3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA
56ª LEGISLATURA
Em 23 de agosto de 2021
(segunda-feira)
Às 19 horas
98ª SESSÃO
(Sessão de Debates Temáticos)

Oradores
Horário

Texto com revisão

R
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a sessão.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.
A presente sessão remota de debates temáticos foi convocada nos termos do Ato da Comissão Diretora nº 8, de 2021, que regulamenta o funcionamento das sessões e reuniões remotas e semipresenciais no Senado Federal e a utilização do Sistema de Deliberação Remota, e em atendimento ao Requerimento nº 1.903, de 2021, da Senadora Eliziane Gama e outros Senadores, aprovado pelo Plenário do Senado Federal.
A Presidência informa ainda que as apresentações e os arquivos exibidos durante esta sessão remota de debates temáticos ficarão disponibilizados na página do Senado Federal referente à tramitação do requerimento que originou esta sessão.
A sessão é destinada a receber os seguintes convidados, a fim de discutir o Projeto de Lei nº 1.869/2021, que altera a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa: Sr. Marcos André Bruxel Saes, advogado e Consultor Jurídico Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim); Sr. Guilherme Dallacosta, consultor em Direito Ambiental da Fecomércio do Estado de Santa Catarina; Sra. Rode Martins, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado de Santa Catarina-OAB/SC; Sr. Alcides Andrade, superintendente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado de Santa Catarina (Secovi); Sr. Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA) e professor de Direito Ambiental; Sr. Wigold Schäffer, fundador da Associação de Preservação do Meio Ambiente (Apremavi); Sra. Suely Araújo, especialista sênior do Observatório do Clima; e Sr. Fabiano Silva, coordenador executivo da Fundação Vitória Amazônica.
R
A Presidência informa ao Plenário que serão adotados os seguintes procedimentos para o andamento desta sessão: será inicialmente dada a palavra aos convidados por dez minutos; após, será aberta a fase de interpelações pelos Senadores inscritos, organizados em blocos, dispondo cada Senador de cinco minutos para suas perguntas; os convidados disporão de três minutos para responder à totalidade das questões do bloco; os Senadores terão mais dois minutos para a réplica.
As inscrições dos Senadores presentes remotamente serão feitas através do sistema remoto. As mãos serão abaixadas no sistema remoto e, neste momento, estão abertas as inscrições.
Sras. Senadoras, Srs. Senadores, ilustres convidados e debatedores, amigas e amigos que nos acompanham pela TV, Rádio Senado e plataformas das redes sociais, nesta oportunidade, iniciamos mais uma edição de nossas sessões de debates temáticos, hoje destinada a discutir o Projeto de Lei nº 1.869, de 2021.
Esta sessão atende ao requerimento proposto pela Senadora Eliziane Gama, interessada na promoção de debates no âmbito da preservação ambiental nos grandes centros urbanos. Em realidade, o projeto em epígrafe versa, mais especificamente, sobre a regulamentação das faixas marginais de cursos d'água existentes em áreas urbanas consolidadas.
Entendemos que qualquer alteração que façamos nessas faixas deve contar com o precioso debate de todos os envolvidos. Por isso, esta sessão de debates temáticos é um fórum importante para que cheguemos a um texto orientado pelo cuidado, principalmente com o meio ambiente. Lembremos que, no entendimento do STJ, em recente julgamento, a definição pela incidência do Código Florestal leva em consideração a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente, observando o princípio do desenvolvimento sustentável e as funções sociais e ecológicas da propriedade.
Por ser um projeto de alta complexidade, foi correto requerer uma discussão tão mais densa quanto uma análise aprofundada de seus impactos. Enfim, nesse contexto de buscas por consensos e entendimentos, nada mais fértil que semearmos palavras e ideias que consolidem de vez um ambiente de maior e melhor interpretação do nosso Código Florestal.
Que tenhamos um produtivo debate.
Antes de passarmos para os nossos debatedores, os nossos convidados, eu quero passar a palavra, caso ele queira, para o Senador presente, Senador Esperidião Amin.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Para discursar.) - Senadora Leila, eu gostaria, mais uma vez, de agradecer a sua presença, ainda que, daqui a pouco, tenhamos a igualmente querida amiga Senadora Eliziane e, quem sabe, daqui a pouco, o Senador Eduardo Braga, que é o Relator. Eu também tenho assessores acompanhando e acho muito importante esta sessão.
R
Mas o que eu pretendo aqui dizer é alertar para a questão jurídica porque, sobre o mérito da questão, acho que eu tenho o dever de dizer qual é a minha posição: eu sou pela aprovação - eu e o Fórum Parlamentar da Bancada de Santa Catarina.
Essa decisão a que a senhora se referiu foi tomada no STJ, no dia 28 de abril deste ano. No dia 3 de maio, o Fórum Parlamentar de Santa Catarina, todos os Senadores e Deputados tomamos uma decisão - e outras frentes parlamentares também tomaram: priorizar os projetos de lei que foram apresentados depois da aprovação do Código Florestal, em 2012, em função do veto a um texto aprovado pelo Congresso Nacional. E o texto está reproduzido em dois projetos: um apresentado na Câmara e outro apresentado no Senado, em 2012. O texto apresentado no Senado é de autoria da Senadora Ana Amélia, o PL 368; o texto, de igual teor, apresentado na Câmara, o foi pelo então Deputado Valdir Colatto. Como ele não se reelegeu, o mesmo texto foi apresentado pelo Deputado Rogério Peninha, sob o nº 2.510, também recuperando o texto vetado.
Então, nós temos uma solução legiferante que já foi adotada em outras ocasiões, por exemplo na aprovação da lei complementar do Banco da Terra, isso foi em 1997. Eu apresentei um projeto de lei que instituiu o Banco da Terra e o então Deputado Hugo Biehl apresentou um de igual teor na Câmara. O primeiro que foi aprovado na respectiva Casa chegou na outra e teve uma tramitação abreviada, posto que não houve emendas consideráveis.
Neste caso, como se trata de um texto aprovado pelo Congresso, supõe-se que possa haver, evidentemente, um debate temático. Mas, em termos legislativos, há uma grande chance de, aprovado numa Casa, ser aprovado na outra. Por isso, entrei com uma questão de ordem que está por ser deliberada pelo Presidente.
Mas o que eu quero falar é sobre mérito e processo legislativo. O texto da Senadora Ana Amélia, que é o que está em questão, também foi arquivado porque a Senadora não é mais Senadora. Em 2019, quem desarquivou o projeto foi o Senador Eduardo Braga, que é o Relator de ambos, com um detalhe: o projeto da Senadora Ana Amélia foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e foi aprovado na Comissão de Reforma Agrária, de Agricultura e Reforma Agrária, e estava na Comissão de Meio Ambiente, sob a relatoria do Senador Eduardo Braga, que apresentou parecer. Só não houve deliberação na Comissão de Meio Ambiente. Portanto, ele não só é mais antigo como guardou coerência com o texto apresentado. A meu ver, se aprovado no Senado, vai para a Câmara.
R
O que aconteceu nos últimos dias? No dia 20 de maio - no dia 20 de maio -, 17 dias depois da deliberação do fórum parlamentar, a Deputada Angela Amin apresentou requerimento de urgência na Câmara, subscrito, portanto, pelo número de Deputados bastante para que o projeto ganhasse pelo menos o direito de ter votada a sua urgência. A urgência foi deferida no dia 18 de agosto. E, no dia 18 de agosto, foi designado Relator deste projeto - que agora é de autoria do Deputado Peninha, mas que fora apresentado, em 2012, pelo Deputado Colatto - o Deputado de Santa Catarina Darci de Matos. Está pautado para quarta-feira.
Nós, que já estamos sofrendo com essa questão de interpretação do Código Florestal nas áreas urbanas, sabemos que isso vai gerar - aliás, já gerou - pânico, preocupações para investidores, para proprietários, para Prefeitos. E, no cerne do texto que foi apresentado em 2012 e reapresentado pela Senadora Ana Amélia, em tramitação no Senado - não foi apreciado por uma questão do que nós estamos vivendo desde 2019, 2020, em face da pandemia -, e na Câmara, o texto diz o seguinte: na área urbana, quem define - respeitados os aspectos ambientais, como áreas de preservação - onde se pode construir é o plano diretor do Município, salvo legislação federal que o proíba.
O plano diretor de um Município não pode ferir as reservas constitucionais, por exemplo: mangue; duna - nós, que somos do Sul, sabemos o que é duna -; contrafortes, ou seja, morros; serras; vegetação nativa. Isso é lei federal, isso está acima do plano diretor, ou seja, as leis ambientais. Para isso, existe o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que estabelece, e a Constituição é que já definiu, terra de Marinha, uma porção de ressalvas. Ressalvado o que é da competência federal, no nosso caso, onde temos mar, o plano de gerenciamento costeiro, que também é uma legislação decorrente de mandamento federal e é estadual, quem dispõe sobre a ocupação do território é o plano diretor.
Esse projeto tinha sido aprovado em ambas as Casas. Portanto, eu acho que ele tem muita chance de prosperar caso seja aprovado.
Eu estou vislumbrando aqui, casualmente à minha direita, o Senador Jaques Wagner. Eu acho que o correto era esse projeto terminar a sua apreciação na Comissão do Meio Ambiente. Ele já está na Comissão de Meio Ambiente, já tem Relator, já tem relatório, desde 2019, mas, se for para procurar um atalho, eu lhes diria: o melhor para essa causa é que o PL nº 368, da Senadora Ana Amélia, seja apreciado no plenário, com as contribuições que forem possíveis ou aprováveis, e vá para a Câmara, onde ele pode ser apreciado junto com o projeto do Deputado Rogério Peninha.
R
Portanto, no mérito, eu sou absolutamente a favor de que o plano diretor das nossas cidades, com ou sem data de corte - estou falando aqui em data de corte porque não consta do projeto -, seja apreciado pela Comissão de Meio Ambiente, porque lá é que ele está. E está desde 2019 não por culpa do Senador Jaques Wagner nem por culpa do Senador Eduardo Braga. A pandemia segurou tudo o que não era diretamente ligado a ela.
Então, as minhas palavras, Sra. Presidente, prezados - e vejo aqui ilustres catarinenses que são convidados para esta reunião -, minha posição é, no mérito: eu não concordo que o Código Florestal disponha sobre questões que deveriam estar afetas ao plano diretor.
Fui Prefeito duas vezes e eu brigaria muito contra isso. Respeitada a legislação ambiental federal, compete ao plano diretor da cidade definir as diretrizes do uso do solo, conforme dispõe, para concluir, o Estatuto da Cidade, que é a Lei nº 10.257, de 2001. Essa é a lei que diz que compete à cidade dispor sobre aquilo que lhe compete, e não um Código Florestal, para concluir agora, até porque ele... Queiramos ou não, o Brasil é um país urbano; o mundo é urbano. De 2007 pra cá, o mundo vivenciou isso: mais da metade da população vive em áreas urbanas, e, no Brasil, mais de 80%, próximo de 85%, 90% da população vive em área urbana. E nós somos uma Federação. Os Municípios têm competência estabelecida pela Constituição e o plano diretor é o seu norte.
Essas são as minhas palavras.
Em respeito a todos os que vão debater, vou acompanhar o debate com muita atenção, pessoalmente e através da assessoria que eu designei.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada, Senador Esperidião.
Eu vou passar a palavra para o Senador Jaques Wagner e, depois, eu já encaminho a palavra aos nossos convidados.
Senador Jaques Wagner, seja bem-vindo.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) - Em primeiro lugar, cumprimento a Senadora Leila, o meu querido amigo Senador Esperidião e todos que aceitaram o convite.
Só pra complementar um pouco o que o Senador Esperidião falou. Na verdade, Senador, a matéria foi levada à pauta para votação nominal - eu pedi para contarem - 20 vezes, antes da covid, e - V. Exa. sabe como acontece - nunca houve quórum para votar.
R
Na verdade, o Senador Eduardo Braga era o Relator. Também não conseguiu votar, porque agora piorou um pouco. Agora, nós votamos às Comissões pelo voto semipresencial, e, como o Senador Eduardo não está mais na Comissão de Meio Ambiente, foi designado o Senador Otto Alencar como Relator na Comissão de Meio Ambiente. Até porque havia dois pedidos, dele e do Senador Plínio Valério, do Amazonas, e não pelo fato de ser baiano, mas pelo fato de ter falado comigo antes, e eu o designei.
Eu quero lhe confessar - e já externei isso ao Presidente da Casa - e eu não falo pejorativamente, mas eu digo que o sistema fast track legislativo não vai desembocar em boas coisas. Nós estamos substituindo a urgência constitucional - é claro que houve a covid e tudo isso... Mas, hoje, eu dou o exemplo da minha Comissão - e V. Exa. esteve comigo em uma das Comissões: nós já aprovamos, se não me engano, oito matérias em votação nominal e já retiramos de pauta outras tantas. O Senador Wellington Fagundes tinha o relatório do Senador Randolfe contra a matéria dele, e ele pediu uma audiência pública.
Então, a única coisa que eu quero dizer, e é evidente que eu concordo com V. Exa. de que há responsabilidades municipais, estaduais e federais. Eu não consideraria muito o exemplo de V. Exa., porque V. Exa. foi Prefeito de uma capital, mas reconheçamos que, muitas vezes, entes federativos de pequenos Municípios não têm às vezes a mesma musculatura para resistir aos ímpetos desse ou daquele interesse.
Então, por exemplo, Mata Atlântica: mesmo sendo Mata Atlântica não é dado à área municipal, a não ser em casos específicos, o direito de licenciar sobre. É claro que tem que ser respeitado o plano diretor. Mas no caso deste aqui que se discute, que é fruto do nosso Código Florestal, se o espaçamento de construções... Qual é a dimensão que ele tem?
Eu, pessoalmente, apresentei o substitutivo, que foi pouco apropriado pelo Senador Eduardo Braga, mas eu não tenho nenhum problema. Está nas mãos do Senador Otto Alencar, que é um homem também com experiência na vida pública.
Eu tenho dito ao Presidente: "Presidente, vamos parar com o fast track legislativo". Já tem Comissão funcionando, mesmo que semipresencial. Por que nós não vamos mandar para as Comissões pertinentes? Leva-se ao Plenário depois ou, então, elas têm caráter terminativo na Comissão.
E V. Exa. há de convir que, no Plenário, com Relator de Plenário, o espaço para debate é reduzidíssimo, apesar de concordar com V. Exa. que esse projeto data ainda de 2012 ou 2013, logo depois da promulgação do Código Florestal com vetos. Então, é claro que se poderá dizer: "Não, mas ele já foi debatido por oito anos". Concordo, mas está lá na CMA. Por que não pode receber um relatório lá e pedir...
Então, eu não quero atrasar, porque os nossos convidados querem falar, mas era só para dizer isso, muito sucintamente, Senadora Leila Barros. (Pausa.)
Aí quem libera a vossa palavra é a Leila.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada, Senador Jaques.
Vou passar para o Esperidião.
Pois não, Senador...
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC. Para discursar.) - Eu serei muito breve.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Tá.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - SC) - Só para corroborar o que diz o Senador Jaques Wagner.
R
Eu tanto concordo com o raciocínio dele que concordei no caso do Parque da Serra Catarinense. Eu não pedi para trazer para o Plenário. Eu pedi, concordando com o Senador Fabiano Contarato, apenas em apressar a audiência pública que ele pediu. E, junto comigo, listamos as pessoas, especialmente do Ibama e do ICMBio, que vão participar da audiência. Quer dizer que eu tanto concordo com o raciocínio de V. Exa. que, num caso presente que tem igual duração e se reporta a um parque criado em 1961 pelo Presidente Jânio Quadros, eu concordei. Vamos fazer a audiência e V. Exa. já concordou em marcá-la para o dia 20 de setembro. E eu não lhe pedi mais do que isso, ou seja, eu quero que a Comissão de Meio Ambiente tenha a oportunidade de debater. E, neste caso, o que eu gostaria é que o projeto da Senadora Ana Amélia, relatado pelo Senador Eduardo Braga, fosse apreciado na Comissão permanente que é presidida por V. Exa. Agora, se é para fazer atalho, que seja com esse texto que já foi apreciado na Comissão de Justiça e na Comissão de Agricultura.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Perfeito, Senadores. Obrigada pelas contribuições.
Eu concedo a palavra agora aos nossos convidados.
Neste momento, passo a palavra ao Sr. Marcos André Saes, advogado e consultor jurídico, Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).
Por dez minutos, está com a palavra o Sr. Marcos.
Seja muito bem-vindo! (Pausa.)
O senhor tem que aceitar o pedido. E o seu áudio está... Aí. O.k.
O SR. MARCOS ANDRÉ BRUXEL SAES (Para exposição de convidado.) - Senadora Leila, inicialmente, muito obrigado. Parabenizo pela condução dos trabalhos, sendo iniciativa da Senadora Eliziane Gama, que, como já bem dito, está em trânsito. Parabéns também pela leitura do tema. Senador Esperidião Amin, é uma satisfação dividir aqui a sessão com V. Exa. E o Senador Jaques Wagner tem a importante missão de presidir a Comissão de Meio Ambiente deste Senado.
É com muita satisfação, Senadora Leila, que a gente pode fazer uso da palavra para tratar de um tema absolutamente relevante. E as falas dos que me antecederam, dos Senadores, deixam isso muito claro. Falar de questões ambientais, falar de meio ambiente é sempre algo que desperta muita paixão - e que bom que seja assim! -, tanto que a nossa Constituição fala da importância desse assunto, tanto para as presentes quanto para as futuras gerações.
E é dever de todos os Poderes tratar adequadamente do assunto, e do Legislativo, do Parlamento, trazer as normas a esse respeito. E é isso que estamos fazendo aqui. Não se está discutindo aqui a importância das áreas de preservação permanente, esse instituto criado já no Código Florestal de 1965 e que novamente foi reiterado no código de 2012, quando, no seu art. 4º, traz essas APPs, e todas elas com uma explicação técnica de existir. A questão que a gente tantas vezes vê das declividades: por que áreas com declividade acima de um certo grau são consideradas APPs? Porque uma construção ali não tem estabilidade necessária e, portanto, só obras de utilidade pública e de interesse social devem acontecer naquelas localidades. Topos de morro da mesma forma.
E, com certeza, as APPs mais conhecidas são as de afastamento de curso d'água, das matas ciliares, até pela importância que essas áreas têm de filtragem, de protegerem, de não causarem erosão e de estabilidade do solo às margens dos cursos d'água, e toda essa importância.
R
O que se discute aqui neste projeto de lei não é essa minimização da importância ou mitigação da preservação, mas, sim, uma compatibilização notadamente dessa APP com as áreas urbanas. Reparem que os projetos de lei citados tratam de áreas urbanas consolidadas. Não está a se tratar aqui dos cursos da água em áreas rurais ou em áreas de expansão urbana, locais esses, sim, que ainda possuem um ambiente natural intocado, motivo pelo qual precisam, necessitam e merecem essa proteção. Também não está a se tratar aqui - isto é muito importante que se diga - de cursos d'água canalizados ou de cursos d'água encamisados, retificados nas áreas urbanas, porque esses já têm as suas margens sem a função ambiental definida pelo próprio Código Florestal, como o Senador Esperidião Amin já falou - a Lei 12.651 -, que diz que as APPs precisam ter função ambiental à margem de cursos d'água, a função ambiental de proteger esse curso hídrico. Então, estamos falando, sim, de cursos d'água naturais em áreas urbanas, algo absolutamente normal, como já dito também, num País em que a urbanização é uma realidade e é uma maioria; num País em que todas essas ocupações se iniciaram em busca de recursos hídricos.
E há outras questões, como eu disse. O Senador Esperidião Amin falou muito da questão urbana. É muito simples dizer que eventuais ocupações à margem de cursos d'água causam enchentes ou causam grandes tragédias. Essa é uma questão de engenharia, é uma questão de drenagem, de macrodrenagem, que deve ser analisada dessa forma.
O que está a se tratar aqui, claramente, pela manifestação de vários dos Parlamentares, a partir do julgamento do famoso Tema 1010, quando o Superior Tribunal de Justiça, na sua função precípua de uniformizar a jurisprudência, analisou a controvérsia que existia entre a lei ambiental - Código Florestal - e a lei de parcelamento do solo urbano - Lei 6.766. Uma previa de 30 a 500m de afastamento... Há Municípios em nosso País que necessitam, pela norma florestal, de um afastamento de 500m de seus cursos d'água - na Região Norte, isso acontece em vários Municípios. Ou se aplicava a lei urbanística. Pois bem...
Tenho muito liberdade de falar desse caso, Senadora, porque atuamos pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção e defendemos a aplicabilidade da lei urbanística - Lei 6.766 -, porque não é mais possível haver afastamentos que variam de 30 a 500m em locais que cresceram às margens de cursos d'água. Não adianta, Excelência, com o devido respeito, muitas vezes haver posições demagógicas que querem agora impor um afastamento que não é mais possível em áreas que - e aqui entramos em um tema muito importante - não têm uma definição técnica. A questão ambiental deve ser tratada com tecnicismo, não com uma definição de metragem de norte a sul, de leste a oeste, num país de dimensões continentais.
Com todo o respeito à lei ambiental do nosso País, o nosso ilustre Código Florestal, compete à União fazer normas gerais - art. 24 da Constituição. E uma norma geral deve dizer que as margens de cursos d'água devem ser protegidas com argumentos e critérios técnicos, não fixando, data venia, uma metragem para o País todo.
R
O PL 1.869, de 2021, e, como já dito também, o 368-A, de 2012, da Senadora Ana Amélia, trazem critérios técnicos, assim como o do Deputado Peninha e o do Deputado Marcelo Ramos, na Câmara dos Deputados, trazem critérios técnicos e objetivos, para que os Municípios, na sua função e na competência constitucional que lhes cabe, façam essa definição. Mas é importante dizer que eu vou além do que disse o Senador Esperidião Amin. O assunto não é novidade para esta Casa Legislativa nem para a Câmara. Ou seja, o nosso Parlamento já se debruçou quando aprovou o Código Florestal. O PL da Senadora Ana Amélia veio, Senadora Leila, porque houve um veto a dois parágrafos que foram aprovados no atual art. 4º, os §§7º e 8º. Se alguém abrir o ato, vai ver "vetado". Esses parágrafos, que passaram por mais de 150 audiências públicas e que foram aprovados nas duas Casas Legislativas, foram vetados pela Presidência da República sob um único fundamento, que eles feririam o chamado princípio da proibição do retrocesso, princípio esse que, nas quatro ações propostas em face do Código Florestal no seu controle de funcionalidade, foi afastado. Ou seja: o único fundamento que não foi técnico, foi jurídico - quando o Senador Eduardo Braga chega à sessão -, foi utilizado para o veto, não foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja: não existe mais aquela razão. Por isso, diria, não precisamos remeter apenas, Senador Esperidião Amin, ao PL 368, de 2012. Eu faço remissão a 150 audiências públicas e à aprovação nas duas Casas Legislativas desse critério, definição pelos Municípios, através de estudos técnicos de afastamento de cursos da água em áreas urbanas consolidadas.
Há ainda a questão, muito bem trazida no PL, da regularização de obras que foram construídas também levando em conta - lembremos: é recente a definição do STJ - a legislação urbanística e que hoje se veem, até mesmo por nota técnica de Ministério Público de alguns Estados, já se veem dormindo na regularidade e acordando na irregularidade.
Então, Senadora Leila, já me dirigindo ao final da fala, até pelo tempo, as nossas Casas Legislativas não apenas têm a possibilidade ou a faculdade de regulamentação; têm o dever de regulamentar essa matéria, e já o fizeram quando da edição do Código Florestal, que foi vetado por um fundamento não acolhido pelo Supremo e que agora deve fazê-lo de forma técnica, para trazer não só segurança jurídica, mas para trazer desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade é baseada num tripé: questão social, ambiental e econômica. Quando se dá peso demais a uma perna de um tripé, Senadora Leila, é óbvio que esse tripé cai.
Então, pelo desenvolvimento sustentável do nosso País, por uma medida técnica para se avaliar o afastamento de água, é que a gente se posiciona favorável à provação... Claro, com todas as discussões devidas, mas favorável a uma aprovação que traga tecnicismo para a questão ambiental, não um afastamento que seja o mesmo de norte a sul, leste a oeste de nosso País.
Cumprindo o tempo regimental, Presidente da sessão, Senadora Leila, eu devolvo a palavra.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pela sua explanação, Dr. Marcos Saes.
E eu passo a palavra agora, eu concedo a palavra ao Sr. Guilherme Dallacosta, Consultor em Direito Ambiental da Fecomércio do Estado de Santa Catarina.
Boa noite, Dr. Guilherme! Seja bem-vindo!
O SR. GUILHERME DALLACOSTA (Para exposição de convidado.) - Boa noite, Senadora Leila Barros, na pessoa de quem eu cumprimento os demais Senadores presentes, os Senadores Eduardo Braga, Esperidião Amin, Jaques Wagner. É um prazer conversar, participar desta sessão sobre esse tema importantíssimo e um tema tão espinhoso, que vem causando aí discussões há muitos anos já, mesmo antes da promulgação do Código Florestal, em 2012, e é um tema que ainda não foi resolvido, que é a questão das áreas de preservação permanente dentro das áreas consolidadas.
R
Eu parabenizo meu colega antecessor, Dr. Marcos Saes, que é um profundo conhecedor da matéria, defendeu esta matéria perante ao STJ e muito bem explanado esse histórico legislativo, essa questão que nos atormenta, principalmente dentro do setor imobiliário.
Eu aproveito para fazer um adendo no que o Dr. Marcos coloca sobre a questão que nos afeta muito, aqui em Santa Catarina, e trazer isso para dentro do nosso Estado, porque nós criamos essa questão. Essa questão foi levada ao STJ por força de recursos especiais que surgiram e que instaram a matéria repetitiva dentro do STJ por casos catarinenses. E por que nasceram esses casos? Porque nós temos um conflito enorme aqui dentro da área urbana quando é considerado um curso d'água que não é natural.
Nós temos hoje cursos d'água que não são naturais, e, quando você faz uma consulta de viabilidade na prefeitura, essa consulta de viabilidade sai com o quê? Com uma APP (Área de Preservação Permanente), delimitando uma faixa não edificável para um curso d'água canalizado, para um curso d'água tamponado. E esses casos são tão expressivos no nosso Estado, que começou uma corrida ao Judiciário para que o Judiciário decidisse essa matéria.
Santa Catarina teve uma engenharia jurídica para tentar amenizar essa história e começou a aplicar, então, muitas vezes, a Lei de Parcelamento do Solo, restringindo, então, para 15m e, em outros tantos casos, aplicando a legislação municipal e dizendo: "Olha, o Município tem uma lei específica, e essa lei específica diz que curso d'água não natural, ou que sofreu interferência, ou que tenha uma urbanização significativa, essa metragem é menor e é estabelecida numa lei municipal". E isso foi parar no STJ, depois de tantas e tantas discussões. Tanto é, que Santa Catarina, em 2016, já existindo um Código Estadual do Meio Ambiente, reformulou o seu código estadual e colocou um artigo específico, dizendo, aqui em Santa Catarina, o que não é área de preservação permanente. Estabeleceu o quê? Canais, valas de drenagem, cursos d'água tamponados, canalizados, que fazem parte de processo de drenagem urbana, não são áreas de preservação, portanto não deveriam respeitar e não devem respeitar e estar sujeitos ao distanciamento aplicado no art. 4º do Código Florestal.
Essa celeuma que existe nessa interpretação, nesse modo interpretativo que é dado ao art. 4º do Código, ainda não está resolvida e talvez pudesse ser resolvida com a proposta dentro do PL encabeçado pelo Senador Jorginho Mello e que merece mais atenção desta Casa, para que isso definitivamente possa ser estabelecido dentro do Código Florestal, assim como fizeram com as áreas rurais.
R
As áreas rurais consolidadas e as metragens de áreas rurais consolidadas com a flexibilização, de acordo com o tamanho do módulo, foram muito bem tratadas em 2012. Por que não as áreas urbanas? Tivemos os vetos dos §§7º e 8º, como bem lembrado pelo Dr. Marcos, e precisamos restabelecer essa ordem.
Nós não podemos conceber hoje situações como a que nós temos aqui em Santa Catarina, em que cidades, como vocês muito bem conhecem, como Blumenau, que é uma cidade construída, colonizada às margens do Rio Itajaí-Açu... Se você vai construir um prédio comercial no centro de Blumenau, você recebe uma consulta de viabilidade, dizendo que ali tem uma área de preservação permanente de 100m. Por quê? Porque o agente público que está lá para emitir a autorização, a licença, o ato administrativo, não quer contrariar o que está escrito no art. 4º.
Então, essa dinâmica, de que nós temos que dar um tratamento diferenciado ao que foi consolidado, ao que foi interferido, ao que foi humanizado, ao que foi canalizado, ou seja, aquilo que não tem mais a função ecológica, como muito bem dado o conceito pelo art. 3º do Código Florestal... Se não há uma função ecológica, não há como ser enquadrada como área de preservação permanente. Então, essa situação merece ser adequada.
E nós, aqui no Estado, há muito já vimos, com a edição do Código Florestal, tratando dessa questão, inclusive até com propostas do Ministério Público Estadual, adotando critérios técnicos. Centenas de Municípios fizeram seus estudos técnicos, chamados diagnósticos socioambientais. Esses diagnósticos, com toda a técnica possível, obedecendo ao art. 65 do Código Florestal, estabeleceram e delimitaram as suas áreas consolidadas. A partir daí, criaram legislações próprias para flexibilizar a aplicação do art. 4º, estabelecer quais eram as áreas já interferidas, os cursos d'água canalizados, tamponados.
Então, essa foi uma dinâmica adotada pelos Municípios, que agora voltaram atrás e estão com medo, porque o STJ adotou a decisão, e agora começaram a receber recomendações das promotorias, dizendo: "Olha, espera aí, não sabemos mais se todo esse estudo técnico, esse dinheiro que vocês gastaram e todo esse processo legislativo conquistado, agora, com a decisão do STJ, não valem mais". Então, nós estamos retrocedendo nesse sentido. E falo do modo catarinense, porque nós batalhamos há muito tempo com isso e respeitando, Senadora Leila, o que já era previsto no Código de 65, que foi reformulado com a Medida Provisória 2.166, porque tínhamos um parágrafo único no art. 2º que já remetia aos Municípios as leis e os planos diretores, leis de organização territorial.
R
E ainda havia um problema no final desse parágrafo único, que remitia aos limites da lei. Então, sempre houve esta confusão: opa, o Município pode legislar, mas ele tem que atender o mínimo de 30? Então, isso nunca foi muito bem resolvido. Eu acho que agora é a iniciativa desta Casa de propor esse debate e chegarmos a um consenso para ter uma redação e tratar as áreas urbanas consolidadas como elas realmente devem ser tratadas dentro do ordenamento jurídico.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que lhe agradecemos, Dr. Guilherme Dallacosta.
Eu passo a palavra agora para o Relator da matéria, do PL 1.869, que está presente na nossa audiência, Senador Eduardo Braga.
Boa noite, Senador! Seja bem-vindo! O senhor está com a palavra.
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - AM. Para discursar.) - Boa noite, minha querida Presidente Leila Barros! Boa noite a todos os palestrantes!
Eu quero ouvir e talvez, ao cabo, fale sobre o que ouvirei nesta sessão temática. É apenas para registrar e pedir desculpas pelo meu atraso, mas eu moro lá no Amazonas e o voo não atrasou muito, mas atrasou um pouco. E eu acabei atrasando e peguei já do meio para o fim da fala do primeiro orador, mas é apenas para registrar que já estou presente e atento a todos aqueles que vão se pronunciar.
Muito obrigado, minha cara Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - De nada, Senador.
Vamos continuar, então, a nossa audiência, e, ao final, enfim, o senhor faz as suas considerações.
Eu vou conceder a palavra agora à Sra. Rode Martins, que é Presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado de Santa Catarina.
Com a palavra, Dra. Rode. Seja bem-vinda!
A SRA. RODE MARTINS (Para exposição de convidado.) - Obrigada, Senadora Leila.
Eu quero agradecer o convite para estar aqui e agradecer aos Senadores presentes, especialmente ao Senador Eduardo Braga, Senador Esperidião Amin, Senador Jaques Wagner, que estiveram presentes e já fizeram algumas falas bastante esclarecedoras.
Eu quero fazer um comentário muito mais pelo viés ambiental. Eu sou uma árdua defensora da vegetação ciliar. São inegáveis os benefícios que ela traz tanto no ambiente urbano quanto no ambiente rural. É inegável! Se nós pudéssemos voltar no tempo, teríamos que fazer todo o esforço para que tivéssemos um corredor de floresta ao longo de todos os rios e lagoas, porque certamente se contribui na qualidade dos recursos hídricos, na conservação da biodiversidade. O problema é: nós temos cidades consolidadas muito próximas e até à beira do rio - isso é fato!
Então, a pergunta que nós temos que fazer como País é: nós dispomos de um fundo supertrilionário para promover um projeto de desocupação desses lugares e fazer voltar o status quo, que é a floresta? Se a resposta for "sim", nós sabemos onde estão os recursos, podemos fazer isso e realocar as pessoas. Aí eu penso que todos os PLs citados, em especial o PL de Senador Jorginho Mello, perdem o objeto, porque esse é o melhor, é isso que temos que fazer. Agora, se nós não dispomos desses recursos, e eu entendo que a gente não tem esse recurso... Se países mais desenvolvidos que nós não conseguiram isso, imagina um país como o nosso.
R
Então, nós vamos ter que lidar com a realidade, até porque há um ditado famoso no Direito que diz o seguinte: quando o Direito não observa a realidade, a realidade se rebela de tal forma e desrespeita o Direito.
Qual é o problema desse alto índice de marginalidade ambiental? É por conta daquilo que a gente fala na teoria da janela quebrada, né? Nós temos uma ilegalidade, uma clandestinidade, que é o quê? Aquela ocupação do imóvel é irregular. E quem, enfim, está numa condição irregular não investe o suficiente, faz um "puxadinho", um arremedo, uma enjambração. Então, uma ilegalidade leva a outra, até chegar a um crime. É assim que funciona a teoria da janela quebrada.
Então, quando a gente diz que a gente precisa observar a realidade, colocar um ponto final, aceitar a cidade que nós temos, ela é muito importante também para cuidar da natureza. E de que jeito? Porque os recursos públicos são finitos. Não há recurso para tudo. E o setor ambiental precisa alocar o seu recurso, seu efetivo para cuidar daquilo que consegue trazer retorno, efetividade.
Então, nós ainda temos muitas áreas urbanas que não são ocupadas e podem e devem ter sua vegetação ciliar cuidada. Nós temos setores que são passíveis de reversão. A ocupação não é irreversível. Então, o que nós temos que fazer? Assumir aquela cidade que está consolidada, ocupada, integrá-la à cidade... Então, essa proposta, esse PL é, sobretudo, uma proposta inclusiva. Incluir para legalizar, para que a gente não tenha uma janela quebrada e que se quebre, depois, a porta e se tire o telhado, para que esses espaços passem a integrar a economia, para que a gente possa atrair também o capital para investir ali, para que essa cidade possa crescer. Nós não vamos cuidar de meio ambiente com abandono. O meio ambiente não se cuida com abandono, não se cuida com o empobrecimento das pessoas. Conservar o meio ambiente requer recursos, inclusive recursos financeiros.
Então, o que eu vejo que é razoável é que o País possa adotar aquilo que está consolidado como consumado, regrar por meio de medidas compensatórias, que são medidas interessantes... Uma das funções da vegetação ciliar é absorver a água da chuva, diminuir a velocidade da água nos cursos hídricos. Isso pode ser feito por meio de técnicas, como a captação de água da chuva, que também faz esse papel. E há "n" medidas mitigatórias e compensatórias, como investir em áreas a montante das edificações conservadas; ou seja, nós temos um conjunto de possibilidades jurídicas para melhorar esse ambiente sem que a gente tenha que lidar com a lógica do terror, que é milhares de pessoas que estão aterrorizadas com a situação de clandestinidade de seu imóvel, não conseguem financiar, não conseguem vender para quem tem mais capital, não conseguem instalar uma atividade regular... Ou seja, cria-se uma série de embaraços, e aí, sim, eu diria que a situação de clandestinidade nas áreas consolidadas é causa de empobrecimento e de infelicidade geral. E eu acho que, quando a gente absorve a cidade que a gente tem, quando a gente a acolhe, a gente está fazendo isso inclusive em prol do meio ambiente, que precisa, sim, de muito recurso para fiscalizar, para conservar, para fazer educação ambiental. Os recursos são finitos, e a gente precisa saber onde aplicar, porque o princípio da eficiência também é um princípio que a nossa legislação impõe ao Estado brasileiro.
Então, estas são as minhas considerações.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada, Sra. Rode Martins, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Estado de Santa Catarina. Obrigada pela sua participação. Eu concedo a palavra agora ao Sr. Alcides Andrade, superintendente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado de Santa Catarina.
R
Seja bem-vindo, Sr. Alcides.
O SR. ALCIDES ANDRADE (Para exposição de convidado.) - Muito obrigado. Boa noite, Senadora Leila, Senador Eduardo Braga, demais Senadoras e Senadores de todo o Brasil, em especial os Senadores aqui de Santa Catarina, Senador Jorginho, Senador Amin e Senador Dário.
Bom, é um prazer estar novamente aqui numa sessão do Senado Federal. A última vez em que estive aqui foi como Presidente da Federação das Micro e Pequenas Empresas de Santa Catarina, esse importante segmento do nosso País, que, nos momentos de crise, chega a gerar aí até 100% dos empregos formais. Nosso Estado aqui, Santa Catarina, é reconhecido pelo seu papel econômico e social, o seu modelo de desenvolvimento, baseado não somente na pequena propriedade rural, como também nos pequenos negócios. E também, ainda, como pequenos lotes urbanos, muitos deles às margens de rio.
E aqui nós iniciamos a nossa fala afirmando e reafirmando que ninguém quer reduzir as áreas de preservação permanente. O nosso objetivo é aumentar a segurança jurídica para aquelas pessoas que compraram imóveis, que venderam imóveis e que ocuparam formalmente esses imóveis.
É importante salientar também que se no passado foram cometidos equívocos em relação à preservação ambiental, é necessário que a gente corrija, não é? Porém, sem interferir nas ocupações formalmente realizadas.
E aqui a gente aproveita esta oportunidade para reforçar que o que defendemos é o aumento da segurança jurídica das ocupações formalmente realizadas, pois as empresas formais, sejam urbanas ou rurais, são cumpridoras da nossa legislação. As empresas formais, na sua grande maioria, fazem o devido licenciamento e cumprem as normas ambientais. O que não tem controle é a ocupação irregular, é a ocupação informal, muito bem colocada aqui pelos meus antecessores, não é?
Quanto mais a gente restringe a ocupação formal, mais incentivo à ocupação irregular, gerando aí terríveis problemas, não somente ambientais, mas sociais também.
Antes de a gente avançar aqui na questão da proposição em destaque, do PL 1.869, de 2021, é importante a gente apresentar a realidade aqui do nosso Estado, Santa Catarina. Como já falei anteriormente, a gente é um Estado caracterizado por pequenas propriedades, não só rurais, mas também pequenas empresas, e também as nossas cidades são compostas por pequenos lotes urbanos. Nossas cidades também se desenvolveram às margens de rios, em virtude aí de facilidade para deslocamento, de alimentação. Isso é antigo, não é? E recentemente, essa ocupação não muda, porque os centros urbanos estão ali às margens dos rios, como bem colocado aqui pela Dra. Rode.
A maior taxa de ocupação, nessas margens de rio, na área urbana, é de fácil compressão, pois aplicar um grande afastamento inviabiliza totalmente uma grande quantidade de lotes urbanos, porque eles são pequenos. E a própria legislação urbanística condena vazios urbanos, que invariavelmente serão criados com o afastamento fixo de 30 metros, gerando problemas sociais, de segurança pública e outros.
R
É bom salientar também que inúmeros países desenvolvidos contemplam de fato, em suas políticas, o tripé ambiental, social e econômico, em especial nas ocupações das áreas urbanas, considerando também como relevantes não somente a função ecológica daquela propriedade, mas também outras funções, como lazer e bem-estar humano. É importantíssimo salientar esses aspectos das áreas urbanas. Por outro lado, confesso que conciliar os interesses locais e regionais em um País do nosso tamanho, deste nosso Brasil, do nosso País continental, é bastante difícil.
É importante salientar, também, que aqui no nosso Estado nós vínhamos mediando muito bem os conflitos oriundos dessa legislação ambiental antes da decisão do STJ, dessa recente decisão do STJ, que caiu como uma bomba aqui em Santa Catarina. A decisão do STJ de não modular a decisão, em qual tempo, aumentou sensivelmente a insegurança jurídica, colocando em total risco os compradores dos imóveis, os vendedores, os ocupantes desses imóveis e, pior, os servidores públicos que licenciaram formalmente esses imóveis. Soma-se a esse fato que o TJ de Santa Catarina, o nosso Tribunal de Justiça, vinha pacificando essa questão do afastamento dos cursos d'água em 15 metros, com base na lei federal do parcelamento do solo. Mas o Ministério Público de Santa Catarina, em 2014, publicou um enunciado em que flexibilizava essa aplicação do art. 4º do nosso Código Florestal em face da realidade de cada Município catarinense. O próprio Dr. Dallacosta colocou. O Ministério Público exigiu a elaboração de estudo socioambiental com critérios técnicos objetivos levando em consideração informações gerais e específicas sobre bacias hidrográficas, questões de defesa civil, áreas de risco e muito mais. Aqui em Santa Catarina nós vínhamos mediando muito bem essa questão da aplicação do Código Florestal em área urbana - colocada muito bem pelo Dr. Marcos Saes -, com critérios técnicos, objetivos, não em face de legislação somente, de texto de lei, mas olhando a realidade local de cada região, de cada Município. Vínhamos fazendo muito bem isso, até essa recente decisão do STJ.
Então, nosso entendimento não pode ser outro: que a realidade local urbana e os aspectos técnicos, ambientais e sociais devam ser os balizadores para se determinar o afastamento da ocupação dos cursos d'água e não a determinação específica, o número hipotético, como vem sendo colocado historicamente, o de 30 metros, 50 metros ou 100 metros. Mais de 100 Municípios catarinenses, quase metade dos Municípios, quase metade dos 295 Municípios catarinenses, realizaram os seus estudos socioambientais. E assim a gente vinha mediando, de forma muito transparente, legal, com foco na realidade local, esses conflitos. Entretanto, essa decisão do STJ fulminou as nossas iniciativas locais. A insegurança jurídica aumentou - como eu já bem mencionei - ameaçando, inclusive, esses servidores públicos que licenciaram os empreendimentos. O que dizer, então, dos terceiros de boa-fé que compraram esses imóveis formalmente, licenciados e autorizados?
Então, a gente lamenta profundamente que esses aspectos técnicos, infelizmente, sejam relegados nesses grandes debates, como o que nós estamos aqui fazendo hoje, no Senado, para a atualização da nossa legislação federal, do Código Florestal.
R
Bom, gente, em face do exposto, a gente entende ser muito importante enviar essa definição de afastamento de curso d'água tanto para os planos diretores como para estudos socioambientais locais, com a mais precisa avaliação da função ambiental da propriedade nos casos concretos e não definindo essas distâncias de 30, 50, 100 metros ou mais, como apresentado hoje, no Código Florestal.
Srs. Senadores, com toda a vênia, antecipando o pedido de desculpas, nós temos muita pressa para essa definição. Mensalmente, inúmeras ações judiciais são julgadas em todo o Brasil, diante de toda essa insegurança jurídica, podendo gerar prejuízos irreversíveis tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas de todos os portes.
Então, muito obrigado pela oportunidade. A gente fica à disposição aqui para esclarecimentos.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pela sua contribuição, Sr. Alcides Andrade.
Eu passo a palavra agora para o Sr. Mauricio Guetta, que é consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA) e professor de Direito Ambiental.
Seja bem-vindo, Professor Mauricio.
O SR. MAURICIO GUETTA (Para exposição de convidado.) - Excelentíssima Presidente Senadora Leila Barros, Sr. Relator Eminente Senador Eduardo Braga, Senador Jaques Wagner, Senador Esperidião Amin, demais colegas de Mesa, agradecendo o convite, eu quero, eu até inverti a ordem da minha exposição pelo que eu ouvi dos meus colegas que me antecederam. De fato, a questão das APPs urbanas e, especialmente, a questão das ocupações irregulares é algo que sempre foi uma preocupação comum nossa. Agora, é preciso compreender algumas questões sobre essas ocupações consolidadas.
Em primeiro lugar, houve, sim, modulação de efeitos da decisão que gerou o Tema 1010 do STJ, tanto que o Tema 1010 é iniciado com a frase "A partir da vigência da Lei 12.651, de 2012, aplicam-se as metragens do Código Florestal". Então, houve essa modulação. Agora, mais relevante do que isso, o próprio Código Florestal, nos arts. 64 e 65, já permite a regularização de núcleos urbanos informais dentro de áreas de preservação permanente. Isso significa: todo esse problema, não sei se está 100% encaminhado, mas todo esse problema de passivos nas APPs, fruto das ocupações históricas, seria regularizável nos moldes dos art. 64 e 65.
Nesse sentido, quero fazer referência à questão do estudo técnico que foi mencionado de que o projeto traria as garantias necessárias à higidez das áreas de preservação permanente, mas não há no projeto de lei qualquer menção à necessidade de um estudo técnico, ao contrário do que prevê o próprio Código Florestal.
Então, vejam, no art. 64, §1º, que, para a regularização fundiária nessas áreas, deve haver um estudo técnico que demonstre algumas condições ambientais. Entre elas, devem constar no estudo a caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada; a proposição de intervenções para prevenção e controle de riscos geotécnicos e de inundação - isso é muito relevante para a vida da população; a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade; também a identificação das áreas consideradas de risco de inundação e de movimentos de massa rochosa; e a avaliação dos riscos ambientais.
R
Então, subsequentemente ao Código Florestal, a Lei 13.465, de 2017, igualmente dispõe sobre a matéria, viabilizando a possibilidade de regularização dentro das APPs, inclusive enfatizando a necessidade de elaboração de estudos técnicos. Novamente, não há previsão de estudos técnicos prévios à definição de cada um dos 5.570 Municípios sobre as metragens de APP.
Observem ainda que o Código Florestal de 2012, ou a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, como é o termo mais correto, estabelece, no art. 8º, §4º, ao dispor sobre a intervenção em APP, que "não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa além das previstas nessa lei". O que o Código estava querendo dizer aqui? Vamos regularizar o passivo que nós temos nas APPs e vamos preservar as APPs a partir de agora, de 2012.
O Projeto de Lei nº 1.869 altera o marco temporal, então, da regularização em APPs, que é a data da edição da Lei nº 12.651, de 2012, para a data de publicação da nova lei em discussão, portanto, ampliando em mais de 13 anos os perdões em relação ao descumprimento de Lei de Proteção de Vegetação Nativa.
Sobre o tema das APPs, num momento de grave crise hídrica, crise energética, inclusive de emergência climática, é muito relevante anotar que já há mais de um século que o Brasil compreende a questão das supressões da vegetação nativa quanto à sua relevância para a proteção de outros bens, especialmente a água.
Em 1907, o então Presidente Afonso Pena enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei de águas e florestas, vejam só, e ele foi motivado por um estudo científico, à época, que atestou a seca em todos os Estados originada pelo desaparecimento de muitos mananciais, rios que foram caudalosos e ribeirões que se tornaram regatos, e muitos outros desapareceram! É referência do estudo de 1904.
Também o decreto de 1921 que criou o Serviço Florestal Brasileiro e depois foi alterado pelo decreto de 1925 disciplinou as florestas protetoras, que são a origem das áreas de preservação permanente. E, lá no seu art. 18, vejam só, dizia-se o seguinte: que essas áreas eram essenciais "para manter o equilíbrio das águas correntes, rios, lagos e quaisquer cursos d'água que se prestem à irrigação de terras agrícolas ou pastoris, bem como a outras aplicações úteis e também impedir a formação de enxurradas ou erosões".
O Código de 1934 manteve esse entendimento da relação de interdependência evidente que há entre conservação de vegetação nativa, especialmente nas faixas ciliares, com a proteção dos recursos hídricos e o evitar de ocorrências de eventos de desastre com as populações.
Na década de 50, o Desembargador Osny Duarte Pereira, que depois coordenou o grupo que redigiu o Código de 1965, demonstrou que as APPs devem ser preservadas não apenas por uma questão de interesse público - e vejam só o que ele dizia:
... mas por interesse direto e imediato do próprio dono [do imóvel]. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer sua segurança, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios [etc. e tal]. [...] Proibindo a devastação [nessas áreas] o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os seus bens individuais, abrindo-lhe os olhos contra os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo".
R
Então, vejam que na década de 50... Eu não sei onde nós nos perdemos nesse debate, porque nós estamos aqui tratando aqui, na realidade, não é de regularização de ocupações históricas; nós estamos tratando de permitir que cada Município, sem estudo de risco de desastres, riscos hidrológicos e outros elementos essenciais, que cada um dos 5.570 Municípios possa, de forma deliberada e sem critérios, reduzir e até mesmo eliminar as suas áreas de preservação permanente, podendo inclusive gerar um caos em relação à própria segurança jurídica que foi defendida aqui, inclusive porque todas as leis florestais estabelecem as APPs como áreas com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a estabilidade geológica, a biodiversidade, proteger o solo e o bem-estar das populações humanas. Inclusive, o art. 6º permite a criação de novas APPs para conter a erosão do solo e mitigar os riscos de enchentes.
Então, há farta ciência sobre o assunto, inclusive, no Sistema Cantareira, em São Paulo, o desmatamento de cerca de 80% na bacia hidrográfica é fator determinante para o colapso do Sistema Cantareira, que hoje vive situação de crise hídrica.
Existem inúmeros riscos de se abrir essas APPs sem critério para que cada Município disponha sobre a sua metragem. Além de poder gerar novos desmatamentos, porque finalmente essas APPs deixarão de existir ou algumas metragens de APPs deixarão de existir, então, novos desmatamentos serão viabilizados, novas ocupações serão viabilizadas em áreas que nós deveríamos proteger permanentemente, e o nome "permanente" tem razão de ser, inclusive, pode comprometer o cumprimento do Brasil em relação ao Acordo de Paris e as exigências para o ingresso na OCDE.
Quanto à segurança e à vida das pessoas, Senadora Presidente, o último levantamento do IBGE disponível constatou que 40% dos Municípios brasileiros sofreram, entre 2008 e 2013, pelo menos um desastre natural. Foram 2.276 cidades atingidas por inundações, enxurradas e deslizamentos. Só enchentes graduais deixaram mais de 1,4 milhão pessoas desabrigadas. A pesquisa constatou que 48% das 5.570 prefeituras do País não tinham instrumento para enfrentar essas ocorrências.
Agora, a maior concentração desses alagamentos ocorreu nas Regiões Sudeste e Sul, e no Sul o maior percentual ocorreu justamente em Santa Catarina, que é de onde vem essa demanda. Novamente, ressalto esse aspecto: não se trata de regularização de ocupações antigas; trata-se de abrir as APPs para novas ocupações.
O Estado com o maior número de deslizamentos foi o Estado do nosso Presidente Rodrigo Pacheco, Minas Gerais, com 225 casos, e, ao todo, no País, 97% dos Municípios considerados grandes com mais de 500 mil habitantes tiveram alagamentos. Há inúmeros estudos sobre os prejuízos, inclusive, à vida das pessoas, mas também aos cofres públicos, que nós podemos disponibilizar aos Senadores.
Nós tivemos também no Estado do eminente Relator, o Amazonas, neste ano, uma cheia recorde do Rio Negro. Das 62 cidades, 48 encontravam-se em situação de emergência. Em Anamã, Município que fica a cerca de 160km de Manaus, houve uma balsa hospital para atender a população depois que a subida do Rio Solimões alagou o hospital da cidade e deixou cerca de 10 mil pessoas afetadas.
R
A Lei 12.608, de 2012, fruto de debate aqui no Congresso Nacional, estabelece a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e, entre os seus 15 objetivos, 11 são voltados à prevenção e redução de riscos de tragédia. Eu tenho certeza de que os expositores que vão me suceder poderão aprofundar o aspecto dos desastres que atingem as próprias pessoas que ocupam essas APPs.
Também o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi enfático: os impactos das alterações no clima já estão afetando todas as regiões da Terra, com eventos extremos ocorrendo mais rápido, de modo generalizado e intensificado. Então, isso amplia o nosso receio de que se ocupem as APPs de forma desordenada, de forma que cada um dos mais de 5,5 mil Municípios brasileiros possa fazer isso sem qualquer critério.
Por fim, remeto à questão da crise hídrica. Eu me lembro de um episódio muito feliz do eminente Senador Otto Alencar, quando ele, ao defender as florestas e as águas, em 2018, recitou a música Matança, lançada pelo conterrâneo do Senador Jaques Wagner, o baiano Augusto Jatobá, nos anos 1980. Acho que foi uma sessão bastante marcante no Senado Federal.
Imaginem que o Brasil, que é dono de 12% das reservas de água do planeta, que é o País com maior abundância de recursos hídricos, está secando. Em pouco mais de três décadas, o País já perdeu mais de 3 milhões de hectares de superfície coberta de água. Em Mato Grosso do Sul, onde fica o Pantanal, 57% das águas foram perdidas. O Pantanal hoje, como saiu no jornal, é alvo de focos e incêndios nos mesmos níveis do ano passado, quando, num ano só, cerca de um terço de sua área foi devastada. Com esse nível de devastação das faixas ciliares e da vegetação, com sua importante função de preservação dos recursos hídricos, a tendência é que esses recursos hídricos se tornem cada vez mais escassos. Inclusive em 20 de agosto deste ano, o Rio Paraguai, o mais importante do Pantanal, atingiu meros 40 centímetros de altura em Cárceres, o nível mais baixo registrado no local, inclusive gerando prejuízos para o transporte de nossos produtos.
A crise hídrica afeta a produção de arroz e feijão, num estudo que foi recentemente publicado. Nós vivemos hoje a seca mais severa dos últimos 91 anos. E, no nosso entender, temos também uma crise energética gravíssima. Inclusive essa crise hídrica fez com que o Inmet emitisse um alerta de emergência hídrica. Eu vou encaminhando para o final, lembrando que a Hidrelétrica de Itaipu, desde 1979, entende a relevância de proteção das faixas ciliares e hoje conta com uma proteção, ao longo dos rios, com uma média de 210 metros de largura, porque isso é segurança hídrica.
Então, de fato, eu acredito que projeto de lei ainda precisa avançar muito para que possa garantir o mínimo de segurança à vida da população e para que possa garantir a qualidade e quantidade de água, que são as bases tanto do abastecimento público da população quanto da produção energética, da produção agrícola e da própria produção industrial, pois cerca de 20% da produção industrial dependem diretamente da quantidade e da qualidade das águas.
Eu fico à disposição para dúvidas e aprofundamento de questões. E agradeço novamente o convite.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pela participação e pelas contribuições, professor e consultor jurídico Mauricio Guetta.
Eu vou conceder a palavra agora ao Sr. Wigold Schäffer, que é fundador da Associação de Preservação do Meio Ambiente (Apremavi)
Seja muito bem-vindo, Sr. Wigold.
R
O SR. WIGOLD SCHÄFFER (Para exposição de convidado.) - Boa noite, Senadora Leila, por quem eu muito torci quando jogava vôlei.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada.
O SR. WIGOLD SCHÄFFER - Boa noite, Senador Esperidião Amin, meu conterrâneo, e Senador Jaques Wagner...
Estão me ouvindo? Estão me ouvindo?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Sim.
O SR. WIGOLD SCHÄFFER - ... Senador Jaques Wagner, com quem eu muito trabalhei nos nossos embates, nos idos tempos, com os Deputados Paulo Bornhausen e Luciano Pizzatto na aprovação da Lei da Mata Atlântica.
Eu vou pedir para compartilhar a minha tela.
Eu sou Wigold Schäffer, um dos fundadores da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), uma organização social de interesse público criada em 1987, na cidade de Ibirama.
Uma das coisas que me aconteceram na vida foi a enchente de 1984, quando fiquei desabrigado em função de um desbarrancamento. A lição que eu aprendi foi que nunca mais eu iria morar em área de risco. Então, essa foi a grande lição do que eu senti com a enchente de 1994.
Ao falar de Áreas de Preservação Permanente, o conceito nos traz uma série de funções, entre elas a estabilidade geológica e uma que não foi aqui mencionada e que eu acho, no caso das APPs urbanas, a mais importante, que é assegurar o bem-estar das populações humanas. Aí eu já digo que, num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, não é necessário e não deve faltar espaço para a expansão das nossas cidades. E nós não precisamos expandi-las para cima das Áreas de Preservação Permanente.
Já foi reconhecido aqui pelos que me antecederam que nós temos um problema, que é a ocupação histórica de margens de rios. Essa ocupação tem duas vertentes: uma ocupação anterior à legislação e uma outra ocupação irregular, posterior à legislação, com conivência passiva ou ativa de autoridades públicas. Isso foi, inclusive, reconhecido aqui por vários dos antecedentes que falaram que a grande questão a se resolver é a questão de segurança jurídica por causa de uma decisão do STJ. O STJ só tomou essa decisão porque houve ocupação irregular. E essa ocupação irregular foi acionada pelo Ministério Público ou por alguma outra instituição - às vezes, prefeitura ou organização não governamental. Essa ocupação resulta em perda de vidas humanas, prejuízo para os cidadãos e para o Erário público, perda da qualidade de vida e bem-estar das cidades e degradação ambiental. Essa é a consequência do nosso problema de ocupação das margens dos rios.
E a solução para essa questão é complexa, mas há possibilidade de ela acontecer, só que a lei deverá, para fazer isso, minimizar ou evitar perda de vida humana por enchentes e desbarrancamento, garantir a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar das populações das cidades, gerar o desmatamento em áreas urbanas, evitar poluição dos rios e melhorar a qualidade ambiental - amenizar temperaturas, garantir ar mais puro, paisagens, etc.
Uma eventual flexibilização das APPs urbanas vai trazer mais ocupação de área de risco e consequente aumento de mortes e prejuízos econômicos - e eu vou demonstrar isso para os senhores e as senhoras a seguir -, mais desmatamento em áreas de vegetação e vai trazer uma diminuição gigantesca da qualidade de vida e do bem-estar das populações das cidades.
R
E eu acho que não é isso que os proponentes tanto do PL da Câmara quanto do Senado querem, pelo menos esse é o meu sentimento, que eles não querem isso.
Vamos aos fatos. Nessas imagens, a de cima é do Bairro de Campo Grande, em Teresópolis, feita antes da grande enchente de 2011. Em pontilhado de amarelo está demarcada a Área de Preservação Permanente de 30 metros no entorno dos pequenos riachos que lá existiam. Aí na (Falha no áudio.) ... duas semanas após a catástrofe por mim e mais um grupo de técnicos que fomos incumbidos pelo Ministério do Meio Ambiente de fazer um levantamento e produzir um documento técnicos demonstrando por onde havia passado a catástrofe e quais foram as causas. E se vocês puderem observar a absoluta maioria dos imóveis, das residências, das edificações afetadas diretamente, arrancadas, destruídas estavam dentro da faixa de 30 metros de preservação permanente. E só nessa região aqui morreram quase duas centenas de pessoas, perderam a vida. Eu estive lá, enquanto os mortos ainda estavam sendo recolhidos e eu vi de perto o desespero daquelas pessoas.
Então, quando se fala de Área de Preservação Permanente em área urbana, nós estamos falando de proteger o bem-estar das populações, de minimizar o risco e não permitir que as pessoas sejam submetidas ou se submetam a riscos, porque Área de Preservação Permanente e área de risco são sinônimo em quase cem por cento dos casos quando se fala de APP hídrica e quando se fala de APP de encosta de alta declividade.
Aqui há um outro exemplo no Estado de Alagoas, no lado esquerdo, a cidade como ela era, ocupava uma série de casas muito bem construídas na beira do rio e, no lado direito, como ficou após a enchente. Naquele caso, a área de preservação deveria ser de 50 ou 100 metros pela largura do rio. Eu não tenho a medida exata. Mas seria no mínimo de 50 metros. Então, essas imagens nos mostram que, quando a gente está tratando de Área de Preservação Permanente, nós estamos falando de área de risco, área de risco que mata pessoas e gera prejuízo e muito prejuízo, que é o que eu vou mostrar daqui a pouco.
Morro do Baú, em Ilhota, Santa Catarina. Enchente de 2008. Tanto nas descidas do morro, os três maiores locais onde houve deslizamentos são nas margens dos pequenos riachos e nascentes que ali existem e, na parte de baixo da foto, o rio principal, onde esses afluentes desembocam. A maioria das infraestruturas afetadas, causando prejuízos enormes para os próprios proprietários e para o Erário, estavam dentro da Área de Preservação Permanente.
Aqui há alguns números das enchentes em Santa Catarina: 1961, 199 mortos e 65 desabrigados.
Eu não vou citar todos, mas vou pegar as enchentes de 1983 e 1984, que tiveram ao todo 24 mortos e quatrocentos e poucos mil desabrigados ou desalojados. E depois, mais recentemente, nós tivemos, a partir da década de 1990, esses eventos extremos se tornam mais frequentes e às vezes mais extremos. E às vezes não tão generalizados: no Estado todo, eles são mais localizados, mas atingem muita gente.
R
Nós tivemos o ciclone bomba, no ano passado, que atingiu 204 dos nossos Municípios, matou 14 pessoas, feriu 112 e desabrigou 11 mil. Recentemente, na nossa região - Ibirama, Presidente Getúlio e Rio do Sul -, ocorreu uma enxurrada muito forte, que, em dezembro do ano passado, matou 22 pessoas numa comunidade e deixou 1.600 desabrigadas.
Aqui estão os custos. Já que se falou muito em custo de empreendedor individual, aqui estão os custos que os Municípios relatam de quanto custam esses desastres ambientais cujos prejuízos ocorrem principalmente nas Áreas de Preservação Permanente ocupadas: R$1.812 milhões, uma média anual de R$90 milhões. Mesmo pequenos Municípios tiveram prejuízos: Apiúna, R$15 milhões, uma média anual de R$790 mil; Pomerode, R$55 milhões, uma média anual de quase R$3 milhões de prejuízos. Isso aqui não contabiliza todos os custos individuais que cada cidadão atingido tem que arcar; isso aqui são os custos que as Prefeituras levantam do que o Erário público investe para ajudar na recuperação. Então, ocupar Área de Preservação Permanente de forma desordenada e permitir isso para o futuro significa ampliar estas duas coisas: mortes e custos para o Erário público, que, ao fim e ao cabo, vão ser divididos com toda a sociedade.
Eu queria pedir licença para o Senador Esperidião Amin - eu acho que ele está nos ouvindo - para contar uma história que aconteceu aqui nas enchentes de 1983 e 1984. Ele era um jovem Governador à época, e eu acho que as enchentes de 1983 e 1984 foram os maiores desafios que ele enfrentou na vida, porque ele certamente não esperava passar por aquilo. Ele estava atendendo às enchentes, e alguém cunhou a seguinte frase: "A solução está na cabeça do Governador". E aí havia duas conotações: uma porque o Governador Esperidião Amin não tem cabelo, e, se a chuva caísse na cabeça dele, ela escorreria rapidamente, logo chegaria aos olhos, à boca e causaria um certo desconforto, certamente. E aí a comparação era: nos rios que não têm a mata ciliar preservada, a chuva cai, escorre direto para o rio, vai embora e causa enchente. Essa frase é comentada na padaria, na casa dos agricultores, na universidade, porque - muita gente gostava do Governador - todo mundo entendeu. E ela tem uma segunda conotação: "a solução está na cabeça do Governador" porque as pessoas entendiam também que o Governador era uma pessoa inteligente, que ele sabia como lidar com aquele problema, e ele lidou relativamente bem - eu me lembro disso, eu fui um dos flagelados numa daquelas enchentes. Ele junto com um correligionário dele, Deputado Artenir Werner, que, infelizmente, faleceu há poucos meses de covid, propuseram e conseguiram convencer também a bancada catarinense a aprovar no Congresso Nacional a Lei 7.803, de 1996. O que fez essa lei? Ampliou a Área de Preservação Permanente de 5m para 30m, de 15m para 50m e outras metragens, que eu não vou aqui citar. Ou seja, a solução estava na cabeça do Governador, dos Deputados de Santa Catarina e do Congresso Nacional, porque o argumento utilizado por eles foi: "Se essas áreas tão próximas dos rios e nas encostas não fossem ocupadas, os nossos prejuízos de vidas humanas e prejuízos materiais, em infraestrutura e de casas, edifícios que foram atingidos, teriam sido muitíssimo menor.
R
O argumento aqui não foi ambiental; o argumento aqui foi econômico e de proteção do bem-estar das populações urbanas. E foi o nosso Senador Esperidião Amin que ajudou a propor e a aprovar essa lei. Então, eu espero sinceramente que a gente possa aprofundar o debate e, assim como ele fez, em 1983, 1984, chegar a uma solução que realmente minimize enchentes e minimize prejuízos, ao invés de aprovar de forma muito rápida uma legislação que possa nos trazer dores de cabeça, mortes e prejuízos gigantescos no futuro.
Aqui é um exemplo do que nós estamos falando de realidade hoje. Só um pedacinho da cidade de Rio do Sul, com o rio passando, há áreas de margem de rio ocupadas, fora da área de preservação prevista, que naquele caso é de 100m. E há outros que ocuparam parte desses 100m de lotes, o que já é perto do rio. Todos os que estão dentro dessa faixa já foram atingidos por enchentes. Aí, o que é que as pessoas fazem muitas vezes para tentar driblar as duas coisas - driblar a lei e driblar a natureza? Fazem aterros para construir a sua casa ou seu edifício fora da área de risco, ou seja, eles minimizam o seu problema e ampliam o problema da cidade.
Se nós flexibilizarmos, jogarmos para os Municípios a definição das áreas de preservação, nós não temos nenhuma garantia de que a maioria desses Municípios vai fazer uma legislação condizente. E, segundo a Anama, 90% dos Municípios não tem a mínima condição e capacidade instalada para cuidar, fiscalizar e monitorar essas questões de meio ambiente. Então, nós vamos ter problemas gigantescos.
E não faltam para nós dados técnicos, publicações etc. Hoje nós finalizamos um parecer assinado por mais de 60 dos maiores especialistas nessa questão de enchentes e planejamentos para aprofundar um debate, chegar a uma legislação que realmente proteja o meio ambiente, a vida das pessoas e o Erário público.
Muito obrigado pela oportunidade.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Obrigada pelas contribuições, Sr. Wigold Schäffer.
Bom, eu me despeço aqui de todos vocês, agradecendo as contribuições até o momento. Vou passar agora o comando, a Presidência desta audiência à Senadora requerente, minha colega, querida Senadora Eliziane Gama. E agradeço a todos as contribuições até o momento e a parceria.
Boa noite para vocês.
Vou continuar agora acompanhando do outro lado aqui.
(A Sra. Leila Barros deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pela Sra. Eliziane Gama, Suplente de Secretário.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, querida Leila. Agradeço-te de coração aí. Aliás, te parabenizo e te cumprimento pelo grande trabalho que você tem feito aqui no Senado Federal, nos honrando muito.
Vamos, então, aqui seguir aos nossos convidados.
Antes, porém, eu queria fazer um registro. O Senador Jorginho Mello pede para informar sobre as dificuldades que ele teve em relação ao voo, razão pela qual ele não está participando desta audiência.
Concedo a palavra à Sra. Suely Araújo, especialista sênior do Observatório do Clima, pelo tempo de até dez minutos. A SRA. SUELY ARAÚJO (Para exposição de convidado.) - Boa noite, Senadora. Na sua pessoa, cumprimento dos demais Parlamentares presentes e os demais participantes deste debate tão importante para um tema que está pauta, na verdade, na Câmara e no Senado Federal, com projetos um pouco diferentes, mas a proposta é a mesma, sempre na linha de uma descentralização das decisões sobre as áreas de preservação permanente em perímetros urbanos para a legislação municipal em síntese.
R
Eu vou retomar, rapidamente, um histórico que o Mauricio Guetta fez para chamar a atenção de quão antigas são as normas sobre áreas de preservação permanente. Na verdade, há uma pequena referência, se não me engano, no Livro V das Ordenações Filipinas, a não tirar a vegetação na margem do Rio Tejo ou alguma coisa desse tipo. No nosso Direito, começa na legislação que tratava do serviço florestal, na década de 20, passa pelo Código de 1934, depois pela Lei de 1965... A Lei de 1965 foi a primeira que botou metragens, mas ela deixava o gestor liberar a ocupação em APP em caso de utilidade pública e interesse social sem fixar os casos. Depois, ao longo dos anos, no meio daquelas medidas provisórias do Código Florestal, começaram a ser definidos mais claramente os casos de utilidade pública e interesse social e depois baixo impacto, na Lei de 2012. Com o conjunto de definições de utilidade pública, interesse social e baixo impacto, você tem uma série de situações em que cabe, sim, a ocupação de APP, inclusive novas ocupações, desde que seguidas as regras da lei.
Em termos de regularização fundiária ou regularização ambiental que seja, a minha opinião é que é absolutamente desnecessária qualquer alteração de legislação, porque, somando a Lei Florestal de 2012 e a Lei 13.465, que fala expressamente em regularizar em relação às APPs, você tem a oportunidade de fazer os projetos de regularização, aprovar em um local, só com o cuidado... Que cuidado, somando a lei florestal e a lei de regularização da época do Governo Temer? Com o cuidado de você tratar bem os estudos relativos às áreas de risco.
Então, em princípio, se a preocupação é com as áreas já ocupadas, a legislação já dá cobertura. Então, não faz sentido alterar a legislação e dar margem a retrocessos. Por que retrocessos? Porque, na hora em que você admite que a legislação municipal vai fixar o limite, áreas hoje cobertas de vegetação, por causa da legislação federal, vão poder ter a vegetação suprimida.
É importante entender que, em áreas urbanas e rurais, na verdade, a finalidade... Por que a proteção das matas ciliares é tão antiga? A preocupação sempre foi muito com o assoreamento dos rios e como proteger as comunidades de enchentes. Essa é a primeira finalidade da APP.
Com o crescimento, com o aperfeiçoamento dos conhecimentos ecológicos em relação à política ambiental, você passou a inserir outros componentes - corredores ecológicos, passagem de fauna -, mas sempre esteve na preocupação das áreas de preservação permanente hídrica a questão de proteção dos rios e, no outro sentido, proteção das próprias comunidades. O rio não sabe se está em áreas urbanas e rurais. Nesse sentido, tanto faz. Ele vai assorear da mesma forma. Mas, para as comunidades, você tem um perigo nas áreas urbanas. Na hora em que o rio enche, na verdade, há pessoas morando que vão estar submetidas a risco de morte, como aconteceu no caso das enchentes relatadas pelo Professor Wigold...
R
Só um instantinho, porque eu estou pelo celular, porque o computador hoje deu problema.
Nas enchentes relatadas pelo Professor Wigold na área serrana do Rio, dez anos atrás, se você mantivesse apenas a faixa mínima de 30 metros, a maior parte das pessoas teria sobrevivido. Essa é a diferença. Na verdade, em termos de risco, é muito mais preocupante você liberar em áreas urbanas do que em áreas rurais.
Então, eu, pessoalmente, e esta é a posição do Observatório do Clima, que eu estou aqui representando, nós entendemos que a lei é desnecessária e que o correto, na verdade, seria não mexer na legislação que está em vigor e aplicar às áreas de preservação permanente um olhar contemporâneo, um olhar que considera mudanças climáticas, que considera os novos riscos associados às mudanças climáticas em termos de intensificação de chuvas e de outros eventos que atinjam as áreas urbanas, e, nessas situações, as faixas de vegetação ao longo dos cursos d'água, as faixas de vegetação nas encostas são elementos fundamentais para a proteção da população.
Esta é a mensagem do Observatório do Clima, pela rejeição dos projetos e manutenção da legislação em vigor.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Suely, pelas suas intervenções.
Nós vamos, então, agora, ao nosso último convidado, que é o Sr. Fabiano Silva, Coordenador Executivo da Fundação Vitória Amazônica, pelo tempo de até dez minutos.
O SR. FABIANO SILVA (Para exposição de convidado.) - Boa noite, Senadora Eliziane e demais Senadoras e Senadores.
Eu gostaria de compartilhar minha tela, se possível. Pretendo fazer uma breve apresentação ilustrada de um desses estudos técnicos que nós fizemos para a região de Manaus e pretendo fortalecer o argumento de que a legislação vigente é adequada e interessante para os Municípios para a definição de suas APPs e das áreas urbanas consolidadas.
Bom, a Fundação Vitória Amazônica é uma organização que atua há mais de 30 anos na região do Rio Negro e na região de Manaus - somos conterrâneos do Senador Eduardo Braga - e a nossa organização busca promover alternativas para um desenvolvimento socioeconômico adequado para a Região Amazônica.
O estudo que nós fizemos em 2018, principalmente, surgiu de uma reflexão junto ao Sindicato das Indústrias de Construção Civil, mediante um relato da dificuldade de licenciamento de obras no Município de Manaus, na cidade de Manaus. E eles nos pediram um mapa que apoiasse o planejamento de obras para reduzir os problemas com os processos de licenciamento ambiental.
Então, nós fizemos um desses estudos técnicos embasados em critérios e na legislação vigente para a proposição de uma regulamentação das APPs urbanas de Manaus e das áreas urbanas consolidadas de que o Município não dispõe. Então, nós olhamos tanto para a área urbana definida pelo IBGE como pela área de expansão urbana definida pelo plano diretor da cidade.
De forma muito sucinta, nós avaliamos todo o histórico de desmatamento da cidade, identificando o que era a cidade até 2012 e que áreas haviam sido desmatadas após a promulgação do Código Florestal de 2012. Nós fizemos todo um levantamento de declividade da área urbana de Manaus e, consequentemente, ali, uma caracterização com base nos critérios da Embrapa de relevo, extraindo, assim, principalmente, um dos elementos das APPs, que são as áreas de declividade acima de 45 graus para toda a área urbana de Manaus.
R
Também na ausência de bases cartográficas precisas para a escala da gestão urbana referente à hidrografia da cidade, nós refinamos e qualificamos toda a hidrografia da cidade, identificando nascentes, cursos de rio, e complementamos, na realidade, as bases disponíveis públicas sobre hidrografia da região. Nós fizemos toda uma caracterização aí para ter clareza sobre o que eram áreas urbanas de fato, o que eram construções e edificações, incluímos uma avaliação, nessa avaliação, todas as unidades de conservação existentes no território, fossem elas unidades de conservação municipais, estaduais. Federais não temos incidência aqui no Município, na área urbana de Manaus, perdão. E fizemos também uma caracterização do tipo de vegetação existente na região, principalmente identificando o que era vegetação primária, o que era vegetação secundária e o que era desmatamento ou área urbana existente nessa região.
E, com base nesse estudo técnico, nós conseguimos propor aí um mapa síntese das APPs urbanas. E, para qualificar ainda as áreas, a funcionalidade das APPs e o grau de consolidação urbana de algumas dessas APPs, nós fizemos uma validação desses dados em 16 pontos da cidade de Manaus, dos mais diversos possíveis. Então, visitamos a Nossa Vitória do Jesus Me Deu, uma região ali no leste da cidade; visitamos uma importante avenida do Centro de Manaus, inclusive onde fica a Prefeitura, que é a Avenida Brasil; visitamos um bairro chamado Coroado, numa avenida que se chama Beira Rio, às margens da Universidade Federal do Amazonas; visitamos uma importante área no bairro de Educandos, onde houve um incêndio bastante crítico, com fatalidades inclusive, em 2019, de uma ocupação irregular em APP.
E isso nos permitiu calcular, ao final, tanto o grau de funcionalidade dessas APPs como o grau de consolidação urbana das APPs de Manaus.
Nós temos esse estudo disponível para download. Então, há aí um QR code e um link para o estudo.
E eu fecho a minha fala basicamente com seis pontos aqui, para contribuir com o debate, principalmente relativo ao Código Florestal de 2012, que, no nosso entendimento, traz subsídios suficientes e adequados para o planejamento urbano e para a gestão eficiente das APPs.
As APPs, como já foi dito mais de uma vez, que são responsáveis pela proteção das nascentes e dos cursos d'água, das encostas de barranco e da proteção de fauna urbana, são importantes para a gestão dos territórios. E elas também, especialmente no caso de Manaus, são formadas por vegetação nativa que contribui principalmente para a arborização urbana, para a melhoria do conforto térmico e para a provisão de áreas de lazer na cidade.
Temos outros estudos aqui na região que indicam, por exemplo, que, no entorno de matas urbanas, a sensação térmica pode diminuir até quatro graus de temperatura. Imaginem que, no contexto amazônico aqui da cidade de Manaus, essa sensação térmica pode ser bastante importante para a qualidade de vida e para a economia, inclusive de refrigeração das edificações na cidade.
As APPs obviamente prestam serviços ecossistêmicos importantes também, como já foi citado, principalmente no que diz respeito à redução de riscos diversos, como enchentes e desmoronamentos.
R
Na nossa opinião, a definição de critérios mínimos, como os previstos no Código Florestal, apoiam Municípios pequenos - e Manaus, no caso concreto - para a elaboração de estudos técnicos de planejamento urbano e para o ordenamento do uso do solo. A ausência desses critérios dificulta o desenvolvimento desses estudos e que Municípios com menos estrutura ordenem o processo de desenvolvimento urbano.
Por fim, a qualidade de vida, a segurança dos cidadãos e o desenvolvimento econômico nas cidades dependem de APPs íntegras com seus serviços ambientais em pleno funcionamento. A gente tem uma série de casos, mundo afora, em que essas PPs são vistas, na realidade, como ativos para o desenvolvimento urbano e para projetos de desenvolvimento imobiliário. Na nossa opinião, decrescer, diminuir, fragilizar esses importantes territórios dentro do espaço urbano trarão prejuízos tanto para a qualidade de vida das populações que vivem nas cidades quanto para o potencial desenvolvimento econômico dessas regiões.
Agradeço, desde já, a oportunidade de participar desta sessão. Coloco-me à disposição para qualquer esclarecimento. Espero que os Senadores tomem a decisão mais acertada quanto a esse projeto de lei.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA) - Muito obrigada, Fabiano, por suas intervenções.
Nós vamos, agora, à lista de Senadores inscritos. Temos, na verdade, para finalizar, o Senador Eduardo Braga, que é Relator do projeto e vai falar pelo tempo de até cinco minutos.
Senador Eduardo Braga.
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - AM. Pela ordem.) - Não, cinco minutos é tempo demais. Muito obrigado.
Eu só queria agradecer a participação de todos.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - MA. Fala da Presidência.) - Muito obrigada. Muito obrigada, Eduardo, por seus agradecimentos.
Na verdade, a audiência de hoje foi fruto de um acordo construído em Plenário para que nós pudéssemos fazer o aprofundamento desse debate aqui. Não há dúvida de que um projeto dessa magnitude, para que possa ser votado, aprovado, precisa minimamente passar, em nosso entendimento, pelas Comissões e fazer um debate como esse que nós acabamos de ouvir. Na verdade, ele nos dá muito mais elementos para a apresentação de emendas ao projeto de lei, para as emendas que serão fruto, exatamente, do que nós acabamos de discutir hoje, aqui, nesta sessão de debates.
Portanto, quero agradecer a todos os que participaram conosco, aos Senadores também que fizeram as suas intervenções. Agradeço, de forma muito especial, à querida Leila, Senadora Leila Barros, que fez a condução desta sessão de debates.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta sessão de debates.
Muito obrigada.
(Levanta-se a sessão às 20 horas e 51 minutos.)