Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO INTITULADO 'O DIARIO DE UM ASSASSINO', DO ARTICULISTA GILBERTO DIMENSTEIN, PUBLICADO NO JORNAL 'FOLHA DE S.PAULO', EDIÇÃO DE HOJE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL. :
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO INTITULADO 'O DIARIO DE UM ASSASSINO', DO ARTICULISTA GILBERTO DIMENSTEIN, PUBLICADO NO JORNAL 'FOLHA DE S.PAULO', EDIÇÃO DE HOJE.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Esperidião Amin.
Publicação
Publicação no DCN2 de 07/04/1995 - Página 4770
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, GILBERTO DIMENSTEIN, JORNALISTA, DENUNCIA, EXISTENCIA, DOCUMENTO, COMPROVAÇÃO, HOMICIDIO, VANDERVAN DE SOUZA RODRIGUES, FUNCIONARIO PUBLICO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), MOTIVO, PARTICIPAÇÃO, LICITAÇÃO, CANAL DA MATERNIDADE, ACUSAÇÃO, OCORRENCIA, EXCESSO, FATURAMENTO, OBRA PUBLICA, LIGAÇÃO, CRIME, MORTE, EDMUNDO PINTO, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC).
  • DEFESA, NECESSIDADE, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, APURAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, HOMICIDIO, ESTADO DO ACRE (AC).
  • DISCORDANCIA, CONCLUSÃO, INQUERITO POLICIAL, OCORRENCIA, LATROCINIO, HIPOTESE, MORTE, EDMUNDO PINTO, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC).

A SRA. MARINA SILVA (PT-AC. Pela ordem. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigada, Sr. Presidente, para mim também é um prazer tê-lo nesse espaço tão honroso.

Com certeza meu pronunciamento é por uma justa causa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago a esta Casa, a exemplo do que fez o Senador Ademir Andrade, a denúncia que hoje vem expressa na coluna do jornalista Gilberto Dimenstein, que se refere ao assassinato de um engenheiro, Vandervan de Souza Rodrigues, de 34 anos, funcionário da Caixa Econômica Federal, do Estado do Acre, que imputo da maior importância, no sentido de que a Justiça brasileira tem a obrigação de se pronunciar com relação ao ocorrido.

A matéria diz o seguinte:

"O diário de um assassinato

      Digno de um emocionante roteiro cinematográfico, um diário secreto é capaz de arranhar ainda mais a imagem do Congresso - desta vez por causa de um assassinato, acompanhado pela Procuradoria Geral da República, envolvendo obras públicas.

      Funcionário da Caixa Econômica Federal em Rio Branco (Acre), Vandervan de Souza Rodrigues, de 34 anos, tinha um diário secreto. Estou com cópia de certificado da polícia comprovando a autenticidade da letra.

      Escreveu que estava marcado para morrer devido a seu envolvimento na licitação do Canal da Maternidade, realizada em 1991. Foram feitas acusações de que a obra foi superfaturada. 'Estou ameaçado a morrer suicidado, acidentado...', registrou.

      Precavido, Vandervan, que participou da comissão de licitação, deixou no diário instruções à mulher caso fosse assassinado, quitou um imóvel e subiu em 1.000% seu seguro de vida. No dia 7 de julho do ano passado - cinco dias depois que o seguro passou a valer -, ele levou quatro tiros e morreu".

Esta é mais uma das mortes anunciadas que acontecem no Acre. Anteriormente, outros casos haviam ocorrido. O mais ilustre é o do sindicalista e ecologista Chico Mendes.

Continua o jornalista:

      "O diário cita vários grupos que desejariam sua morte. Entre eles, os mandantes do assassinato de Edmundo Pinto, Governador do Acre, alvejado num quarto de hotel em São Paulo".

Deu o nome de pelo menos um suspeito interessado em sua morte, envolvendo um Deputado Federal, que, no momento, não devemos acusar ou inocentar, mas que a justiça seja feita e que sejam realizadas as devidas investigações, que é o caso do Sr. Carlos Airton.

O Sr. Carlos Airton, segundo o que está nessa coluna do jornalista Gilberto Dimenstein, é citado no diário do assassinado, Sr. Vandervan, como tendo sido um dos mandantes da sua morte. O Deputado, que não quero aqui prejulgar, repito, diz ser totalmente inocente.

Mas o Ministério Público, estranhando que, mesmo tendo sido citado no diário do morto, ele não tenha sido interpelado judicialmente pela Justiça do Estado do Acre, mandou as provas e o referido diário à Procuradoria-Geral da República a fim de que providências fossem tomadas.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, é de fundamental importância que as providências sejam tomadas, não apenas com relação a esse caso do Estado do Acre - a morte de um engenheiro que participava da comissão de licitação do Canal da Maternidade, tão amplamente conhecido em função do assassinato do Governador do Acre, Edmundo Pinto -, mas a outros assassinatos que também ficaram sem resposta. O caso do assassinato de Chico Mendes, muito embora tenha sido julgado e os assassinos condenados, estes continuam impunes, foragidos da cadeia, com a conivência da própria polícia.

A Justiça brasileira deve agir com rigor. Nesse sentido, estarei, juntamente com o Senador Eduardo Suplicy - que já havia inclusive nos ajudado na época do episódio do assassinato do Governador Edmundo Pinto -, encaminhando à Procuradoria-Geral da República recurso para que esta possa agir no sentido de esclarecer os fatos e tomar as devidas providências.

Não se pode admitir que o nosso País vire um espaço de bárbaros, em que a sociedade vê seu Governador ser assassinado e a Justiça conclui que se tratava apenas de peculato, mesmo sabendo que milhões de reais estavam envolvidos numa obra superfaturada. Agora acontece a morte desse engenheiro, que, esperando ser assassinado, preparou-se e tomou todas as providências sete dias antes da sua morte. E não se faz quase que absolutamente nada para se dar uma resposta à sociedade deste crime.

Como deve se sentir o cidadão comum vendo os assassinos do sindicalista Chico Mendes - crime de repercussão internacional - fugirem da cadeia com a conivência da polícia? Digo isso porque o Sr. Darly, quando saiu da penitenciária do Acre, estava muito doente, com pneumonia, e não poderia ter fugido com seus próprios pés. Com certeza saiu em uma maca, entrou em um veículo e fugiu; talvez, quem sabe, com ajuda médica.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Marina Silva?

A SRª MARINA SILVA - Concedo o aparte ao ilustre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senadora Marina Silva, V. Exª traz ao conhecimento do Senado fatos tão relevantes que tornam ainda mais importante a reabertura e o desvendar da apuração completa dos fatos relacionados à morte do Governador Edmundo Pinto e à desse engenheiro, que inclusive pôde registrar tudo o que estava ocorrendo num diário, conhecido infelizmente apenas agora, após sua morte, através dessa reportagem do jornalista Gilberto Dimenstein. Quando visitei o Acre - estive com V. Exª e com o Prefeito Jorge Vianna, antes da sua última eleição -, ouvi o testemunho da viúva do Governador Edmundo Pinto e também de um juiz que estava muito impressionado com alguns fatos, coincidências e indícios de que poderia ter havido motivação outra que não simplesmente a de assalto comum ao Governador. Já naquela ocasião, enviei ao então Governador Luiz Antônio Fleury Filho solicitação para que se averiguasse novamente os fatos. Agora, faz-se necessário medida semelhante e redobrada: ao Governador Mário Covas, pedindo que se reexamine o inquérito, sobre cujo andamento, de pronto, não tenho notícia; e ao Procurador-Geral da República, convém que façamos novamente uma representação, solicitando o empenho daquela Procuradoria e da Polícia Federal no exame dos crimes conexos. Na ocasião, quando solicitamos a colaboração da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, foi-nos dito que seria necessário que os próprios Governadores de São Paulo e do Acre fizessem a solicitação, porque eles tinham autonomia. Mas tratava-se não simplesmente de um assalto e morte em São Paulo, desconectado de fatos passados no Acre e relacionados à CPI das obras realizadas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, como o caso do Canal da Maternidade. Aliás, um outro fato relevante é o anúncio recente da retomada das obras do Canal da Maternidade. Faz-se necessário examinar se essa obra vai ser realizada com o sobrepreço constatado na CPI ou se houve uma reformulação da licitação considerada irregular. São fatos que merecem de pronto a nossa ação como fiscalizadores das ações do Executivo e do Judiciário. É importante que façamos o ofício tanto ao Governador de São Paulo, quanto à Procuradoria-Geral da República.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e esclareço que houve um grande esforço por parte da Assembléia Legislativa e da sociedade acreana, que não se conformaram com o resultado das investigações da Polícia de São Paulo. Não concordamos com a conclusão de que houve um simples assassinato por roubo e não por questões políticas, envolvendo o escândalo do Canal da Maternidade e da CPI das obras, onde o Governador do Estado do Acre faria um depoimento no dia seguinte à sua morte. Assim, conseguimos a reabertura do processo, mas, infelizmente, o resultado foi o mesmo: os que o reexaminaram deram como veredicto final que as primeiras investigações estavam corretas. Isso ainda não nos convenceu.

Fatos dessa natureza, como os que estão citados nesta coluna, levam-nos a crer que a sociedade acreana tinha razão. Não sou do partido do Governador assassinado, mas estou, com certeza, do lado daqueles que querem ver fazer-se justiça neste País.

No Acre, assim como em Rondônia e em vários Estados da Federação, a impunidade é uma constante, virou um estilo de vida, em que os contraventores da lei cometem os crimes e, muitas vezes, a Justiça se cala, até por falta de estrutura. A Polícia Federal do Estado do Acre não tem as mínimas condições de trabalho. Quem vê os agentes policiais trabalhando poderia até dizer que são heróis porque não possuem qualquer estrutura. A Polícia Militar está completamente desestruturada, inclusive com problemas sérios, envolvendo até casos de denúncia de corrupção. A Polícia Civil envereda pelos mesmos caminhos, apesar dos esforços de algumas pessoas que, de forma isolada, tenta dar o mínimo de credibilidade a essas instituições.

Gostaria de somar o meu esforço ao de vários outros Srs. Senadores para que denúncias como essas não sejam vistas apenas como um caso isolado dos Estados do Norte e do Nordeste.

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª. MARINA SILVA - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Esperidião Amin - Não era minha intenção interferir no pronunciamento de V. Exª à medida que a questão, sendo do seu Estado, já foi suficientemente debatida pelo Senador Eduardo Suplicy. As duas observações feitas por V. Exª estimularam-me a fazer este aparte para cumprimentá-la pela oportunidade. Primeiro, o Governador Edmundo Pinto pertencia ao meu partido. Por isso, sempre que fomos instados, manifestamo-nos a favor da completa apuração daqueles fatos. Manifestei-me, certa feita, inconformado pelo curso da investigação que ocorria no Estado de São Paulo, pela circunstância do ocorrido. Comentava a respeito disso com o Senador Pedro Simon uma semana antes do assassinato do Sr. Edmundo Pinto. Juntamente com o Senador Ronan Tito fui participar de um programa de televisão cujo nome era, se não me engano, "Vamos sair da crise", do jornalista Alexandre Machado, e ficamos ambos hospedados no mesmo hotel, o Della Volpi, que é conveniado com o programa da TV Gazeta. Se a memória não me falha, coube a mim o apartamento 704, em que, uma semana após, veio acontecer o infausto acontecimento. Nunca me entrou na cabeça como aquilo poderia acontecer sem que a polícia de São Paulo, que é relativamente bem equipada, pudesse dar ao assunto uma completa e convincente solução. A solução dada pela polícia, tanto quanto conheço, foi de ter encontrado pessoas que teriam praticado um latrocínio. Quem sou eu para julgar a polícia! Entretanto este é um fato de difícil aceitação: entrar num hotel e roubar aquele quarto, sem que houvesse uma direção. Aquele quarto, eu o ocupei há uma semana, presumo. Isso nunca entrou em minha cabeça, pois nunca foi satisfatório. O segundo assunto, muitas vezes comentado pelo Senador Eduardo Suplicy, por isso considerava razoavelmente abordado, é que a questão dizia indiretamente respeito ao Senado, porque o então Governador Edmundo Pinto estava requisitado, ou convidado, ou convocado, não sei, para prestar um depoimento na CPI das Obras Públicas, exatamente para tratar da questão do Canal da Maternidade. O Presidente ou o Relator era, salvo engano, o Senador Ruy Bacelar, e a convocação era para terça-feira, suponhamos. O assassinato ocorreu num sábado à noite antecedente, a 72 horas do depoimento do então Governador, perante a CPI que investigava o superfaturamento em obras públicas e, particularmente, naquela obra. Como se não bastasse isso, que não ficou esclarecido, vem V. Exª nos informar de outros fatos perfeitamente previsíveis, visto que relacionados a pessoas implicadas ou que participaram da denúncia dessa questão. Assim, é um incidente deplorável sob todos os títulos, e, junto com V. Exª, participo da opinião de que o Senado tem de se manifestar. É uma questão nacional; não é uma questão local, até porque - repito - o homicídio ocorreu fora do seu Estado, e o Governador vinha depor no Senado. Não depôs porque foi abatido a tiros. E ficou por isso. E outra morte ocorreu, dando a sensação de frustração para aqueles que queremos não apenas fazer leis boas, mas, acima de tudo, leis úteis à sociedade.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Esperidião Amin, e poderia até repetir o que está aqui:

      "O diário citava vários grupos que desejariam sua morte. Entre eles, os mandantes do assassinato de Edmundo Pinto, Governador do Estado do Acre".

Ora, a Justiça tem em mãos um diário de alguém que conseguiu profetizar sua morte. Nesse diário ele cita que essas pessoas estavam envolvidas também no assassinato do Governador Edmundo Pinto. Essa pessoa que foi assassinada era um dos membros da comissão de licitação do Canal da Maternidade, que gerou toda essa polêmica e todas essas suspeitas, inclusive, por esse motivo, o Governador prestaria um depoimento aqui na Comissão do Senado, que infelizmente não pôde acontecer, porque ele morreu um dia antes.

Por essas razões, a Justiça brasileira, principalmente o Ministério da Justiça e a Procuradoria-Geral da República devem agir com o devido rigor. Não podemos calar-nos face à impunidade, porque o cidadão comum, repito, mais uma vez vai julgar que, se para o assassinato do Governador aceita-se qualquer tipo de versão, então ele próprio já não pode sequer acreditar na justiça; e, em algumas circunstâncias, a possibilidade de que venha a justiça, é a única esperança que lhe resta.

No entanto, cada vez mais no nosso País, as pessoas estão dependendo quase que exclusivamente da justiça dos Céus. Só que a justiça dos Céus fica para um outro plano, e precisamos de justiça na Terra. Essa tem que ser feita pelos homens que de direito deveriam fazê-la.

Quero encerrar, Sr. Presidente, dizendo que, juntamente com o Senador Eduardo Suplicy, que já estava atuando nesse caso no sentido de que ele seja devidamente esclarecido, irei à Procuradoria-Geral da República tomar as devidas providências para que o Governo brasileiro possa agir com rigor com relação a essas denúncias que temos hoje na coluna de Gilberto Dimenstein. Repito que não se trata de um caso isolado do Acre. Isso ocorre no sul do Pará, em Rondônia, e precisa deixar de ser um estilo de vida a impunidade no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 07/04/1995 - Página 4770