Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da proposta de emenda à Constituição, de sua autoria, que cria o Fundo Constitucional de Financiamento da Meso-Região, metade sul do Rio Grande do Sul.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Defesa da proposta de emenda à Constituição, de sua autoria, que cria o Fundo Constitucional de Financiamento da Meso-Região, metade sul do Rio Grande do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2003 - Página 25595
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, EXPERIENCIA, MUNICIPIO, PASSO FUNDO (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), INICIATIVA, AUTORIDADE MUNICIPAL, PROMOÇÃO, ATIVIDADE CULTURAL, INCENTIVO, LEITURA, POPULAÇÃO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FUNDO DE INVESTIMENTO, REGIÃO SUL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, RECUPERAÇÃO, INTEGRAÇÃO, REGIÃO.
  • ANALISE, HISTORIA, REGIÃO SUL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OCORRENCIA, DECADENCIA, MOTIVO, CRISE, PECUARIA, PROIBIÇÃO, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, DESENVOLVIMENTO AGRICOLA, ESPECIFICAÇÃO, PERIODO, REGIME MILITAR, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, POLITICA, DEFESA NACIONAL, APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, REDUÇÃO, RELEVANCIA, ECONOMIA, AMBITO ESTADUAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO SUL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REALIZAÇÃO, ACORDO, PAIS ESTRANGEIRO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), EXPECTATIVA, APOIO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSISTA, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente falarei um pouco sobre o meu Estado.

Na semana passada, falei desta tribuna sobre extraordinária realização da cidade de Passo Fundo, que viveu em cima da literatura e dos livros, um exemplo que o mundo inteiro está analisando.

De todo o mundo vêm representações conhecer e admirar o que vale e como é possível, querendo, transformar uma sociedade. O que Passo Fundo está mostrando, pela competência das entidades municipais, sem apoio maior de quem quer que seja - a cidade inteira está aprendendo a ler, conhecer e debater -, é um campo de experiência para o Brasil e todo o mundo.

Lá esteve o Ministro da Cultura, e a informação que tenho é a de que S. Exª ficou boquiaberto. Na oportunidade, S. Exª disse que aquela era uma experiência no setor mais significativa a que havia assistido. Também o Senado lá compareceu e teve uma participação importante e muito elogiada por todos os que lá estavam.

Sr. Presidente, apresentei um projeto de lei que cria a Mesorregião Metade Sul do Rio Grande do Sul, que conta com 98 Municípios, bem como uma proposta de emenda à Constituição que estende a essa mesorregião os meios para o desenvolvimento econômico e social que, hoje, são assegurados pela Constituição às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O objetivo final da PEC é possibilitar a criação do Fundo Constitucional de Financiamento da Mesorregião Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul, propiciando a recuperação e a integração daquele espaço aos cenários nacional e estadual.

É uma matéria já apresentada, já discutida, na Câmara dos Deputados pelo falecido Deputado Nelson Marquezan e hoje pelo Deputado Mendes Ribeiro Filho. Eu, desde o meu primeiro mandato nesta Casa, venho me preocupando com essa matéria, Sr. Presidente.

Já o projeto visa autorizar o Poder Executivo a criar - para efeitos de articulação da ação administrativa da União e do Estado do Rio Grande do Sul - a Mesorregião Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul.

Sr. Presidente, os brasileiros de todos os rincões costumam associar a palavra pampa a todo o Rio Grande do Sul. Para quem conhece o nosso Estado, os intermináveis campos verdes do pampa são o cenário único do extremo sul. Não é verdade. O Rio Grande do Sul tem uma geografia variada, com serras, planalto e um extenso litoral. Mas são os campos verdes intermináveis, só de longe em longe marcados por coxilhas, que estão indissoluvelmente associados à imagem do Rio Grande do Sul.

No inconsciente dos brasileiros, o pampa está também ligado a uma noção de riqueza, de abundância e de fartura. Mas essa é uma falsa imagem, como veremos neste pronunciamento.

Se estabelecermos uma linha imaginária cortando o Rio Grande do Sul ao centro, perceberemos que as extensas planícies verdes - os pampas - ocorrem na metade sul do nosso Estado.

No entanto, aquela não é uma região de fartura e de riqueza. Muito pelo contrário. Na metade sul está concentrada a maioria dos pobres Municípios do nosso Estado.

Eu diria mais: em muitos dos Municípios daquele belíssimo cenário, os indicadores sociais são semelhantes aos registrados nas regiões mais pobres do País. São índices similares aos existentes, por exemplo, nas zonas mais áridas do Nordeste, nas áreas que o imaginário brasileiro associou sempre à pobreza e a dificuldades.

Vou dar aqui apenas um rápido exemplo. Recentemente, matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, sobre os péssimos indicadores sociais da metade sul, informa que no Município mais pobre daquela região, Santana da Boa Vista, a renda familiar per capita era de 0,47 salário mínimo, em 1990, segundo dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Já a média dos Municípios do Nordeste brasileiro era de 0,64 salário mínimo.

Portanto, a renda de Santana da Boa Vista era 1/3 inferior que a dos Municípios pobres do Nordeste.

Mas eu posso acrescentar outro dado impressionante. Nas três cidades localizadas na estreita faixa de terra que separa o continente do mar, São José do Norte, Tavares e Mostardas, a taxa de analfabetismo é da ordem de 26%, enquanto a média do Estado é de 10%. Naqueles três Municípios apenas um quarto das residências conta com água encanada.

Srs. Parlamentares, os primeiros ciclos de riqueza no Sul, o do couro e, posteriormente, o da carne tiveram como cenário o pampa. Foi naqueles campos largos que surgiu a nossa colonização. Os brasileiros que leram O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, conhecem bastante bem aquele processo, magistralmente descrito pelo nosso maior romancista. Os campos, inicialmente, foram distribuídos entre os que lutaram nas guerras com as nações limítrofes. Surgiram, então, as grandes fazendas. Nas imensidões verdes, com fartura de água e de alimentos, prosperou a criação de gado.

No final do século XVIII, surge na cidade de Pelotas, criada por um cearense, a primeira charqueada. Usando método semelhante ao que era usado no Norte para preparar a carne de sol, as charqueadas começam a produzir a carne salgada - também conhecida como charque - que seria vendida para outros Estados. Tem início, então, o ciclo da carne que faria a riqueza do Rio Grande do Sul ao longo do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX.

            A decadência do pampa, porém, começaria nos anos vinte do século passado, a partir do que se convencionou chamar de “crise do charque”. Essa crise acabaria por determinar, nos anos 30, a quebra do Banco Pelotense, um dos maiores do País à época e que reunia a poupança e os investimentos dos pecuaristas do sul do Estado.

Vejamos os números da crise do charque. Em 1920 e 1921, o Rio Grande do Sul exportou, respectivamente, 24 e 32 mil toneladas de carne congelada. Em 1922, esse total caiu para apenas duas toneladas. A exportação de carnes em conserva despencou de 16 mil toneladas, em 1919, para 1,6 tonelada, em 1921. O preço do charque, entre 1919 e 1922, desabou quase 90%. Mais adiante, em função da crise de 1929, no mundo inteiro as exportações de carne congelada sofreriam outro pesado golpe.

Em virtude dessa crise, em 1931, o Banco Pelotense solicitou sua liquidação. Criado em 1906, aquele banco instalou-se nas maiores cidades do Estado, muitas delas na zona fronteiriça, cuja economia estava concentrada na pecuária. A partir de 1912, o banco estendeu suas atividades à zona colonial. Em 1919, expandiu-se para outros Estados, e, desde 1925, passou a ser o banco gaúcho com maior volume em depósitos. Segundo alguns historiadores, o banco também faliu em função de medidas adotadas por Getúlio Vargas, que criou o Bando do Estado do Rio Grande do Sul, em 1928, e transferiu para ele recursos de órgãos estaduais, que estavam antes no Banco Pelotense.

Mas há ainda outro fator importante no declínio da região, sobre o qual pouco se fala, mas que é tão determinante quanto os demais. Desde a época do Império, a zona fronteiriça com Uruguai e Argentina foi motivo de forte preocupação do poder central. Desde os anos 1930, várias leis federais restringiam o estabelecimento de empreendimentos naquela zona, mais especificamente num trecho de cem quilômetros a partir da linha divisória. Surgiu o que se chamava de “Faixa de Fronteira”. Qualquer iniciativa ali teria de ser autorizada pelo poder central. Nunca foi dito claramente, mas a verdade é que essas leis tiveram origem no temor da eclosão de uma guerra com a Argentina. Temia-se que, havendo um conflito armado, grandes indústrias se transformassem em alvos fáceis. Essas leis restritivas foram sendo renovadas, inclusive com a ampliação da área, em 1937, para cento e cinqüenta quilômetros.

Além disso, como herança de um passado de disputas fronteiriças no passado colonial, a zona fronteiriça do Rio Grande do Sul teve sempre - e ainda tem - um número expressivo de guarnições militares, espalhadas por todas as suas cidades. Essa preocupação com uma guerra improvável fez com que, por décadas, a União impedisse, na prática, que a parte Sul se desenvolvesse no mesmo ritmo que outras zonas do Estado.

Até há alguns anos, 50% do exército brasileiro estava concentrado na região fronteiriça entre o Brasil e a Argentina, onde foi proibido ter energia, fábrica, luz e qualquer tipo de atividade produtiva.

O que estou afirmando aqui é que, em função de uma política nacional estratégica errada, de uma política de Estado, a zona fronteiriça do Rio Grande do Sul ficou compulsoriamente de fora da rota de investimentos industriais e agrícolas que conduziram a outra “metade” do Estado, a parte Norte, ao desenvolvimento.

Eu diria que o auge dessa preocupação bélica ocorreu durante o regime militar. Nos anos 60 e 70, no Brasil e na Argentina, vivíamos sob regimes arbitrários de direita, que mantinham mútua desconfiança. Pode parecer folclórico, mas eu tenho que lembrar aqui o fato de a bitola das ferrovias brasileiras ser, deliberadamente, mais estreita do que a Argentina, justamente para evitar a entrada em nosso País de trens carregados com soldados invasores.

A bitola de trens da Argentina é bitola larga; a bitola de trens do Brasil é bitola larga; a bitola de trens no Rio Grande do Sul é bitola estreita, para impedir que, se houvesse uma guerra, as tropas argentinas pudessem entrar no Brasil pelo Rio Grande do Sul.

Também me lembro do caso de um governador de uma província argentina limítrofe que construiu um túnel para se ligar ao Brasil. Pela lei federal argentina, ele não poderia construir uma ponte sobre um rio, solução que seria bem barata. Assim, teve que fazer o túnel, muitas vezes mais caro.

Há também quem considere entre as causas da crise do sul do Rio Grande a estrutura fundiária, porque, em boa parte da metade sul, prevalece o latifúndio. Mas não quero inseri-la neste pronunciamento. Em várias daquelas cidades, predomina o minifúndio.

Em resumo, com o declínio da pecuária, com a quebra do banco pelotense e com a proibição de indústrias nas proximidades da fronteira, a zona do Pampa - e, por extensão, toda a metade sul - foi ficando à margem do processo de desenvolvimento do Rio Grande do Sul, que se deu, principalmente, na parte setentrional do Estado, ao norte de Porto Alegre.

Vou apresentar alguns números dramáticos:

Em 1890, a metade sul contava com 52% dos habitantes do Estado. Em 1991, apenas 25% dos gaúchos residiam na região. Diminuiu pela metade a população da metade sul.

Em 1920, os residentes da metade sul correspondiam a 42% da população economicamente ativa (PEA) do Estado. Em 1980, haviam caído para apenas 24% da PEA.

Em 1930, a metade sul contribuía com 38% do PIB do Estado. Em 1980, sua participação havia caído para 23%.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vim aqui apenas mostrar como e por que essa terra tão rica chegou a situação tão calamitosa. Na verdade, estou aqui nesta tribuna para propor uma solução. Estou apresentando agora proposta de emenda constitucional que tem como objetivo possibilitar a criação do fundo constitucional de financiamento dessa região, com recursos, creio eu, que poderiam propiciar a recuperação e a integração daquela extensa área, fazendo com que ela atinja níveis semelhantes ao que hoje atinge a parte norte do Estado, que ela possa amanhã ser o que ela foi ontem; e ela tem condições, repito, de voltar a sê-lo amanhã.

Pretendo assegurar os recursos para o desenvolvimento econômico e social das zonas de fronteira, a partir da concessão de financiamentos a empreendedores daquela região. O fundo constitucional de financiamento contará com uma fonte permanente de recursos proveniente da arrecadação do Imposto de Renda e outros. Esses recursos serão repassados a instituições financeiras operadoras tais como o Bando do Estado do Rio Grande do Sul e o Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE),

Acredito que estas propostas serão o marco inicial da recuperação dessa extensa área do Rio Grande do Sul. Sempre considerei que o resgate das regiões de fronteiras seria uma tarefa tão gigantesca que não poderia ficar apenas no âmbito administrativo estadual. Esse resgate exige políticas e ações de cunho nacional, uma vez que um dos maiores objetivos da União - por meio do desenvolvimento econômico-social - é a redução das disparidades regionais.

Sr. Presidente, sei que contarei com o apoio da maioria dos Senadores de outros Estados. Sei que essa região é fundamental para o desenvolvimento do Mercosul. O Brasil tem uma grande dívida para com a população da nossa zona de fronteira em especial no Rio Grande do Sul. Foi aquela gente que, com o seu trabalho, com o seu sangue, garantiu no passado as nossas fronteiras. Minhas propostas, julgo, poderão resgatar o débito que temos com aquela brava gente brasileira.

Ora, Sr. Presidente, eu posso lhe dizer: essa região a que me refiro, meu querido Senador Mão Santa, é a mais próspera do Rio Grande e das mais prósperas do Brasil. Essa região, à época que o charque era o grande produto de exportação do Brasil, era muito mais importante que Porto Alegre. Pelotas era uma metrópole. As grandes companhias de dança saíam de Paris, iam ao Rio de Janeiro, a Pelotas, mas não iam a Porto Alegre, e de lá a Buenos Aires. Naquela região, os filhos da elite estudavam na Europa. Na região nordeste do Estado, de onde venho, Caxias do Sul, havia montanhas praticamente sem população.

Por que essas mudanças? Por que essa transformação? Essa transformação foi fruto dessa política. Não sei onde nasceu.

Como Ministro da Agricultura do então Presidente José Sarney e como Governador do Rio Grande do Sul, tive, modéstia à parte, participação muito importante na criação do Mercosul. O Mercosul começou num início de amizade e de diálogo franco entre o Brasil e a Argentina. Até então, Brasil e Argentina, frutos de uma política que, na minha opinião, nasceu no norte, eram tidos como adversários irreversíveis. A tese era a de que, mais dia, menos dia, Brasil e Argentina travariam uma guerra pela supremacia na América do Sul. Por causa disso, metade do Exército brasileiro, durante mais de cem anos, estava na fronteira do Brasil com a Argentina. Aquela região foi proibida de ter energia, de ter indústria, de ter fábrica, de crescer, de se desenvolver porque se dizia que, mais dia, menos dia, haveria guerra e aquela região seria campo de ocupação dos nossos adversários. Essa foi a triste realidade que encontramos. Diga-se de passagem, o mesmo acontecia do lado de lá. A zona norte da Argentina, os Estados que têm fronteira conosco e com o Paraná também são pobres; também são regiões que Buenos Aires não deixou crescer. E eles como nós.

Em todo o Brasil, os trens têm bitola larga; na Argentina, a bitola é larga; no Rio Grande do Sul, a bitola é estreita. A bitola é estreita para quê? Para que na hora da invasão, os argentinos não aproveitassem os trilhos brasileiros para entrar no Brasil. E lá na Argentina, uma determinada região ficou isolada do resto da Argentina por causa de um rio e próxima do Rio Grande do Sul. Então o que eles fizeram? Proibiram aquela região de ter uma ponte; não deixavam construir uma ponte. O Governo não construiu uma ponte. Eles ficavam lá isolados porque o Governo não admitia ponte que pudesse facilitar a entrada dos brasileiros. Então os governadores se reuniram.

Fiquei sabendo de algo interessante: as províncias argentinas têm muito mais autonomia do que os Estados brasileiros. O que fizeram essas províncias? Um túnel por baixo da água para unir essa cidade isolada às regiões que levavam ao Rio Grande do Sul. E por que fizeram um túnel, perguntava eu? A convite dos governadores de lá, fui a uma reunião entre eles e os governadores do sul do Brasil. Andei por aquele túnel e fiquei boquiaberto. Olhei, revi e pensei: por que não uma ponte? Por que esse túnel? E eu ficava com vergonha de perguntar. Talvez dessem uma resposta e eu estaria fazendo uma besteira. Porém, no fim da visita, não me contive e perguntei: “Perdoem-me, mas por que construir um túnel e não uma ponte?” Responderam: “Construímos um túnel porque, pela legislação argentina, as margens do rio são propriedade da União e o fundo do rio é propriedade da província. Como a União não fez a ponte por cima, fizemos o túnel por baixo”. Portanto, na Argentina existia e ainda existe essa posição.

Atualmente, quando falamos em Mercosul e integração, quando queremos responder à Alca, não há dúvida de que a região mais provável de se desenvolver, de crescer e de avançar abrange a Argentina, o Chile, o Paraguai, o Uruguai, o Brasil e, no sul do País, o Rio Grande do Sul. Por essas razões, não podemos abandonar a região. Se não tomarmos uma providência, poderá haver uma explosão de desenvolvimento. Daqui a pouco, haverá uma abertura de mercado, e a Argentina exportará carne, frutas, vinho e trigo para o Brasil, embora tenhamos esses produtos - quando digo nós, refiro-me ao Rio Grande do Sul -, ou seja, exportará praticamente tudo o que brasileiros e argentinos igualmente produzem. Portanto, precisamos preparar o Rio Grande do Sul para ter condições de se adaptar ao desenvolvimento. Não estamos pedindo caridade. As pessoas daquela região estão acostumadas a trabalhar e têm condições para fazê-lo; têm garra e têm vontade. Não queremos uma esmola do Governo Federal para um pedaço do Rio Grande do Sul. Não queremos receber mensalmente uma cesta de alimentos. Não queremos receber nada que seja dado com o intuito de deixar o cidadão parado, sem trabalhar. Queremos que nos sejam dadas condições de trabalho e que haja propostas objetivas e reais no sentido de buscar o desenvolvimento.

Quando fui Governador do Rio Grande do Sul, busquei criar um distrito numa região que reúne o Uruguai, o Brasil e a Argentina. Infelizmente, o projeto não foi adiante.

Assinamos o acordo para construção do gasoduto Brasil-Argentina, que já deveria estar pronto. Entretanto, o Governo resolveu fazer primeiro o gasoduto Brasil-Bolívia, pagando em dólar. E só agora está construindo o gasoduto Brasil-Argentina.

Desenvolvemos atividades tendo em vista a importância de criarmos formas de desenvolvimento para o Brasil, a Argentina e o Uruguai, de modo que possam trabalhar juntos, a fim de que aquela região se desenvolva.

Não estou citando mais um caso dramático de uma região dramática para a qual peço caridade, mas discorrendo sobre um quadro dramático de uma região que está numa situação difícil, mas tem todas as condições de melhorar. Digo mais: está nessa situação porque o Governo Federal nos impôs sacrifícios, nos esmagou. É triste dizer, mas, durante grande parte desse período, o Presidente da República era o Dr. Getúlio Vargas, gaúcho de São Borja, na fronteira com a Argentina. Na década de 30, o Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República, elaborou muitas leis tentando evitar que na luta Brasil/Argentina o Brasil fosse invadido passando pelo Rio Grande do Sul.

Por isso, penso que é preciso fazer esse estudo, essa análise, essa interpretação e oferecer uma fórmula de crescimento, propiciar um esquema de produção de frutas, de legumes e de cereais e aperfeiçoar a criação de gado ou tomar outras providências. Assim, teremos condições de fazer com que essa metade do Rio Grande do Sul humilhada, machucada, chocada, transforme-se numa grande região do nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2003 - Página 25595