Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Presidente Nacional da Autoridade Palestina, Yasser Arafat.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Presidente Nacional da Autoridade Palestina, Yasser Arafat.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2004 - Página 37583
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), EMIGRANTE, ANALISE, CONFLITO, TERRAS, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, ISRAEL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, YASSER ARAFAT, LIDER, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, LUTA, NACIONALISMO, INDEPENDENCIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, PAZ, REGISTRO, BIOGRAFIA, HISTORIA, CONFLITO, ORIENTE MEDIO.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), LOBBY, OPOSIÇÃO, PAZ, ORIENTE MEDIO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, LUTA, TOLERANCIA, ORIENTE MEDIO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Srªs e Srs. Senadores, começo esta minha homenagem ao líder palestino Yasser Arafat lendo um texto publicado na revista da Universidade de Brasília pelo professor Said Nataji Sidki. Em um pequeno trecho desse depoimento, o professor Sidki consegue sintetizar perfeitamente a essência da guerra entre os palestinos e os israelenses. Diz o professor:

Uma abordagem demográfica e territorial mostra claramente a dinâmica do conflito israelense-palestino. A área mede 26 mil quilômetros quadrados, correspondente à de um retângulo de 200 por 130 quilômetros. Ela compreende o Estado de Israel e as terras ocupadas da Cisjordânia, Jerusalém oriental e a Faixa de Gaza, onde a população totaliza dez milhões de pessoas.

Em 1917, a proporção da população judia na Palestina era 8,3% e ela possuía apenas 2,5% das terras. Esse foi o ano da Declaração de Balfour, então primeiro-ministro da Inglaterra, para estabelecer na Palestina um lar nacional para o povo judeu, com o intuito de solucionar o problema da fuga dos judeus perseguidos na Europa oriental para o Ocidente. Foi também o ano da rendição das forças otomanas aos ingleses em Jerusalém.

Não obstante as revoltas da população árabe-palestina contra a entrada maciça dos judeus europeus em seu país, a proporção demográfica alcançou quase 50% em 1947. Diante da iminente retirada dos ingleses da Palestina e dos sérios conflitos sociais daquele ano, a Assembléia Geral da ONU aprovou, em 28 de abril, a Resolução 181, a qual repartia a Palestina em dois estados: 43% da área para os árabes e 57% para os judeus. Hoje, cinqüenta e cinco anos após guerras sucessivas e maquinações internacionais, a parte árabe encolheu para meros 21% da área original, onde vivem atualmente quase quatro milhões de habitantes.

Como se vê, pelo depoimento desse professor - natural da Palestina há mais de 30 anos -, a área destinada aos habitantes palestinos foi reduzida à metade daquela fixada pela ONU. Isso diz muito bem sobre o problema daquela região, que se arrasta, sangrento, há quase sessenta anos, com quatro milhões de palestinos vivendo no exílio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aqui estamos para homenagear Yasser Arafat, considerado o pai do nacionalismo palestino, falecido aos 75 anos, no dia 11 do corrente. Por quase quarenta anos, ele simbolizou a luta do seu povo pela criação de um Estado independente. Eleito presidente da Autoridade Palestina, em 1996, na primeira eleição direta e democrática nos territórios ocupados, Arafat era visto pelo seu povo como um herói e, agora, após o sofrimento e o verdadeiro martírio representado pelo confinamento por três anos em seu quartel general de Ramallah, na Cisjordânia, inscreve seu nome na história com o estatuto de um mártir. Trata-se de caso único, em tempos modernos, o cerco militar efetivado pelo exército de um país contra um presidente eleito democraticamente. Mantido confinado na sede do governo e sem poder se deslocar em seu próprio território, Arafat não esmoreceu e assim teve o privilégio de escolher como sairia da vida para entrar na história, como aconteceu.

Creio que nenhum líder político esteve por tanto tempo nas manchetes de jornais quanto Yasser Arafat. O conflito palestino-israelense é explosivo há décadas, com mortes freqüentes, de lado a lado. Vários dirigentes israelenses e norte-americanos se sucederam nas negociações, sendo a mais recente o fracassado “Mapa do Caminho”. Do lado palestino, porém, tivemos sempre a imagem de um mesmo homem de lenço quadriculado à cabeça: Yasser Arafat.

Arafat esteve sempre à frente das várias facções políticas da Palestina. Era em torno dele que se moldava a unidade possível e, por essa qualidade, mantinha sua liderança. Grande estrategista, sempre soube defender nos foros internacionais com enorme competência os interesses de seu povo sem pátria.

A verdade é que o dirigente palestino soube construir sua imagem pessoal. Cumpria uma agenda diária de 18 horas. Alimentava-se pouco e não bebia. Dormia poucas horas por noite. Dizem que jamais saiu de férias e que não se interessava por lazer. Passou boa parte de sua vida escondido, cercado por guarda-costas. Escapou de dezenas de tentativas de assassinato e saiu ileso e caminhando dos destroços de um avião que caiu no deserto. No acidente, morreram vários colaboradores seus. Casou-se aos 62 anos e teve uma filha que hoje está com 9 anos. Mas conviveu muito pouco com a família. Seu casamento era com a Revolução Palestina.

Os esforços pela paz renderam o Prêmio Nobel da Paz, em 1994, a Yasser Arafat e aos governantes israelenses Yitzak Rabin e Shimon Peres. Naquele momento, o mundo percebeu que havia a perspectiva real de uma reconciliação. Os três haviam assinado, em setembro de 1993, uma declaração de princípios que previa o reconhecimento mútuo e a autonomia da Autoridade Palestina sobre áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controladas desde 1967 por Israel.

Sr. Presidente, Srs. Embaixadores, meus colegas, há duas versões sobre o local de nascimento de Mohammed Abdel Rahman Al Qudwa Al Husseini (esse era o seu nome original). Ele próprio dizia ter sido em Jerusalém. Mas parece que ele nasceu mesmo no Cairo, em 1929. Foi um dos sete filhos de um comerciante de tecidos de origem palestina e de uma palestina nascida em Jerusalém. Órfão de mãe aos 5 anos, foi viver com um tio.

Em 1948, quando estudava Engenharia Civil na Universidade do Cairo, Arafat deslocou-se para a zona em conflito a fim de lutar com os israelenses, mas foi impedido pelos soldados egípcios. Quando o Estado judeu assumiu mais da metade das terras destinadas aos árabes, Arafat pensou em emigrar para os Estados Unidos. Chegou a solicitar matrícula na Universidade do Texas. Mas acabou ingressando na militância estudantil, assumindo a Presidência da União dos Estudantes Palestinos entre 1952 e 1956.

Forma-se em 1956. Muda-se a seguir para o Kuait. Em 1958, ocorre a criação do Fatah, organização clandestina que se propunha a expulsar os judeus das terras ancestralmente árabes. Seis anos depois, Arafat deixa o Kuait e estabelece residência na Jordânia. Passa a fazer política em tempo integral.

Em 1956, quando Nasser nacionaliza o Canal de Suez, França e Grã-Bretanha unem-se a Israel e invadem a Península do Sinai. Tenente em um batalhão de engenharia do exército do Egito, Arafat luta contra os israelenses. Com apoio dos Estados Unidos e da União soviética, a ONU intervém com uma força de paz. O líder palestino passa o restante de seu serviço militar limpando campos minados e desativando granadas não acionadas.

Após o conflito, Arafat trabalha no Kuait. Em menos de três anos, passa de empregado a empreiteiro, mas prossegue com sua militância e ajuda a formar o Fatah (Movimento pela Libertação da Palestina), que rapidamente ganha prestígio e passa a dominar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que agrega os diversos grupos de resistência a Israel.

Respaldado, Arafat foi o primeiro dirigente de um não-Estado a falar durante uma Assembléia Geral da ONU.

Em 1982, combatentes palestinos deixam a área de guerra no Líbano e seguem para a Tunísia. Aproveitando-se disso e sob a proteção israelense, milicianos maronitas invadem os campos de refugiados de Sabra e Chatila. Massacram milhares de palestinos, na maioria, mulheres e crianças. Sharon, hoje primeiro-ministro de Israel, foi responsabilizado pela chacina.

Em 1987, explode um levante espontâneo nos territórios ocupados. Era a Primeira Intifada, palavra árabe que significa “sacudir”. Milhares de jovens armados com pedras enfrentam soldados e tanques de Israel. Arafat, embora criticado pelos extremistas palestinos, consegue controlar a revolta. Em 15 de novembro de 1988, ele proclama o Estado palestino. O ato foi seguido pela declaração de aceitação da Resolução nº 242 do Conselho de Segurança da ONU, que garante a existência de Israel. Yasser Arafat também assume o compromisso de rejeitar toda e qualquer forma de terrorismo.

O assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzak Rabin por um extremista judeu e a eleição de Benjamim Netanyahu, político de extrema direita, em 1996, revertem à situação de guerra aberta. O primeiro-ministro israelense ignora os acordos de paz assinados e implanta novos assentamentos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Enfraquecido, Arafat não consegue controlar novos grupos extremistas, como o Hamas.

Em 2000, o novo primeiro-ministro, Ehud Barak, do Partido Trabalhista, faz uma proposta para a formação de um Estado palestino, que inclui a transferência de soberania de 95% dos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. A capital do novo país seria instalada na cidade velha de Jerusalém (apenas o Muro das Lamentações ficaria sob controle de Israel). Nesse momento ocorre o que os especialistas em relações internacionais consideram o grande erro tático de Yasser Arafat. Ele recusou a proposta porque ela não contemplava a volta de 3,5 milhões de refugiados palestinos ao território israelense (Barak aceitava apenas 1,5 milhão e queria indenizar as famílias restantes com US$200 mil) e por não abranger a totalidade das áreas ocupadas. Argumentam os seus críticos que essa talvez tenha sido a grande oportunidade que poderia ter mudado o destino da luta naquele continente.

Nesse momento, quando se vislumbrava no horizonte uma possibilidade de paz, Ariel Sharon, acompanhado por centenas de soldados israelenses, provoca os palestinos com uma visita à Esplanada das Mesquitas, lugar sagrado para os árabes. Jovens apedrejam a comitiva e alguns são mortos na represália. Em conseqüência, eclode a Segunda Intifada, agora militarizada e baseada no terrorismo. Está criado o quadro favorável para a movimentação dos extremismos de ambos os lados.

O sentimento de insegurança produz a vitória de Ariel Sharon, eleito primeiro-ministro em 2001. A política implantada por ele é a mais brutal de todo o histórico de violência da região. Tanto é assim que muitos oficiais do exército israelense se recusam a lutar. Sharon instala novos assentamentos na Cisjordânia, destrói campos de refugiados, força o deslocamento de populações palestinas e inicia a construção de um muro para separar palestinos de judeus.

Em abril de 2002, o quartel-general da Autoridade Palestina foi cercado e bombardeado pelos israelenses. Arafat começou a morrer ali. Passou a viver confinado, em péssimas condições sanitárias - em dois cômodos escuros, sem nenhum conforto - e com pouca assistência médica. O Governo de Israel anuncia que Arafat pode deixar o território mas nunca poderá voltar à sua terra. Arafat prefere a prisão sem grades da Palestina e dali só saiu para morrer em Paris.

Seu corpo foi enterrado na Muqata, o quartel onde esteve confinado nos últimos anos de sua vida.

Só nos resta, agora, esperar que o povo palestino saiba eleger um sucessor à altura de Arafat, um homem que consiga concretizar o sonho de tantas décadas: um Estado autônomo para os milhões de palestinos hoje espalhados pelo mundo.

Quero destacar ainda que erra quem observa o conflito entre palestinos e israelenses com olhos maniqueístas. Não estamos seguramente diante de um faroeste entre mocinhos e bandidos, visão que caracteriza a política externa norte-americana atual. Há interesses poderosos - muitos localizados longe da zona de guerra - que impedem a convivência pacífica na região. Mas, em meio ao extremismo, sobrevivem setores democráticos capazes de construir a paz. Infelizmente, esses movimentos recebem pouca atenção da mídia, como acontece com o movimento pacifista israelense, que mobiliza inclusive militares. Na verdade, parece não interessar à grande potência mundial a construção de projetos democráticos no mundo árabe, apesar da retórica nesse sentido da Casa Branca.

Senhoras e senhores, não devo encerrar sem antes prestar, também, uma homenagem ao intelectual palestino Edward Said, professor de literatura e história da Universidade de Colúmbia, morto no ano passado. Defensor da causa palestina, de perfil democrático, defendia os anseios de seu povo por uma pátria Palestina, mas ao mesmo tempo defendia esse mesmo direito para os judeus. Condenava o terrorismo desesperado dos extremistas palestinos, mas também dizia que o terrorismo dos fortes, praticado pelo Estado de Israel, era mais indigno e cruel. A já mencionada indiferença da opinião pública mundial diante da violação dos direitos humanos dos palestinos entristecia e indignava Said.

Tamanha era a sua vontade de ver cessar o sofrimento de seu povo e estabelecida a paz entre árabes e palestinos, que chegou a idealizar uma fórmula de convivência democrática entre os dois povos, sob autoridade e administração de um mesmo estado-conjunto.

Uma idéia para o futuro, romântica talvez, e para além do ódio.

Assim era Edward Said, um militante da causa da Palestina e da humanidade.

Encerro a minha homenagem ao palestino Yasser Arafat, um homem, um gigante, com seus grandes acertos e seus possíveis erros.

Um símbolo de uma Era. Um homem que representa o ideal de um povo.

Creio que é difícil encontrar alguém que, como ele, represente uma causa, alguém que dedicou a sua vida, o seu coração, o seu sentimento e a sua luta a uma bandeira, a qual devemos respeitar. Israelenses, árabes, brasileiros, seja qual for o país a que pertencemos, seja qual for a nossa religião, seja qual for o nosso sentimento, temos que reconhecer a importância de um homem que se dedica a vida inteira, esquecendo da família, de si de tudo o mais, à luta de um povo; um homem que representa em si, durante 40 anos, esse povo, por ele vive e por ele morre. Não há dúvida de que se trata de uma representação fantástica de grandeza, de grandiosidade, uma representação que Deus respeita e que nós amamos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2004 - Página 37583