Discurso durante a 164ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com os acontecimentos políticos extremos ocorridos nas últimas semanas no Brasil. Satisfação com a vitória do Sr. Yamandú Orsi na eleição presidencial do Uruguai. Breve histórico do trabalho de S. Exa. em defesa da redução da jornada de trabalho.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Assuntos Internacionais, Jornada de Trabalho:
  • Preocupação com os acontecimentos políticos extremos ocorridos nas últimas semanas no Brasil. Satisfação com a vitória do Sr. Yamandú Orsi na eleição presidencial do Uruguai. Breve histórico do trabalho de S. Exa. em defesa da redução da jornada de trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2024 - Página 29
Assuntos
Outros > Assuntos Internacionais
Política Social > Trabalho e Emprego > Jornada de Trabalho
Matérias referenciadas
Indexação
  • PREOCUPAÇÃO, ATIVIDADE, NATUREZA POLITICA, ATENTADO, LOCALIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), COMPROMETIMENTO, ESTADO DE DIREITO, DEMOCRACIA.
  • SAUDAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, VITORIA, ELEIÇÕES, PRESIDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, DEFESA, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, TRABALHADOR, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Presidente, Dr. Hiran, Senador Girão, que me cedeu o espaço, e Senador Wellington, que fez agora um belo pronunciamento e me dizia aqui: "Eu tenho certeza de que é também a mesma visão do Governo, não é? Nesse mesmo sentido". E por isso estamos todos juntos. É bom quando estamos todos juntos na mesma toada, com o mesmo objetivo. Isso é bom para o povo brasileiro.

    Parabéns pelo pronunciamento.

    Sr. Presidente, eu não poderia deixar de falar – eu venho à tribuna hoje, porque não tivemos sessão na quinta e na sexta – sobre o assunto que está na ordem do dia, ao qual eu dei como título: A democracia e os recentes acontecimentos políticos no Brasil.

    Sr. Presidente, Senadores e Senadoras, estou na tribuna no dia de hoje com profunda preocupação diante dos recentes acontecimentos políticos em nosso país, que colocam em xeque os pilares da nossa jovem democracia.

    Temos assistido, estarrecidos, a um verdadeiro desfile de atos inaceitáveis que escancaram o quanto ainda precisamos avançar na consolidação de uma cultura de respeito às instituições e ao Estado democrático de direito – a defesa da democracia. São homens-bomba ameaçando o Supremo Tribunal Federal; planos de golpe de estado que beiram a algo inacreditável; conspirações contra o poder constituído; planejamento de assassinato de autoridades públicas; e, lembrando, a barbárie que aconteceu neste país em 2023, com a invasão do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, do Palácio do Planalto.

    O plano que foi articulado, conforme divulgado pela Polícia Federal, era matar o Presidente Lula; o Vice, Geraldo Alckmin; e o Ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Isso significa também confrontar a democracia, significa matar a democracia, atingindo assim milhões de brasileiros. Esses atos não são apenas atentados contra as instituições, prédios ou indivíduos, são atentados contra a própria essência, o coração da democracia. Eles revelam uma perigosa intolerância à pluralidade, um desejo de imposição de ideias pela força, incompatível com o que o Brasil representa enquanto nação livre e soberana.

    Democracia é diálogo – vejam o caso do Uruguai: todos elogiaram pelo nível do debate –, respeito à divergência, numa visão construtiva, numa visão de país.

    Sr. Presidente, de fato, ela não é compatível com bombas, conspirações ou qualquer ato de vandalismo. Por isso, é imprescindível que expressemos com toda a veemência o nosso mais absoluto repúdio a toda e qualquer ação que venha na linha de diminuir a importância, a grandeza da nossa jovem democracia.

    Aqui no Senado, renovamos compromissos inegociáveis com o Estado de direito e com as liberdades democráticas. Que todos os envolvidos sejam responsabilizados pelos seus atos dentro dos parâmetros da lei. A impunidade não pode encontrar espaço numa nação livre e democrática. A justiça deve prevalecer para garantir que jamais se repitam momentos como esse. Que nossas instituições se mantenham firmes, servindo como trincheiras da democracia e que nos unam enquanto povo. Lembro, de novo, o Uruguai.

    A defesa da democracia exige coragem, vigilância e união. Que estejamos à altura do desafio. A democracia é um processo contínuo que se renova e fortalece no exercício da cidadania. Em todos os momentos, é o povo que está em debate, é o interesse dos nossos milhões e milhões e milhões de brasileiros. É na soberania do voto, na participação ativa do povo e nas diversas manifestações políticas, culturais e sociais, que ela se consolida. Sempre respeitamos os direitos, valorizando a prioridade que nos define como uma ação. Ela está consagrada na nossa Constituição – eu fui Constituinte –, no fortalecimento das instituições republicanas e na prática cotidiana da cidadania.

    A democracia exige atenção, diálogo – constante diálogo – para enfrentarmos aqueles que, na sua ótica, pensam diferente, as desigualdades. É legítimo pensar diferente. Agora, todos nós, numa democracia, temos também, como vocês sabem, uma luta que se trava – o dilema é permanente: combater o racismo e todas as formas de discriminação e preconceito, assegurando, assim, o respeito à diversidade.

    Um país justo e solidário se constrói com democracia. É ela que garante o Estado de direito, a justiça social e a dignidade de cada cidadão. Devemos cuidá-la com firmeza, com carinho, estando, como nos ensina a canção, atentos e fortes para que jamais haja retrocesso.

    Por fim, quero reafirmar meus cumprimentos ao povo do Uruguai que demonstrou um forte compromisso com a participação cidadã. A cada eleição, a democracia se fortalece mais nesse país, dando um exemplo, para toda a América Latina, de que através do voto é que se transforma a realidade.

    Cumprimento aqui, com muito carinho, Yamandú Orsi pela eleição à Presidência do Uruguai, representando o movimento de participação popular, integrante da coalizão Frente Ampla. Eu sempre tive uma visão e escrevi até livros sobre a frente ampla. Uma frente ampla é de todos aqueles que têm o entendimento comum de uma sociedade mais justa, mais igualitária, sem discriminação, e que sejam vinculados à democracia. E uma frente ampla pode ser também de centro-direita quanto de centro-esquerda. Cada um monta a frente ampla que mais entende necessária. Aqui, no caso, ganhou a frente ampla de centro para esquerda. E foi respeitadíssima a decisão tomada nas urnas. Eu vi, ontem, inclusive, os dois se cumprimentando de uma forma muito respeitosa. Por isso, fiz questão de terminar falando desse movimento de participação popular, integrante da coalizão Frente Ampla, e a sua Vice, Carolina Cosse.

    Sr. Presidente, como eu havia lhe falado, eu tinha dois assuntos para tratar. O outro assunto, para mim, também é de suma importância. Depois que eu falar, vou assumir a Presidência para ouvir o seu pronunciamento também.

    O tema de minha fala hoje – que eu estou há dias querendo falar, mas não tive oportunidade pela correria nossa aqui no Senado – é sobre a redução da jornada de trabalho. Uma medida urgente que, em nosso entendimento, e vou depois descrever aqui todas as propostas que apresentei, avança para melhorar a qualidade de vida de todos. A redução da jornada de trabalho, sem redução salarial, é uma luta antiga dos trabalhadores, quase que centenária. Lembro-me aqui que Jesus Cristo disse: sete dias por semana, vamos descansar no sétimo dia. De lá para cá, claro, os trabalhadores, empregadores, empresários, mediante um amplo debate, avançaram. Lembro-me que na Constituinte, e eu fui Constituinte, eu já defendia lá essa luta para as 40 horas semanais. Não passaram as 40!

    Eu me lembro do Gastone Righi, que era de um partido do campo progressista, que assinou, foi o primeiro signatário. Iniciamos, assim, na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, uma caminhada para reduzir de 48 para 40. Não passaram as 40, mas passaram as 44. Quando o trabalhador tem, então, mais tempo livre ele pode se qualificar profissionalmente, passar mais tempo com a família, com os amigos, cuidar da própria saúde, fazer cursos técnicos, enfim, isso aumenta a qualidade de vida dos trabalhadores.

    Inúmeros países do mundo estão fazendo isso. Há países que já estão trabalhando com a jornada de quatro dias por semana, que seria quatro por três. É também uma medida essencial para o crescimento e o desenvolvimento econômico do Brasil. Digo tranquilamente isso porque tenho estudado esse tema do mundo do trabalho há muito tempo.

    Lembro-me que quando a gente trabalhou na Constituinte com a tese de 48 para 40 horas, e passou a de 44, nós já dizíamos que só essa redução já garantia, na época, 3 milhões de empregos a mais. Havia uns que diziam que iria haver desemprego; não houve desemprego, aumentou o número de trabalhadores e de trabalhadoras nas empresas. Chegamos a um patamar logo ali ainda, que foi até de 4% só, de trabalhadores desempregados.

    É bom ver, na minha ótica, que novos Parlamentares, como a nobre Deputada Federal Erika Hilton, estão sintonizados com as demandas históricas dos trabalhadores do campo e da cidade. Vejo também com alegria que essa juventude chega com uma visão clara e bem articulada com as redes sociais, bem articulada com a inteligência artificial, bem articulada com todo o avanço da internet, das novas tecnologias, porque quanto mais nós vamos automatizando o mundo do trabalho mais se gera desemprego. Mas como gera desemprego, se você reduz a jornada, você vai construindo o equilíbrio, colocando, no caso que eu dei o exemplo, 3 milhões de novos empregos. Ninguém pode combater a automação; ninguém pode combater a robótica!

    Senador Girão, eu fui uma vez à França. Achei interessante porque eu fui visitar empresários e trabalhadores, e ambos me levaram à beira de um rio, que é praticamente no centro da cidade ou numa parte central, e lá tinha um museu. E eu disse: "Mas que museu esse?" Aquele museu era uma fábrica, uma fábrica onde, no passado, os trabalhadores, preocupados com as demissões por conta das máquinas modernas, passavam a quebrar as máquinas. Quanto mais eles quebravam, vinham máquinas mais modernas; consequentemente, mais produção, mais venda para o empregador e mais desemprego. Daí eles passaram, então, a discutir de forma equilibrada, na linha do diálogo, que eu procurei desenvolver nos meus outros pronunciamentos, a questão da jornada. Então, a França reduzia a jornada e aumentava a produtividade, inclusive com máquinas mais qualificadas. Por isso que eu sempre digo que o diálogo é fundamental.

    V. Exa. me perguntou mesmo, acho que na outra semana, como é que eu via essa questão da PEC de seis por um, a PEC que diz "não" à escala de seis por um. Olha, eu acho que é um debate que é legítimo. Todo debate é legítimo, em todas as áreas possíveis e imagináveis. Não acredito que seja votada neste ano. É um debate que vamos desenvolver e, talvez, se não for seis por um, seja quatro por dois; enfim, tudo pode acontecer.

    O Deputado Reginaldo Lopes também tem uma proposta. No Senado, nós apresentamos uma proposta em 2015, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 148, de 2015, na qual eu já previa o seguinte caminho para a redução da jornada: num primeiro momento, reduziríamos, o que é uma proposta já da Constituinte, de 44 para 40; e, a partir daí, iríamos diminuindo uma hora por ano, até chegarmos, então, às 36 horas semanais. Se isso vai se dar em três anos, em quatros anos, em cinco anos, o diálogo entre os Parlamentares, o Executivo, os empresários e os trabalhadores é que vai construir. Essa PEC que eu apresentei, que está agora na CCJ, está com o Senador Rogério Carvalho, que é o Relator na Comissão de Constituição e Justiça.

    Lembro, aqui, que países que estão testando jornadas menores já estão colhendo bons frutos com essa mudança, e o Brasil também pode alcançar resultados positivos, com o amplo diálogo, claro, entre empregados, empregadores e os Poderes constituídos.

    Vou dar exemplos: a Islândia, ao adotar uma jornada de quatro dias por semana, obteve um crescimento econômico que chegou a 5%, o segundo maior entre todos os países europeus. Isso aconteceu enquanto mais da metade da população ativa passou a trabalhar menos horas sem perder renda. Na Alemanha, empresas testaram a semana de trabalho de quatro dias com o modelo 100-80-100 – 100% do salário, 80% da carga horária e 100% de desempenho. Vejam: 100% do salário, mas manteve os 100% de produtividade, que, no caso aqui, o termo que eu usei foi "desempenho". Mais de 70% das empresas decidiram manter a jornada reduzida após o período de testes, pois perceberam que a produtividade se manteve ou até aumentou. Esses exemplos mostram que trabalhar com jornada reduzida não significa produzir menos: aumenta a produtividade; aumenta a qualidade de vida; são menos acidentes de trabalho; menos pessoas procuram se aposentar com rapidez; e ainda melhora a saúde. Como eu digo, muitas vezes o resultado é uma produção ainda de maior qualidade do que se tinha até aquele momento, com menos estresse e mais satisfação.

    Empresas que adotaram essa mudança ajustaram seus processos e observaram uma queda na rotatividade de pessoal. Isso significa menos custos com recrutamento e treinamento, além de um aumento na produtividade.

    No Brasil, podemos adaptar essa ideia à nossa realidade. Reduzir a jornada de trabalho é uma oportunidade para construirmos um modelo mais justo e produtivo – mas, repito, com muito diálogo –, que promova não só o crescimento econômico, mas também o bem-estar e a garantia de direitos.

    Sou Relator – e destaco também por questão de justiça – do Projeto de Lei 1.105, de 2023, do Senador Weverton, que também propõe a diminuição da jornada de trabalho sem redução de salário. Esse assunto também está sendo tratado na Sugestão Legislativa nº 12, de 2018, do Estatuto do Trabalho, que tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, do Senado Federal, onde eu sou o Relator da matéria.

    Senador Girão, eu já estou há cinco anos com esse debate – e nem estou falando de outros, que começaram na Constituinte! –, mas, no novo Estatuto do Trabalho, a CLT do século XXI, eu estou fazendo esse debate. Tenho viajado o Brasil, mas não trato só de redução de jornada: trato de uma nova visão do mundo do trabalho mediante a realidade – não chamaria de uma revolução industrial, mas de uma revolução tecnológica, não é? –, com o avanço que temos hoje no setor empresarial, que interessa a empregados e também a trabalhadores; a empregados e a empregadores.

    O projeto que o senhor relatou já está com mais de 150 artigos, com uma colaboração muito grande de diversos setores da sociedade.

    Creio que o Brasil pode avançar para um modelo de trabalho mais moderno, inclusivo e humano. Podemos, sim, juntos, com muito diálogo, construir um país melhor, com mais qualidade de vida para todos, para empregados e empregadores.

    Repito: a redução da jornada de trabalho é uma luta histórica dos trabalhadores do campo e das cidades. Antes da Constituinte de 1988, como eu já havia alertado no início, a jornada era de 48 horas semanais. Durante o debate da Constituinte, fomos para 44 horas semanais.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Nos anos seguintes, a luta continuou, e o movimento sindical de todos os setores continuou fazendo esse debate com a marca das 40 horas semanais – um esforço coletivo com muita mobilização.

    Em 1994, apresentamos na Câmara – eu era Deputado ainda – o Projeto de Lei 4.653, que também propunha a redução da jornada para 40 horas semanais. No ano seguinte, junto com o Deputado Inácio Arruda, apresentamos a proposta da PEC 231, com mesmo objetivo.

    Já como Senador, em 2003, uma das primeiras propostas que apresentei foi a Proposta de Emenda à Constituição 75, que propunha o quê? A redução de jornada, com a forma de que eu já falei aqui: 40 horas; depois, menos uma hora por ano, até chegar às 36 horas.

    Em 2005, apresentamos o Projeto de Lei nº 254, 2005, para criar o que chamei de Pacto Empresarial para o Pleno Emprego, construindo junto, então, um caminho para a redução da jornada...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... mediante um amplo entendimento. Essa proposta vai na linha de tudo que eu falei aqui: 44, com perspectiva de 36.

    Termino, Presidente Girão, enfatizando que essa é uma medida que o Brasil vai considerar com seriedade, com a responsabilidade de todas as partes, e, assim, haveremos de avançar na construção de um mundo melhor para todos, que se promova não apenas o crescimento econômico, mas o bem-estar social e futuro de todas as gerações.

    Antes, Presidente, eu agradeço a tolerância de V. Exa., e me coloco à disposição para o seu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2024 - Página 29