a todos que me permitiram essa excepcional experiência de ocupar a tribuna do Senado da República. Portanto, este, assim sendo, é o discurso em que registro, consigno a importância dessas proposições, além das outras que eu já destaquei aqui desta tribuna.

    Eu, em conclusão, reitero o pedido para que...

(Soa a campainha.)

    O SR. FLÁVIO DINO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - MA) – ... os Senadores e as Senadoras que ainda não subscreveram a proposta de emenda à Constituição que acaba com a aposentadoria compulsória de juízes e promotores e que acaba com a pensão por morte ficta, presumida dos militares e que, portanto, faz com que todo o serviço público civil e o serviço prestado pelos militares tenham idêntico tratamento normativo diante da perpetração de faltas graves o façam, para que a proposta possa tramitar e, com isso, nós mostremos ao país uma pauta positiva e consigamos com isso superar mais essa mazela e, com isso, conseguirmos um Judiciário melhor.

    Eu sempre fui, em 34 anos que eu tenho de atuação profissional, um defensor da prestação jurisdicional justa, e essa proposta se alinha exatamente no conjunto de passos, de medidas, que, em 34 anos de atuação profissional no direito, tenho adotado para proteger o Judiciário, valorizá-lo e, com isso, aumentar a sua credibilidade e melhorar a cidadania em nosso país.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2024 - Página 18