Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo em favor de melhorias educacionais no País e considerações sobre proposta do ex-candidato à Presidência da República Eduardo Campos nesse sentido.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES, EDUCAÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Apelo em favor de melhorias educacionais no País e considerações sobre proposta do ex-candidato à Presidência da República Eduardo Campos nesse sentido.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2014 - Página 21
Assunto
Outros > ELEIÇÕES, EDUCAÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EDUARDO CAMPOS, MOTIVO, APOIO, ORADOR, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), CORRELAÇÃO, CARACTERISTICA, CONCILIAÇÃO, DEFESA, DIREITO A IGUALDADE, EDUCAÇÃO, COMENTARIO, HISTORIA, ENSINO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, PEDIDO, CANDIDATO, CARGO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MELHORIA, SISTEMA ESCOLAR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Pedro Simon, durante o velório, com toda a emoção que carregou o velório do ex-Governador Eduardo Campos, pessoalmente, Senador Jorge, tocou-me muito uma faixa carregada por trabalhadores do Sindicato da Educação da cidade de Timbaúba, em Pernambuco. Eles carregavam - na sua camisa, estava escrito o sindicato - uma faixa, assinada por Eduardo Campos ao final, que dizia: “Quando os filhos do rico e os filhos do pobre estudarem na mesma escola, nós vamos ter o Brasil que nós queremos.”

            Aquela frase me tocou profundamente e mostrou que eu estava certo em ter, aqui, anunciado, desde muito tempo atrás, o meu apoio e o meu voto para o Eduardo Campos. E vou dizer por que ele se diferenciava dos outros candidatos ao ter manifestado essa frase.

            Três diferenças fundamentais em relação aos outros candidatos.

            A primeira diferença é que ele olhava lá na frente. Ele acreditava, Senador Simon, numa utopia, para muitos impossível, de que, no Brasil, como tantos outros países já conseguiram, é possível que toda criança ao nascer receba a mesma chance de progresso, graças a uma escola de qualidade para todos, e não como tem sido na história do Brasil: apenas para poucos. Quando só alguns iam para a escola, a escola pública era boa para poucos. Quando o Brasil se urbanizou e teve de abrir as portas da escola para os pobres, a gente separou os pobres dos ricos através de uma escola particular para alguns e da escola pública para todos.

            E a qualidade ficou assim entre as boas escolas particulares e a média das escolas públicas. Embora entre as públicas existam algumas muito boas e entre as particulares muitas muito ruins. Mas a média é assim.

            Eduardo Campos, diferentemente dos outros candidatos, olhava longe e propunha algo que engrandecia este País. Ele não ficava restrito a fazer promessas conforme as pesquisas de opinião indicam, pensando só no presente. Ele carregava aquilo que Juscelino trouxe de olhar lá na frente e dizer: vamos caminhar cinquenta anos em cinco e seremos um País industrializado. Não se acreditava na possibilidade de o Brasil ser um País industrializado, porque este era um País com quase cinco séculos de agricultura apenas, de exploração de minerais apenas, de trabalho escravo durante 350 anos.

            O sonho da industrialização era tão utópico, como hoje é o sonho da escola de qualidade para todos. E olhe que a gente conseguiu que a industrialização acontecesse, porque houve um candidato a Presidente que foi eleito, olhava lá na frente e dizia: “O Brasil vai ser um País industrializado.” E aquela faixa, Senador Simon, dizia: “O Brasil pode ter o filho do pobre numa escola igual à do filho do rico.”

            Essa é a primeira diferença que Eduardo Campos representava: a capacidade de olhar lá na frente, de sonhar com coisas que muitos acham impossível e que os candidatos de hoje - nenhum - se atrevem a prometer.

            A segunda é que, para realizar isso, seria necessária uma grande habilidade política, seria necessário dialogar com todas as forças. Não é possível que isso seja feito por um lado ou pelo outro dos dois que hoje dominam a política brasileira ao longo de vinte anos: o PSDB e o PT, simplificando. Nenhum dos dois é capaz de fazer isso sozinho. Ele dialogava.

            A verdade, Senador Pedro Simon, é que PT e PSDB não têm nenhuma divergência ideológica. Eles têm raiva um do outro. Eles se opõem comportamentalmente, não ideologicamente. E essa oposição por comportamento e por raiva não permite o diálogo necessário para fazer uma base de apoio, para fazer o Brasil que nós queremos, como dizia Eduardo Campos.

            Ele era capaz de falar com um e com outro. Ele era capaz de ser ponte e ser estrada. Ser estrada para ir a essa distância que ele propunha, de uma sociedade em que a escola fosse igual para todos. E ser ponte no sentido de criar a base de apoio entre as diversas forças da sociedade, para que nós construíssemos isso. Essas duas diferenças são marcantes para mostrar que ele representava algo diferente dos candidatos que aí estão.

            Além disso, há uma outra diferença. É o fato de que ele carregava uma juventude capaz de propor que isso se realizasse num horizonte de tempo de longo prazo, porque aí está a diferença dele para os outros. Os outros, Senador, só pensam no imediato. Eles não conseguem imaginar a longo prazo.

            As palavras planejamento e estratégia morreram no processo eleitoral brasileiro, porque quem define o que o candidato diz é o marqueteiro. E quem define o que o marqueteiro diz é o instituto que avalia a opinião pública do instante. Os candidatos perderam a capacidade de sonhar, de definir estratégia, e a capacidade de articular a base de apoio. Ele representava isso.

            Eu lamento que a gente tenha perdido o sonho, embora acredite que a Marina Silva possa trazer isso de volta. Ainda precisamos de um tempo. Mas, se não for ela, não acredito que os outros tragam, porque até há candidatos que falam utopia, mas não têm capacidade de pôr juntas as bases para construir a utopia. Ela poderá ter isso.

            Agora, o que eu lamento profundamente é que ele não teve tempo de dizer como faria isso. E ele iria dizer, Senador Pedro Simon. Ele estava preparado para dizer. Ele já ouvia as pessoas para encontrar como dizer e elaborava, com sua genialidade, a maneira certa de dizer.

            E eu tenho certeza de que, se Eduardo tivesse vivido mais algumas semanas - não vou dizer apenas dias -, ele teria dito como faria para iniciar o processo pelo qual aquela faixa que li no seu velório viraria realidade: “No dia em que o filho dos pobres estudar na mesma escola que os filhos dos ricos, o Brasil será como nós queremos.”

            Eu acho que ele iria dizer, de público, que o seu governo adotaria as escolas das cidades cujas prefeituras não têm condições de manter uma boa escola para suas crianças, até porque não tem uma outra maneira de fazer isso. Ele dizia, todo o tempo, que no seu governo ele lutaria para implantar horário integral em todas as escolas do Brasil.

            Outros dizem isso, mas ele ia dizer como fazer. E não tem outra maneira de fazer isso, a não ser o Governo Federal assumindo a sua responsabilidade com a educação das crianças brasileiras, sem tratá-las como entes municipais, tratando cada criança como ente nacional. Ele ia fazer isso.

            Ele ia dizer: “No meu governo, eu adotarei, como governo, as crianças, a educação das crianças cujas prefeituras não têm condições de oferecer a escola necessária para essa boa educação.” E, é claro, ele acrescentaria: “No ritmo que for possível fazer isso e desde que o pedido venha da própria cidade.” Esse é o caminho.

            O caminho, não vou dizer que seja como eu tenho defendido, a ideia de federalizar, porque parece que é imposto. Façamos diferente, em vez de federalizar, por iniciativa federal, o Governo Federal responde ao apelo das cidades que não têm condições de dar uma boa educação.

            Quantas cidades nesse País conseguiriam pagar R$9,5 mil por mês de salário a um professor? Nenhuma. E como é que a gente vai ter uma boa educação nesse País se não pagarmos um salário compatível com aquele pago para outras categorias do setor público? Não tem como. Só o Governo Federal assumindo.

            E eu tenho impressão que ele diria isso se tivesse vivido poucas semanas mais, mas não teve tempo, Senador Pedro Simon. Não teve tempo, não disse. Então, a faixa que ficou, no velório, foi a faixa da intenção, não foi a faixa da ação. Mas o Brasil continua, e ele próprio disse: "Não vamos desistir do Brasil."

            Por isso, Senador, eu queria fazer aqui um apelo aos candidatos que continuam, todos: por que não adotam o que o Eduardo adotaria? Por que não adotam o discurso que ele trouxe para o Brasil e que estava nos sensibilizando a todos? Por que não dizem que sonham também com um Brasil onde a escola do pobre e do rico terá a mesma qualidade, e boa qualidade? Por que é que eles não podem sonhar com isso?

            Será que eles não querem, porque defendem que a escola tenha que ser desigual, para manter os privilégios? Eu não acredito. Será que é porque eles não sonham com utopias? Isso é possível. Estão prisioneiros do imediato. Será porque eles não querem correr risco de perder voto se propuserem algo que não seja o que está hoje no inconsciente, na busca, no interesse, que são as coisas imediatas? Será que é uma dessas três razões que faz com que eles não queiram, ou as três juntas?

            Eu insisto, para cada um dos candidatos, inclusive a Marina Silva, para que digam com clareza que acreditam que é possível mudar o Brasil para valer, ter o Brasil que nós queremos, como disse Eduardo nessa faixa, nessa frase; que acreditem; que não se restrinjam apenas ao que é possível para o imediato do dia a dia; que não limitem seus discursos apenas ao que a opinião pública pensa naquele instante, para resolver o problema imediato; que sejam capazes de oferecer rumos para o futuro mais distante do que o próprio horizonte de tempo de um mandato de quatro anos, ou mesmo de oito.

            Eu gostaria de ver nossos candidatos trazendo essa afirmação de objetivos de médio e longo prazo, de sonhos de um Brasil diferente. Eu não vou querer que eles adotem aquilo que o Eduardo estava começando a adotar - a ideia de que o progresso, o futuro está na educação, que é outra diferença que ele fazia em relação aos que estão aí.

            Isso, eu nem vou querer, porque seria pedir demais. Continuem pensando que o progresso é a economia, mas entendam que a economia precisa de educação. Continuem entendendo que o problema sério de hoje é a segurança pública, mas percebam que a segurança pública precisa de educação. Defendam que é preciso reduzir as desigualdades, mas entendam que a desigualdade é provocada, sobretudo, pela desigualdade lá na base, na educação, que a mãe da desigualdade social é a desigualdade educacional.

            Eu gostaria de pedir, Senador Simon - e isto pode ser uma ingenuidade minha, fazer pedidos a candidatos -, mas eu gostaria de insistir: adotem aquilo que Eduardo iria defender se não tivesse ocorrido a tragédia que se abateu sobre todos nós e sobre o Brasil inteiro.

            Adotem o Eduardo; adotem a ideia de que é preciso e é possível este País um dia ter escola de qualidade para todos; e adotem a proposta que ele não chegou a afirmar, mas que eu imagino que seria, porque não vejo outra, a ideia de que isso só será possível no dia em que o Governo Federal adotar as escolas das cidades cujas prefeituras não tenham condições para dar educação de qualidade a todas suas crianças, dentro do ritmo possível e pelos recursos que dispõe o Governo Federal. A partir de um apelo da própria cidade, mas que isso seja iniciado ainda nos próximos quatro anos de governo, qualquer que seja o eleito ou a eleita que o Brasil terá como seu Presidente ou sua Presidenta a partir de janeiro de 2015.

            Fica aqui registrado meu apelo, reconhecendo que pode ser pura ingenuidade, mas, pelo menos, é uma ingenuidade com responsabilidade de usar este momento para apresentar este apelo.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2014 - Página 21