Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO CONGRESSO DA SBPC, REALIZADO NO ESTADO DE MINAS GERAIS, OCASIÃO EM QUE DISCORREU SOBRE O TEMA DO USO MULTIPLO DA FLORESTA AMAZONICA COMO ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL DA REGIÃO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO CONGRESSO DA SBPC, REALIZADO NO ESTADO DE MINAS GERAIS, OCASIÃO EM QUE DISCORREU SOBRE O TEMA DO USO MULTIPLO DA FLORESTA AMAZONICA COMO ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL DA REGIÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/07/1997 - Página 14659
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONGRESSO, SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA (SBPC), REALIZAÇÃO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), PROFERIMENTO, DISCURSO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, ALTERNATIVA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO AMAZONICA, DIVERSIFICAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS AMBIENTAIS, FLORESTA AMAZONICA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, CRIAÇÃO, CENTRO COMUNITARIO, ZONA RURAL, CIDADE, OFERECIMENTO, SERVIÇOS PUBLICOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, ASSISTENCIA TECNICA, ASSISTENCIA SOCIAL, IMPLANTAÇÃO, AGROINDUSTRIA, CENTRO CULTURAL, IGREJA, AREA, LAZER, NUCLEO, EXTENSÃO RURAL, CONSTRUÇÃO, ARMAZEM, DESTINAÇÃO, PRODUÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (BLOCO-PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, quero registrar a oportunidade que tive em participar da reunião da SBPC, evento que se realizou no Estado de Minas Gerais. A minha participação foi na sexta-feira, falando sobre o uso múltiplo da Floresta Amazônica. Embora não seja cientista, não seja engenheira florestal, fui convidada para expor a minha opinião a respeito do tema em função das experiências que tenho em relação às comunidades tradicionais da Amazônia, mais particularmente as que conheço na reserva extrativista Chico Mendes, na Reserva São Luis do Remanso e na Reserva do Rio Antimari, além da hoje pertencente ao Estado de Rondônia que é o Projeto RECA, na cidade de Extrema e Califórnia.

Quanto à questão Uso Múltiplo Da Floresta, para mim, foi muito oportuno o debate do tema, porque nos remete a uma série de outros aspectos que são fundamentais na discussão do desenvolvimento da Região Amazônica. Agora mesmo, estamos aprovando leis que visam ao fortalecimento econômico, social e cultural da região, possibilitando a incorporação de imensos contingentes de mão-de-obra, que estão excluídos após a desestruturação do sistema de exploração econômica baseada no extrativismo da borracha e da castanha, que foi a quebra da empresa extrativista e o sistema de aviamento. Com essa quebra, tivemos uma população inteira jogada a sua própria sorte, e os projetos que foram pensados como alternativas para dar resposta aos problemas sociais que ali estavam postos não foram capazes de dar essa resposta. Ou seja, a mineração, a pecuária, a exploração de madeira fundamentalmente.

Todos sabemos que, enquanto no seringal nativo há trabalho para cerca de 100 a 200 famílias, uma fazenda com a mesma quantidade de hectares de terra pode-se desenvolver economicamente com apenas cinco ou seis peões. Os demais, passam a ser mão-de-obra desqualificada vivendo em periferias das cidades como o que está acontecendo em toda a Amazônia. Não é à toa que mais de 60% da população do Estado do Amazonas se encontra na capital, em Manaus, e mais 53% da população do meu Estado se encontra em Rio Branco. E assim poderíamos citar os vários Estados da Amazônia.

A busca de uma alternativa que vise reparar esse equívoco tem primeiramente que fazer a crítica ao processo. Foi o que coloquei na SBPC. As fundamentação em termos teóricos que levou a essa segunda fase de ocupação da Amazônia - aliás uma terceira fase, porque a primeira foi por intermédio das drogas do sertão, depois por meio da empresa extrativista e, agora, por intermédio de um projeto que acabei de mencionar.

A tentativa de oferecer respostas a essa proposta fracassada tem como crítica o fundamento dessa proposta. Primeiramente, que a Amazônia é um vazio demográfico; ela não é um vazio demográfico. Temos 17 milhões de brasileiros que ali vivem, que ocupam aquela Região, que a exploram, manejando seus recursos da forma adequada a que ela continue sendo Amazônia.

Uma outra afirmação é a de que a Amazônia seria uma floresta homogênea, um imenso espaço verde a ser explorado; também é uma inverdade, e, por trás dessa falsa concepção, está uma visão preconceituosa de se realizar desenvolvimento na Amazônia, em vez de desenvolvimento da Amazônia, neste último caso levando em conta processos endógenos que levariam a Região a um projeto de desenvolvimento capaz de responder a seus imensos desafios.

Com a quebra da empresa extrativista, também tivemos a quebra do que chamo um processo de coesão econômica, social e cultural. Ao se desmontar a empresa extrativista, desmontaram-se também os diferentes sistemas, inclusive influenciando a própria cultura da Região. Além disso, os grandes projetos não contribuíram para que essa coesão acontecesse, e agora o que se busca fazer é dar essa resposta, incorporando uma questão importantíssima, a variável ambiental. A partir da incorporação do conceito de sustentabilidade, de que a variável ambiental deva estar embutida em todo e qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social na Amazônia, é que poderemos dar uma resposta eficaz aos desafios postos na Região.

Quanto ao uso múltiplo da floresta, é uma alternativa. Como já observei anteriormente, na Amazônia não há como termos nenhuma atividade de caráter exclusivista; não dá para se ter apenas exploração de madeira, apenas pecuária, garimpo ou o que quer que seja; é fundamental que se leve em conta um aspecto da própria cultura do povo, a sua sociodiversidade. A partir dessa sociodiversidade, consideraremos a biodiversidade e exploraremos de forma múltipla seus recursos.

O Centro dos Trabalhadores da Amazônia - CTA, é uma ONG que tem prestado relevantes serviços nas áreas de saúde, educação, geração de emprego e renda e pesquisa no Estado do Acre. Passo a ler as palavras dos pesquisadores Ecio Rodrigues, Francisco J. Cavalcanti e Raul Vargas Torrico:

      "...o uso múltiplo (da floresta) baseia-se em dois princípios básicos: o primeiro é que quanto maior for o número de espécies exploradas e favorecidas pelas práticas de manejo, menos a floresta manejada se distinguirá da floresta original (mantendo, portanto, a sua biodiversidade). O segundo é que quanto maior for o número de espécies manejadas, menos intensamente será necessário explorar cada uma delas a fim de tornar viável economicamente a exploração dos recursos naturais, e menor será a possibilidade de quebrar-se alguma reação ecológica importante, o que significa a viabilidade econômica associada à manutenção da biodiversidade."

Quanto a isso, passo a uma discussão sociocultural. Poderíamos dizer que, durante o período em que prevaleceu a empresa extrativista, existia exploração, existia um sistema perverso de endividamento das comunidades e das populações de seringueiros e ribeirinhos. No entanto, essas populações eram absorvidas econômica e socialmente pelo sistema. Após a quebra da empresa extrativista, essas populações ficaram, como disse anteriormente, ao sabor daqueles que lhes poderiam oferecer alguma atividade considerada de segunda classe, que chamamos de biscates.

Anteriormente, e durante muito tempo, essas pessoas tiveram uma profissão. Eram seringueiros, sabiam manejar os recursos da florestas, atividade já praticada desde que o homem ocupou a Amazônia. O manejo desses recursos era regulado não por leis restritivas ou proibitivas do Governo Federal, leis institucionalizadas, mas baseava-se fundamentalmente num severo sistema de crenças, o qual eu tive oportunidade de viver. Não sei se, ao entrar na floresta, não será esse o sistema que ainda me regerá.

Não causávamos nenhum dano à floresta, porque o sistema de crenças era altamente eficaz. Por exemplo: não se matava uma caça prenha por medo do caboclinho do mato; não se pescava mais do que o necessário por medo da mãe d´água; não se entrava na floresta para praticar danos por medo da matintaperera. E, assim, vários mitos funcionavam como reguladores do acesso aos meios naturais da floresta Amazônica.

Com a entrada da grande pecuária, com a exploração madeireira, com o desrespeito à cultura e ao espaço sociocultural daquelas populações, foram desmoralizados os seus mitos; e essas populações, sem referência, sem cultura, sem emprego e sem trabalho, passaram a fazer parte da imensa massa de despossuídos e excluídos nas periferias da cidade.

A idéia de uso múltiplo da floresta - repito - vem buscar a nova coesão. Não resgata pura e simplesmente os valores culturais e sociais que, uma vez quebrados, dificilmente são recuperados, a não ser como talvez uma forma de folclore, mas dá uma resposta econômica e social capaz de fazer com que essas pessoas tenham uma referência, referência essa que pode ser baseada naquilo que o Professor Rego chama de neo-extrativismo.

O que seria, para o pesquisador da Universidade Federal do Acre, Professor Rego, o neo-extrativismo? Seria o consórcio de atividades. Ao extrativismo acrescentar-se-ia a implementação dos sistemas agroflorestais, o adensamento da floresta com algumas espécies rentáveis. Mas seria mantida a coerência de não sobrecarregar a exploração de nenhum desses produtos, evitando, assim, o desequilíbrio ecológico e preservando o ecossistema em condições saudáveis e sustentáveis em todos os seus aspectos.

O neo-extrativismo estaria dividido em três níveis. Em primeiro lugar, há o projeto de centros comunitários rurais, com um estrutura de serviços para aqueles núcleos, que, em sendo reservas extrativistas, seringais ou projetos de assentamento extrativista, atenderiam a um contingente populacional de 50 a 100 famílias e, em se tratando de projeto de colonização, de 200 a 400 famílias. Em segundo lugar, há o projeto de cidades de pequeno porte, que polarizaria, segundo o Professor Rego, um conjunto de centros comunitários e serviços rurais, oferecendo serviços mais complexos. Em terceiro lugar, há o projeto de centros urbanos regionais, que ofereceriam serviços, também mais complexos, não atendidos pelos dois primeiros projetos.

Haveria agroindústrias e serviços básicos de saúde, de educação, de assistência técnica e assim por diante. Além disso, nesses centros mais especializados, seriam oferecidos assistência social, centro cultural, área de lazer, igreja, armazéns para a produção, núcleo de assentamento, núcleo de assistência técnica e extensão rural, postos de aquisição de insumos, bem como a representação das cooperativas e das associações e viveiros de produção de mudas, microindústrias e agroindústrias além de oficina e artesanato comunitário.

Toda essa rede de atividades faria com que fossem incorporados os setores que hoje estão à margem do processo produtivo. Isso resultaria na agregação de valor aos nossos produtos, fazendo com que a economia dos nossos Estados se tonasse uma economia viva.

Para isso, precisaríamos de infra-estrutura: energia, estradas, processos para o escoamento e beneficiamento de produção. No entanto, todos esses serviços estariam sendo oferecidos para um projeto de desenvolvimento econômico-social que impediria que essas estruturas trouxessem algum tipo de impacto negativo, pois já estaríamos contemplando a sociedade de um modo em geral.

Foram essas as minhas contribuições à SBPC, ou seja, apresentei o projeto do uso múltiplo da floresta como uma alternativa para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia.

Para encerrar o meu pronunciamento desta tarde, quero recuperar as belas palavras de Carlos Drummond de Andrade: "Já que ficou chato ser moderno, agora serei eterno".

Espero que a Amazônia, além de sinônimo daquilo que é moderno, por modismo, seja eterna. Vamos fazer o que Caetano Veloso nos aconselha e, em vez de pensar apenas em décadas, passemos a pensar "no minuto e no milênio, e assim seremos eternos".

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/07/1997 - Página 14659