Discurso durante a 172ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque para a necessidade do estabelecimento de uma política de combate à corrupção, executada através de órgãos desvinculados das pressões e influências partidárias e governamentais.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Destaque para a necessidade do estabelecimento de uma política de combate à corrupção, executada através de órgãos desvinculados das pressões e influências partidárias e governamentais.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/2010 - Página 48521
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, COMENTARIO, HISTORIA, EXPERIENCIA, CRISE, NATUREZA POLITICA, CRITICA, IMPUNIDADE, APROPRIAÇÃO, PATRIMONIO PUBLICO, QUESTIONAMENTO, LEGITIMIDADE, RESULTADO, ELEIÇÕES, REFERENCIA, VOTO PROPORCIONAL, DEPUTADO FEDERAL, NECESSIDADE, REVISÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, CONSOLIDAÇÃO, DIRETRIZ, PARTIDO POLITICO, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, DISPUTA, DEFESA, ETICA, MORAL, POLITICA, COBRANÇA, COMPROMISSO, CANDIDATO ELEITO, CUMPRIMENTO, PROMESSA, REPUDIO, ATO ILICITO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, EFEITO, INFLUENCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE PARTICULAR, GRUPO, CIDADÃO, PREJUIZO, SOCIEDADE, REGISTRO, FRUSTRAÇÃO, ELEITOR, CONFIRMAÇÃO, SUPERIORIDADE, ABSTENÇÃO.
  • LEITURA, DECRETO FEDERAL, ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO, ANTERIORIDADE, CRIAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, INVESTIGAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, HIPOTESE, SUSPEIÇÃO, CORRUPÇÃO, INFLUENCIA, SUGESTÃO, ORADOR, COMENTARIO, MATERIA, COMBATE, REINCIDENCIA, ATO ILICITO, CRITICA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXTINÇÃO, COMISSÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as reiteradas crises pelas quais o Brasil vem passando, quase sempre marcadas pelo mais absoluto desrespeito aos padrões universalmente aceitos de moral, ética, probidade e cidadania, obrigam-nos a refletir sobre as razões profundas que levam uma Nação como a nossa, com tantas e tão reconhecidas potencialidades, a patinar sobre o piso escorregadio da enganosa esperteza, incapacitando-se para construir futuro previsivelmente grandioso?

            O que explica, ao longo da nossa história, esse permanente estado de instabilidade política e de perplexidade geral, gerado no mais das vezes pela malversação dos recursos públicos e pelas mais afrontosas práticas de corrupção?

            Ainda que desvios de conduta existam, mesmo que atitudes imperdoáveis sejam praticadas, é ingenuidade supor que a responsabilidade sobre essas crises possa recair, individualmente, sobre determinados ombros. É claro que tais pessoas erraram e erram, carecendo, pois, de pagar por seus erros. Não se pode admitir a impunidade, quaisquer que sejam as circunstâncias. Contudo, tem de haver algo mais amplo, estruturante, que gere as condições propícias a esses comportamentos lesivos ao País.

            Há quem advogue a tese de que os nossos maiores vícios de conduta seriam explicados pela nossa origem histórica, que se apresentam na elevada carga tributária, na extensão dos subsídios governamentais, na imoral confusão entre as esferas pública e privada, na ineficiência da burocracia. Há historiadores de peso que defendem essa tese e utilizam-se dessa concepção, chamada de “patrimonialismo”, para a elaboração de sua análise acerca da trajetória histórica brasileira.

            Penso, todavia, que se deve agir com redobrada prudência quando se trata de justificar mazelas atuais, pelo passado histórico colonial. Quando nada pela singela razão de que, daqui a pouco mais de uma década, estaremos celebrando o bicentenário da Independência do Brasil. Convenhamos: um espaço de duzentos anos é tempo mais que suficiente para que um Estado Nacional se livre das deformações surgidas na distante fase colonial! Depois de tanto tempo decorrido, se não logramos nos desfazer de tão pesado fardo, certamente que a culpa não pode ser debitada à metrópole colonizadora.

            Não há dúvida de que continuamos a insistir no execrável comportamento de promover a deliberada confusão entre público e privado, de modo a apropriar-se privadamente daquilo que é coletivo. Esse conluio, em tudo e por tudo imoral, espezinha a concepção de cidadania e abastarda o conceito de democracia. Contudo, outros elementos podem e devem ser agregados a essa tão arraigada prática entre nós, a começar pela própria concepção de cultura política que nos envolve e nos caracteriza.

            Estou convencido de que tão somente o patrimonialismo, por mais convincente que possa se mostrar, não consegue explicar, isoladamente, a complexidade da experiência histórica brasileira. Creio que, se quisermos entender a fragilidade de nossas instituições, a recorrência das crises que nos assolam e as sempre presentes situações que comprometem a consolidação da democracia no Brasil, devemos voltar nossa atenção para o déficit de cultura democrática que, infelizmente, nos acompanha ao longo do tempo.

            Durante a maior parte de nossa História, a exclusão foi a marca dos processos políticos com os quais convivemos. Tudo começou nos mais de três séculos de colonização, submetidos aos rigores do Absolutismo europeu da Idade Moderna. Ora, por definição, regime absolutista é aquele em que, no lugar de cidadãos, existem súditos.

            A Independência não conseguiu alterar substantivamente o cenário herdado da Colônia. Afora alguns avanços, quase sempre formais, na prática o que se viu foi montagem de um Estado à imagem e semelhança das elites, sobretudo agrárias. A existência do Poder Legislativo, as eleições periódicas e o próprio regime parlamentarista introduzido em 1847 não asseguravam a participação do conjunto da sociedade na vida política nacional.

            Em sequência, tivemos a “República que não foi”, ou seja, a implantação de um novo regime político que era a própria contradição em termos, a frontal negação do significado de República. Em seus primeiros anos, por mais inacreditável que possa parecer, o regime republicano diminuiu o número de cidadãos brasileiros aptos a votar, se comparado com o contingente de eleitores da década de 1880, em pleno Império!

            A Primeira República, que os vitoriosos de 1930 trataram de desdenhar como “República Velha”, jamais conheceu partidos políticos de dimensão nacional, ao tempo em que abundava a fraude eleitoral. Não nos esqueçamos, também, que a República liberal, entre 1946 e 1964, conviveu com a exclusão dos analfabetos ao direito de voto e com a prática generalizada do chamado “voto de cabresto”.

            Por fim, há que se recordar que regimes ostensivamente autoritários persistiram no Brasil por quase um terço do século XX. Reporto-me, nesse caso, ao Estado Novo de Vargas, que vigorou entre 1937 e 1945, e o regime militar instaurado com o golpe que depôs o Presidente João Goulart, em 1964, extinto apenas em 1985, com a eleição do Dr. Tancredo Neves.

            Em outras palavras, o Estado Democrático de Direito não tem mais que duas décadas no Brasil. Ele só existe entre nós, rigorosamente, a partir da promulgação da Carta de 1988, a “Constituição Cidadã”, como bem a definiu o Dr. Ulysses Guimarães. É razoável supor que a experiência acumulada nesses vinte anos produza, aos poucos, um efeito pedagógico na população, em termos de valorização da democracia e de tudo o que ela representa, inclusive a crescente repulsa à impunidade.

            Além de tudo o que foi dito, julgo que dois outros fatores podem contribuir para a compreensão da crise ética por que passa o Congresso Nacional, por exemplo. O primeiro é a persistência de uma regra eleitoral que, para bem funcionar, exige o recurso a práticas não consideradas legítimas pela opinião pública, vale dizer, pelo eleitorado. O segundo é o positivo aumento da transparência possibilitado pela vigência da Constituição de 1988.

            Tomemos, em primeiro lugar, a questão da regra eleitoral. Desde 1946, o Brasil pratica o voto proporcional com listas abertas para a eleição de deputado federal, distrital, estadual e vereador. Por essa regra, o número de cadeiras correspondente a cada partido depende da proporção dos votos obtidos pela legenda e seus candidatos. Todavia, a ordem de preenchimento das vagas é definida pelo número de votos que cada candidato obtém. Importa lembrar que o Brasil foi o primeiro País a optar por essa alternativa. Desde então, regras similares passaram a vigorar no Chile, na Finlândia e na Polônia.

            Qual o principal problema apontado pelos críticos desse sistema? A fragilidade das agremiações partidárias que nele operam. No Brasil, especificamente, a filiação partidária é condição de elegibilidade. Mais ainda: os partidos são donos do mais importante recurso de campanha eleitoral, justamente o tempo de rádio e televisão.

            Entretanto, os candidatos são responsáveis pela arrecadação dos recursos que financiam a campanha, pelas decisões relativas a gastos, bem como pela definição da plataforma capaz de singularizar sua candidatura em relação à de seus colegas de lista. Em verdade, o trabalho de arregimentação de apoio, inclusive financeiro, é fundamental para bem posicionar o candidato na ordem de votação que emergirá das urnas. Portanto, a principal competição ocorre entre os candidatos do mesmo Partido, não entre os diferentes partidos.

            É daí que a fragilidade dos partidos que trabalham sob essas regras resulta em três diferentes problemas, assinalados por todas as propostas de reforma que transitaram pela agenda do Congresso Nacional nos últimos quinze anos.

            O primeiro problema diz respeito à legitimidade dos resultados eleitorais perante os eleitores. Candidatos eleitos num processo personalizado como o que temos não se consideram devedores do partido, nem mesmo se sentem obrigados a lhe prestar contas. Ao contrário, até as recentes decisões da Justiça Eleitoral concernentes a se o mandato pertence ao Partido, um terço dos deputados federais eleitos simplesmente mudava de sigla partidária a cada legislatura. Em geral, saíam de partidos oposicionistas para o aconchego de uma sigla situacionista.

            Em face dessa realidade, as propostas e as promessas de campanha deixam de guardar qualquer relação com a atuação do detentor do mandato. O número de votos, digamos, “adulterado” pelo livre trânsito de parlamentares pelos partidos era colossal, já que raramente um deputado consegue eleger-se exclusivamente com votos próprios, mas depende quase sempre de votos dos candidatos que não lograram êxito eleitoral.

            Como o eleitor brasileiro costuma reagir ante tal situação? A meu ver, uma forma bastante explícita de demonstrar descontentamento é o elevado absenteísmo num País em que o voto é obrigatório. Além disso, sabemos todos de numerosas pesquisas de opinião que coincidem em apontar o descrédito de que partidos, legislativos e legisladores gozam junto ao eleitorado.

            O segundo problema está contido na enorme desigualdade de oportunidades na competição eleitoral ensejada pelo sistema. Em circunscrições extensas e populosas, como ocorre no Brasil, lista aberta redunda em elevados custos de campanha. Em outras palavras, a linha de corte nos gastos necessários à eleição é crescentemente alta.

            Assim, o peso do poder econômico é decisivo e, a cada eleição, o número de deputados eleitos em face do capital político conquistado à época do bipartidarismo, por exemplo, com menor dependência em relação às fontes de financiamento, tende a reduzir-se consideravelmente. Vale lembrar, ainda, que a dependência de candidatos e partidos a recursos clandestinos de campanha, popularmente conhecidos como “caixa 2”, ou, mais recentemente, “recursos não contabilizados”, faz aumentar o descrédito de partidos e políticos junto aos eleitores.

            Não há como imaginar legitimidade do eleito, se ele, passada a posse, submete-se às cobranças do financiador de campanha, e não do eleitor que lhe depositou confiança. Não é a toa que, na Câmara dos Deputados, por exemplo, chegam a ser mais fortes que os partidos a chamadas “bancadas” que, estrategicamente para o financiador, são suprapartidárias. Essas bancadas se movimentam, principalmente, no período de discussão do Orçamento da União, cuja obviedade dispensa maiores explicações sobre o motivo.

            Há, por fim, um terceiro problema. Trata-se do que, nos últimos tempos, se convencionou chamar de governabilidade. Num contexto de fragilidade partidária e onde os Deputados são constantemente premidos pelo peso de débitos relativos a eleições passadas e pelo esforço de acumulação de recursos para as eleições seguintes, a construção da base de apoio ao Poder Executivo, no Congresso Nacional, passa por negociações que brindam parlamentares individualmente com a provisão de meios de campanha, em especial sob a forma de cargos no Governo e de liberação de emendas ao orçamento. Isso sem falar na corrupção que isto enseja. Para o Executivo, o processo é custoso e incerto: para o eleitor, no mínimo, ele carece de legitimidade.

            Em suma, estamos diante de um sistema político que funciona à base de procedimentos condenados pelo eleitor: a falta de compromisso dos eleitos com as promessas de campanha, a dependência a recursos não declarados legalmente, o permanente recurso à barganha de apoio em troca de instrumentos de campanha. Com tais características, fica claro que a maior transparência do processo corresponde à rejeição maior da população. Após 1988, o Brasil convive com liberdade de imprensa, com um Ministério Público verdadeiramente independente, com agências de fiscalização e de controle atuantes, quer no Legislativo, quer no Executivo. Concluindo: o sistema político tornou-se, com isso, uma fábrica de crises.

            A crucial questão da impunidade é, portanto, uma espécie de subproduto do patrimonialismo, do clientelismo, do compadrio e do coronelismo, faces do mandonismo que historicamente nos infelicita. O que teria mudado no Brasil em termos de compromisso ético com o combate à impunidade?

            Não tenho dúvida de que duas décadas de imprensa livre diminuiu, de modo incontrastável, a margem de tolerância da opinião pública com a impunidade. Comportamentos antes considerados normais ou plenamente aceitáveis tendem a ser considerados hoje inadmissíveis, simplesmente intoleráveis. Os novos critérios com os quais a opinião pública começa a agir passam a ser assumidos, em larga medida, por um Congresso Nacional cada vez mais permeável à voz das ruas.

            Creio ser possível traçar uma cronologia do processo de restrição à impunidade no Brasil contemporâneo. Seus marcos mais evidentes seriam o impedimento do Presidente Collor, a CPI dos Anões do Orçamento, o caso inédito de cassação de mandato de um senador da República por seus pares, além dos casos de renúncia de parlamentares antes da decisão final das instâncias julgadoras.

             Tenho para mim como exemplar da mudança de mentalidade coletiva o episódio dos deputados federais flagrados, há mais de uma década, pelas câmeras do plenário, em plena fraude do voto em nome de companheiros ausentes à sessão, o que se chamou, na época, de “pianistas”. Naquele tempo, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados decidiu pela simples advertência aos faltosos. Hoje, em caso similar, talvez pudesse ser outro o destino destes parlamentares. Exemplo típico foi a violação do painel de votações do Senado Federal. Para não serem cassados, os responsáveis pelo delito tiveram que renunciar aos seus mandatos.

            Não há como desconhecer os avanços no processo de combate à impunidade. Reconheço, também, que, a cada novo avanço, a cada nova conquista capaz de convencer a opinião pública da viabilidade desse processo, as expectativas da população também mudam de patamar, sempre crescentes.

            No interior das sociedades, características culturais só permanecem de pé se receberem aprovação valorativa por parte da população. No caso do Brasil dos dias atuais, a tolerância com a impunidade não é aprovada pela esmagadora maioria de nosso povo. De igual modo, o encobrimento sistemático das mazelas e das irregularidades tornou-se inviável frente à operação de dispositivos constitucionais que asseguram e estimulam a crescente transparência da atividade pública no País.

            Eu tenho dito, reiteradamente, que não se devem esperar mudanças no processo político brasileiro a partir de decisões de dentro para fora, ou de cima para baixo. Sem pressão popular, não se pode esperar transformações significativas nesse quadro. Exemplo atual é o chamado projeto “Ficha Limpa”. Não fossem as quatro milhões de assinaturas, diretamente ou via internet, não teria acontecido nem mesmo a discussão, de tamanha importância, sobre os critérios de seleção dos pretensos eleitos. Afinal, a imprensa agora mostra que, muitos dos que votaram o projeto, por pressão popular, ou tinham pleno conhecimento de causa, ou muita culpa no cartório.

            Embora esse avanço, ainda se pode afirmar que há, no momento presente, profunda incompatibilidade entre as regras que definem e conduzem o sistema político-eleitoral brasileiro e as expectativas da população. Nisso reside o grande perigo. Um distanciamento dessa grandeza pode levar a rupturas drásticas com o sistema político, inclusive permitindo desvios autoritários. Até agora, no Brasil, a insatisfação do eleitorado não se tem mostrado suficiente para induzir o Congresso Nacional a promover alterações na regra política, como o demonstram os sucessivos fracassos das propostas de reforma política.

            Resta saber se esse tipo de atitude não significa suicídio político, antevéspera de violenta comoção social. Queira Deus que não cheguemos a isso, nem de longe! Mas de pé permanecem os desafios seculares que, até hoje, não fomos capazes de superar. Basta lembrar que, em pleno século XIX, o iluminado e atemporal Joaquim Nabuco, brandia contra o nepotismo, o clientelismo, os favorecimentos e as imperfeições de nossa democracia. Não é possível que, no alvorecer do século XXI, não consigamos acelerar o motor de nossa História.

            Eu temo que o descrédito nas nossas principais instituições públicas possa aumentar o nosso déficit de cultura democrática. Que este déficit fique, portanto, para a história vivida, e dolorida. Jamais para a história ainda a ser construída.

            Vale dizer que nem sempre a impunidade imperou, soberana, nos três poderes da República. Quem sabe, aí sim, uma herança histórica que deva ser resgatada.

            Era o segundo semestre de 1992. A população brasileira saiu às ruas vestida de preto, depois de ser convocada a trajar verde e amarelo. Duas cores da bandeira que ela percebera não combinar com os fatos que aconteciam nas entranhas do poder, identificados por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional. A corrupção havia tomado conta de importantes setores do Governo e, tão pouco depois de uma longa noite de autoritarismo, voltava aos bastidores o discurso do chamado risco de governabilidade.

            Havia uma crise institucional latente. E as ruas e as praças se pintaram de luto, embora os semblantes fossem mais de ressurreição do que de morte. Ressurreição da moralidade pública e da ética, feridas por desvios de conduta de quem jurou cuidar do dinheiro público como sacerdócio, não como um negócio. Negócio particular e de grupos. Embora a indignação, havia esperança nos rostos daqueles milhões que, de fora para dentro, exigiram mudanças.

            Pela primeira vez, a cassação de um Presidente da República por vias constitucionais. Não haveria lugar para aventureiros de qualquer espécie, porque o povo ocupou todos os espaços democráticos. O povo foi o guardião da liberdade e da ética. Deu o aval para o Governo que tomou posse, depois do impeachment.

            Era, sem dúvida, uma grande responsabilidade para o Governo que se instalava. Não haveria a menor possibilidade de um continuísmo na conduta ética (ou aética), porque continuava a mobilização popular, agora recheada pela expectativa de mudança de postura dos novos governantes.

            Fui convidado para assumir a liderança do novo Governo no Senado. Ninguém melhor que eu conhecia o que houvera acontecido no período imediatamente anterior. Afinal, eu acabara de participar, ativamente, das investigações da Comissão. Era na minha sala que se reuniam os principais atores daquela novela da vida real que nenhum de nós desejava ver de novo. Não nego que, também entre nós, havia vozes temerárias quanto à mesma governabilidade que se colocava em xeque. Melhor dizendo: dentro de um mesmo segmento, havia quem temia pela segurança institucional com o impeachment e quem externava o mesmo temor, não houvesse a cassação. O tempo e a experiência propiciaram-me o equilíbrio necessário para alinhavar uma postura que se orientasse, apenas, pela luz dos fatos. Fatos mais que determinados, como se percebia a cada momento da investigação.

            Como líder de um governo que ainda engatinhava e conhecedor dos mecanismos de funcionamento da corrupção que acabara de afastar o governo anterior, tomei a iniciativa de sugerir ao Presidente Itamar Franco a imediata arquitetura de instrumentos contrários a qualquer desvio de recursos públicos. Devo ressaltar que, de pronto, o então Presidente colocou em prática todas as boas ideias que lhe foram sugeridas, por mim e por outros que lhe deram suporte no que se revelou, depois, um governo que passou imune à corrupção. Aliás, é bom também que se diga: nós, apenas, sugeríamos tais instrumentos, porque o Presidente Itamar já carregava em si a postura íntegra no que se refere ao tratamento da chamada “coisa pública”.

            Uma das minhas primeiras sugestões dava conta de que qualquer participante do Governo, de qualquer escalão, fosse afastado até que se esgotassem todas as investigações sobre o fato que lhe era atribuído. É bastante conhecido o caso do então Ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves. Quando da primeira notícia de um possível desvio de conduta, imediatamente o Presidente o afastou, até que as investigações, naquele momento sobre o Orçamento da União, se incumbissem de esclarecer todos os elementos sob suspeita. Nada foi encontrado e o mesmo Ministro retornou ao seu posto. Em tempo: se essa mesma postura fosse adotada pelos Governos que se sucederam, certamente teria sido outro o enredo que se assistiu depois. Ao contrário, embora todos os elementos comprobatórios de má conduta de funcionários dos Governos que se seguiram, inclusive gravações de áudio e vídeo, a postura sempre foi a procrastinação, e a omissão. Caminho mais que curto para a impunidade. E a realimentação da corrupção.

            Outra sugestão, também acatada, foi a criação de uma Comissão Permanente para investigar e sugerir ações tão logo algum sinal de corrupção surgisse em algum segmento da Administração Pública. Diriam alguns que se criam comissões exatamente quando não se quer resolver o problema detectado. Mas, nesse caso, a Comissão teria que contar com pessoas de ilibada conduta, de fora do Governo, ainda que dela pudesse participar, também, integrantes da própria Administração, até mesmo para agilizar as informações que seriam necessárias no curso das investigações e das novas proposições.

            Foi editado, então, em 6 de dezembro de 1993, o Decreto no 1001, com o seguinte enunciado:

            O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição.

      Decreta:

            Art. 1o Fica constituída Comissão Especial, com âmbito de atuação na Administração Pública Federal direta e indireta, com a finalidade de:

            I - prestar ao Congresso Nacional, de modo especial à Comissão Mista Parlamentar de Inquérito do Orçamento, a colaboração necessária para a realização de quaisquer diligências ou procedimentos investigatórios junto a Órgãos ou entidades da Administração Pública Federal direta e indireta;

            II - realizar, quando julgar conveniente, diligências e investigações a propósito de fatos, atos, contratos e procedimentos de órgãos ou entidades da Administração Pública Federal direta e indireta;

            III - determinar a suspensão de procedimentos ou a execução de contratos, sob suspeita de lesão ao interesse público;

            IV - recomendar a instauração de auditorias, de sindicância e de inquérito administrativo, acompanhando os respectivos trabalhos;

            V - propor ao Presidente da República a adoção de providências, inclusive de natureza legislativa, com o objetivo de corrigir ou coibir fatos ou ocorrências contrárias ao interesse público;

            VI - articular os procedimentos da Administração Pública com o Tribunal de Contas da União e com o Ministério Público Federal.

            Art. 2o Para o desempenho das suas atribuições, poderá a comissão instituída por este Decreto:

            I - requisitar, em caráter irrecusável e para atendimento em regime prioritário, servidores ou empregados de órgãos ou entidades da Administração Pública Federal;

            II - requisitar, em caráter irrecusável e para atendimento em regime prioritário, informações e documentos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal;

            III - providenciar representações e requerimentos ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, para a instauração de procedimentos judiciais ou a obtenção de informações e documentos de entidades do setor privado.

             § 1o Os servidores e empregados requisitados na forma do inciso I serão considerados, para todos os fins de direito, como em efetivo exercício do cargo ou do emprego, não podendo sofrer prejuízo de qualquer direito, vantagens ou remuneração.

            § 2o A comissão será responsável pela guarda, conservação e, quando for o caso, também pelo sigilo dos documentos e informações que lhe foram fornecidos.

            § 3o Os órgãos e autoridades da Administração Pública Federal, de modo especial da Advocacia-Geral da União, das Secretarias de Controle Interno e dos Conselhos Fiscais ou órgãos equivalentes, prestarão à comissão, com prioridade, o apoio e a colaboração requisitados.

            Art. 3o A comissão será presidida pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República e integrada por cinco membros, nomeados pelo Presidente da República.

            § 1o O Presidente da comissão poderá constituir grupos de trabalho, sob sua coordenação ou de membro da comissão.

            § 2o Aplica-se aos membros da comissão e aos integrantes dos grupos de trabalho, a que se refere o parágrafo anterior, nomeados pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Administração Federal, o disposto no § 1o do art. 2o.

            Art. 4o O regimento da Comissão Especial, aprovado pelo Presidente da República, disporá sobre o seu funcionamento, as atribuições do seu Presidente e dos seus membros, bem como sobre os grupos de trabalho.

            Art. 5o A Comissão Especial apresentará relatórios ao Presidente da República, trimestralmente ou quando solicitados.

             Art. 6o Para desempenho das suas atribuições e a realização dos seus trabalhos, a Comissão Especial contará com o apoio administrativo e de recursos da Secretaria-Geral da Presidência da República e da Secretaria da Administração Federal, conforme instruções dos respectivos titulares.

            Art. 7o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

             Não me paira qualquer dúvida de que essa Comissão, integrada, entre outros, pelo Prof. Cândido Mendes e pelo Dr. Modesto Carvalhosa, foi fundamental nas investigações dos casos de possíveis desvios de recursos públicos. Mas, o mais importante do trabalho foi, sem dúvida, o seu efeito direto, ou indireto, na impunidade. Sabendo que o Presidente não pouparia qualquer integrante do seu Governo, de qualquer escalão, os pretensos corruptos, ou corruptores, pensavam duas vezes, pelo menos, antes de qualquer ato lesivo ao patrimônio coletivo. Ou, de preferência, nem pensavam, porque sabiam que não permaneceriam impunes.

             O primeiro relatório da Comissão é rico em análise, detalhado nos casos investigados e profundo nas propostas. Vale, aqui, a transcrição de algumas das reflexões constantes da primeira parte do documento:

            “A Corrupção - Fato Social Total”

            “A modernidade avança com a necessária despatrimonialização da coisa pública. Mas, se o desenvolvimento é um fato social total, também o é a corrupção, enquanto reflete exatamente no corpo de todo este contexto e como a sua sofisticação-limite, a subtração da autoridade ao telos público.

            Toda a engrenagem da Lei de Meios é o cenário exemplar da trama complexíssima das duas apropriações, vazadas no mesmo aparelho - quando os grupos de lobbying ‘sabiam da existência da disponibilidade de recursos, indicavam o teor das emendas para apropriação dos recursos; quando sabiam da emenda, buscavam o descontingenciamento da verba’, como ficou anotado no Relatório Final da CPMI do Orçamento. No seu seio, o coeficiente de subtração de verbas à sua genuína finalidade mostra o caminho a se percorrer ainda na objetivação do Estado.

            A corrupção não inquina, pois, a funcionalidade aparente do sistema. Mantém toda a presunção do comportamento conforme a norma, mas, exatamente, para a negociação de sua infringência, quando não realizada de logo, no especifico interesse do governante. E o que cria congenitamente a dupla malícia do crime, no violar a norma sob as aparências do contrário e ao criar-se uma franquia de acesso às vantagens públicas, em beneficio próprio ou de terceiro. Através deste procedimento, se identificam a emenda parlamentar em causa própria, o superfaturamento nos contratos públicos, os registros e as habilitações viciadas.

            Entretanto, ainda persistiria, mesmo dentro da complexidade do Estado moderno, a arcaica cultura do butim, no extremo mais primitivo da corrupção, mantida como o tráfico direto de influência na coisa pública e o privilégio na fruição das vantagens do poder.

            Mais avance a organização do Estado contemporâneo, mais a corrupção se encaixa neste jogo de estruturas sociais totais, em que as condutas se transformam em peças de um jogo de interações de amplíssimo condicionamento e, via de regra, de remessas de culpabilidade. Não é outra a declinatória que envolve a conexão entre o corruptor e o corrupto. É este o portador da presunção da ‘conduta conforme’, que se negocia, e aquele o beneficiário do interesse a se cobrir pela ruptura do exercício da norma, que seria de beneficio geral.

            No limite das tomadas de consciência cívica ao longo da vida dos governos e dos regimes, a corrupção se recorta num contexto de tolerância e sempre de relativa institucionalização, que é parcela da vigência ou solidez, de fato, das realidades do poder.

            No extremo dos aparelhos, a corrupção se estrutura no requinte da circulação e da contracirculação - do dinheiro e dos recursos públicos - para o todo e para outrem, em capilares desvios e instâncias, perfeitamente definidas segundo a lógica própria dos que ascendem ao mando.

            A moderna tipologia do desenvolvimento reconheceu estas diversas imbricações no seio da organização do Estado, nas quais se localizam esses desvios internos do cumprimento da função pública, da condução da própria mecânica legislativa à de licitação da obra pública, da adjudicação de bens do patrimônio governamental a todas as formas de negociabilidade dos contratos e obrigações dos governantes.”

            “O Sistema Indutor da Corrupção”

            O avanço do desenvolvimento como ganho de um processo cumulativo, de comportamentos dotados de produtividade, exação de desempenhos e racionalidade crescentes, não o livra do rebote da corrupção. Garantido por condutas objetivadas e instituições, esse comportamento desviante continua e se orquestra em hábitos, por cumplicidades que se estruturam em jogos de símbolos, que mantém a presunção de conformidade da norma ou desanimam a quebra de sua repetição.

            Os Relatórios de Atividades da Comissão Especial podem dar conta da sistematização de diversos esquemas, sofisticadíssimos, em que a corrupção se transformou na ‘segunda natureza’ do desempenho da máquina de poder, infletida ao favorecimento e não à promoção. Esta ruptura negociada da conduta conforme a norma reveste graus crescentes de sutileza, até torná-la invisível ao controle governamental.

            O nível mais grosseiro é o da cumplicidade, pela fiscalização, com o comportamento infringente, ignorando-o ou ocultando-o. Somam-se, num segundo grau, o uso do tráfico de influência desta mesma autoridade para obtenção de vantagens públicas fora das condições gerais de acesso às mesmas. Não é outro o quadro dos abusos decorrentes na negociação de benesses em financiamentos ou no acesso ao patrimônio e ao uso dos bens públicos.

            Já no domínio de uma interferência direta lesiva ao patrimônio do Estado, de seu dispêndio ou aquisição, se situa o atentado à veracidade desses valores, em toda a gama das operações de superfaturamento nos contratos governamentais. Mais sofisticada ainda é a corrupção, quando a mecânica para contornar o locupletamento - a licitação - se faz do conluio de todos os participantes pelo acordo dos licitantes, permitindo, rotativamente, a satisfação de todos os pretendentes, na sutil mecânica da vantagem consorciada.

            A criação da Comissão Especial respondeu ao momento da denúncia do mais entranhado desses esquemas, cortando a medula da Lei de Meios, na aplicação dos recursos do País. O Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Orçamento diz do nível de envolvimento do Legislativo e do Executivo no organizar essas verbas e liberá-las ou alocá-las primeira e sucessivamente, no eliminar os controles do Congresso e em simplificar as mecânicas das emendas de relatoria. Em todo o contexto, desenha-se, de qualquer forma e exatamente no instrumento mais exemplar, o extremo objetivo da negociação entre o Estado oligárquico e o Estado de Direito.

            No limite em que começa a corrupção e se turva a legitimidade na feitura do Orçamento, definem-se, em primeiro lugar, os contornos ainda difusos em que o beneficio de uma clientela eleitoral será genuinamente favorecida frente a uma visão ideal e abstrata do interesse coletivo. Mas é claramente distinta desta última a visão do interesse próprio do representante em meio a seus eleitores. E já, subsequentemente, a de todos os procedimentos em que a representação se torna procuradoria em favor de terceiros. Estes pagamentos de bons ofícios multiplicaram-se nas denúncias da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Orçamento, armada pela abertura dos sigilos bancários, lograda quando dos inquéritos do impeachment de Collor.

            “Considerações Finais”

            Tenha-se presente que a ausência de uma política permanente, consistente e eficaz de controle interno, voltada ao combate à corrupção sistêmica, é hoje o principal obstáculo ao seu enfrentamento, no plano nacional e internacional, e nas relações bilaterais de comércio e de financiamento. A corrupção não é uma questão de Governo, mas de Estado.

            Reitera-se, pois, a necessidade de estabelecimento de uma política de combate à corrupção, executada através de órgãos desvinculados das pressões e influências partidárias e governamentais, com adoção de procedimentos de controle interno e externo, e de uma estratégia para combatê-la, que deverá contar com a conjugação de forças políticas e colaboração efetiva da cidadania.

            As posições governamentais deverão ser claras e efetivas na execução dessa política de modo a levarem a opinião pública e a cidadania a compreender que a corrupção não é episódica, factual ou necessariamente decorrente da improbidade pessoal de mandatários.

            Acrescente-se a imprescindibilidade da vontade política na instituição de mecanismos permanentes de combate á corrupção sistêmica, que deve ser tratada pelos governos em termos de política de combate à criminalidade.

            E, por fim, a necessidade de convocação da cidadania para assumir o seu papel de controlador social na luta contra a corrupção, atribuindo-se-lhe um senso ético que possa transformar-se em exigência de conduta por parte de servidores públicos e políticos.

            Deveras, é imprescindível que a sociedade tome consciência de que a corrupção é um fenômeno permanente, latente na estrutura do poder estatal. A luta contra ela, portanto, não se esgota na identificação de seus focos e punição de corruptos e corruptores. Ao invés, é ampla e envolve um constante esforço no sentido de retemperar e preservar, na coletividade, o sentimento de integridade pública.”

            A “CEI” cumpriu a sua missão, ao tempo em que existiu. Acertou, inclusive, ao dizer que a corrupção é “latente na estrutura do poder estatal”. Tive a honra de receber, na primeira página de um exemplar do referido relatório, dedicatória de punho próprio do Presidente da Comissão: “Amigo Senador Simon: Eis aqui uma parte do resultado do trabalho que o Sr. inspirou. A Comissão Especial, de sua idealização, deixa um legado que certamente muito contribuirá para a construção de um Brasil mais justo, mais ético e, por isso mesmo, mais honrado. Aceite um respeitoso abraço.”

            Era o início de 1995. Havia um novo presidente da Republica. A Comissão foi extinta já nos primeiros momentos do Governo Fernando Henrique Cardoso. “Má assessoria”, eu disse depois. Mas, o fato é que tal atitude não teve volta, apesar de meus inúmeros apelos. Uma pena. A história que se seguiu poderia ter sido outra.

            Mais uma experiência bem sucedida no combate à corrupção e, principalmente, à sua causa maior, a impunidade, foi a chamada “AÇÃO CONJUNTA DOS TRÊS PODERES CONTRA A IMPUNIDADE”, também no Governo Itamar Franco. Creio que o próprio nome da atividade dispensa qualquer necessidade de melhor definição. Nestes nossos tempos, muito se fala na necessidade de maior integração entre os poderes da Nação. Aliás, como está expresso na própria Constituição, como cláusula pétrea: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Não há harmonia e independência que resista, por exemplo, com tamanha legiferância do Executivo, através das chamadas “Medidas Provisórias”. Instituídas para um regime parlamentarista de governo, permaneceu na Constituição no presidencialismo. E subtrai do Parlamento a sua função de legislar. Isso, sem falar na troca de favores, de cargos e de emendas, em função da tal “governabilidade”, e assim por diante, como já disse aqui.

            A “Ação Conjunta dos Três Poderes contra a Impunidade” foi um dos momentos mais ricos na integração do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Na integração e na harmonia, como manda a Constituição. Dela participavam o Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Tribunal de Contas da União, o Procurador Geral da República e o Ministro da Justiça. Eu também compunha a equipe, como Presidente da Subcomissão do Senado Federal de Análise das Causas da Impunidade. Quem sabe, hoje, não mais diria “das causas da impunidade”, porque a impunidade é a causa.

            Todas essas autoridades se reuniam e discutiam rumos conjuntos de ataque à impunidade. Foram gerados, daí, análises das mais profundas e um conjunto de medidas legislativas de combate à corrupção e à impunidade. Obviamente que, naqueles tempos, não se falava em interferência de um poder sobre outro. Respeitava-se a ação vertical de cada poder, mas a atuação era horizontal, integrada, participativa. Independente e harmônica, portanto.

            Bons tempos, portanto, aqueles idos do início da década de noventa. Do século passado. Do outro milênio. Eram outros tempos.

            Era o que eu tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/2010 - Página 48521