Pronunciamento de João Pedro em 18/04/2007
Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre a situação do índio no Brasil.
- Autor
- João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
- Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDIGENISTA.
SAUDE.:
- Considerações sobre a situação do índio no Brasil.
- Aparteantes
- Paulo Paim.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/04/2007 - Página 10753
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA. SAUDE.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, NECESSIDADE, SENADO, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO, POLITICA, INCLUSÃO, GRUPO INDIGENA, SOCIEDADE, GARANTIA, CIDADANIA, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL.
- SAUDAÇÃO, PAULO PAIM, SENADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ANUNCIO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, LIDERANÇA, GRUPO INDIGENA, DEBATE, DEMARCAÇÃO, PROTEÇÃO, TERRAS, POLITICA, FACILITAÇÃO, ACESSO, SAUDE, EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PROCESSO, RENOVAÇÃO, ESTATUTO, COMUNIDADE INDIGENA.
- CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEMORA, APRECIAÇÃO, ESTATUTO, INDIO, DEFESA, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ANALISE, REIVINDICAÇÃO, GRUPO INDIGENA, LIBERDADE, ADMINISTRAÇÃO, ATIVIDADE POLITICA, ATIVIDADE ECONOMICA.
- ANUNCIO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INSTALAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, COMISSÃO NACIONAL, POLITICA INDIGENISTA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA SOCIAL, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, INDIO.
- IMPORTANCIA, GRUPO INDIGENA, ATENÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL, OBRAS, PROGRAMA, ACELERAÇÃO, CRESCIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, PREJUIZO, TERRAS, COMUNIDADE.
- GRAVIDADE, EPIDEMIA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), CONTAMINAÇÃO, INDIO, NECESSIDADE, AUTORIDADE, FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), PROVIDENCIA, PREVENÇÃO, DOENÇA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, REGIÃO.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Penso que pelo avanço da hora...
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - É minuto, e a nota que V. Exª merece é dez, por representar aquele grandioso Estado.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ...só o espírito público de V. Exª e dos servidores da Casa também.
Sabe-se que o Estado do Amazonas tem a maior população indígena do Brasil: 113 mil índios - censo do IBGE de 2000. E o Estado de V. Exª tem a menor população indígena do Brasil: 0,36%, ou seja, 2.644 índios - também censo de 2000. O Estado de São Paulo tem 63 mil índios, 8% da população indígena do País. O Rio Grande do Sul, do Senador Paulo Paim, tem uma população de 38 mil índios, 5% da população indígena no Brasil. Veja que é um numero significativo.
Não poderia deixar de fazer este registro - e farei o possível para terminar estas linhas - sobre o dia de amanhã, 19 de abril, que é consagrado à luta dos povos indígenas. Por isso, hoje, nesta Casa, quero prestar homenagem e reverência aos primeiros habitantes da Pátria brasileira e dizer da minha disposição e da disposição desta Casa para lutarmos pelo aperfeiçoamento da convivência democrática e plural de seus cidadãos, condição que implica justiça social, tolerância e solidariedade.
Lembro-me de um Senador que já se foi, mas deixou um legado de luta em defesa dos povos indígenas, Senador estudioso, antropólogo, o inesquecível Darcy Ribeiro.
Tornou-se recorrente dizermos que este País é multicultural, multirracial, interétnico. Mas será que esses conceitos de sociedade se sustentam no confronto com o quotidiano dos brasileiros marginalizados pelo poder econômico, pelo preconceito, pelo racismo, pela intolerância e pela indiferença? Não, Sr. Presidente. O Brasil justo, plural e de muitas vozes é um objetivo que ainda devemos perseguir todos os dias, sempre vigilantes para não repetirmos os erros do passado e nem retroagirmos nas conquistas que enaltecem a convivência e a dignidade humana.
A História do Brasil é o próprio exemplo de que não podemos vacilar nas decisões que se traduzem no reconhecimento da luta secular dos povos indígenas por cidadania plena, por meio do fim da tutela autoritária da União, pela demarcação e proteção de suas terras e por acesso a serviços públicos que lhes garantam melhoria da qualidade de vida.
Temos que reconhecer que a dívida do Brasil para com os povos indígenas é muito grande, a começar pelas vítimas diretas do processo de colonização que, infelizmente, não cessaram até hoje por conta da má-fé, incompetência, incompreensão ou dos equívocos do Estado brasileiro.
Dos estimados cinco milhões que habitavam o Brasil em 1500, restam cerca de 700 mil povos indígenas falantes de 180 idiomas. Na Região Amazônica brasileira, vivem 170 povos.
O Cimi, Conselho Indigenista Missionário, apresenta alguns dados: seriam 180 línguas, 241 povos indígenas e 850 terras indígenas.
Sr. Presidente, a luta dos índios por vida digna é permanente. Agora mesmo, ao menos mil líderes de diversas etnias estão acampados na Esplanada dos Ministérios. Penso que é um gesto louvável do nosso Presidente da Comissão de Direitos Humanos, um gesto desta Casa, recebê-los, em sessão solene, no dia de amanhã. Quero parabenizar a iniciativa do Senador Paulo Paim.
Estão acampados na Esplanada dos Ministérios para debater, sob os olhares dos gestores públicos, dos políticos e da imprensa, a demarcação e proteção de suas terras, políticas de saúde e educação, participação das políticas públicas, e a criação de um novo estatuto para os povos indígenas - ao qual, segundo eles, segundo as lideranças, devem estar vinculados temas como a mineração em terras indígenas, um tema polêmico.
Aliás, Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para registrar que o projeto que trata do novo estatuto do índio está parado há quase 20 anos na Câmara dos Deputados. Na ausência de uma lei moderna que compreenda e atenda à diversidade étnica e cultura desses bravos brasileiros, prevalecem normas autoritárias que os tratam como tutelados, pessoas incapazes de decidir sobre o seu próprio destino. Essa demora só favorece a ação de grupos políticos e econômicos antiindígenas, que solapam terras e recursos naturais de áreas demarcadas e não-demarcadas.
Um novo estatuto poderia abrigar todos os assuntos de interesse dos povos indígenas. Isso evitaria que fossem discutidos separadamente e sem a participação dos próprios interessados. É importante frisar que, assim como todas as demais leis do País, o novo Estatuto dos Povos Indígenas deve passar pelo ritual democrático do debate aberto e plural, com a participação das etnias, para que se torne um instrumento eficaz e duradouro a serviço da sociedade brasileira. Do mesmo modo, é estranho constatar que essa proposta de lei esteja adormecida nos escaninhos do Congresso Nacional como se não fosse importante para a Nação.
Esta Casa e o Brasil sabem, Sr. Presidente, que leis obsoletas deixam a sociedade vulnerável, sujeita à ação de grupos econômicos e políticos inescrupulosos e de gestores públicos mal-intencionados e inoperantes. Defendo que o Legislativo e que o Executivo analisem com muito zelo e atenção as reivindicações dos povos indígenas relacionadas à sua liberdade política, administrativa e financeira. Por sinal, o movimento indígena brasileiro há muito tempo desenvolve, no seu cotidiano, interlocução direta com instituições nacionais e multilaterais na busca de solução às demandas sociais que defende. Trata-se da prova de que a luta política indígena está cada vez mais madura e fortalecida nas suas bases.
Amanhã, por exemplo, o Presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Dr. Márcio Meira, instalará aqui em Brasília - destaco que essa comissão é composta por representantes de todas as regiões do País - a Comissão Nacional de Política Indigenista, a CNPI, vinculada ao Ministério da Justiça, um colegiado de 20 lideranças que discutirá as políticas públicas nacionais para o setor. A CNPI é resultado de muita luta, pois se constitui num fórum que definirá ações de governo determinadas pela realidade dos povos indígenas e não pela conveniência ou pelo humor de gestores públicos de plantão. Ora, Sr. Presidente, a CNPI é uma instância transitória para a constituição do Conselho Nacional de Política Indigenista, órgão que dará mais poder e substância às decisões provenientes das bases do movimento indígena brasileiro.
Ainda nessa direção, percebo que é justa a preocupação dos líderes indígenas com os prováveis impactos sociais e ambientais das grandes obras do Governo sobre suas terras, principalmente as incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. É recomendável que o nosso Governo, o Governo do Presidente Lula, não deixe de ouvi-los. A infra-estrutura é importante, mas a história e o reconhecimento da cultura e dos territórios indígenas são muito importantes também.
Entre as obras que atingem áreas indígenas estão as Usinas Hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, e do Rio Madeira, em Rondônia, todas localizadas na nossa Amazônia. Também terão a atenção desta Casa no momento oportuno, porque vamos discutir o PAC.
É possível observar que a questão indígena no Brasil é muito complexa não só pela dimensão territorial e pela diversidade étnica, mas sobretudo pelos vícios incrustados na estrutura do Estado brasileiro, que tornam as ações dos governantes lentas. Evidentemente que se somam a essa situação de marasmo a inoperância e ineficiência de gestores não-qualificados para lidar com as peculiaridades e hábitos das culturas indígenas. Precisamos mudar esse quadro desolador. Precisamos dialogar cada vez mais com os povos indígenas para que possamos nos orientar melhor a respeito das necessidades deles,...
(Interrupção do som.)
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ...seja por intermédio da elaboração de leis, seja por meio da recomendação de ações diretas ao Poder Público em assuntos urgentes que lhes afligem.
Tenho mais algumas palavras nessa preocupação de lidar com os povos indígenas e, acima de tudo, respeitá-los.
Antes de concluir, eu gostaria de conceder um aparte ao nosso Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Senador Paulo Paim, que tem uma preocupação e um legado de trabalho com esse segmento importante da sociedade, com a luta dos povos indígenas no Brasil.
Concedo um aparte a V. Exª.
O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Pedro, só quero cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento. V. Exª mostra que conhece com profundidade essa questão. V. Exª me dizia, hoje, que com certeza estará, amanhã,...
(Interrupção do som.)
O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - ...na audiência, ouvindo e defendendo o ponto de vista da nação indígena. V. Exª, no seu pronunciamento, foi brilhante, detalhou para o País a situação e a gravidade do nosso povo da floresta, assim dito. Uso muito o termo “nação indígena”. Por isso, quero aplaudi-lo pelo pronunciamento. Quem dera no Parlamento brasileiro, e também nos Estados, tivéssemos mais pessoas como V. Exª, Senador João Pedro, que dedicam grande parte da sua vida a defender a causa daqueles que mais precisam. E, sem sombra de dúvida, os povos indígenas precisam da sua voz, das nossas vozes. Eles estão dando seu grito. Esse grito tem de ser ouvido aqui, no Poder central. Parabéns a V. Exª.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.
(Interrupção do som.)
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Presidente Mão Santa, eu gostaria de dois minutos para definitivamente encerrar este pronunciamento, porque quero dar um exemplo.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pode ficar à vontade. A Presidência tem toda admiração pelos conhecimentos profundos de V. Exª. Em poucos dias que está aqui, representou com muita grandeza a história do Amazonas, que é a história do índio brasileiro. V. Exª iguala-se ao nosso Darcy Ribeiro, que tanto se dedicou a isso e escreveu seu livro, O povo brasileiro.
O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado, mas estou longe da competência do grande estudioso dos povos indígenas que foi Darcy Ribeiro. Muito longe.
Mas gostaria de exemplificar que agora mesmo, no meu Estado, no Estado do Amazonas, uma epidemia de hepatite atinge o Vale do Javari - o Vale do Javari é um rio belíssimo que separa o Brasil da Colômbia, no Alto Solimões -, colocando em perigo a vida de centenas de índios morubos, matses, canamaris, culinas e corubos. Vinte e cinco por cento dos indígenas dessa região estão contaminados pelo vírus da Hepatite Delta, a forma mais perigosa da doença, e mais de 85% já tiveram contato com o vírus de outros tipos de hepatite. Não bastarão as medidas curativas adotadas pelos órgãos de saúde pública. Caso não sejam tomadas medidas que previnam a doença por meio da melhoria da qualidade de vida das populações dessa região, vamos ter uma tragédia.
Hoje, ela manhã, liguei para a presidência da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, para que tomassem uma providência na competência direta da Fundação. Foi com um olhar e o compromisso humanitário que fiz essa ligação, esperando que possam ajudar esses povos que estão lá naquele distante Brasil, verde, na fronteira com a Colômbia e o Peru.
Sr. Presidente, há mais algumas páginas, poucas, mas quero dar como lido este pronunciamento porque as páginas lidas externam o nosso compromisso de lutar ao lado dos povos indígenas, que têm um legado: começaram o Brasil.
Quando a Europa chegou, no século XVl, aqui eles estavam e foram ameaçados. Ali começou aquele processo.
Sr. Presidente, quero agradecer a atenção dos nossos Pares que aqui estão e digo que estarei, amanhã, na solenidade que o Senado vai prestar aos povos indígenas do Brasil que estão representados nesse acampamento em frente à nossa Casa.
Muito obrigado.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, O PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOÃO PEDRO.
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o sr. joão pedro (Bloco/pt - am. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia de amanhã, 19 de abril, é consagrado à luta dos povos indígenas. por isso, hoje, nesta casa, quero prestar homenagem e reverência aos primeiros habitantes da pátria brasileira, e dizer-lhes da minha disposição e da disposição desta casa de lutarmos pelo aperfeiçoamento da convivência democrática e plural de seus cidadãos, condição que implica justiça social, tolerância e solidariedade.
Tornou-se recorrente dizermos que o Brasil é um país multicultural, multirracial e inter-étnico. mas será que esses conceitos de sociedade se sustentam no confronto com o cotidiano dos brasileiros marginalizados pelo poder econômico, pelo preconceito, pelo racismo, pela intolerância e pela indiferença? Não, Sr. Presidente, o Brasil justo, plural e de muitas vozes é um objetivo que ainda devemos perseguir todos os dias, sempre vigilantes para não repetirmos os erros do passado, nem retroagirmos nas conquistas que enaltecem a convivência e a dignidade humana.
A história do Brasil é o próprio exemplo de que não podemos vacilar nas decisões que se traduzam no reconhecimento da luta secular dos povos indígenas por cidadania plena, por meio do fim da tutela autoritária da união, pela demarcação e proteção de suas terras, e por acesso a serviços públicos que lhes garantam melhoria de qualidade de vida.
Temos que reconhecer que a dívida do Brasil para com os povos indígenas é muito grande, a começar pelas vítimas diretas do processo de colonização, que, infelizmente, não cessaram até hoje, por conta da má-fé, da incompetência, da incompreensão ou dos equívocos do estado brasileiro. dos estimados cinco milhões que habitavam o Brasil em mil e quinhentos, restam cerca setecentos mil povos indígenas, falantes de cento e oitenta idiomas. na região amazônica brasileira, vivem cento e setenta povos.
Sr. Presidente, a luta dos índios por vida digna é permanente. agora mesmo, ao menos mil líderes de diversas etnias, estão acampados na esplanada dos ministérios, para debater, sob os olhares dos gestores públicos, dos políticos e da imprensa, a demarcação e proteção de suas terras, políticas de saúde e educação, participação nas políticas públicas, e a criação de um novo estatuto para os povos indígenas - ao qual, segundo eles, devem estar vinculados temas como o da mineração em terras indígenas.
Aliás, Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para registrar que o projeto que trata do novo estatuto do índio está parado há quase vinte anos na câmara dos deputados. na ausência de uma lei moderna, que compreenda e atenda à diversidade étnica e cultural desses bravos brasileiros, prevalecem normas autoritárias que os tratam como tutelados, pessoas incapazes de decidir sobre seu próprio destino. essa demora só favorece a ação de grupos políticos e econômicos antiindígenas, que solapam terras e recursos naturais de áreas demarcadas e não-demarcadas.
Um novo estatuto poderia abrigar todos os assuntos de interesse dos povos indígenas - isso evitaria que eles fossem discutidos separadamente e sem a participação dos próprios interessados. é importante frisar que, assim como todas as demais leis do país, o novo estatuto dos povos indígenas deve passar pelo ritual democrático do debate aberto e plural, com a participação das etnias, para que se torne um instrumento eficaz e duradouro a serviço da sociedade brasileira. do mesmo modo, é estranho constatar que essa proposta de lei esteja adormecida nos escaninhos do congresso nacional, como se não fosse importante para a nação.
Esta casa e o Brasil sabem, Sr. Presidente, que leis obsoletas deixam a sociedade vulnerável, sujeita a ação de grupos econômicos e políticos inescrupulosos, e de gestores públicos mal-intencionados e inoperantes. defendo que legislativo e o executivo analisem com muito zelo e atenção as reivindicações dos povos indígenas relacionadas a sua liberdade política, administrativa e financeira. por sinal, o movimento indígena brasileiro há muito tempo desenvolve, no seu cotidiano, interlocução direta com instituições nacionais e multilaterais na busca de solução às demandas sociais que defende. trata-se da prova de que a luta política indígena está cada vez mais madura e fortalecida nas suas bases.
Amanhã, por exemplo, o presidente da Fundação Nacional Do Índio (Funai), Márcio Meira instalará aqui em Brasília. destaco que esta comissão é composta por representantes de todas as regiões do país. a Comissão Nacional de Política Indigenista, a CNPI, vinculada ao ministério da justiça, um colegiado de vinte lideranças que discutirá as políticas públicas nacionais para o setor. a CNPI é resultado de muita luta, pois se constitui num fórum que definirá ações de governo determinadas pela realidade dos povos indígenas, e não pela conveniência ou humor de gestores públicos de plantão. ora, Sr. Presidente, a CNPI é uma instância transitória para a constituição do conselho nacional de política indigenista, órgão que dará mais poder e substância às decisões provenientes das bases do movimento indígena brasileiro.
Ainda nesta direção, percebo que é justa a preocupação dos líderes indígenas com os prováveis impactos sociais e ambientais das grandes obras do governo sobre suas terras, principalmente as incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. É recomendável que o governo não negligencie no diálogo público com as populações afetadas pelas anunciadas obras de infra-estrutura, tão necessárias ao desenvolvimento social do país. entre as obras que atingem áreas indígenas estão as usinas hidrelétricas de belo monte, no Pará, e do rio Madeira, em Rondônia também terão a atenção desta casa, no momento oportuno.
É possível observar que a questão indígena no Brasil é muito complexa, não só pela dimensão territorial e pela diversidade étnica, mas, sobretudo, pelos vícios incrustados na estrutura do estado brasileiro, que tornam as ações governamentais lentas. evidentemente, que se somam a essa situação de marasmo a inoperância e ineficiência de gestores públicos não-qualificados para lidar com as peculiaridades e hábitos das culturas indígenas. precisamos mudar esse quadro desolador, precisamos dialogar cada vez mais com os povos indígenas, para que possamos nos orientar melhor a respeito das necessidades deles, seja por intermédio da elaboração de leis, seja por meio da recomendação de ações diretas ao poder públicos em assuntos urgentes que lhes afligem.
Agora mesmo, no meu estado, Sr. Presidente, uma epidemia de hepatite atinge o vale do Javari, no alto Solimões, e coloca em perigo a vida centenas de índios morubos, matses, canamaris, culinas e corubos. vinte e cinco por cento dos indígenas dessa região estão contaminados pelo vírus da hepatite delta, a forma mais perigosa da doença, e mais de oitenta e cinco por cento já tiveram contato com o vírus de outros tipos de hepatite. não bastarão as medidas curativas adotadas pelos órgãos de saúde pública, caso não sejam tomadas medidas que previnam a doença por meio da melhoria da qualidade de vida das populações dessa região. farei gestão junto à fundação Osvaldo Cruz, por intermédio do ministério da saúde, no sentido de buscar medicamentos, em caráter de urgência, para atender aquelas comunidades indígenas afetadas por essa epidemia.
Escolhi a epidemia de hepatite do vale do javari como uma situação emblemática dos inúmeros problemas que afetam a saúde e a tranqüilidade dos índios brasileiros, como a invasão, por garimpeiros e madeireiros, das terras dos ianomamis, em Roraima, e dos cintas-largas, em Rondônia; ou ainda os casos dependência alcoólica em São Gabriel Da Cachoeira, também no meu estado, e a morte por desnutrição de crianças da etnia guarani-kaiová, no Mato Grosso Do Sul.
No rol das tragédias, não poderia esquecer-me do aguerrido Galdino pataxó, líder do povo pataxó hã-hã-hãe, assassinado em Brasília, caso de triste memória. Galdino, há dez anos, estava aqui em Brasília, para, em nome do seu povo, exigir que fazendeiros desocupassem suas terras, no sul da Bahia. por mais incrível que possa parecer, o conflito do povo de Galdino com os invasores está sem solução até hoje. o processo de nulidade dos títulos emitidos pelo estado da Bahia sobre as terras dos pataxós hã-hã-hãe aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. uma espera que já demora vinte e quatro anos.
Galdino foi queimado vivo na madrugada do dia vinte de abril, de mil novecentos e noventa e sete, aos quarenta e quatro anos de idade. ele perguntava aos jovens que o socorreram, -por quê fizeram isso comigo? podemos usar essa mesma pergunta do Galdino e nos perguntar, por que fazemos isso com eles? Vinte e quatro anos de espera para uma decisão judicial sobre o direito a terra!
Sr. Presidente, essa casa há de lembrar que esse crime bárbaro chocou a sociedade brasileira, mas, lamentavelmente, nem mesmo a sua estrondosa repercussão e a punição dos agressores foram suficientes para impedir outras atrocidades contra os povos indígenas.
Os números de violência levantados pelo conselho indigenista missionário (CIMI), instituição vinculada à igreja católica, infelizmente, são alarmantes. nos últimos dez anos, duzentos e cinqüenta e sete indígenas foram mortos no Brasil. as causas mais comuns dessa violência se relacionam à disputa por terras e seus recursos naturais.
na última segunda-feira, o jornal “o Correio Braziliense” publicou uma entrevista com o novo presidente da Funai, Márcio Augusto de Meira, que se comprometeu a trabalhar para fortalecer o órgão que preside. a funai tem hoje cerca de dois mil funcionários, cujo salário médio é de mil e quinhentos reais. é pouca gente para muito trabalho. é uma remuneração baixa para tamanha responsabilidade.
Evidentemente, que também dispomos de dados animadores, graças à luta histórica dos índios e ao amadurecimento da sociedade brasileira, que tem agido pela afirmação da diversidade cultural e étnica do país. qualquer dado positivo se perde no mar de desatenção ao qual foi relegada a população indígena brasileira nos últimos quinhentos anos, mas é um bom começo na direção da correção de erros e injustiças cometidos pelo estado brasileiro.
O censo demográfico, por exemplo, passou a contar os índios de maneira diferenciada a partir de mil novecentos e noventa e um. no último grande levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dois mil, setecentos e trinta e quatro mil pessoas se auto-declararam indígenas. um sinal de que estamos reconhecendo e valorizando nossas raízes, afirmando nossa identidade.
Hoje um morador da Amazônia, do cerrado, do pantanal, da Mata Atlântica, já não tem mais vergonha de proclamar publicamente que é indígena. ser índio já não é sinal de atraso, sinônimo de preguiça. é, sim, símbolo do conhecimento tradicional, do jeito de ser guerreiro e, ao mesmo tempo, solidário, qualidades que caracterizam brasilidade.
Penso que, hoje, os povos indígenas não são mais lembrados apenas nas aulas de história, nos museus, no dia 19 de abril. eles fazem, efetivamente, parte da história presente, são personagens do cotidiano que têm papel de destaque na construção de um futuro de desenvolvimento sustentável para o Brasil.
Sr. Presidente, um estudo conjunto de sete instituições de pesquisa nacionais e norte-americanas comparou as taxa de desmatamento dentro e fora das áreas indígenas. foi um trabalho exaustivo, que durou três anos. os pesquisadores analisaram os dados de cento e vinte e uma terras indígenas brasileiras. a conclusão a que eles chegaram é impressionante. a ciência comprovou o que o senso comum já antevia: os índios são os grandes protetores da floresta. o desmatamento dentro das terras indígenas é, em média, dez vezes menor que fora delas. isso demonstra que, em tempos de aquecimento global, precisamos compreender melhor o modo de vida e o pensamento dos povos que zelam pelo uso racional dos recursos naturais do planeta.
Sendo assim, é de se louvar que a luta dos povos indígenas pela demarcação de suas terras tenha avançado bastante. hoje temos quase treze por cento do território nacional ocupado por áreas indígenas já demarcadas, homologadas ou em processo de demarcação.
E o governo lula tem se destacado no reconhecimento e atendimento de justas demandas históricas. o exemplo mais emblemático talvez seja a homologação da terra indígena raposa serra do sol, em Roraima, com um milhão e setecentos mil hectares. há fazendeiros que ainda insistem em não desocupar as terras que invadiram, mas certamente serão derrotados, em breve, pela força da lei.
Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, encerrarei este pronunciamento com uma história exemplar do povo kambeba, que habita o rio Negro, no meu querido estado do Amazonas.
Os kambeba foram proibidos, pelos colonizadores, de se expressar na sua língua de origem. mas atualmente, graças aos esforços de educadores de instituições governamentais e não-governamentais, mais a vontade política de seus líderes, as catorze famílias da pequena aldeia três unidos, nas margens do negro, contam com uma escola bilíngüe, onde as crianças aprendem português e kambeba. ali eles também há um centro de saúde, construído com verba da Funasa, para atender seis aldeias. Valdemir Cruz, o pajé dos kambeba, é o grande entusiasta dessa empreitada que tem como meta devolver o que há de mais valoroso e precioso na cultura de um povo, que é língua-mãe.
Srs. Senadores, Srªs Senadoras, os povos indígenas, assim como os demais brasileiros, lutam por um Brasil mais justo, mais humanizado e, acima de tudo, mais plural e democrático. por isso, quero assegurar, publicamente, que contam com o meu apoio.