Pronunciamento de Marina Silva em 21/08/2001
Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
NECESSIDADE DE AÇÕES CONJUNTAS DOS ORGÃOS GOVERNAMENTAIS PARA EVITAR NOVOS FOCOS DE INCENDIOS E QUEIMADAS NO PERIODO DA SECA NA REGIÃO AMAZONICA.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
AGRICULTURA.:
- NECESSIDADE DE AÇÕES CONJUNTAS DOS ORGÃOS GOVERNAMENTAIS PARA EVITAR NOVOS FOCOS DE INCENDIOS E QUEIMADAS NO PERIODO DA SECA NA REGIÃO AMAZONICA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/08/2001 - Página 17552
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. AGRICULTURA.
- Indexação
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- APREENSÃO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE), ESTUDO, AUMENTO, QUANTIDADE, QUEIMADA, REGIÃO NORTE.
- CRITICA, AGRICULTOR, QUEIMADA, FLORESTA, OBJETIVO, LIMPEZA, TERRENO, MOTIVO, FACILITAÇÃO, UTILIZAÇÃO, SOLO, CULTIVO, AGRICULTURA, PASTAGEM.
- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FALTA, DISPONIBILIDADE, RECURSOS, INCENTIVO, ALTERNATIVA, UTILIZAÇÃO, SOLO.
- DEFESA, ATUAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, REGIÃO AMAZONICA, OBJETIVO, TENTATIVA, REDUÇÃO, QUEIMADA, FLORESTA, REGIÃO NORTE.
A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, infelizmente tenho que trazer novamente à tribuna um assunto não tenho nenhum prazer em trazer novamente à baila. Trata-se dos focos de fogo e das queimadas que ocorrem com bastante intensidade durante esse período de secas na região Norte, principalmente no caso dos Estados de Rondônia, Pará e Mato Grosso. Os dados que nos foram apresentados pelas imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) nos dão conta de que, no ano de 2000, tivemos um número bem menor do que o que estamos observando neste mesmo período, nesta mesma data, agora no ano de 2001. Enquanto tivemos naquela época o número reduzido, em julho de 2001, tivemos 6.762 focos de calor nas regiões que citei anteriormente e, até o momento, hoje, dia 21 de agosto, tivemos a identificação, pelo satélite, de cerca de 21.174 focos de incêndios em toda a área denominada Arco do Fogo.
Esses dados apresentados pelas imagens de satélites do INPE ainda ganham um nível de detalhe que dizem que, só na noite de ontem, tivemos 1.458 focos de calor no Brasil e, desses, 1.357 foram na região amazônica sendo que 641 focos no Mato Grosso; 267, no Pará; 68, no Amazonas e, no Acre, apenas 7 focos foram registrados. Não registrarei Rondônia e os demais.
O que impressiona, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é que, em todos os anos, o mesmo ritual macabro acontece. Os aeroportos são interditados em função da camada de fumaça que fica nas regiões atingidas pelo fogo. Muitas aeronaves têm dificuldade em aterrissar em alguns Estados, como é o caso de Rondônia e do Acre. A fumaça causa sérios problemas às aeronaves e, particularmente, gravíssimos problemas de saúde à população afetada pela fumaça, principalmente as crianças, que são acometidas de pneumonia, de doenças respiratórias e de doenças que prejudicam sobremaneira a saúde da nossa população.
Toda essa prática nefasta tem causado sérios danos ao meio ambiente, à preservação da floresta amazônica e, no ritmo em que estamos vendo a floresta ser submetida, poderá acontecer com ela o mesmo que ocorreu com a Mata Atlântica. De sorte que os dados são desanimadores e, a cada ano, vemos repetidas as mesmas informações, mas de forma agravada. Embora algumas providências tenham sido tomadas pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama, pelas organizações não-governamentais, como a WWF, Amigos da Terra e o GTA, em parceria com algumas Prefeituras, para tentar combater a prática das queimadas como uma técnica de agricultura.
As pessoas derrubam a floresta, ateiam fogo nela quando está seca no chão, abrindo enormes clareiras para a prática da agricultura ou de pastagem. Essa técnica primitiva, altamente danosa ao meio ambiente e, em que pesem alguns esforços praticados pelas instituições que acabei de mencionar, são insignificantes diante da realidade que acabei de citar. Há a informação de que, somente no Estado do Mato Grosso, tivemos a ocorrência, no mês de agosto, de 5.528 focos, no Pará, 5.253 focos de calor e, no Estado do Acre, 136 pontos de calor.
Esse número é bastante animador para o esforço que vem sendo realizado pelo Governo do Estado do Acre, o Programa de Desenvolvimento Sustentável que visa a uma economia agroflorestal, que não está centrada na prática danosa da pecuária extensiva de derrubar floresta para queimar e fazer pastagem, que está tentando, a cada ano, inverter o círculo vicioso dos pequenos agricultores que tivemos que derrubar alguma área de floresta para fazer o seu plantio.
Ainda é incipiente o esforço, mas já conhecemos técnicas e meios adequados para que os agricultores não sejam obrigados a realizar a danosa prática da queimada. E que a substituam por outras práticas inclusive mais rentáveis e menos danosas à saúde e ao meio ambiente. Esse esforço está sendo aqui registrado com certa galhardia pelos Estados do Acre e do Amapá, cujo Governador aposta em modelo semelhante.
O que me entristece é que os esforços realizados pelo Ibama, que dispõe de sete helicópteros para o acompanhamento das queimadas, no sentido de estabelecer na Amazônia uma agenda positiva, negociando com os setores produtivos, pequenos agricultores, governos estaduais e municipais, não renderam os resultados esperados, já que os dados atuais são alarmantes. Mesmo assim, caberia a indagação, pois se não tivéssemos realizado tal esforço, com certeza o problema seria mais grave e nossa floresta estaria em condições bem piores, tanto do ponto de vista ambiental e social como do ponto de vista econômico.
Existe um estudo do Ibama que dá conta de que nossa biodiversidade está avaliada em R$4 trilhões. Isso significa que, a cada ano, ateamos fogo a uma riqueza imensurável, incalculável, de forma irresponsável e sem respeito pelas comunidades ali estabelecidas, que serão as maiores prejudicadas. À medida que formos transformando aquela região em deserto, com certeza, serão os 20 milhões de habitantes da Amazônia que perecerão. Aqueles que lá realizam uma economia de rapina, esses, certamente, acharão um outro lugar para morar e continuar buscando o lucro desenfreado, mas os habitantes da região, cujo sustento está relacionado com os recursos naturais, com sua maior fonte, a floresta, com seu potencial, esses serão muito prejudicados.
Além desse prejuízo, poderemos causar graves problemas ao equilíbrio global, porque, ao queimar a floresta, ocorre a emissão de gases tóxicos. Esses gases são responsáveis por inúmeros problemas, entre eles o buraco na camada de ozônio. Portanto, temos um dupla relação de perda: a poluição pela emissão de gases; e a floresta deixa de ser um sumidouro desses gases.
Sr. Presidente, essas queimadas têm origem numa prática indígena milenar. Quando aqui chegaram os colonizadores, observaram que as comunidades indígenas praticavam as coivaras, as queimadas, quando do preparo de suas roças. Essa era a prática de uma população então reduzida, cujo número, segundo alguns pesquisadores, era de cinco milhões - hoje são apenas duzentos e cinqüenta mil índios, o que dá conta de que houve um massacre dessas populações. Esses cinco milhões de índios praticavam a agricultura e utilizavam o fogo para abrir clareiras. Se considerarmos que essa população era reduzida e que nem todos praticavam a agricultura, pois nem todos eram sedentários - boa parte deles era nômade, vivia da caça, da pesca, da coleta de frutas e não praticavam a agricultura -, teremos um número mais reduzido dos que utilizavam as queimadas neste País continental.
A utilização dessa técnica era adequada às condições históricas, econômicas, sociais e culturais daquelas populações; mas, quando o europeu chegou e começou a copiar essa prática, tivemos o dano à Mata Atlântica e, hoje, à Amazônia, que já conta com uma área superior a 500 mil quilômetros quadrados de desflorestamento e queimadas. Se continuarmos com esse mesmo ritmo, não teremos mais uma Amazônia a preservar.
Durante os 500 anos de ocupação deste jovem País, já vivenciamos inúmeros avanços tecnológicos, das caravelas ao avião. Presenciamos o surgimento dos satélites, que nos possibilitam a comunicação em tempo real, inúmeras inovações no campo da medicina, como o transplante de coração, de medula e tantas outras técnicas sofisticadas. Durante esses 500 anos, a humanidade inovou em muitos aspectos, mas, infelizmente, em nosso País e nos países em desenvolvimento, como é o caso dos nossos vizinhos, que também partilham a Amazônia - Peru, Bolívia e demais países irmãos -, continuamos com o “primitivo” uso da queimada na pratica da agricultura.
É lamentável que um País que fala de modernização, de globalização não disponibilize aos nossos agricultores, aos nossos pecuaristas, aos nossos produtores de grãos da Amazônia recursos, um mecanismo compatível com todo esse avanço tecnológico para substituir a nefasta prática das coivaras, a nefasta prática das queimadas.
Antes, o contigente populacional era menor, nem todos eram agricultores; portanto, o impacto era assimilado pela floresta, pelo ecossistema. Mas, infelizmente, essa sociedade de consumo, voltada para o mercado, não conta com um suporte técnico que substitua uma prática que era adequada a um período, a um nível social e cultural. Tal fato, poderá fazer com que desapareça a maior floresta do planeta, a floresta Amazônica, causando prejuízos irreversíveis, principalmente se considerarmos que na floresta reside a maior quantidade de água doce do planeta, que ela é responsável pelo equilíbrio das chuvas.
As comunidades locais, por diversas vezes, têm oferecido alternativas sustentáveis, têm se esforçado no sentido de fazer com que as práticas que estão dando certo - como as que estão sendo implementadas pelo GTA - Amigo da Terra, juntamente com alguns governos, prefeitos e pessoas do setor produtivo - possam ser generalizadas, transformadas em políticas públicas, para que o setor produtivo possa contar com outra forma que não esse modelo predatório, que produz, a cada ano, 5 mil focos de calor somente no Estado do Mato Grosso. Em uma única noite, o satélite do INPE registrou 1.458 pontos de incêndio no Brasil, 93% deles exatamente onde não deveriam ocorrer, qual seja, na floresta Amazônica.
Da forma como estamos agindo, não temos nenhuma autoridade - por mais etnocêntricos e preconceituosos que sejamos com as culturas das comunidades indígenas - para tecer nenhum comentário de que tais culturas sejam inferiores à nossa. Lançamos mão de uma técnica adequada ao seu grau de desenvolvimento, e ainda hoje aplicamos essa mesma técnica sem nenhum escrúpulo, sem nenhum esforço no sentido de pôr em prática outras alternativas, que não são apenas utopias, mas realizações concretizadas por instituições de pesquisa, algumas altamente respeitadas, como é o caso da Embrapa, que dá conta de que é possível fazer manejo de pastagem sem derrubar florestas para fazer pecuária extensiva e, com isso, ter pastagens renovadas; que é possível implantar a agricultura sem lançar mão de fogo; que é possível utilizar áreas já degradadas, principalmente as de capoeira, que são em quantidade suficiente para a produção, desde que utilizemos investimentos e tecnologias adequadas. Não devemos usar áreas em que há florestas nativas. Temos vários recursos que, infelizmente, não estão sendo usados porque não existe uma política séria de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Existe, felizmente, o esforço da Secretária Mary Helena Allegretti, do Ministro José Sarney Filho e do Dr. Hamilton Nobre Casara, Presidente do Ibama, que até por questão de justiça devo registrar. Entretanto, são esforços pontuais, pulverizados; não constituem uma política de desenvolvimento. Em muitos momentos, estão na contramão, isto é, vão no sentido contrário do que está sendo feito pelo Governo por intermédio do Ministério do Planejamento, como é o caso do Programa Avança Brasil, o qual foi instituído, realizado, operacionalizado, sem que o Ministério, desde sua gênese, dele participasse, sem que pudesse evitar os problemas ambientais dele decorrentes.
Embora não seja da minha vontade, devo fazer parte desse ritual macabro de a cada ano registrar o aumento do número de queimadas em nosso País - e com maior incidência, 93%, na minha região. Quero dizer que, graças a Deus, no meu Estado do Acre, esse índice diminuiu, mas infelizmente, todos os anos, ainda temos de fazer esse ritual macabro de registrar as queimadas. Florestas são queimadas e alternativas não são apresentadas. As autoridades competentes não estão disponibilizando os recursos necessários para inverter essa situação altamente degradante do meio ambiente. Também tendo em vista o lado social e o cultural, podemos dizer que essa é uma prática completamente inadequada aos nossos dias. Com todo o avanço, com toda a tecnologia, continuamos com o mesmo modelo primitivo de desenvolvimento, o qual tanto criticamos.
As pessoas falam de desenvolvimento, de progresso, mas pensam apenas no progresso que apresenta resultado, que apresenta lucro, e não conseguem perceber o progresso numa linha de crescimento em que as práticas pelas quais se chegará ao resultado também sejam modernas e, portanto, de acordo com esse “progresso”. No meu entendimento, há progresso quando a civilização consegue produzir sem desprezar o lado social, o econômico e o cultural, e ainda é capaz de fazer isso com sustentabilidade e técnicas que assegurem às gerações futuras os meios de que dispomos hoje para que também elas possam ter acesso a esses recursos. Quando penso no futuro, não estou pensando apenas no meu filho e no meu neto; estou pensando na humanidade, que precisa ter uma visão sustentável do seu habitat. Se não procedermos dessa forma, estaremos autodestruindo-nos. O homem não pode pensar em si isoladamente do seu processo, da sua espécie, porque, senão, teria a visão de que ele tem um fim em si mesmo e não tem relação alguma com as outras espécies e o seu habitat.
Lamentavelmente, ainda não podemos contar com o suporte dos recursos, dos investimentos e das políticas públicas para lançar mão da técnica já disponível para resolvermos o nefasto problema das queimadas.
Quero concluir repetindo os dados: no mês de julho, houve 6.766 focos de incêndio; em agosto -- nem terminou o mês --, já foram registrados 21.174 focos, dos quais, a maioria está ocorrendo nos Estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins e, em menor quantidade, nos Estados do Acre e Amapá. Coincidentemente, os Governos desses dois Estados estão apostando em outro modelo de desenvolvimento, que não é esse de atear fogo em floresta para praticar a agricultura, a pecuária e assim por diante, mas o de considerar a floresta como a nossa “galinha dos ovos de ouro”.