Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Sugestões para o enfrentamento da violência no País, destacando a importância da adoção de uma cultura preventiva da criminalidade, com a aplicação de penas alternativas, diante do colapso do sistema prisional e do recrudescimento da sensação de impunidade. O aprofundamento da aguda crise em que se encontram as diversas instâncias públicas em que se aplica o Direito Penal no país.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Sugestões para o enfrentamento da violência no País, destacando a importância da adoção de uma cultura preventiva da criminalidade, com a aplicação de penas alternativas, diante do colapso do sistema prisional e do recrudescimento da sensação de impunidade. O aprofundamento da aguda crise em que se encontram as diversas instâncias públicas em que se aplica o Direito Penal no país.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2010 - Página 48226
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • DESCRIÇÃO, HISTORIA, VIOLENCIA, CIVILIZAÇÃO, COMENTARIO, NOTICIARIO, COMPROVAÇÃO, FALENCIA, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, DESRESPEITO, DIREITOS, CIDADÃO, PRECARIEDADE, PRESIDIO, SUPERIORIDADE, NUMERO, DETENTO, IMPORTANCIA, EVOLUÇÃO, MODELO, REPRESSÃO, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, REGISTRO, PESQUISA, GRUPO, VINCULAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), CONFIRMAÇÃO, EFICACIA, APLICAÇÃO, ALTERNATIVA, PENA, REDUÇÃO, REINCIDENCIA, CRIME.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, INCENTIVO, JUIZ, APLICAÇÃO, ALTERNATIVA, PENA.
  • REGISTRO, OPINIÃO, ESPECIALISTA, MOTIVO, ENTENDIMENTO, POPULAÇÃO, EXISTENCIA, IMPUNIDADE, BRASIL, EFEITO, DEMORA, JUDICIARIO, JULGAMENTO, PROCESSO, RECURSOS, INSUFICIENCIA, CAPACIDADE, ATENDIMENTO, DEMANDA, AUSENCIA, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, INFLUENCIA, PODER ECONOMICO, NECESSIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO, JUSTIÇA, EXCLUSIVIDADE, APRECIAÇÃO, INFERIORIDADE, DELITO, IMPORTANCIA, APROXIMAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, INCENTIVO, EXERCICIO, CIDADANIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a evolução da vida social nas últimas décadas - não apenas no Brasil, mas em todo o mundo - coloca diante de nós uma série de desafios relacionados, diretamente, à complexidade crescente das demandas sociais e de suas respectivas soluções.

            Um desses desafios, para muitos o principal deles, diz respeito à violência urbana, aos crimes hediondos, aos delitos praticados por motivo fútil, aos crimes contra o patrimônio público e o privado - em suma, trata-se do desafio de, por um lado, buscar as causas das diversas formas de violência e atacá-las e, de outro, coibir os sintomas do mal em suas variadas manifestações. O tema é extremamente complexo e exige ações de longo prazo, cujos resultados levam, infelizmente, gerações para se consolidar.

            Algumas questões podem ser levantadas, pelo menos como provocação para um debate que tarda, mas que não pode faltar, para que venham à luz formas de combater, pelo menos, os sintomas: estamos, no Brasil de hoje, trilhando um caminho bem-sucedido no combate à criminalidade? Os métodos que empregamos estão surtindo o efeito desejado?

            As reiteradas sentenças condenatórias de privação de liberdade; a ainda tímida aplicação das penas alternativas; a longeva crise do sistema carcerário; os milhares de mandados de prisão por cumprir. Não seriam esses fatores em parte responsáveis pelo fato de que o Estado não vem dando uma resposta penal adequada às práticas criminosas na sociedade?

            Tudo isso não cristalizaria, no seio da sociedade, a profunda sensação de impunidade, que por sua vez estimula a criminalidade, num círculo vicioso interminável?

            Antes de buscar possíveis respostas a esses questionamentos, abro um parêntese para admitir que a questão da violência não é, evidentemente, um mal exclusivo dos nossos tempos.

            Ao longo da história da Humanidade, a prática de atos de violência, que em determinado estágio da evolução social passaram a ser tipificados como crimes, tem sido uma constante. A repressão a esses delitos também tem sua história particular, com resultados os mais variados.

            Nos primórdios da civilização, vigia a lei do mais forte: quem ostentava maior poder não estava adstrito a limites para execução da reprimenda, podendo, inclusive, matar o infrator, escravizá-lo, bani-lo e até estender à prole do punido as consequências da sanção. Era o período da vingança privada.

            A famosa lei de talião, surgida 18 séculos antes de Cristo e expressa pela máxima “olho por olho, dente por dente”, no Código de Hamurabi, marcou, de certa forma, uma evolução em relação à lei do mais forte.

            Daí em diante - e, aqui, para fins de concisão, englobo séculos de história em algumas poucas palavras - as penas foram baseadas em vingança divina, em vingança coletiva, em vingança por determinação real, até o advento dos princípios humanitários e antiabsolutistas em fins do século XVIII.

            Baseados, principalmente, nos estudos de Cesare Beccaria, os princípios do moderno direito penal foram adotados pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa, de 1789. Com essa Declaração, o exercício arbitrário do poder é substituído por governos constitucionais liberais, tornando o princípio da legalidade o norteador do poder.

            Com o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, o direito europeu ganhou status de universalidade. Uma série de instrumentos jurídicos internacionais - entre eles o Pacto de 1966, a Convenção Européia de Salvaguarda de Direitos e Liberdades Fundamentais de 1950 e, em 1969, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos - reforça o processo de universalização dos direitos do homem que tem lugar na segunda metade do século passado.

            Alcançamos, portanto, um estágio em que o sistema penal é o recurso final para a solução de conflitos, depois de utilizadas outras políticas públicas preventivas ou sancionadoras da infração. A tendência mais moderna em relação a esse sistema penal é a migração de um sistema de repressão para um sistema de humanização.

            De fato, basta abrir os jornais para constatar a absoluta falência do sistema penal de viés repressor. Em seu lugar, vêm ganhando destaque as vozes daqueles que defendem penas alternativas, as quais estão, sem dúvida, entre as melhores opções de valorização da dignidade da pessoa humana - um dos fundamentos da República, por força do art. 1o da Constituição Federal.

            A visível desarmonia entre as conquistas na área dos direitos humanos e o cotidiano das cadeias e presídios dá conta da falência de nosso sistema penitenciário. A capacidade correcional dessas instituições, nos padrões atuais, revela-se fatalmente limitada, para não dizer coisa pior. Na maior parte dos casos, trata-se de verdadeiras universidades do crime, de que se obtém o efeito oposto ao pretendido: não raras vezes, o sistema penitenciário devolve ao seio social um indivíduo ainda mais perigoso e revoltado do que aquele que recebeu.

            É preciso alterar esse quadro, evidentemente, e acredito que um dos caminhos é justamente a aposta na mudança de uma cultura repressiva para uma cultura preventiva da criminalidade - e, nesse ponto, as penas alternativas ocupam posição primordial.

            A execução da pena alternativa apresenta, entre suas vantagens, a capacidade efetiva de reintegração. A simples ausência de contato com o ambiente prisional já é um excelente começo para a reinserção social, por exemplo, de um condenado por crime leve, que não tenha envolvido algum tipo de violência ou agressão.

            Penalidades como a perda de bens e valores, a prestação pecuniária, a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana, em conformidade com o disposto no art. 43 do Código Penal, têm se revelado muito mais eficientes e bem menos estigmatizantes do que a pura e simples privação da liberdade.

            Há que se registrar, portanto, como um importante avanço, a reforma do Código Penal levada a cabo pela Lei no 7.209, de 12 de julho de 1984, que adotou, a exemplo de outros países, essas modalidades de penas, chamadas de alternativas, que posteriormente foram aperfeiçoadas pela Lei no 9.714, de 25 de novembro de 1998.

            O grande mérito das penas alternativas é dar ao condenado a oportunidade de exercer ocupação lícita, de tentar retomar a vida em bases saudáveis, ao mesmo tempo em que paga sua dívida com a sociedade de maneira útil, cidadã e agregadora, e ainda por cima evitando o contato com as mais diversas classes de criminosos nas celas dos presídios.

            É claro que não se podem aplicar penas alternativas para a punição de determinado tipo de crime. Não podemos condenar um assassino qualificado a pintar calçadas, por exemplo. A intenção dessa modalidade penal é a de resguardar a capacidade de reintegração social daquele que pouco ou nenhum perigo oferece à sociedade.

            Tanto é assim que, para impor pena alternativa, o juiz precisa ver preenchidas pelo condenado as condições objetivas e subjetivas previstas no artigo 44 do Código Penal: a correspondente pena privativa de liberdade não pode superar quatro anos nos casos em que o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; em caso de crimes dolosos, o réu não pode ser reincidente; e o juiz precisa levar em conta, subjetivamente, critérios como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado.

            Já existem estudos que demonstram que delinquentes apenados com sanções restritivas de direitos apresentaram percentagem menor de reincidência, se comparados a criminosos punidos com a pena de reclusão. Segundo pesquisa realizada no início de 2010 pelo Grupo Candango de Criminologia, vinculado à Universidade de Brasília, o grau de reincidência entre os condenados a penas alternativas foi praticamente a metade (24,2%) da que se verificou entre os condenados a penas carcerárias (53,1%).

            A aplicação mais intensa de penas alternativas teria, ainda, o benefício de diminuir o déficit de vagas no sistema penitenciário, ajudando assim a combater o problema da superlotação das cadeias, presídios e núcleos de custódia. No Brasil, cerca de 420 mil presos ocupam menos de 295 mil vagas, distribuídas por 1.700 penitenciárias e cadeias públicas. Nessa conta não estão incluídas as 56 mil pessoas que estão detidas em delegacias de polícia.

            As péssimas condições de vida dentro dos centros prisionais brasileiros são um dos elos de um círculo vicioso cuja solução é extremamente complexa, mas passa, necessariamente, pelo desafogamento do sistema prisional.

            A principal função das cadeias - reabilitar os presos e retorná-los à sociedade como membros produtivos e integrados ao convívio social - jamais poderá ser exercida em locais como os presídios brasileiros. Alguns exemplos são típicos dessa realidade absolutamente assombrosa.

            Artigo do jornal O Estado de São Paulo, de 6 de junho de 2009, noticia a inspeção realizada em fins de maio daquele mesmo ano, pelo Conselho Nacional de Justiça em 10 presídios da região metropolitana de Vitória.

            A equipe do CNJ já havia fiscalizado presídios em Rondônia, Tocantins, Pará, Amazonas, Maranhão, Piauí, Alagoas e Rio de Janeiro. Em todos eles, o quadro encontrado não havia sido muito diferente do que testemunharam nas prisões capixabas. No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha, por exemplo, os inspetores encontraram 256 presos ocupando uma cela cuja capacidade ideal seria de apenas 36 pessoas. Na cela, só havia um banheiro, e os presos tinham de ficar deitados em redes superpostas, pois não há espaço físico para comportá-los todos em pé.

            Na Grande Vitória, na Casa de Custódia de Viana, os juízes do CNJ contaram 1.254 presos vivendo em pavilhões sem condições mínimas de salubridade, sem divisões internas e sem separação por tipo de delito. Drogas, telefones celulares e até mesmo armas circulavam livremente. Insetos, restos orgânicos e lixo completavam o quadro dantesco.

            Ali vigora a lei do mais forte - um salto, portanto, para o mais remoto dos passados. Os agentes carcerários simplesmente não têm coragem de entrar nos pavilhões, nem mesmo para levar comida para os presos. Os inspetores do CNJ não foram autorizados a entrar nestes pavilhões, pois a própria Polícia Militar capixaba reconheceu que não tinha condições de garantir a integridade física dos visitantes.

            Em uma instituição para jovens infratores em Cariacica, terceira maior cidade do Espírito Santo, os juízes do CNJ descobriram que, para evitar o flagrante de superlotação, as autoridades carcerárias sedaram 121 adolescentes na véspera da inspeção e os transferiram às pressas para outro lugar.

            A situação no Espírito Santo não é uma exceção; ela antes reflete um problema que é nacional e que vem se agravando, assustadoramente, nos últimos anos. A equipe do CNJ não encontraria situação diferente - e o noticiário aí está para comprovar - se visitasse qualquer outro Estado.

            De acordo com o último censo penitenciário, o número de presos em regime fechado cresceu 13,05% entre 2003 e 2007.

            Ao déficit de vagas no sistema penitenciário, que atualmente está na casa dos 125 mil, somam-se a problemas como o dos mandados de prisão não cumpridos, que atualmente chegam a 150 mil.

            Fato é que, diante dos problemas causados pelo colapso do sistema prisional, alguns magistrados já estão se recusando a mandar para a prisão até o preso em flagrante.

            Em Porto Alegre, cuja população carcerária é de 28 mil condenados para apenas 16.500 vagas, os juízes criminais adotaram, recentemente, um sistema de rodízio: na região metropolitana, os 400 detentos do regime semiaberto na região metropolitana passaram a dormir um dia em casa e um dia na cadeia, em turnos alternados.

            Mais uma vez, se coloca a questão das penas alternativas, pois é evidente que a solução para o problema do déficit de vagas do sistema prisional não reside apenas da construção de novas penitenciárias.

            Pelas estimativas do Ministério da Justiça e de entidades como a Fundação Getúlio Vargas, 134 mil presos poderiam estar cumprindo pena em liberdade. É, portanto, um número relativamente próximo ao déficit de vagas no sistema penitenciário.

            Ainda segundo o Ministério da Justiça, mais de 670 mil pessoas cumpriram penas alternativas no País em 2009. Esse número representa um aumento de 20% em relação à quantidade de pessoas que cumpriram esse tipo de medida em 2008, que foi de cerca de 560 mil condenados. Em outras palavras, mais de 1,2 milhão de condenados cumpriram penas alternativas em, apenas, dois anos em nosso país. Para efeitos de comparação, em 1995, ano em que se iniciou a aplicação das penas alternativas no Brasil, apenas 80 mil pessoas foram submetidas a esse tipo de medida.

            O Conselho Nacional de Justiça tem sido uma instância fundamental na defesa das penas alternativas e no estímulo à sua aplicação pelos juízes do País. Em janeiro de 2010, foi publicada a Resolução no 101, do CNJ, por meio da qual o Conselho definiu política institucional do Judiciário na execução de penas alternativas à prisão. A resolução prevê, entre outras medidas, a criação de varas especializadas, de centrais de acompanhamento e de núcleos de monitoramento vinculados aos juízos competentes para a execução das penas. Em maio, o CNJ reforçou sua posição de apoio às penas alternativas com uma campanha de conscientização veiculada nos principais meios de comunicação.

            Em resumo, a reengenharia do próprio sistema e a aplicação mais racional e, por que não, mais humana, de institutos como as penas alternativas, são capazes de, por si sós, aliviar significativamente os problemas de superlotação dos presídios brasileiros, sem a necessidade de construção de novas unidades prisionais.

            Do ponto de vista da população, além da já mencionada questão da violência em si, é preocupante, em nosso País, o recrudescimento de uma eterna sensação de impunidade.

            Entramos, aqui, em uma nova seara: a lentidão de nosso sistema judiciário.

            Numerosos estudiosos do assunto, como o professor de Direito Penal da PUC do Rio Grande do Sul, Marcelo Peruchin, defendem que a maior contribuição para a existência, o aumento e a perpetuação da impunidade é a lentidão do sistema penal. A morosidade nos julgamentos dos processos e de seus recursos injeta, no âmago da sociedade, a sensação de que a punição chegará tarde, ou nunca, para o criminoso.

            Essa é também a opinião do professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Theo Dias, que afirma: “Fundamentalmente, o problema no Brasil é o próprio sistema de justiça, ou seja, a forma como as leis são aplicadas. Se ocorrem melhorias importantes no âmbito legislativo e elas não forem adequadamente cumpridas e rapidamente empregadas, geram desconfiança nas instituições judiciais”.

            O mesmo professor acrescenta que, no Brasil, existe uma grande quantidade de demandas que não são absorvidas pelo sistema de justiça, tanto na área penal como na área cível. A partir do momento que o sistema não dá conta dessas demandas, gera-se na população um sentimento de desilusão.

            Tal comportamento é acentuado nos crimes do “colarinho branco”, ou nos crimes em que o réu detém amplos poderes políticos ou econômicos. Para este, não se discute qualquer problema de superlotação de presídios ou, até mesmo, de penas alternativas: a ele, simplesmente, não é atribuída qualquer pena. O que, evidentemente, não resolve o problema. Ao contrário: torna mais agudo, no seio da população brasileira, o sentimento de impunidade.

            É triste constatar que, qualquer que seja a discussão que estejamos travando hoje sobre este tema, ela se circunscreve às camadas mais pobres da população. O rico conhece a justiça, e ela lhe é benevolente. O pobre conhece a polícia, e ela lhe é draconiana. A sensação de impunidade é ainda maior quando se analisam informações sobre a parte superior da pirâmide social.

            Para especialistas, uma das alternativas para diminuir a lentidão dos processos seria ampliar a criação de centros de justiça, instâncias descentralizadas que podem resolver pequenas pendências como furtos e outras transgressões menores.

            A atuação desses centros no Brasil ainda é, infelizmente, embrionária. Além de desafogar os tribunais, os centros de justiça teriam ainda o mérito de aproximar a justiça das comunidades mais carentes, e isso, certamente, diminuiria a sensação de impunidade e estimularia o senso de cidadania entre a população.

            Diante deste quadro, resta concluir que o modus operandi adotado pelo Estado brasileiro - a ênfase nas sentenças condenatórias de privação de liberdade, a timidez na aplicação de penas alternativas, a incapacidade de solucionar a superlotação carcerária, um sistema penal judiciário moroso e distante da população - não contribui para a solução dos problemas do sistema penal. Ao contrário. A insistência nesse modelo aprofunda, a cada dia, a aguda crise em que se encontram as diversas instâncias públicas em que se aplica o Direito Penal.

            Os principais reflexos dessa irracionalidade burocrática, infelizmente, estão longe de serem, eles também, burocráticos.

            A sensação disseminada de impunidade não só fomenta o crime, mas também cria insatisfação social e descrença nas instituições.

            Celas superlotadas colocam em cheque a própria finalidade do sistema penitenciário. No Brasil de hoje, colocar alguém na cadeia é matricular na universidade do crime um indivíduo que, em muitos casos, teria todas as condições de se reinserir socialmente, caso fosse condenado a uma pena alternativa. Vale lembrar, ainda, que a situação deplorável de nossas cadeias e presídios é uma afronta aos mais básicos direitos humanos declarados em vários tratados dos quais o Brasil é signatário.

            É verdade que a solução para um problema complexo como o da violência não pode ser simples. Porém, parte dessa solução já parece delineada, e passa necessariamente pelo enfrentamento dos temas aqui mencionados. Várias das soluções sugeridas são de pronta aplicação, e seus efeitos serão imediatos e duradouros. Falta reunir a vontade política para encarar essa questão efetivamente universal, que afeta a todos, aí independentemente de qualquer distinção social ou econômica.

            Era o que eu tinha a dizer.


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