25/09/2023 - 65ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 65ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 8, de 2023, desta Comissão, de minha autoria e de outros Senadores e Senadoras, para discutirmos o Estatuto do Trabalho.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211.
Como é de praxe, vou fazer uma pequena introdução, que seria a fala do Presidente, sobre o tema que estamos debatendo.
Os primeiros passos do novo Estatuto do Trabalho ou a nova CLT ou a CLT do século XXI, como tem mencionado, foram dados com apresentação da SUG nº 12, de 2018. Essa SUG é assinada por inúmeras entidades, embora muito antes termos realizado diversos debates sobre o tema na Subcomissão do Estatuto do Trabalho, criada nesta Comissão de Direitos Humanos. Nós estamos há praticamente quatro a cinco anos debatendo esse tema, baseado na SUG 12.
A iniciativa surgiu devido aos permanentes direitos tirados da CLT. Eram permanentes que foram sendo retirados, especialmente nas ditas reformas trabalhistas. Entendo eu que as alterações legais são importantes e necessárias porque o mundo do trabalho também sofreu modificações.
É isso que nós queremos fazer, avançar, modernizar, mas sem perder direitos. Por isso que eu digo que elas devem caminhar no sentido de trazer benefícios para os trabalhadores, tanto do campo como da cidade.
A Sugestão 12, de 2018, fizemos questão de destacar, foi apresentada pela Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e simbolicamente também pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas.
Como eu dizia antes, nesses praticamente cinco anos, recebemos contribuições da Cesit Unicamp, do Movimento dos Advogados Independentes, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministros do TST, centrais sindicais, federações, sindicatos e muitos outros colaboradores.
A presente audiência tem por finalidade dar seguimento à construção do Estatuto do Trabalho, fazendo um apanhado dos caminhos trilhados até aqui e traçar as perspectivas para os próximos caminhos a serem abertos. Precisamos resgatar o espírito original da construção da nossa CLT, assegurando os direitos adequados a esse novo mundo do trabalho.
O novo estatuto trará o necessário equilíbrio nas relações de trabalho, fortalecendo os caminhos da democracia em prestígio aos valores sociais do trabalho e também dos empregadores, porque o interesse nessa atualização interessa tanto ao empregado como também aos empregadores.
R
E, por isso, eu já adianto que já está confirmado que, neste fim de semana, eu vou estar em Joinville com esse tema e todos os painelistas já confirmaram, como também as entidades de trabalhadores e de empregadores. E, nos dias 28 e 29, eu vou estar em Campo Grande, dizem que o calor lá está para matar, como diz o outro, mas vamos lá, se o povo está aguentando, a gente aguenta também. Mas vamos para Campo Grande para fazer o debate também lá naquela região, numa linha de unir os três estados do Sul. Já fizemos no Rio Grande do Sul e já está previsto, inclusive, um específico no Paraná, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia. Mas isso vamos fazendo dentro do limite. Eu sempre digo que, embora eu fique muito contente, porque ali, no Congresso em Foco, eu recebi três prêmios... Um deles foi o de Senador, digamos, de mais votos na Região Sul, pegando os três estados, e também fiquei entre os cinco escolhidos pelos jornalistas e também pela internet.
O interessante, nessa construção coletiva que a gente tem feito, é no sentido de apontar caminhos. A Ministra Anielle disse lá, quando anunciou: "Ele não está aqui, mas ele devia estar", ela mandou o recado para mim depois. É meu compromisso, Anielle, no próximo Congresso em Foco, eu vou estar lá, eu me comprometo. E ela disse: "Esse é o homem dos estatutos", por causa do Estatuto do Idoso, da Igualdade Racial, da Pessoa com Deficiência, da Juventude, dos Ciganos e do Estatuto do Trabalho.
Eu tenho certeza de que, depois de uma ampla discussão que una Governo, empregados e empregadores, nós caminharemos para uma redação de entendimento. É só lembrar que foi importante a ida do Presidente Lula aos Estados Unidos e o debate lá com o Presidente americano, dos Estados Unidos, o Biden. O eixo do debate foi o trabalho decente e é isto que todos nós queremos: trabalho decente para todos. O Brasil não pode continuar sendo um entre os três países que tem mais acidentes de trabalho no mundo; um dos países que tem 32 milhões de pessoas que passam fome e que ainda o salário mínimo está muito distante da realidade, embora, com a nova aprovação do valor agora, crescendo a inflação mais PIB, vá melhorar com o tempo. Mas nós temos que continuar construindo uma realidade em que o salário decente tem que ficar vinculado também ao salário decente.
Não dá mais para nós sermos notícia internacional como o país que ainda tem trabalho escravo, por exemplo. Eu fiquei muito preocupado, e por isso que este momento é muito importante, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que terceirização poderá ser também na atividade de fim. A gente lamenta essa decisão, e compete ao Congresso agora fazer a lei que proteja o trabalhador contra o trabalho escravo.
Mas vamos lá aos nossos convidados. Vamos à primeira mesa presencial, convido o Consultor Legislativo do Senado Federal, Luiz Alberto dos Santos, que está nos ajudando muito nesta montagem.
Seja bem-vindo, Luiz Alberto. (Palmas.)
Nessa construção...
Convidamos Carolina Pereira Mercante, Diretora de Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT). (Palmas.)
R
Convidamos Dayna Lannes Andrade, Juíza, Diretora de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Está aqui conosco. (Palmas.)
E convidamos Marilane Teixeira, Pesquisadora e Representante do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). Está aqui também conosco. (Palmas.)
Eu quero adiantar que o Ministro Marinho, com qual eu tive uma boa conversa umas semanas atrás, disse que é legítimo o debate do mundo do trabalho com certeza absoluta.
Ele virá aqui para expor a sua pasta no próximo dia - o Ministro do Trabalho - 9, às 9h da manhã. Ele vai estar aqui para falar da sua pasta, naturalmente apontando caminhos, e como é que foi, inclusive, a reunião com o Presidente Lula, em que ele esteve presente, lá nos Estados Unidos, com o Presidente Biden, onde trabalharam e falaram muito do mundo do trabalho. (Pausa.)
Nós vamos começar pela mesa presencial e depois vamos para a virtual. Já estão aqui os nomes que serão os primeiros a serem chamados.
De imediato, por favor, o Advogado Luiz Alberto dos Santos, Consultor Legislativo do Senado Federal. Ele é que está nos ajudando - eu espero que não se aposente logo, porque tem que continuar nos ajudando - como Consultor do Senado e, mesmo se ele se aposentar, ele vai dizer: "Não, se eu me aposentar, vou continuar te ajudando". Principalmente neste tema, claro, e em outros, para a gente se socorrer dele. Ele tem nos ajudado muito durante todos os anos em que eu estou aqui no Congresso. Ele vem desde a Constituinte, não é?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas na Constituinte o Zé Pinto já estava comigo, e você veio em seguida, não é? Como assessor da Liderança, mas, claro, os assessores da Liderança ajudam muito também o Parlamentar.
De imediato, passo a palavra ao Advogado Luiz Alberto dos Santos, Consultor Legislativo do Senado Federal.
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS (Para expor.) - Primeiramente, o meu muito bom-dia a todos e todas que nos assistem aqui presencialmente e também pela internet, pelos canais do Senado Federal.
Mais uma vez, é uma honra, uma satisfação contribuir com o Senador Paulo Paim na discussão dos temas abordados aqui na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e, particularmente, em relação a um tema desta importância e magnitude que é a nova CLT, o Estatuto do Trabalho.
Parabenizo também o Senador pela premiação do Congresso em Foco, o reconhecimento do seu trabalho de décadas e que, a cada ano, se repete, na defesa dos trabalhadores, das minorias, dos direitos sociais e da proteção social, que é tão necessária ao povo brasileiro.
Cumprimento os demais membros da mesa e todos aqueles que participaram virtualmente.
E eu gostaria de começar aqui falando um pouquinho a respeito deste grande problema que nós temos no Brasil, que é o exagerado reformismo.
Próximo, por favor.
O exagerado reformismo. A impressão que a gente tem às vezes é de que o Brasil está caindo aos pedaços, que nada presta, que nada serve, e muitos da imprensa utilizam essa expressão: "O Brasil é o país das reformas, precisamos reformar".
E a gente tem visto, ao longo de décadas, já, apesar de termos passado por um processo constituinte, que este, sim, foi a grande reforma, a reforma da democracia, a reforma que nos trouxe de volta para o caminho da civilização, mas, desde que a Constituição de 1988 entrou em vigor, não paramos de falar um minuto em reformas.
R
Então, temos aí reforma trabalhista, reforma administrativa, reformas previdenciárias, reforma política, tributária, agrária, ensino médio, ministerial. E, de fato, muitas dessas reformas até realmente são importantes, necessárias para colocar o país no rumo da modernidade, mas em muitos outros momentos são movimentos de reforma que não mereciam esse nome, porque são retrocessos sociais, retirada de direitos, tentar retroceder a um estágio, inclusive, de barbárie. E isso nos causa grande preocupação.
E, quando nós examinamos a própria Constituição Federal, vejam que desde 1988 para cá, nós já tivemos 135 emendas constitucionais aprovadas, sendo seis emendas de revisão, grande instabilidade e insegurança jurídica provocada por essas mudanças, muitas vezes, pouco refletidas na nossa ordem jurídica.
Medidas provisórias, que é um instrumento que veio em substituição ao decreto-lei, utilizadas em profusão. Inclusive, isso já levou o Congresso, em mais de uma oportunidade, a alterar a Constituição para reduzir o uso das medidas provisórias. O próprio Supremo Tribunal Federal atuou nesse sentido, mas uma jurisprudência meio que volátil, porque ela acompanha o espírito do tempo, ou seja, governos neoliberais, tendência à jurisprudência alinhada com o princípio do neoliberalismo; governos progressistas, o Judiciário também muda um pouquinho ali o seu entendimento, ou seja, a baixa confiabilidade que nós temos na própria atuação do Poder Judiciário contribui para essa insegurança jurídica.
Além, claro, da instabilidade institucional decorrente das mudanças ministeriais. Já chegamos, inclusive, até à extinção do próprio Ministério do Trabalho, quer dizer, um absurdo que um país abra mão de ter estruturas ministeriais fundamentais para a proteção de direitos, não é?
Buscamos permanentemente pactos sociais, pactos entre o setor produtivo, entre os trabalhadores, enfim, pactos nos diferentes momentos e setores da sociedade. Mas isso não tem levado, de fato, a uma consolidação daquilo que seria desejável.
E não temos, de fato, não temos tido, ao longo de décadas, um projeto de desenvolvimento sustentável. Temos tido eventos, eventos nessa direção, mas não temos um projeto de desenvolvimento. Isso tem levado, inclusive, ao problema da desindustrialização do nosso país.
E, finalmente, a busca pela inclusão, que é marca de governos como o do Presidente Lula, mas que convive com momentos reiterados e repetidos de retrocesso social, que são resultantes inclusive das chamadas reformas.
Próximo, por favor.
E aí, nós podemos examinar aqui que no campo trabalhista, particularmente após 1988, em praticamente todos os governos, houve tentativas de reformas. Tivemos, no Governo Collor, uma série de tentativas de flexibilização de leis trabalhistas, inclusive por meio de projetos de lei que não foram aprovados, no que se refere à negociação coletiva, propostas de alteração do adicional de insalubridade.
Depois, no Governo Fernando Henrique Cardoso, tivemos uma série de modificações importantíssimas: trabalho por tempo determinado, banco de horas, tempo parcial, ampliação da terceirização, a própria denúncia da Convenção 158, da OIT, que o próprio Governo Fernando Henrique tinha ratificado, salários mínimos estaduais e a própria reforma da previdência, que, nos termos da Emenda 20, trouxe importantes modificações em ambos os regimes.
No Governo Lula, tivemos a tentativa de uma reforma sindical, no primeiro mandato ainda, com o reconhecimento também das centrais sindicais, a criação do microempreendedor individual. Tivemos ainda a reforma da previdência, a Emenda 41, e uma política de aumento real do salário mínimo, que foi um verdadeiro marco no que se refere à recuperação do poder de compra.
No Governo Dilma, tivemos algumas alterações, como reduções do abono salarial, reforma do seguro-desemprego, reforma de pensões por morte e a própria revisão da Lei do Descanso.
Essas são reformas comparativamente tímidas, pequenas, frente àquilo que nós vimos, por exemplo, logo em seguida, com a Ponte para o Futuro, do Presidente Temer, que trouxe primeiro a aprovação, num verdadeiro golpe de mão, de um projeto de lei que já estava parado há muito tempo, da terceirização em atividade fim, do trabalho temporário.
R
Tivemos, finalmente, a Lei nº 13.467, que foi exatamente a grande reforma trabalhista, que trouxe 201 alterações na CLT. Trouxe a figura do trabalho intermitente, ampliou a pejotização, trouxe esse conceito da prevalência do negociado sobre o legislado, regras sobre remuneração variável e, sobretudo, o fim da Contribuição Sindical e também o fim da ultratividade, ou seja, mudanças fundamentais e que trouxeram grandes prejuízos à classe trabalhadora.
O Governo Bolsonaro foi uma sucessão de tentativas, algumas delas concretizadas, outras não, na mesma direção. E lembremos aqui o famigerado Contrato Verde e Amarelo, que trazia a redução da multa sobre o Fundo de Garantia, o 13º antecipado, o trabalho aos domingos e feriados, restrições à própria fiscalização trabalhista - o que até levou o Supremo Tribunal Federal a se manifestar -, dupla visita generalizada, conceitos que a Lei da Liberdade Econômica também fortaleceu e ampliou.
Na covid tivemos a ampliação do teletrabalho, a suspensão de contratos, férias coletivas, suspensão de garantias e tivemos, também, a tentativa de precarização ampla no serviço público. Primeiro, a partir da medida provisória que trazia a contratação temporária, ampliando drasticamente as possibilidades de contratação temporária e a própria emenda da reforma administrativa, que felizmente não foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas que trazia novos vínculos para os servidores públicos, precarizando e praticamente eliminando a estabilidade. E tivemos, finalmente, uma reforma da previdência que foi uma verdadeira tragédia para os trabalhadores e para os servidores públicos.
É nesse contexto que nós temos que entender o Estatuto do Trabalho, que é uma proposta, como já disse o Senador, oriunda de um grupo de trabalho criado na Subcomissão do Estatuto do Trabalho, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. É um debate que se inicia, na verdade, em 2016, antes mesmo da própria reforma trabalhista ser aprovada. Nesse percurso, de lá para cá, de 2017 em diante, até 2018, foram realizadas 24 audiências públicas, com mais de 200 convidados participando dos debates.
Houve um grupo de trabalho que foi constituído e que resultou na elaboração de um anteprojeto, a Sugestão Legislativa nº 12, de 2018, como já disse o Senador, fruto do trabalho coletivo de várias entidades e que teve como resultado uma proposta ampla - próximo, por favor - que busca a regulamentação dos arts. 7º a 11 da Constituição Federal, regendo as relações de trabalho individuais e coletivas, urbanas e rurais, em seus diferentes aspectos, e que tem parte do diagnóstico, precisamente, no aumento da precarização das relações de trabalho, com redução salarial e aumento substancial de desemprego e informalidade, que são problemas crônicos na nossa sociedade.
Os objetivos principais são: o resgate dos direitos sociais fundamentais do trabalhador; o equilíbrio, atendendo aos ditames constitucionais que prestigiam os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa - ou seja, a Constituição não coloca a livre iniciativa acima dos direitos dos trabalhadores -; a proteção da dignidade da pessoa humana, que é um princípio basilar na nossa República.
E temos aí 595 artigos abordando os mais diferentes aspectos das relações trabalhistas, concluindo, ao final, por uma nova CLT, um novo estatuto, como disse aqui o Senador, que já é autor de vários estatutos. Os estatutos têm um papel fundamental que é exatamente o de assegurar estabilidade a um marco jurídico. Nós temos aí já o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Igualdade Racial. Vamos ter, provavelmente, ainda muitos outros estatutos, porque há uma carência, realmente, de reconhecimento e consolidação de direitos no Brasil.
A CLT cumpriu esse papel, quando editada, em 1943, e sobreviveu 80 anos. Portanto, é um marco no nosso sistema jurídico, uma lei que tenha durado 80 anos e que esteja ainda em vigor. E essa nova CLT começa trabalhando, precisamente, na perspectiva da proteção dos:
R
- direitos do trabalhador, como liberdade de expressão, à privacidade e integridade física, restrições ao monitoramento por vigilância eletrônica;
- direito a um ambiente seguro e saudável;
- direito à continuidade do contrato do trabalho, com a demissão apenas em caso de justo motivo ou a pedido do empregador, e a proteção do emprego contra a automação, que, aliás, é prevista na Constituição;
- repúdio forte e muito importante ao trabalho escravo...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - ... que é um atraso - nós temos, ainda hoje, no Brasil uma quantidade de ocorrências de trabalho escravo -;
- terceirização vedada, exceto em caso de trabalho temporário, transporte de valores e vigilância;
- medidas para fortalecer a igualdade de gêneros, em linha, inclusive, com aquilo que o próprio Presidente Lula já conseguiu aprovar aqui no Congresso Nacional no seu mandato;
- proteção à gestante, pessoas com deficiência, criança e adolescente - vários reconhecimentos importantes nessa área -;
- proteção aos idosos, especialmente a proteção contra a demissão a partir de dois anos antes da idade legal ou idade mínima para a aposentadoria;
- garantia de que o contrato de emprego só possa ser alterado por acordo;
- trabalho intermitente vedado - o que é muito importante -;
- trabalho temporário somente para substituição de pessoal permanente ou em situações excepcionais;
- jornada de 40 horas semanais - medida que já vem sendo usada em muitos países no mundo e que o Brasil não pode ignorar, precisa evoluir nessa direção -;
- banco de horas - também um tema que precisa ser trabalhado, revisto -;
- períodos de descanso e alimentação;
- teletrabalho com garantia de direitos;
- melhoria no que se refere a férias, com acréscimo de 50% e garantia de usufruto em 12 meses após o período ou direito em dobro;
- salário mínimo com garantia de aumento real baseada na variação do Produto Interno Bruto;
- isonomia salarial, sem discriminação de sexo, raça, religião, convicção política, etc.;
- adicionais sobre o salário, em caso de penosidade, insalubridade, periculosidade e noturno - Isso é uma tentativa que já foi feita no passado e, infelizmente, não se concretizou -;
- trabalho extraordinário, também assegurado com remuneração extra normal com 50% e período de descanso com 100%;
- licença-maternidade de 180 dias, ou 360 no caso de filho com deficiência;
- licença-paternidade de 20 dias úteis;
- aviso prévio do trabalhador proporcional ao tempo de trabalho;
- verbas rescisórias, com inclusão de indenização por demissão ilícita;
- e, finalmente, em termos de organização sindical: a autorregulação; uma taxa assistencial negocial; vedação de atos antissindicais; garantia de representação sindical na empresa;
- negociação coletiva, com retorno da garantia da ultratividade; correção obrigatória de salários pela inflação; aumento real, objeto de negociação; e o negociado sobre o legislado somente se mais benéfico ao trabalhador - isso é fundamental -;
- direito de greve garantido, com a obrigação do empregador de manter os serviços essenciais em nível mínimo;
- e, finalmente, na questão do processo do trabalho, buscar um novo sistema processual, pautado na simplicidade e na celeridade, que garanta a igualdade material das partes, sem prejuízo do princípio do in dubio pro operario, com maior celeridade e simplicidade na Justiça do Trabalho, gratuidade da justiça integral para o trabalhador, prescrição não correndo na vigência do contrato e ação promocional para garantir direitos de todos os trabalhadores.
Vejam que é um conteúdo muito amplo, muito extenso e, por isso, se requer esse debate aqui na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para que o resultado desta sugestão legislativa, realmente, tenha capacidade de cumprir as diferentes etapas até a sua aprovação.
Vejam que se trata de uma sugestão aprovada, materialmente, em 2018. Ela foi arquivada já no final de 2022. Aqui no Senado nós temos essa regra de arquivamento das proposições, mas foi desarquivada agora em março. O Senador Paulo Paim avocou a relatoria aqui na Comissão. Já, em 2023, tivemos várias audiências públicas realizadas, com participação de um grande número de especialistas. Temos, agora aqui, hoje, uma audiência pública importantíssima e vamos ter agora, como disse o Senador, duas audiências, uma no dia 29 de setembro e a outra no dia 26 de outubro, para dar continuidade a este debate em âmbito estadual.
R
Nós vivemos um momento muito crítico para os trabalhadores. Vejam que o noticiário da imprensa tem divulgado dados assustadores em relação, por exemplo, à queda de salários, inclusive de pessoas mais escolarizadas. Aquela ideia de que, estudando mais, a gente vai ganhar melhor, parece que não está mais acontecendo. Os trabalhadores estão sofrendo vários efeitos perversos, não apenas nas crises econômicas, mas também de aspectos relacionados à tecnologia que estão tornando mais difícil o avanço, o progresso individual. Então, não existe mais aquele prêmio salarial para quem estuda mais.
Tivemos aí um aumento, inclusive, da informalidade nesse segmento - próximo, por favor - de pessoas com maior escolarização. Eu comentava, inclusive, ontem que eu houve uma época em que estudar mais era praticamente uma garantia de sair de uma faculdade com um emprego garantido. Hoje isso não acontece e nós vemos muitas pessoas com formação superior que simplesmente não conseguem ocupação no mercado de trabalho formal e acabam precisando trabalhar de alguma forma. Outro dia, inclusive, uma reportagem na televisão mostrava lá um rapaz que, com muito sacrifício, conseguiu se formar em direito, mas que trabalhava como motorista de aplicativo. E isso é uma realidade hoje no nosso país.
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - Muita gente passando por esse tipo de situação com elevado nível de informalidade.
O nível de desemprego, e vejam ali, na curva laranja, são as mulheres. O nível de desemprego entre mulheres é maior do que o nível de desemprego entre homens. E nós tivemos aí uma evolução muito complicada dos níveis de desemprego. A partir de 2015, nós tivemos uma elevação muito grande, com algumas reduções, um aumento enorme durante a pandemia, depois disso se reduziu, mas nós estamos ali, basicamente, hoje no mesmo nível em que estávamos quando começou a crise lá em 2015, 2016.
Então, nós temos hoje 8% praticamente de pessoas desempregadas no nosso país, são 8,6 milhões de pessoas desempregadas ou desocupadas, sendo que 1,3 milhão não têm carteira assinada, 3,7 milhões de desalentados, 25,2 milhões de pessoas que trabalham por conta própria e ainda 38,7 milhões de informais. Ou seja, um horizonte aqui, ou melhor, um universo de pessoas que estão à margem do mercado de trabalho e da proteção formal. Pessoas que precisamos trazer para a formalização, cujos direitos precisamos assegurar, sob pena de que nós tenhamos aí problemas muito sérios no futuro em relação à proteção social.
O Supremo Tribunal Federal recentemente adotou uma decisão importantíssima, revendo posição que havia adotado anos atrás em relação à contribuição sindical, reconhecendo os prejuízos que a reforma trabalhista tinha trazido aos trabalhadores. O Supremo Tribunal Federal agora, recentemente, no dia 11 de setembro, concluiu a discussão de um recurso extraordinário ou de um agravo em recurso extraordinário, em que reconheceu que não é inconstitucional que haja a contribuição assistencial fixada em negociação coletiva, em acordo coletivo, com aplicação para todos os trabalhadores, inclusive não sindicalizados, desde que seja assegurado o direito de oposição. E fixou uma tese no Tema 395:
É constitucional a instituição, por acordo ou convenção [...], de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.
Um gesto fundamental do Supremo Tribunal Federal.
Tivemos ainda agora duas decisões importantíssimas - próximo, por favor -, uma delas reconhecendo o direito aos motoristas da plataforma Uber de serem reconhecidos como empregados, inclusive com pagamento de indenização por danos morais. Ou seja, uma decisão ainda de primeiro grau, mas que foi seguida recentemente por uma decisão - o próximo, por favor - muito importante do Tribunal Superior do Trabalho, reconhecendo vínculo de emprego entre entregador e aplicativo da empresa Rappi. Vejam que são duas decisões importantíssimas, na medida em que elas identificam aí a possibilidade de que realmente se possa trabalhar no plano legal...
R
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DOS SANTOS - ... com um tratamento mais protetivo para esses trabalhadores.
E note-se que isso não é um tema que a imprensa e o empresariado queiram - próximo, por favor -, que os empresários e a imprensa vejam com bons olhos. No momento, inclusive, em que o Governo começou a discutir por meio de um grupo de trabalho a proteção dos trabalhadores de aplicativos, a imprensa, materializada aqui nessa reportagem da revista Veja, caiu de pau! Disseram: "Não, isso é um absurdo! É um atraso, a agenda do atraso".
Esta é a leitura, infelizmente, que ainda é feita por setores muito importantes, formadores de opinião. E temos, lamentavelmente - o Senador Paim é testemunha disso diariamente aqui no Senado Federal -, a reiterada apresentação de proposições no sentido de retirada de direitos ou de restrição de direitos. Temos aquilo que eu chamo aqui de riscos emergentes, ou seja, projetos de lei que estão ali só esperando um minutinho, uma chance para entrarem na pauta, até mesmo no sentido de tentar anular essas decisões do Poder Judiciário, criando aí um marco regulatório exatamente em sentido oposto. E temos aqui no Senado hoje vários projetos que tentam, inclusive, impedir que os sindicatos possam voltar a cobrar contribuição assistencial, além de várias outras proposições que tentam reduzir direitos dos trabalhadores.
Então, é nessa situação que nós temos aqui as perspectivas do atual Governo, compromissos que o Presidente Lula assumiu e já vem cumprindo, como uma política de valorização do salário mínimo e da igualdade salarial entre homens e mulheres - já temos duas leis recentemente aprovadas, uma em agosto e outra no mês de julho -, um compromisso de rever a forma trabalhista e disciplinar o trabalho por aplicativos.
E essas manifestações do Presidente Lula, claro, convivem com um ambiente hostil aqui no Congresso Nacional, mas que nos levam à necessidade da construção de consensos, de acordos, de busca de alternativas, mas isso só será possível se tivermos mobilização social e engajamento coletivo. E não é apenas o engajamento das centrais sindicais, dos sindicatos, é o engajamento do conjunto da sociedade.
Recentemente, inclusive, nos Estados Unidos, como mencionou aqui o Senador Paim, o Presidente Lula emitiu uma declaração conjunta com o Presidente estadunidense Joe Biden, em que eles chamam a atenção exatamente para a necessidade de elevar o papel central e crítico que os trabalhadores e trabalhadoras desempenham num mundo sustentável, democrático, equitativo e pacífico, e que isso leva à necessidade de salvaguardar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e abordar a discriminação em todas as suas formas, promovendo, então, trabalho digno, o que é fundamental para a consecução da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
E aí, recomendam lá uma série de medidas como proteção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, tais como descrito nas convenções da OIT; promoção do trabalho seguro, saudável e decente; promoção de abordagens centradas nos trabalhadores e trabalhadoras para as transições digitais de energia limpa; aproveitamento da tecnologia para o benefício de todos e combate à discriminação.
Nessa linha, podemos dizer com tranquilidade que o Estatuto do Trabalho opera exatamente sob essas orientações, com essas preocupações e é, portanto, um debate fundamental para que nós possamos retomar a via do desenvolvimento sem a desconsideração dos direitos dos trabalhadores.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Luiz Alberto Santos, Consultor Legislativo do Senado Federal, que fez uma síntese do debate que está acontecendo do Estatuto do Trabalho, claro, com uma visão também globalizada, internacional.
R
Eu queria de pronto agradecer, Luiz Alberto, todo este período que você vem nos assessorando, nos ajudando para esta situação ser regulamentada de forma definitiva, claro, no momento certo, com muito diálogo com todos os setores da sociedade.
Vamos ouvir, agora, neste momento, a pedido, inclusive, do Dr. Juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, que é Presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho (ALJT), que vem nos ajudando desde o início.
Por favor, Dr. Hugo.
O Luiz Alberto usou dez, mais cinco, mais cinco. Foram vinte minutos. Então, vou manter o mesmo critério para todos: dez mais cinco. Se sentirem que não estão contemplados, serão mais cinco.
Agradeço ao Luiz Alberto. Ficou no previsto, no máximo 20 minutos. Sobrou um minuto ainda.
Por favor, Juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho.
O SR. HUGO CAVALCANTI MELO FILHO (Por videoconferência.) - Bom dia, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia, amigo.
O SR. HUGO CAVALCANTI MELO FILHO (Por videoconferência.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
O SR. HUGO CAVALCANTI MELO FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. É uma alegria estar, mais uma vez, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para tratarmos, continuarmos tratando deste tema tão relevante, que é a sugestão para o estabelecimento do Estatuto do Trabalho.
A Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, da qual participo, tem se empenhado, juntamente com tantas outras entidades, nessa construção desde 2018.
E é uma alegria para nós constatarmos que estamos avançando.
As reuniões que foram realizadas neste ano, com o aprimoramento da redação, nos conduzem à expectativa de um desenvolvimento mais célere no âmbito do Congresso Nacional até uma final aprovação da proposta.
Parabenizo o Senador Paulo Paim pela iniciativa, mais uma vez.
Cumprimento os companheiros de mesa, os que estão aí em Brasília e os que estão virtualmente participando, e queria trazer algumas considerações sobre o estado atual em que nos encontramos em termos de relações trabalhistas e em que medida os objetivos da sugestão poderão superar as dificuldades que encontramos hoje.
A exposição que foi feita agora, concluída agora, bastante ampla e precisa, nos trouxe um quadro geral dos problemas que estamos enfrentando agora.
Entretanto, eu queria focar em três aspectos principais que, na minha visão e da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, constituem as maiores dificuldades decorrentes das alterações que foram promovidas com a reforma trabalhista e com outras leis que foram aprovadas em seguida.
Eu chamaria a atenção, nesta linha de raciocínio, para a questão da terceirização, a questão do custeio das entidades sindicais e, em terceiro lugar, a questão e o problema dos trabalhadores plataformizados, como se diz.
Parece-me que essas são as questões mais angustiantes, neste momento, para a classe trabalhadora. E não à toa têm sido, essas questões, objeto principal dos planejamentos que o Governo tem divulgado no que concerne às tentativas de redução de danos promovidos pela reforma trabalhista.
R
Desde o início do ano, temos ouvido comentários e examinado matérias jornalísticas que tratam do propósito do Governo de enviar ao Congresso Nacional projetos que tratem especificamente desses temas: a questão da terceirização, o custeio dos sindicatos e os trabalhadores de plataformas.
A primeira questão que eu gostaria de abordar, talvez tenha sido o problema mais grave gerado pela reforma trabalhista, é a da terceirização sem limites.
O Senador Paim, na sua fala inicial, mencionou essa questão como um problema dramático para os trabalhadores e mencionou, inclusive, a chancela do Supremo Tribunal Federal quanto a essa matéria.
Nós sabemos que o Supremo Tribunal Federal tem sido um ambiente hostil para os direitos da classe trabalhadora. Nos últimos dez anos, um pouco mais do que isso, nós tivemos uma guinada do Supremo Tribunal Federal no sentido de desmanche da tutela estatal em relação à classe trabalhadora.
Isso ficou evidenciado com as decisões do Supremo Tribunal Federal após a reforma trabalhista, a partir de 2017, porque em quase todas as decisões que se relacionavam à invocação da inconstitucionalidade de passagens da CLT reformada, o Supremo Tribunal Federal confirmou a iniciativa do Congresso Nacional e reconheceu a constitucionalidade das alterações em quase todas essas questões. Aliás, mesmo antes disso, mesmo antes da reforma de 2017, o Supremo já havia sinalizado no sentido de que determinados aspectos que viriam a ser objeto de reforma seriam considerados constitucionais, como, por exemplo, a terceirização sem limites.
A terceirização sem limites é talvez o grande problema que nós temos hoje no sentido da precarização do trabalho no Brasil, e as estatísticas revelam isso, com a redução de massa salarial, aumento de acidentes de trabalho no âmbito do trabalho terceirizado e diversas questões que estão estabelecidas já em estudos realizados na academia e fora dela.
Portanto, é urgente que se promova alterações no que concerne à liberdade plena de terceirização, porque nesse contexto é que se insere a chamada pejotização desenfreada e os extremos a que chegamos, como, por exemplo, no trabalho escravo.
Temos constatado, e os últimos resgates feitos mostraram isso, que o trabalho escravo no Brasil vem se desenvolvendo, basicamente, a partir das possibilidades de terceirização sem limites. As empresas terceirizadas é que arregimentam trabalhadores que, depois, são submetidos a condições análogas à escravidão.
Portanto, esse aspecto precisa ser urgentemente enfrentado pelo Congresso Nacional para que se retome parâmetros civilizatórios mínimos no que concerne a esse tema.
A outra questão, a do custeio dos sindicatos, as estatísticas têm revelado a redução dramática da sindicalização no Brasil. Há dados do Dieese que nos revelam a que ponto se chegou nesse particular, a redução, propriamente, do número de sindicatos, mas mais expressivamente a redução de trabalhadores sindicalizados; tudo isso decorrente da incapacidade dos sindicatos de mobilização da classe trabalhadora e a redução da militância consequente - e isso muito como efeito da eliminação das fontes de custeio dos sindicatos.
R
Tivemos essa decisão recente e animadora do Supremo Tribunal Federal, que já foi mencionada, mas evidentemente essa taxa assistencial não é suficiente para resolver e superar o problema sério de custeio dos sindicatos em nosso país.
Como terceiro aspecto, os trabalhadores plataformizados. Aqui, há uma preocupação muito grande da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, porque as iniciativas que estão sendo aventadas, inclusive a partir das mesas de negociação que foram formadas pelo Governo, no Ministério do Trabalho, envolvendo os trabalhadores e as empresas do setor e o próprio Governo, são, na minha visão, um pouco decepcionantes, uma vez que a expectativa seria de reconhecimento efetivo do vínculo empregatício entre os trabalhadores e as empresas dessas plataformas, e não é isso que tem sido anunciado. Parece que caminhamos, pelo menos no momento inicial, por uma terceira via, que reconheceria direitos mínimos para esses trabalhadores, mas sem qualquer possibilidade de equiparação em geral aos trabalhadores empregados; o que seria, na minha visão, uma capitulação precipitada, na medida em que esse tema não está ainda resolvido no âmbito do Poder Judiciário.
Eu chamo a atenção para projetos apresentados já no Congresso Nacional, por exemplo um projeto que inclusive foi transformado em lei em janeiro do ano passado, de autoria do Deputado Ivan Valente, em que, na justificativa, se expõe, de forma taxativa, que, uma vez perdida a batalha pelo reconhecimento do vínculo empregatício no âmbito da Justiça do Trabalho, outro caminho não há senão o de estabelecer alguns direitos para os trabalhadores de plataformas.
Ora, naquele momento, essa luta estava em curso - aliás, ainda está -, e tivemos notícias, boas notícias, recentes, como a última decisão do Tribunal Superior do Trabalho em relação à Rappi, de modo que não há nenhuma luta perdida ainda.
Nós estamos neste momento, aliás, com mais decisões favoráveis do que decisões desfavoráveis, de modo que, na minha perspectiva e da associação que eu represento, o ideal seria a equiparação plena com o reconhecimento de vínculo de emprego entre os trabalhadores plataformizados e as respectivas empresas; mas esta mesma lei que eu mencionei, de janeiro de 2022, traz um retrocesso significativo ao estabelecer no art. 2º que essas empresas plataformizadas são meras intermediárias entre o trabalhador que presta serviços e as empresas que têm os seus produtos transportados - ou os próprios motoristas, no caso da Uber. Embora tenha se estabelecido um período de aplicação da referida lei para o momento da pandemia e imediatamente posterior, não deixa de ser um retrocesso na medida em que, pela primeira vez, a lei, no Brasil, reconhece expressamente a condição de mera intermediária dessas empresas de plataforma.
R
Essas são as questões centrais no âmbito da preocupação da Associação Latino-Americana de Juízes de Trabalho, mas, para elas, eu gostaria de indicar a relevância desse estatuto no que concerne aos objetivos que são estabelecidos.
Em primeiro lugar, a ideia de integrar todo o sistema público de proteção para aplicação às pessoas que trabalham, sejam elas aquelas que mantenham vínculo de trabalho subordinado, sejam aquelas que mantenham alguma relação autônoma, sem qualquer distinção em relação a essa especificidade.
Isso será um avanço definitivo que porá por terra toda essa discussão quanto à existência ou inexistência de subordinação que se trava hoje em dia no Brasil em relação, por exemplo, aos trabalhadores plataformizados.
Outra questão é a valorização do valor social do trabalho em face da livre iniciativa. Nós temos observado decisões do Supremo Tribunal Federal que sobrepõem a livre iniciativa ao valor social do trabalho, decisões, a meu modo de ver, absolutamente enviesadas e que precisam ser combatidas, inclusive com a produção de normas que tragam para o devido lugar a equivalência ou a proporcionalidade entre esses dois valores.
Em terceiro lugar, a ideia de trazer um reforço às normas que tratam das relações coletivas de trabalho. Nós temos, hoje, no Brasil, um enfraquecimento absurdo da organização sindical que transborda para os problemas, evidentemente, da negociação coletiva e também para o livre exercício do direito de greve. Hoje temos, no Brasil, basicamente, a negociação coletiva empecilhada e o exercício do direito de greve praticamente inviabilizado, inclusive por decisões absurdas dos tribunais regionais do trabalho, que, reconhecendo a abusividade e a ilegalidade dos movimentos grevistas e estabelecendo percentuais exagerados de manutenção das atividades, na prática inviabilizam o exercício do direito de greve.
A questão do estabelecimento de uma proteção social pública, objetivando tornar as relações de trabalho menos desiguais e mais inclusivas, me parece ser um objetivo essencial na perspectiva do estabelecimento de um Estatuto do Trabalho, e é exatamente isso que faz essa proposta, ao indicar que um dos objetivos do estatuto é exatamente este.
Na progressividade que se assegura, nós temos tido - e a reforma trabalhista e as leis que vêm sendo aprovadas no Brasil já de longa data são manifestações claras de regressividade - descumprimentos reiterados do que está disposto no art. 7º, caput, da nossa Constituição, porque as normas têm vindo sempre no sentido de reduzir a proteção social aos trabalhadores e isso precisa ser superado, sem dúvida nenhuma, pelo que consta do Estatuto do Trabalho, e acontecerá no momento de sua aprovação.
R
Enfim, nós temos que pensar na neutralização dos efeitos secundários decorrentes das atividades econômicas, seja na qualidade, seja na quantidade da oferta de trabalho. Nós temos tido, no último período, a rigor, o contrário disso. As atividades econômicas e as inovações tecnológicas têm promovido a precarização do trabalho e a redução de postos de trabalho. Isso, neste momento, é uma tendência, inclusive, que precisa ser quebrada e superada.
Portanto, aliada a tudo isso, a ideia de, finalmente e claramente, estabelecer-se um sistema de Justiça acessível e gratuito a todos os trabalhadores, superando as dúvidas geradas pela reforma e mesmo pela decisão do Supremo Tribunal Federal, quanto à gratuidade da Justiça do Trabalho, parece-me que poderíamos alcançar, efetivamente, maior dignidade para os trabalhadores no que concerne às suas relações com os tomadores dos seus serviços.
Eu estou muito confiante, pessoalmente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O senhor tem ainda cinco minutos.
O SR. HUGO CAVALCANTI MELO FILHO (Por videoconferência.) - Também estou confiante na Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, no sentido de que, o mais rápido possível, essa sugestão possa tramitar no âmbito do Congresso Nacional e, ao final, depois do debate social necessário que haverá de se estabelecer, que ela seja aprovada, para que tenhamos um novo estatuto, mais adequado para o momento em que vivemos, seja no que concerne ao direito material do trabalho, seja no que concerne ao direito processual do trabalho.
Eu agradeço, mais uma vez, Senador Paulo Paim, pela oportunidade, e ponho-me à disposição para os debates que, porventura, venham a ocorrer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Meus cumprimentos ao Juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, Presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, que deixou claro algumas preocupações acentuadas - inclusive, por falta de uma lei clara e transparente - em relação a decisões do Supremo Tribunal Federal.
Naturalmente, isso aponta, cada vez mais, para nós todos, a responsabilidade de construir a CLT do século XXI ou ampliar o direito dos trabalhadores em relação àquilo que temos hoje.
Eu vou passar a palavra, de imediato, ao pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, Cesit/Unicamp, o Sr. Marcelo Prado Ferrari Manzano, que está virtual.
O SR. MARCELO PRADO FERRARI MANZANO (Para expor. Por videoconferência.) - Agora, sim, consegui.
Bom dia, Senador Paim. Bom dia a todos os demais Senadores e Senadoras que acompanham a audiência. Bom dia a todos os colegas, amigos, companheiros e companheiras que nos seguem, agora, de forma presencial ou virtual.
Eu não sou da área do direito, então eu vim aqui mais para contribuir com uma reflexão econômica e, um pouco, pensar no pano de fundo, em vista do momento do capitalismo e como isso se relaciona com o mundo do trabalho atual. E aí vou até arriscar um ou outro palpite sobre o tema da regulação e do marco legal, mas vou me concentrar na discussão mais econômica.
R
Eu queria partir, fazer uma breve recuperação. Todos, certamente, têm isso muito claro, mas vale a pena salientar alguns aspectos das transformações que nós temos assistido no capitalismo desde os anos 70, no século passado, até os dias de hoje.
Nós sabemos que a CLT, toda a trajetória de construção do nosso marco legal, o trabalho, que começa com a CLT e, vamos dizer, culmina com a Constituição de 1988, vai-se universalizando os direitos do trabalho, alcançando os trabalhadores rurais, garantindo acesso a direitos do trabalho e sociais, principalmente a partir da Constituição de 1988, a gente sabe que todo esse arcabouço foi pensado, foi formulado tendo como referência um capitalismo que a gente na economia costuma chamar de capitalismo organizado, que é um capitalismo que se desenvolveu principalmente nos países avançados, principalmente na Europa, principalmente na Europa do Norte, e que tinha o estado de bem-estar social como uma das suas partes fundamentais e também, do ponto de vista econômico, fundado na grande empresa capitalista, fordista, com padrão fordista de relações de trabalho, etc. E aí, mal ou bem, a nossa inspiração para a formulação do arcabouço jurídico brasileiro tinha essa referência, que lá funcionou. Aqui, jamais chegamos a ter um capitalismo com essas características, mas nós sonhávamos, esperávamos que, em algum momento, alcançaríamos esse modo de organizar as relações entre capital e trabalho que correspondiam a esse chamado capitalismo organizado.
Porém, isso tudo ruiu, esse capitalismo se desfez a partir dos anos 70, com o abandono do que se chamava Acordo de Bretton Woods, e o mundo entra numa nova fase que alguns chamam de neoliberalismo, outros, de globalização financeira. Eu gosto de dizer que é o período de capitalismo desorganizado apoiado na lógica ou motivado pelas estratégias de acumulação financeira. Alguns chamam isso de financeirização ou domínio das finanças; ou seja, os capitalistas, os donos do capital vão buscar valorizar o seu patrimônio, a sua riqueza, principalmente através de alternativas financeiras e cada vez menos por meio da produção, da acumulação real de capital.
Isso se dá porque, desde a década de 70, crescentemente, a incerteza avança de maneira radical na medida que o mundo vai se flexibilizando, abrindo para um terreno global, não mais nacional. E essa incerteza vira, ao mesmo tempo, possibilidade de ganhos especulativos. Basta ver, por exemplo, o que é a indústria dos hedge funds, que é uma indústria exatamente construída com base na possibilidade de oferecer menor risco àqueles que têm que empatar capital em operações carregadas de incerteza. Então, os hedge funds... O mercado de opções e futuros também se constitui na mesma chave. As empresas de seguro, as seguradoras, que vão virar potências mundiais das finanças - basta ver como elas estavam imbricadas no colapso do Lehman Brothers na crise financeira de 2008 -, as seguradoras vendiam seguros e, quanto mais arriscada era a operação hipotecária, mais a seguradora ganhava vendendo seguros em face da venda dos subprimes. Então, o mundo de incerteza se descortinou desde os anos 70, cresceu muito esse tipo de operação, muitos ganham dinheiro com isso, e aqueles que podem, que são em última instância os detentores do capital, tentam transferir a incerteza para os elos mais fracos do sistema. É claro que continua e sempre haverá uma grande dependência para que o sistema continue funcionando e produzindo o dia de amanhã, sempre haverá uma necessidade de que o velho capitalismo, a realização da produção continue existindo, para que haja comida, casa, bem-estar no dia seguinte para todas as populações. Haverá, portanto, sempre uma dependência do trabalho, mas trata-se de transferir para o trabalho, transferir para os elos mais fracos desse sistema, dessa nova lógica de organização do capitalismo, transferir as incertezas e os riscos.
R
Portanto, na cúspide desse sistema que se constitui, temos as organizações financeiras, grandes gestores de fundos, grandes gestores de riqueza, que repassam, em parte, as incertezas para empresas intermediárias. Eu colocaria como empresas intermediárias, hoje, as big techs, as grandes empresas, grandes plataformas digitais, sejam elas as chamadas Gafam - Google, Amazon, Facebook, etc. -, e depois as outras plataformas que operam serviços mais dedicados, como iFood, como Uber, como Airbnb, etc. Então, tem uma hierarquia. Esses fundos financiam essas empresas, essas empresas organizam as menores, que vão organizar o capitalismo real: o dono da pizzaria, a oficina mecânica, o prestador de serviços no bairro, que estarão dependentes da intermediação desses serviços que fazem o encontro, a realização do chamado marketplace no mercado virtual.
Enfim, vai-se organizando toda uma nova estrutura de transferência de riscos, e lá na ponta temos o trabalhador, e, eu acho que - foi muito bem lembrado aqui pelo Juiz Dr. Hugo - o paroxismo desse trabalhador vulnerável aparece aí como essa figura do trabalhador sob o comando da plataforma, das plataformas. Ele ainda é uma minoria, ele constitui ainda 2%, 3% do nosso mercado de trabalho, mas é relevante prestar atenção no que acontece com esse tipo de inserção laboral, porque me parece que isso é a ponta de lança de uma transformação maior que vem acontecendo. E é muito importante estudá-los, para ver como lidar com essa nova realidade, que deve ser cada vez mais presente.
Ora, qual é o problema? Nesse novo metabolismo, vejo dois fenômenos acontecendo que são bastante curiosos, e as empresas de plataformas revelam isso mais uma vez. É difícil hoje caracterizar o que é uma empresa efetivamente ou qual setor de atividade está caracterizando tal ou qual empresa, assim como é difícil caracterizar exatamente qual é o tipo de trabalhador que está vinculado às atividades dessas empresas.
R
Então, por exemplo, tomando o caso do iFood, tão emblemático entre nós. O iFood começou recentemente, acho que até 2018 ele não usava as plataformas no celular, foi só em 2018 que aderiu a esse modelo. Ele começa com o chamado marketplace, apenas para botar em contato comprador e vendedor, e cobra uma taxa por isso. Em seguida, ele vai ganhando fácil, embora já estivesse claro que era isso, como um intermediador de mão de obra, vai assumindo o papel de representar ou de abrigar os entregadores, os trabalhadores que fazem entrega. Em seguida, vai migrando para uma empresa de crédito, começa a oferecer crédito, primeiro para os próprios trabalhadores, depois amplia isso, hoje me parece que tem uma série de serviços financeiros que são oferecidos pelo iFood; seguradora, oferecendo seguros para trabalhadores e para não trabalhadores, financiando equipamentos, bens de capital, motocicleta ou carro, fazendo uma associação com uma empresa de motocicleta tradicional, enfim, a gente vai percebendo que, num curtíssimo período de tempo, o iFood passou por vários setores de atividades, e ele se anuncia como uma empresa de tecnologia, que não põe a mão em nada.
Curiosamente, tanto o iFood como muitas dessas empresas de plataforma não realizam lucro, elas operam no prejuízo operacional, e aí isso gera uma dúvida muito grande na cabeça das pessoas: então por que eles sobrevivem e com essa potência? Porque eles ganham não na operação, muitas vezes, e sim na valorização do patrimônio; eles conseguem modelar o negócio, eles oferecem ao mercado um modelo de negócio, um tipo de modelagem, uma arquitetura que parece muito promissora, vendem isso no mercado, seja no mercado de ações, seja ficando parceiros de fundos de investimentos chamados private equity ou venture capital, fundos de operações de associação com startups. Essas empresas se valorizam muito, os acionistas ganham muito, os fundadores, os pioneiros dessas empresas ficam milionários, bilionários, e essa empresa passa a se valorizar com base apenas nas expectativas e não exatamente na operação real, no lucro operacional que ela consegue realizar. Isso acontece com Uber, isso acontece com iFood, isso acontece, por exemplo, com o Nubank, que se transformou no maior banco do Brasil e da América Latina sem ter ativos que justificassem esse tipo de valorização, isso acontece com a Rappi, colombiana. Enfim, é uma forma um tanto quanto diferente de organizar a realização capitalista e que vende, na verdade... O que é a cereja do bolo dessa modelagem de valorização que ela consegue vender ao mercado? É oferecer um negócio que não tem custos trabalhistas, que é imune a relações de trabalho. Ela anuncia que não tem trabalhador, a gente sabe, estamos aí nessa batalha.
Por que estou dizendo tudo isso? Porque um dos grandes desafios, eu acho muito importante essa iniciativa do estatuto, tenho conversado com a Magda e outros colegas do Cesit que participam da Comissão, acho fundamental todos os itens apontados pelo Luiz Alberto, no início da sua fala inicial, me parecem todos defensáveis e muito necessários. A questão que eu coloco aqui, para provocar um pouco o debate, é como fazer com que esses direitos, uma vez aprovados, sejam efetivados, diante de uma realidade que é tão fluida, que tem empresas que, por exemplo, são tão difíceis de caracterizar, como eu dava esse exemplo.
R
E, por outro lado, a própria atividade laboral é difícil de caracterizar. Todos vocês conhecem experiências, certamente, pessoais ou de pessoas próximas. Por exemplo, eu pegando o Uber já me deparei com situação de um sujeito que era Uber na hora em que o Uber chamava e também era GetNinjas na hora em que... Ele era eletricista de profissão, então ele ficava à disposição ou para atender chamados como eletricista ou para atender chamados com o Uber.
Quem é responsável por esse trabalhador? A qual empresa ele está vinculado? O carro que ele está utilizando está prestando serviço para a Uber ou para a GetNinjas? Que tipo de enquadramento funcional esse sujeito deve ter? Quer dizer, é uma realidade bastante difícil.
Também já me deparei com um professor de música, um baterista, que nas horas vagas era Uber. Esse trabalhador, que tipo de trabalhador é esse? Ele, na semana que vem, pode sair do Uber e pode migrar para um outro serviço de aplicativo tão fluido quanto esse, sem nenhuma mudança substantiva no seu dia a dia.
Então, é muito difícil, me parece, um grande desafio no Estatuto do Trabalho, fundamental que seja colocado, mas me parece que é a maneira de torná-lo efetivo...
Opa, já estou terminando aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O senhor tem ainda cinco minutos.
O SR. MARCELO PRADO FERRARI MANZANO (Por videoconferência.) - Ótimo. Está bem.
Nesse sentido, sem querer... Não conheço uma solução. Acho que esse é de fato, um enorme desafio. Eu diria que o Estatuto do Trabalho é tão importante quanto desafiador, ele é tão necessário quanto desafiador. Acho que é preciso a gente buscar algumas referências para, quem sabe, pensar maneiras de efetivar esses direitos do trabalho para todos.
Desde logo, me parece, portanto, que talvez devamos ter claro que estamos defendendo que todo cidadão brasileiro que de alguma maneira contribui com uma inserção laboral, qualquer que seja, tem o direito de ter todos os direitos do trabalho e direitos sociais defendidos pela lei, que serão defendidos pelo estatuto, independentemente do tipo de vínculo, independentemente do tipo de trabalho, do setor de atividade, da empresa em que trabalha, acho que esse é o ponto de partida.
Dito isso, como lidar com esse mundo complexo, fragmentado, fluido, essas empresas fluidas, esses trabalhadores intermitentes e intercambiáveis. Como lidar com isso? Algumas pistas. Temos lá o caso da Dinamarca, um caso polêmico.
Mas a Dinamarca é uma sociedade muito diferente da nossa. Claro, com características sociais, políticas e econômicas totalmente diferentes da nossa, mas me parece que tem uma pista ali que é um pouco separar o acesso aos direitos do trabalho do modelo de financiamento.
A Dinamarca resolveu financiar o seu sistema de seguridade social, o sistema de proteção ao trabalhador, não via tributos vinculados, mas sim tributando patrimônio e renda, empresas capital e lucro, independentemente dos vínculos trabalhistas que cada empresa tivesse. E garante, por outro lado, a entrega de todos os direitos sociais, os benefícios sociais do trabalho para os trabalhadores. Parece-me uma alternativa boa; não é simples de ser implantada, mas me parece uma pista.
R
Outras pistas que acho que podemos perseguir... Pensando um pouco e dialogando com um colega na China, que estuda o mercado de trabalho chinês, ele me dizia que, do ponto de vista regional, na China se organizam grandes corporações estatais que contratam, como se elas fossem gestoras dos contratos de trabalho, tutoras dos contratos de trabalho das pessoas daquela comunidade, daquela região, e alocam os trabalhadores nas empresas de acordo com demandas das empresas e, ao fazer isso, elas arrecadam os recursos dessas empresas e garantem a transferência dos trabalhadores. É uma espécie de gestão pública, intermediação pública do mercado de trabalho.
No Brasil, temos um caso ainda muito embrionário, muito específico, que é da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, criada na gestão Dilma, e me parece uma experiência bastante bem-sucedida. Ela abriga todos os servidores, não apenas servidores, prestadores de serviços, bolsistas, vinculados aos 41 hospitais federais do Brasil, e é hoje, me parece, a oitava ou sétima maior empregadora do Brasil, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. É uma empresa pública que cuida de garantir remuneração isonômica para todos os trabalhadores de qualquer hospital, bolsas de - como é que chamam as bolsas dos estágios que os médicos têm que fazer quando concluem a sua graduação? Ela faz toda essa gestão, inclusive, ela é vinculada, curiosamente, ao MEC, não é ao Ministério do Trabalho, nem ao Ministério da Saúde, ela é uma empresa vinculada ao MEC. Essa também me parece uma solução interessante, que poderíamos pensar em soluções por setores, por ramos de atividade com empresas como essa.
A Magda menciona aqui um Sine amplo e universal, eu também acho que o Sine poderia se constituir nisto: uma espécie de empresa de gestão da força de trabalho, garantindo e tutelando, e é uma tutela bastante positiva a meu ver, garantindo que os contratos de trabalho serão efetivamente cumpridos, porque é ela que faz a gestão desse contrato e simplesmente organiza os fluxos de pagamentos. Isso teria grandes desafios, mas, enfim, eu estou aqui apenas pincelando algumas possibilidades que me parecem que devam nos provocar para pensar uma solução que não se limite apenas a buscar instrumentos para fazer cumprir a lei, nos termos que a gente conhece hoje; nós precisamos mudar a dinâmica do mercado de trabalho, nós precisamos intervir sobre o mercado de trabalho para que, de fato, esse novo marco que vislumbramos, esse novo marco laboral que vislumbramos, possa se efetivar da melhor maneira possível.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Marcelo Prado Ferrari Manzano, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, que deu um panorama global do mundo do trabalho e a forma como os senhores do mercado se movimentam, e os direitos dos trabalhadores cada vez estão sendo diminuídos.
Eu passo a palavra agora, voltando à nossa mesa presencial, à Diretora de Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT).
Com a palavra, a Procuradora Carolina Pereira Mercante.
A SRA. CAROLINA PEREIRA MERCANTE (Para expor.) - Bom dia, Senador Paim. Bom dia, colegas de mesa. Bom dia a todas que nos assistem. Bom dia, colegas que estão em teleconferência.
R
Agradeço novamente ao Senador Paim pela realização desta audiência pública, pelo convite à Associação Nacional de Procuradores e Procuradoras do Trabalho.
Parabenizo-o pelas premiações no Congresso em Foco.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Obrigado.
A SRA. CAROLINA PEREIRA MERCANTE - Merecidas premiações.
E, como já foi dito aqui, nós tivemos, em 2017, o que nós do Ministério Público do Trabalho nos recusamos a chamar de reforma, porque quando a gente faz reforma, é algo para melhorar: a gente faz uma reforma da casa porque a gente quer que a casa fique melhor. Mas nós tivemos as alterações legislativas, de 2017, em que houve um déficit de diálogo social.
Então, foram aprovadas legislações em tempo recorde sem escuta das partes envolvidas da sociedade. E, como resultado, como já foi dito aqui: precarização dos postos de trabalho, insegurança jurídica - muitas questões foram para o STF, muitas decididas ainda nos Tribunais Regionais do Trabalho, mas muita insegurança jurídica -, enfraquecimento do movimento sindical, aumento da quantidade de acidentes de trabalho, inclusive com mortes e acidentes graves e fatais, e obstáculos ao acesso à Justiça do Trabalho nós tivemos também.
E, agora, nós temos a oportunidade, sob a Presidência do Senador Paim, de dialogarmos, de debatermos amplamente sobre o Estatuto do Trabalho, que atualize a legislação trabalhista para as novas realidades do mundo do trabalho, mas com respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao equilíbrio das partes envolvidas nas relações de trabalho.
E aqui eu cito o Norberto Bobbio, também Senador, na Itália, jurista italiano, já falecido, que dizia que a gente mede o grau de democracia de um país não apenas pelo direito ao voto, mas como, nas diferentes esferas da sociedade, a democracia é realizada.
Então, nas escolas, nos clubes, nas empresas, se nós temos, nas relações de trabalho - seja na administração pública, seja nos entes privados -, relações completamente desequilibradas, nós não temos uma democracia de fato.
E essa sugestão legislativa, que agora nós debatemos - o Estatuto do Trabalho -, que será aperfeiçoada pelo Senador Paim, com o apoio do Dr. Luiz Alberto, muito competente tecnicamente para isso, e com escuta da sociedade, das várias partes envolvidas, nós temos uma sugestão legislativa que foi proposta pela Anamatra, pela ANPT, pelo Sinait, pelo Cesit, pela Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho, que são atores com ampla experiência no mundo do trabalho.
Então, nós, no nosso dia a dia - a Dra. Dayna, a Dr. Hugo, a Dra. Marilane -, lidamos com isso na realidade concreta: quais são os problemas advindos da atual legislação e como podemos aperfeiçoá-la?
E, como já foi dito aqui, inúmeros aspectos importantes são trazidos nessa sugestão legislativa, mas nós, da Associação Nacional, vamos focar em um dos aspectos, que é a competência da Justiça do Trabalho, porque tudo isso que foi debatido aqui, o combate ao trabalho análogo à escravidão, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho - a inclusão efetiva -, o combate aos atos antissindicais, o combate à precarização, tudo isso depende de um Poder Judiciário especializado, que decida com bastante expertise técnica sobre isso.
E hoje nós já temos o art. 114 da Constituição, que diz que a Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações oriundas das relações de trabalho. Porém, esse artigo foi reduzido em interpretação, e nós temos hoje muitas decisões que dificultam a realização do Direito do Trabalho. Então, há muitas decisões, infelizmente, no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, que dificultam e limitam a competência. Então, nós acreditamos que é importante se reafirmar a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações oriundas das relações de trabalho, abrangidos os entes de direito privado e os entes de direito público.
R
Então, aqui, os que me antecederam falaram sobre as relações precarizadas dos trabalhadores em plataformas, e hoje, lamentavelmente, nós temos algumas decisões pontuais no STF - ainda bem pontuais, não são decisões colegiadas -, mas que, infelizmente, retiram da competência do juiz e da juíza do trabalho a análise daquele caso concreto. Então, se o trabalhador em plataforma é empregado ou não. E isso, para nós, que atuamos na área do trabalho, é elementar, é um pressuposto. O juiz do trabalho precisa identificar se, naquela relação, existem os requisitos da relação de emprego: a pessoalidade, a onerosidade, a subordinação... Então, em princípio, é uma relação de trabalho, mas é uma relação de emprego? E ninguém melhor que o juiz do trabalho para analisar se essa relação tem ou não os requisitos da relação de emprego.
Se é uma fraude, vamos supor, um contrato de prestação de serviços, digamos, um profissional da comunicação, um jornalista que atua em uma determinada empresa de comunicação, que atua todos os dias ali, com subordinação, e ele é contratado como pessoa jurídica. Ele é uma pessoa física que atende ali às regras daquela empresa de comunicação, e ele é contratado como pessoa jurídica, para burlar o quê? Os direitos da relação de emprego.
Então, na relação dos trabalhadores em plataforma, é a mesma coisa: a gente precisa analisar, em cada caso concreto, se existem ou não os requisitos da relação de emprego. E passar isso para um juiz estadual, um juiz federal, que não é especialista na área do mundo do trabalho, isso desvia o propósito constitucional.
E apenas aqui, como um breve relato, no ano de 2022, ano passado, eu trabalhei como voluntária, por um ano, no projeto Caminhos do Trabalho, que é uma parceria da Universidade Federal da Bahia com o Ministério Público do Trabalho e hoje se expandiu para diversas universidades federais, por meio da Fundacentro, da mediação da Fundacentro.
Então, eu trabalhei como voluntária e eu entrevistava, pegava o depoimento de vários trabalhadores lá em Salvador, por teleconferência, e esse projeto basicamente atende aos trabalhadores. Então, primeiramente ele escuta os trabalhadores, ele verifica as provas documentais, sejam prints de WhatsApp, de Telegram, tudo que o trabalhador ali tem, os prints da própria plataforma, e verifica se há ou não a relação de emprego. E, verificando os requisitos da relação de emprego, os estudantes - no caso, mestres e doutores, advogados da Universidade Federal da Bahia - ajuízam as ações e discutem a relação na Justiça do Trabalho.
E também o Departamento de Medicina da Universidade Federal da Bahia emite CATs, no caso de acidentes de trabalho com esses trabalhadores, o que é muito comum.
Eu acredito que todos nós já vimos, lamentavelmente, um trabalhador em queda no curso da sua atividade de trabalho, um trabalhador que tenha se acidentado, um acidente grave, um trabalhador motoboy que tenha se acidentado durante a sua jornada de trabalho. Então, a partir daí, eu entrevistei mais de cem trabalhadores e nós identificamos os requisitos da relação de emprego.
Na visão do Ministério Público do Trabalho, se houver uma regulação diferente, hoje, da regulação de emprego, a realidade tem que mudar também, porque a realidade hoje é de relação de emprego para esses profissionais que não têm autonomia.
Muitas vezes, o acidente é provocado porque eles têm uma demanda altíssima de entregas, e, se eles não cumprem o curto prazo... A plataforma prevê que ele tem que entregar aquele determinado produto de uma empresa em dez minutos. Então, ele tem ali uma situação de trânsito, em Salvador - quem já foi a Salvador sabe que tem muito trânsito -, está ali naquela situação e arrisca a sua vida para conseguir cumprir a entrega no prazo determinado pela plataforma.
R
(Soa a campainha.)
A SRA. CAROLINA PEREIRA MERCANTE - E, se ele não entrega, tem uma punição. Então, ele recebe menos demandas.
Se, por acaso, um dia ele decide ficar com o aplicativo desligado e levar o seu filho a uma consulta médica na rede pública, também é punido, porque, se ele fica algumas horas com a plataforma desligada, vai receber menos demandas, e isso impacta na sua renda mensal. Então, tem uma série de controles que são feitos pelos aplicativos que sujeitam o trabalhador a esse risco de acidente e a nenhuma autonomia.
Então, voltando à competência da Justiça do Trabalho, é importante que seja reafirmada a competência para analisar se há ou não os requisitos da relação de emprego. E outro ponto importante é que a competência seja reafirmada para que também abranja os entes de direito público.
O que é que nós temos hoje, qual é a grande discussão na Justiça do Trabalho? Servidores públicos, muitas vezes, sofrem assédio moral ou estão em ambientes de insegurança no que diz respeito à saúde, à segurança do trabalho. Quando nós discutimos isso perante a Justiça do Trabalho...
Aqui é um caso da Fundação Palmares. Nós, do Ministério Público do Trabalho, verificamos um assédio moral organizacional, uma discriminação racial, uma discriminação etária, uma série de discriminações e atitudes que identificaram um pleno mal-estar no trabalho. Nós ajuizamos uma ação na Justiça do Trabalho para combater o assédio moral organizacional, na época, na gestão anterior, na Fundação Palmares. Nós tivemos uma liminar favorável do Juiz do Trabalho aqui em Brasília, para que a Fundação se adequasse às normas de saúde e segurança do trabalho, de ética nas relações de trabalho e não promovesse o assédio moral. Mas, infelizmente, a competência da Justiça do Trabalho foi discutida também e foi retirada a competência para a Justiça Federal, o que ocasionou um grave prejuízo aos trabalhadores que já tinham uma liminar de um juiz competente para decidir as questões relacionadas ao mundo do trabalho.
Então, com esse enfoque na competência da Justiça do Trabalho, a ANPT espera ter contribuído para os propósitos desta audiência pública e se coloca à disposição para a continuidade dos debates.
Obrigada novamente, Senador Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Dra. Carolina Pereira Mercante... (Palmas.)
... Diretora de Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho, que fez uma defesa, com a qual eu concordo plenamente, da Justiça do Trabalho.
R
Quando eu era sindicalista, lembro que... Eu sempre digo que o bom sindicalista não se mede pelo número de greves, mas pelo número de bons acordos, mas, às vezes, tínhamos que fazer a greve. E aonde eu ia construir o acordo? Na Justiça do Trabalho, que acabava mediando, chamando as partes, discutindo... Ou, se não houve entendimento, vamos ao julgamento.
Então, a Justiça do Trabalho cumpre um papel fundamental no mundo do trabalho.
Parabéns pela sua exposição!
Então, de imediato, chamo a Dra.... (Pausa.)
... a ordem aqui.
A Marilane está depois dela. Mas, para mim, é indiferente.
(Intervenção fora do microfone.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode ser, então?
Dra. Dayna Lannes Andrade, juíza, Diretora de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A SRA. DAYNA LANNES ANDRADE (Para expor.) - Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pelo mesmo tempo, 15 minutos com mais cinco.
A SRA. DAYNA LANNES ANDRADE - Tá.
Bom, bom dia, Senador Paim. Em sua pessoa, eu gostaria de cumprimentar todos os meus colegas aqui da mesa presencial, bem como aqueles que se encontram na mesa virtual.
Cumprimento, ainda, todos que acompanham esta audiência pública, especialmente nos canais de transmissão do Senado Federal.
Bom, gostaria de iniciar a minha fala dizendo que a Anamatra é uma dessas entidades parceiras, assim como o Ministério Público, o Sinait, a Associação de Juízes para a Democracia, que vêm debatendo, consolidando, aprimorando e estudando a Sugestão Legislativa 12, também denominada de Estatuto do Trabalho.
Gostaria de parabenizar o Senador Paim pelo protagonismo e por toda essa trajetória de dar concretude aos direitos sociais, o que, para nós, é digno de aplausos e muito necessário nesse contexto da Justiça do Trabalho.
E gostaria, também, de parabenizá-lo pela iniciativa de convidar e de promover este debate sólido, intenso, de todos os atores da sociedade sobre a Sugestão Legislativa 12.
Este debate faltou quando da aprovação da reforma trabalhista, como bem disse a Dra. Carolina, e essa aprovação, de afogadilho, da Lei 13.467, em 2017, resultou em diversos retrocessos sociais que a gente, no Poder Judiciário... Como sou Diretora de Assuntos Jurídicos, a gente verifica no momento de cumprir aquela legislação aprovada, além da intensa insegurança jurídica ocasionada por alguns pontos da reforma trabalhista.
A Anamatra nunca fez uma defesa da revogação, por completo, da denominada reforma, mas de aprimoramentos e de alterações que venham a garantir a efetividade da legislação trabalhista e dos direitos sociais previstos na Constituição.
Eu gostaria de direcionar minha fala, coincidentemente - e talvez essa coincidência seja porque, realmente, o tema é premente nos dias atuais -, e chamar a atenção desta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para a situação da competência da Justiça do Trabalho, pois vivemos um completo esvaziamento da competência constitucional prevista no art. 114.
Eu verifiquei o art. 401 da sugestão legislativa, que também preceitua sobre a competência, e ele faz algumas alterações, mas eu penso que será necessário que o Congresso Nacional promova as alterações legislativas que se fazem necessárias para garantir o fortalecimento da Justiça do Trabalho.
R
Logo da aprovação da Emenda Constitucional 45, em 2004, eu me lembro muito bem - ainda estudava para o concurso da Justiça do Trabalho e era advogada trabalhista - de que se noticiou uma iniciativa de fortalecimento e comemorou-se muito essa ampliação da competência da Justiça do Trabalho, com atribuições de competências que até então nos estavam sendo retiradas. E, logo em seguida, veio o julgamento da ADI 3.395, que já tirou do âmbito da competência da Justiça do Trabalho os servidores públicos.
Como bem pontuou a Dra. Carolina, quando atribuiu competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar as lides decorrentes das relações de trabalho como gênero, a interpretação dos magistrados era no sentido de que abrangiam relações de trabalho não empregatícias, não necessariamente empregatícias. E, à medida que o tempo vem passando, a gente vem assistindo a um completo esvaziamento dessa competência - e aqui eu gostaria de registrar, com a devida vênia, com todo o respeito -, capitaneado tanto por decisões do nosso Supremo Tribunal Federal, que tem esvaziado a competência da Justiça do Trabalho, assim como do STJ e até mesmo por alterações legislativas promovidas pelo Congresso Nacional.
Então, de lá para cá, a gente assistiu a competências históricas, como a do representante comercial autônomo, que eu própria cheguei a julgar vários no meu início de carreira, e hoje não mais pertence à Justiça do Trabalho, pois houve uma decisão que atribuiu que a competência para julgar as lides do representante comercial autônomo é da Justiça comum.
E é importante que se diga que mesmo nós, no momento que julgávamos as lides do representante comercial autônomo, não necessariamente reconhecíamos vínculo; nós aplicávamos a lei do representante comercial. Nos casos em que houvesse uma alegação de fraude e que aquela relação, na verdade, era uma relação empregatícia, travestida sob o manto de uma representação comercial fraudulenta, caso isso ficasse evidenciado nas provas do processo, poderia ser caracterizado vínculo empregatício, mas não necessariamente, pois o próprio juiz do trabalho dava concretude à legislação. No entanto, mesmo assim, tivemos extirpada essa competência.
Em seguida, também verificamos a extinção da competência da Justiça do Trabalho, o afastamento da competência para situações de complemento de benefício previdenciário e até mesmo para bloqueio de verbas públicas estaduais para pagamentos de valores trabalhistas, ainda que aquela empresa devedora fosse credora do poder público. Hoje também não podemos mais, diante do julgamento da ADPF 485.
A Reclamação nº 61.115 foi um pouco mais dura com o Direito do Trabalho, vamos dizer assim, pois, ao julgar a ADPF 324, ela entendeu pela terceirização, pela possibilidade de terceirização também nas atividades fim, ou seja, atividade meio e atividade fim, e também declarou a possibilidade da organização de trabalho não só pela terceirização, como por outras formas desenvolvidas pelo agente econômico.
R
A gente pensa que tem havido aí uma certa incompreensão ou atecnia, porque esse julgamento tem sido utilizado para afastar a competência da Justiça do Trabalho em processos nos quais não se está discutindo terceirização. Por exemplo, em situações de pejotização, que seria a utilização de uma pessoa jurídica para contratar o trabalhador, e mesmo em processos de autônomos, como foi citado pela Dra. Carolina: os apresentadores de TV dos grandes veículos de comunicação, que são contratados como PJ; médicos contratados como PJ... Não se trata aí de uma terceirização, e, mesmo assim, tem sido entendido pelo STF - aqui a crítica respeitosa a respeito disso - como uma afronta ao conteúdo da decisão da ADPF.
No mesmo sentido, a Lei 11.442, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas, que tem tanto na minha localidade, pois eu sou de Mato Grosso - sou Juíza do Trabalho de Sinop... Também era uma competência histórica da Justiça do Trabalho e é mais uma competência que também foi retirada, foi afastada da Justiça do Trabalho por decisão do Supremo Tribunal, que entendeu como constitucional, na ADC 48, o dispositivo dessa lei que tira, extrai da competência...
Eu mesma tive oportunidade de advogar para empresa transportadora de carga líquida - no caso, combustíveis -, e nunca se contestou a competência da Justiça do Trabalho sobre esse tema, e, após essa Lei 11.442 e da ADC 48, perdemos mais essa competência.
Então, como o assunto é premente, porque a gente avalia que esse esvaziamento sucessivo, concatenado, reforça o argumento de que a Justiça do Trabalho é um ramo do Direito muito caro, muito dispendioso, e que aí se julgam poucos processos...
(Soa a campainha.)
A SRA. DAYNA LANNES ANDRADE - ... comparativamente ao peso financeiro da sua estrutura, porque é capilarizada, porque a Justiça do Trabalho está presente nas diversas localidades dos estados mais longínquos... A Justiça do Trabalho, como eu costumo dizer, vai aonde o povo está. E, onde não tem Vara, a gente vai por Justiça Itinerante, para ouvir o trabalhador e levar o juiz para acolher aquele reclamo da sociedade.
Então, quando se extrai a competência do juiz do trabalho, que seria o juiz especializado para aquelas lides oriundas do conflito capital/trabalho, além de se delegar para outra Justiça, no que vai ter um prejuízo no enfrentamento especial da matéria e também na própria tramitação, que começa a durar muitos mais anos, e, às vezes, até alijar o trabalhador do acesso ao Judiciário, porque, muitas vezes, reconhece-se a competência da Justiça comum, às vezes a competência da Justiça do Trabalho, e essa situação de competência não é uma situação que é bem compreendida pela sociedade em geral, e a pessoa até desiste de buscar, porque ficam anos discutindo qual seria o juízo competente.
E reforço ainda, já no final da minha fala, que a mesma situação tem se revelado com o enfrentamento da questão da competência para apreciar as lides recorrentes do trabalho em plataforma, e isso é uma preocupação grande da Anamatra neste aspecto, porque, se acontecer o que vem acontecendo, muito embora tenha julgamentos até predominantes, no sentido de negar a existência de vínculo empregatício para os trabalhadores de plataforma, estão-se questionando a competência da própria Justiça do Trabalho para apreciar esse tipo de litígio, o que sequer era para ser aventado, diante dos termos do art. 114, caput, da Constituição Federal.
R
Então, uma coisa é existência de vínculo empregatício; outra coisa é a relação de trabalho; e outra coisa, completamente distinta, a competência. Não era para estarmos aqui questionando a competência da Justiça do Trabalho para apreciar essa demanda que é tipicamente uma relação trabalhista, que pode ou não vir a caracterizar vínculo empregatício, a depender das provas dos autos.
Então, é nesse sentido que gostaríamos de demonstrar a preocupação da Anamatra com esse esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho, um movimento que a gente já viu outrora, que reforça um argumento pela extinção da própria Justiça do Trabalho, o que muito nos preocupa.
E a Anamatra, sensibilizada com essa situação, tem promovido uma aproximação institucional do STF, levando essa demanda, conforme várias visitas que a diretoria que tem feito com a Presidência do STF. E também vai promover um evento sobre competência, no próximo dia 5 de outubro, em São Paulo, através de um estudo que está sendo feito com a USP, em que estamos estudando todos os precedentes. E vamos debater com a iniciativa de formar posicionamentos sólidos e direcionados à defesa da competência da Justiça do Trabalho e ao fortalecimento da Justiça do Trabalho, que é, antes de mais nada, o segmento especializado, responsável e sensível aos conflitos da relação capital/trabalho.
Agradeço mais uma vez a todos a escuta ativa e a oportunidade outorgada pelo Senador Paim, que, como disse, desempenha um papel de suma importância ao mundo do trabalho e aos direitos sociais constitucionais. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Dayna Lannes de Andrade, juíza e Diretora de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Se eu pudesse dizer, eu assino embaixo com todos aqueles que lutam contra o fim da Justiça do Trabalho, que a intenção é exatamente essa.
Eu me lembro de que, recentemente, fui convidado para um congresso estadual no Rio Grande do Sul, em Pelotas - não pude ir -, de juízes do trabalho. Eu, lá, naturalmente, falaria na mesma linha que a Dra. Carolina falou e também a Dayna, que a Justiça do Trabalho é fundamental.
Como você vê um país sem Justiça do Trabalho? Uma justiça especializada, que realmente possa fazer um julgamento sereno, tranquilo?
E me parece-me que, se o setor grande da economia trabalha contra a Justiça do Trabalho, é porque não cumpre as leis trabalhistas. Se cumprisse, não tinha que temer nada.
A SRA. DAYNA LANNES ANDRADE (Fora do microfone.) - Ou porque incomodamos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É este o termo mesmo: incomodamos.
A Justiça do Trabalho incomoda no bom sentido, de fazer o bem sem olhar a quem.
Parabéns.
R
Neste momento, a pedido dela, eu passo a palavra à Dra. Magda Barros Biavaschi, Desembargadora aposentada do TRT4, pesquisadora, colaboradora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) - Unicamp.
Por favor, Juíza Magda Barros Biavaschi, a palavra é sua.
Sempre é um prazer vê-la e ouvi-la.
A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - Bom dia!
É uma satisfação, mas será que a Dra. Marilane não precisa falar antes de mim? Parece que ela precisa sair.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Passaram uma lista aqui, combinada com ela.
A SRA. MARILANE TEIXEIRA (Fora do microfone.) - Não, não, pode seguir, pode seguir.
A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - Se para ela está bem...
A SRA. MARILANE TEIXEIRA (Fora do microfone.) - A Magda tem prioridade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Viu? Muito bem.
Dra. Magda, a palavra é sua.
A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Para expor. Por videoconferência.) - O.k.
Bom dia a todas e todos, é uma satisfação poder estar aqui. Vocês estão me ouvindo bem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - Inicialmente, eu quero agradecer ao Senador Paim pelo convite, pela possibilidade de estarmos aqui discutindo este tema tão relevante, tão importante, que é o tema, ao fim e ao cabo, da democracia. E por que, ao fim e ao cabo, da democracia? Porque, num mundo fragmentado, em que o trabalho não ocupa a sua condição de centralidade, em que as desigualdades se aprofundam, as exclusões sociais se acirram, sobretudo em relação às mulheres, e fazendo um recorte em relação às mulheres negras, é muito difícil, com esses dados que a Profa. Marilane vai nos apresentar - por isso, eu achei que ela falaria antes de mim, mas, tudo bem, eu passo depois a bola para ela -, nós, tranquilamente, falarmos em democracia, porque o aprofundamento das desigualdades, das iniquidades, em vez de permitir uma caminhada rumo a esse sistema que todos apreciamos, gostamos e defendemos, que é a democracia, tem uma condição grave e complicada de colocar riscos a essa caminhada. Então, agradeço muito a possibilidade de estar aqui para discutir esse tema tão vital e tão essencial para o futuro dos nossos netos, para o futuro do nosso planeta e até para o futuro da humanidade.
Agradecendo também à Marilane por ter me dado essa deferência de falar antes dela, e agradecendo a todos os meus colegas, os nossos colegas que participam da Comissão e que estão aqui presencialmente ou online, e a todos aqueles que estão nos assistindo, neste, ao menos em São Paulo, dia tórrido, em que estamos aqui buscando ares e referências para podermos desenvolver uma caminhada, que eu chamo de "a caminhada da esperança", rumo à construção de uma sociedade de homens e mulheres substantivamente iguais, com direitos e garantias a todos e a todas assegurados, independentemente da natureza dos serviços prestados e independentemente dos vínculos formais estabelecidos.
O que nós estamos discutindo aqui é algo, como disse o Senador Paim, para o século XXI. É algo que parte da compreensão de uma sociedade fragmentada, de um mundo do trabalho assimétrico e cujas históricas desigualdades, ao invés de terem sido superadas ou reduzidas pelas promessas da reforma trabalhista de 2017, foram aprofundadas não só pela reforma trabalhista, mas pelas reformas liberalizantes que vieram nesse bojo e posteriormente pelas medidas provisórias, sobretudo pelas medidas provisórias no período da pandemia.
R
Nós estamos numa retomada de caminhada interrompida e, nesse sentido, o desengavetar, o desarquivar do estatuto se insere nessa luta e nessa caminhada integradora em que possamos efetivamente legar para os nossos netos - eu não vou ver isso - uma sociedade e um mundo do trabalho integrado, com uma igualdade positiva assegurada; igualdade positiva que não é só aquela igualdade formal, mas é a garantia de condições materiais em todas as esferas da vida humana, para que as pessoas possam concretizar, exercer e ampliar os seus direitos. Aliás, a igualdade positiva é um dos fundamentos da nossa Constituição de 1988.
Fazendo esses agradecimentos, eu quero falar em três elementos e depois passar para a Profa. Marilane.
Primeiro elemento: a importância, nesse cenário, de nós conhecermos a realidade, nós sabermos sobre que realidade o estatuto vai trabalhar.
Segundo: partindo da realidade, a nossa utopia, o nosso desejo, que é a elaboração de um estatuto ou de um sistema público de proteção social ao trabalho que inclua normas de proteção e instituições públicas - no Brasil, as instituições são a Justiça do Trabalho, os dois sistemas de fiscalização e as organizações sindicais -; construir esse sistema público que efetivamente integre, em direitos e garantias, todas as pessoas que trabalham, independentemente da natureza dos serviços prestados e dos vínculos formais estabelecidos. Então, esse é o segundo elemento.
Foi com essa filosofia, com essa principiologia que o Senador Paim montou esta Comissão para elaborar o estatuto, elaborou a SUG; mas a sociedade avançou, os problemas se acirraram, a pandemia chegou - porque a SUG foi arquivada em 2018 -, os problemas se aprofundaram... Como diz o Prof. Marcelo Manzano, o capitalismo foi engendrando inteligentemente, como ele é, novas formas para poder satisfazer o seu desejo insaciável de acumulação de riqueza abstrata e foi destruindo os diques que foram sendo colocados pela resistência para conter essa sanha e para conter essa ação essencialmente desigualadora que é ínsita ao capitalismo.
Então, o Senador Paim montou esta Comissão, nós elaboramos o estatuto, o SUG foi arquivado em 2018, houve todas essas questões posteriores e subsequentes, o Senador Paim o desarquivou, e nós estamos agora novamente trabalhando no sentido da ampliação do escopo inicial do estatuto. E que ampliação é essa? Olhar para esse mundo do trabalho altamente fragmentado, em que, segundo os dados que a Profa. Marilane vai nos dar, há milhões, milhares de homens e mulheres fora da força de trabalho, milhares de homens e mulheres na informalidade, portanto sem direitos - segundo dados do Cesit, mais de 50% -, milhares de trabalhadoras e trabalhadores sendo tratados como falsos empresários, como PJs, como MEIs, ou no loca-loca das plataformas digitais, sem direitos. E uma sociedade de um exército de sem direitos é uma sociedade sem demandas. Então, esse é o segundo elemento a que o estatuto se propõe. Desengavetado e desarquivado o estatuto, nós retomamos os trabalhos, como já foi dito aqui, fizemos várias reuniões e conseguimos, graças à coordenação do Senador e de todas as entidades e colegas que participam, reelaborar o que nós achamos fundamental e essencial, no qual o GT Mundos do Trabalho do Cesit está inserido, que foi a construção da tela de princípios ou de fundamentos. Então, a construção dessa tela de princípios ou de fundamentos, agora nessa nova visão, foi concretizada depois de muitas das nossas reuniões. E, se não me engano, são 11 ou 12 artigos que já estão prontos, preparados para receber agora o quê? Para receber toda a parte de direito material individual e coletivo, que vai incluir e deverá incluir - porque a sua principiologia é integrar todos aqueles que trabalham, independentemente da natureza do serviço e dos vínculos formais -, que vai integrar os terceirizados, vai integrar os informais, vai integrar os PJs, vai integrar os trabalhadores por plataformas digitais, vai integrar as trabalhadoras domésticas, as trabalhadoras de cuidados, que aumentam em volume muito significativo e também sem direitos, porque grande parte delas - e os dados são significativos - são contratadas como trabalhadoras domésticas e muitas diaristas, dois dias por semana em várias casas, portanto, sem direitos e sem demandas. Então, esse é, agora, num terceiro momento, o nosso desafio.
R
Nesse terceiro momento, nós estamos vivendo esse momento do desafio. Já conseguimos construir os princípios. O princípio da progressividade social, de que o Prof. Hugo falou aqui, é um dos princípios que está incorporado e expressamente elencado no estatuto. E por que os princípios? Porque nós entendemos, a partir de várias discussões, que princípio é norma. Princípios não são só guias, luzes, diretrizes, coisas atemporais, transnacionais, transestatais. Não! Princípios são normas. Não há norma sem princípio. Há princípios ainda não normatizados, mas não há norma sem princípios. Então, quando se olha para a norma, se despe a norma, nela nós vamos encontrar um ou mais princípios. E, portanto, também não há um conflito entre normas, há um conflito entre princípios, quando mais de uma solução nos é oferecida pelo ordenamento jurídico para um determinado caso concreto.
Então, agora nós incorporamos o princípio da progressividade social, além do princípio, que também foi incorporado, da vedação de retrocesso. O princípio da vedação de retrocesso está incorporado pelo art. 7º, caput, da Constituição Federal, e nós incluímos o princípio da progressividade social, que é um princípio importantíssimo para que, por meio desse estatuto, busque-se evitar os regressos, os retrocessos que acontecem quando o sentido do privado subjuga o sentido do público.
R
Quando os desejos privados subjugam o sentido do público, sobretudo em uma sociedade capitalista, em que o capitalismo está globalizado e hegemonizado pelos interesses das finanças - no Brasil esse sistema econômico, social e político encontrou estruturas sociais, heranças coloniais substantivas que deram as mãos, os braços, beijaram o capitalismo e permitiram que ele se instalasse e se espraiasse -, que encontra essas estruturas coloniais ainda não superadas, é muito importante nós traçarmos uma tela de princípios, entre eles o princípio da progressividade social, visando à vedação, visando ao regresso, mas, sim, sempre caminhando no sentido da ampliação dos direitos e das conquistas sociais, visando a quê? A construirmos uma sociedade integrada, harmônica, em que todos tenham voz e vez e em que não haja aquela exacerbada - que está acontecendo, hoje em dia, no capitalismo globalizado - concentração da renda e da riqueza, que favorece a concentração do poder político.
Então, o nosso estatuto tem este objetivo, que é o objetivo de, se não superar, reduzir as profundas desigualdades sociais que tecem o nosso tecido social, desigualdades essas que são aprofundadas por um capitalismo sem peia, ou por um capitalismo sem contrafluxos, sem obstáculos ao seu livre trânsito.
Estamos aqui construindo ou reconstruindo esses obstáculos. E por que reconstruindo? Porque todo esse processo que vem, sobretudo de 2016, quando uma nova hegemonia política permite que esse retrocesso ocorra, as reformas liberalizantes fizeram, sim, aprofundar as nossas desigualdades e, ao invés de cumprirem as promessas de dinamização da economia, de integração dos informais, de integração dos terceirizados, de investimentos que não vinham para cá porque as decisões paternalistas da Justiça do Trabalho impediam o investimento... E, para tanto, temos que tirar a rigidez, temos que criar alguns obstáculos a essa Justiça extremamente paternalista, etc... Então, essas promessas e essas condicionantes ao cumprimento das promessas que foram cumpridas não se efetivaram.
Nós estamos, aqui e agora, nesta caminhada, para retomarmos a reconstrução desse estatuto que tem essa principiologia, também está alicerçado no princípio da isonomia e da não discriminação e na compreensão da subordinação estrutural como algo fundamental a ser reconhecido no sentido da análise das condições de trabalho.
Então, a principiologia do estatuto está pronta, inclusive, para as plataformas digitais; está pronta, inclusive, para os trabalhos de cuidados; está pronta para as trabalhadoras domésticas, para os autônomos exclusivos, que é uma excrescência que a reforma trabalhista trouxe.
R
Agora, nós temos que nos debruçar, sob a batuta do Senador Paim e a coordenação do Prof. Luiz, com todas essas entidades, para o desafio de tratarmos a parte material, individual e coletiva, e a parte processual. E, nesse sentido, é um convite para que nos debrucemos sobre ele, como já vimos fazendo, sob a batuta do Senador, para que possamos, nesta legislatura, entregar esse estatuto, que, do meu ponto de vista e do ponto de vista dos economistas, como são os Profs. Marcelo e Marilane, é, mesmo que desafiadora, uma saída, é uma alternativa, é uma necessidade.
Mas sabemos também, como diz o Prof. Marcelo Manzano, que só a positivação dos direitos não é suficiente para que os direitos se concretizem, haja vista o art. 7º, I, da nossa Constituição Federal, que estabelece a presunção de relação de emprego quando há trabalho e elenca ali todos aqueles direitos, que são direitos destinados a todos os que trabalham, segundo o próprio caput do art. 7º e o seu inciso I; mas isso não se concretizou no mundo da vida. Então, o grande desafio, além de formularmos esse estatuto integrador, que a todos possa incorporar, será, depois, trabalharmos no campo da política, porque é o seu campo adequado, para podermos, com a força dos nossos instintos, tornar efetivas as normas que vão ser produzidas pelo estatuto.
Há pistas importantes para isso. A Espanha hoje é um exemplo, por exemplo, que está com uma fiscalização importantíssima no Ministério do Trabalho. E aqui nós temos dois sistemas de fiscalização, que precisam ser rearticulados ou reforçados, para que possam cumprir esse papel, que é o Ministério Público do Trabalho e os auditores fiscais do trabalho; as organizações sindicais, que também são fiscais e são produtoras de novos direitos; e a Justiça do Trabalho, que é a instituição pública por excelência, que foi criada para concretizar um direito profundamente social e não individual intuitivo da classe trabalhadora. Hoje, numa nova lógica liberalizante introduzida pela reforma de 2017, que estabelece como fonte prevalente o contrato individual de trabalho e não o sistema público de proteção, a Justiça do Trabalho fica com seus dias contados, haja vista as decisões monocráticas em sede, hoje em dia, de reclamações constitucionais, que tiram da Justiça do Trabalho a competência para reconhecer a existência de vínculo de emprego.
Com o estatuto, esse problema vai ser minimizado, porque todos os trabalhadores terão direitos. É claro que algumas especificidades deverão ser tratadas, mas as especificidades serão tratadas a partir das suas especificidades, e haverá, segundo o estatuto, uma tela pública universal de proteção que a todos incorporará.
Esse é o nosso desejo, esse é o nosso desafio, essa é a nossa utopia. É difícil? É difícil. Mas, segundo - e assim eu finalizo - o nosso grande mineiro - e aqui eu homenageio todos os mineiros -: "O que a vida quer da gente é coragem".
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dra. Magda Barros Biavaschi, Desembargadora aposentada do TRT4, pesquisadora, colaboradora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp). E, como ela disse muito bem, este debate passa - e nós temos mantido contato com sindicatos, associações, federações, confederações - pelo Governo e passa também pelo próprio empresariado.
R
Nós estamos costurando isso com todos os setores. Não tem um setor que já não recebeu convite e vai continuar recebendo, para que, no momento apropriado, eles possam colocar o seu ponto de vista - depende muito mais deles do que de nós -, como, por exemplo, esses eventos em que já estive no Rio Grande do Sul, em Caxias do Sul, em Campo Bom, ali no Vale do Sino, com a presença das centrais sindicais, como vai ser agora o encontro de Joinville e também de Mato Grosso do Sul, sempre numa visão mais ampla possível em que se possa pensar. É claro que as centrais, as confederações e todo o mundo sindical é decisivo, mas nós queremos conversar inclusive com o empresariado também, para que eles entendam a importância do Estatuto do Trabalho.
Conforme entendimento feito aqui na mesa, nós vamos passar a palavra agora para o Sr. Guilherme Guimarães Feliciano, representante do Núcleo de Pesquisa "O Trabalho além do Direito do Trabalho" (NTADT/USP).
A palavra é sua, Dr. Guilherme.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.
É uma satisfação estar aqui falando em nome do Núcleo de Pesquisa e Extensão "O Trabalho além do Direito do Trabalho", da Universidade de São Paulo, vinculado à Faculdade de Direito e ao Departamento do Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo. Nós exatamente estamos com a Anamatra desenvolvendo esse estudo que será publicado agora no dia 5 de outubro, em um evento no Largo do São Francisco, na Universidade de São Paulo. Esse estudo demonstra como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na verdade, tem contrariado os seus próprios precedentes e, em larga medida, tem desconsiderado a jurisprudência construída em torno das reclamações constitucionais, porque tem utilizado precedentes sem aderência para afastar a competência da Justiça do Trabalho em diversas hipóteses, além de estar examinando, a rigor, matéria de fatos e provas e, para além disso, além de estar validando os usos das reclamações constitucionais como sucedâneos de recursos, permitindo, portanto, o chamado recurso per saltum, em que, por exemplo, uma decisão de primeiro grau é cassada diretamente no Supremo Tribunal Federal sem passar pelo TRT e sem passar pelo TST. Essas coisas nós estamos demonstrando nesse parecer a que a Dra. Dayna se referiu e daremos a tudo isso a devida publicidade no dia 5 de outubro, neste evento que realizaremos na Universidade de São Paulo, para o qual V. Exa., Senador Paim, está convidado, e todos os demais que nos acompanham aqui.
Eu quero cumprimentar também os colegas de mesa, tanto da mesa presencial aí em Brasília quanto aqui da nossa mesa virtual, e quero, então, rapidamente, nesses 15, 20 minutos que me cabem, fazer também um breve apanhado do que tivemos até aqui. Obviamente, quero tecer todo elogio, todo encômio a essa iniciativa, Senador Paim. Ficam também os meus cumprimentos a V. Exa. pela sua premiação no Congresso em Foco, mas sobretudo neste momento pelo empenho de V. Exa. para que este projeto caminhe como tem caminhado.
R
Quem participou disso desde o início, e eu acho que eu tenho esse lugar de fala, porque, quando a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho assina a primeira versão ainda do anteprojeto do Estatuto do Trabalho, que se transformaria na SUG 12, eu era, com muita honra e com muita satisfação, o Presidente da Anamatra.
Desde então, tenho também, de diversas maneiras, primeiramente pela Anamatra, como disse, e atualmente pela Universidade de São Paulo, pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão "O Trabalho além do Direito do Trabalho", tenho participado desse processo de construção social e política e posso dizer que houve uma sensível evolução no texto, e, agora, felizmente, o texto pode caminhar, digamos, sob ares políticos mais favoráveis, o que nós não tivemos nos últimos seis anos, aproximadamente.
Então, talvez caiba iniciar aqui as minhas ponderações considerando que, quando o estatuto começa a ser discutido - e V. Exa. bem pontuou que isso se deu em 2016, quando ainda se discutia no Congresso Nacional a reforma trabalhista de base liberal, que foi implementada no Governo Michel Temer -, nós ainda não tínhamos, talvez, sequer a dimensão do que viria, do verdadeiro tsunami desregulatório que nós teríamos nos anos subsequentes. Felizmente, nós tínhamos, como ainda temos, essa alternativa no Congresso Nacional. Eu quero me lembrar e quero lembrar aos nossos expectadores, Senador Paim, que a reforma trabalhista surge no cenário político brasileiro dentro daquilo que foi apontado aqui, na primeira exposição do projeto de Ponte para o Futuro do Governo Michel Temer, como uma alternativa para aumentar os empregos formais, dinamizando a economia brasileira, sempre se fiando naquela grande falácia de que o problema da economia brasileira é o excessivo peso dos encargos trabalhistas sobre as costas do empregador. E me permita dizer isto: é uma falácia, porque a história recente revela que isso não é verdade. Tivemos condições de pleno emprego no Brasil, praticamente algo entre 5% e 6% de desemprego durante o segundo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e tínhamos a CLT na sua versão anterior à reforma trabalhista. Portanto, a CLT não era o problema.
R
Teremos mais empregos conforme tenhamos um ciclo econômico positivo para isso, conforme tenhamos mais do que crescimento econômico, porém desenvolvimento econômico, o que significa também proteção social, naturalmente teremos mais empregos e empregos de qualidade. A legislação trabalhista, repito, nunca foi a razão fundante para termos mais ou menos empregos, e a história recente demonstra isso, mas a cantilena foi assimilada, e esta foi uma das razões da reforma trabalhista de 2017.
As outras duas razões diziam muito da atuação da Justiça do Trabalho e do próprio Ministério Público do Trabalho. Por conta disso, fiz aquela minha ponderação inicial sobre o que talvez ainda seja rescaldo dessa visão se manifestando nas decisões do Supremo Tribunal Federal, que vão paulatinamente reduzindo a competência material da Justiça do Trabalho para algo aquém do que tínhamos em 5 de outubro de 1988. E vejam que, depois de 1988, ainda tivemos a Emenda Constitucional 45, de 2004, que tinha, clara e sensivelmente, um perfil ampliativo. Afinal, antes, nós tínhamos um artigo e três parágrafos e, a partir da Emenda 45, passamos a ter um artigo, nove incisos e três parágrafos.
É muito evidente, até tendo em conta a expansão do texto constitucional, que a ideia do Constituinte derivado era aumentar as competências materiais da Justiça do Trabalho. No entanto, o que estamos vendo é uma jurisprudência constitucional que contraria a vontade do Constituinte derivado e reduz a competência da Justiça do Trabalho para algo inferior ao que havia em 5 de outubro de 1988. Isso é ao que estamos assistindo e, repito, talvez reflita também um pouco esta visão que também esteve presente na gênese da Reforma Trabalhista de 2017, que tinha ainda outros dois objetivos, além daquele de dinamizar a economia e aumentar empregos formais.
O segundo desses objetivos, portanto, seria aumentar a segurança jurídica, dentro da visão de que a Justiça do Trabalho, por ser, digamos, muito criativa, muito proativa, muito ativista, talvez trouxesse grande insegurança aos mercados, e isso incutisse temor aos investidores, especialmente aos investidores externos. Portanto, segurança jurídica era a segunda palavra de ordem.
E a terceira palavra de ordem era demandismo ou, na verdade, combate ao demandismo, na perspectiva de que - também falsa, antecipo - a Justiça do Trabalho, de alguma maneira, criava a sua própria demanda a partir de que criava essas teses tão criativas, e, por conta disso, tínhamos um número de ações trabalhistas que não se justificaria no cenário nacional, algo como culpar a janela pela paisagem, Senador Paim, mas era isso que ouvíamos naquele momento histórico, como se o problema do excesso de demandas da Justiça do Trabalho não fosse uma cultura espraiada, inclusive, em certos segmentos do patronato brasileiro, de sonegar direitos sociais e de pagá-los apenas em um último momento quando já não houvesse alternativa e, neste caso, então, propor uma conciliação que, inclusive, pudesse diminuir o dispêndio com aquele direito trabalhista já reconhecido, transitado em julgado e liquidado. Esta é uma cultura que sabemos, especialmente nós que atuamos na Justiça do Trabalho, que foi muito presente, e ainda é muito presente, em alguns segmentos da economia.
R
Portanto, uma cultura de sonegação de direitos sociais, obviamente, leva a uma expansão de demandas. Isso é natural, mas nada perto dos números falsos que se agitavam à altura e que chegaram a ser esgrimidos, inclusive em conferências internacionais, por grandes autoridades do país, como, por exemplo, a história de que 98% das ações trabalhistas do planeta estão na Justiça do Trabalho. Isso é uma fake news, uma grande bobagem, uma falácia, porque isso nem sequer pode ser medido e jamais foi medido. Foi uma ilação feita, possivelmente, por um conhecido demandado da Justiça do Trabalho, um empresário que, em certo artigo de jornal, utilizou esses percentuais quase como força de expressão e, de repente, isso começou a ser repetido como se fosse uma verdade estatística.
A realidade posterior nos mostrou como toda essa análise que baseou a reforma trabalhista de 2017 estava equivocada. Podemos começar a falar do aspecto da dinamização da economia, do aumento dos empregos formais.
Em 2021, nós tínhamos 14,8 milhões de desempregados, ainda estamos aqui com algo em torno de 12 milhões. Por conta disso e de outros dados, o Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades, que é o Made USP - da minha universidade, a Universidade de São Paulo -, apontou que os objetivos econômicos da reforma trabalhista absolutamente não foram alcançados.
E vejam que, durante os debates, tanto no Parlamento, como logo depois, o que se prometia com a reforma trabalhista era algo como 2 milhões de novos empregos, depois 3 milhões de novos empregos. Chegou-se a falar em 6 milhões de novos empregos. O próprio Presidente Michel Temer, quando promulga a Lei 13.467, fala em 2 milhões de novos empregos. E não tivemos isso, pelo contrário, tivemos aumento da informalidade.
Quando, inclusive, alguns institutos que claramente introduziam modelos contratuais de trabalho não decente, de trabalho precário, como é o caso do - como já foi referido aqui no dia de hoje - próprio trabalho intermitente, a ideia de introduzi-los era exatamente dar uma alternativa para que esses trabalhadores tivessem alguma formalização nos seus vínculos. Nem nesse específico aspecto a reforma teve sucesso. Basta lembrar que o estoque formal de empregos passou de aproximadamente 38.620.000 em novembro de 2017 - a reforma entra em vigor em 11 de novembro de 2017 - para 42.998.607 em outubro de 2022. Assim, o saldo de postos de emprego "criados", entre aspas, foi inferior ao que se prometia, pelo máximo. E, mais do que isso, no que diz respeito a essa formalização dos trabalhos informais, o saldo de trabalho intermitente nesse período foi só de 373 mil, representou 6,55% dos empregos formais no período de 2017 a 2022.
R
É impossível, academicamente, concluir que o trabalho intermitente gerou empregos. E, se gerou, na verdade, não gerou propriamente, mas transformou postos de empregos mais protegidos nesse tipo de emprego desprotegido, precário, como é o trabalho intermitente.
E tudo isso, eu digo com dados do Caged, de 2019, que eu inclusive extraio de uma interessantíssima dissertação de mestrado que foi recentemente defendida perante a Unifor (Universidade de Fortaleza), pela Mestre Camilla Borges, que exatamente, a partir das primeiras pesquisas que realizou no âmbito do nosso núcleo, do NTADT, terminou fazendo esta pesquisa e a defendendo recentemente - e eu tive a ocasião de participar da banca.
Portanto, do ponto de vista, repito, da economia, não se atendeu absolutamente à promessa feita, muito pelo contrário.
E, do ponto de vista da segurança jurídica e do demandismo, temos a observar que, quanto à segurança jurídica, talvez a reforma trabalhista seja o melhor exemplo de insegurança jurídica plantada no ordenamento jurídico positivo brasileiro nos últimos 30 anos, porque nós tivemos, em torno de uma mesma lei, em menos de um ano e meio, quase 30 ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade. Isso é um atestado de insegurança jurídica. Isso, sim, é demandismo, mas um demandismo necessário, por conta das imensas hipóteses de inconstitucionalidades que começaram a ser denunciadas a partir do texto da reforma trabalhista.
E, por fim, com relação à diminuição das demandas à Justiça do Trabalho, temos de reconhecer que isso, de fato, aconteceu. Houve uma queda vertiginosa em alguns TRTs, nos primeiros 12 meses, queda de 60% da demanda trabalhista. Mas a custa de quê? Isso aconteceu por quê? Porque a reforma introduz um modelo de sucumbência que era própria do processo civil e que não existia no processo do trabalho, em que prevalecia o princípio da gratuidade. Os trabalhadores passaram a se ver às voltas com o risco de ter de pagar os honorários dos advogados das empresas que eles demandavam. E, por conta disso, obviamente tiveram medo de demandar.
Portanto, a redução das demandas à Justiça do Trabalho fez-se a partir do medo. Incutiu-se medo, temor no trabalhador, violando as máximas mais elementares do acesso à Justiça desde Bryant Garth e Mauro Cappelletti, com a sua famosa obra Acesso à Justiça. Garth e Cappelletti apontavam três ondas de superação dos obstáculos do acesso à Justiça. A primeira onda, a onda econômica, justamente pela via da gratuidade judicial, das assistências judiciárias, etc. E o que a reforma trabalhista fez foi retroagir para um momento aquém da superação dessa primeira barreira, para um momento aquém da primeira onda de Bryant Garth e Mauro Cappelletti, para gestar temor e, dessa maneira, diminuir demanda, o que agora foi relativamente solucionado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao menos, compreendeu, a partir do texto constitucional, que isso não poderia ser assim e que a cobrança de honorários de trabalhadores só poderia ter lugar se houvesse efetiva demonstração da mudança da situação patrimonial desse trabalhador, e não simplesmente o fato de ele ter créditos em outras ações trabalhistas ou na própria em que ele esteja movendo, mas, sim, mudança real da situação patrimonial, o que a empresa terá de demonstrar.
R
Nós entendíamos que deveria haver aí uma declaração da inconstitucionalidade tout court. Foi o que a Anamatra, inclusive, sustentou nas ADIs perante o STF, mas, de todo modo, o que se reconheceu já facilita, neste momento, o acesso à Justiça.
E, diante disso tudo, nós temos uma alternativa. A alternativa é o Estatuto do Trabalho, uma alternativa que já tem inúmeros méritos reconhecidos, e que foram referidos aqui, com relação à própria proteção do trabalhador contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, com relação ao direito coletivo e à garantia das funções sindicais, com relação ao combate das condutas antissindicais - o que é um problema recorrente na realidade histórica brasileira e para o qual, até hoje, não tem legislação adequada -, com relação aos trabalhadores por plataformas, com relação a uma malha de princípios, como foi dito aqui, já no dia de hoje.
É preciso que se identifique, e o Código do Trabalho de Portugal faz isso, o Estatuto do Trabalhador da Espanha faz isso... É preciso que um estatuto abra o seu texto normativo exatamente com as suas balizas, com os seus alicerces deontológicos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem mais um minuto.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Por videoconferência.) - Desculpe, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem mais um minuto.
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Por videoconferência.) - Perfeito.
E, nesse sentido, precisamente, precisaríamos ter uma malha de princípios. Isso está no estatuto. E, evidentemente, há ainda e sempre haverá espaço para evoluir.
Então, eu aproveito este meu minuto final para apontar caminhos para os quais talvez o estatuto ainda possa evoluir. Nós já, inclusive, apresentamos, de algumas dessas coisas que eu direi, algumas minutas, como sugestões, Senador, para que nós tenhamos esta evolução no texto, embora eu repita que hoje não haja, pelo menos do meu ponto de vista, nada melhor no Congresso Nacional para garantir, de fato, o Estado social do que o Estatuto do Trabalho, que começa com essa feliz iniciativa de V. Exa., reunindo a Anamatra...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Por videoconferência.) - ... a ALJT, o Sinait, a Abrat e a ANPT.
Pois, muito bem, a primeira sugestão é com relação ao tópico que trata dos direitos de personalidade, que já avança, imensamente, porque a CLT nada tem a esse respeito, à diferença do que há no Código do Trabalho português - e, de fato, a inspiração para o estatuto foi o Código do Trabalho português. Mas, desde a versão original até o momento atual, tivemos, no Brasil, o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e tivemos, ainda, uma série de resoluções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. A LGPD, porém, se esqueceu das relações de trabalho e se esqueceu de que o empregador é, em rigor, o controlador de dados na relação de trabalho. Portanto, nós temos aqui um vácuo regulatório que tem suscitado inúmeros debates na doutrina e na jurisprudência.
R
Seria muito importante que o Estatuto do Trabalho se debruçasse sobre esse aspecto também para exatamente prever, entre outros aspectos, o término do tratamento de dados na relação de emprego e trazer isso com clareza, porque temos ouvido muitas vozes dizendo: "Não, a empresa pode manter as imagens ou pode manter a documentação do trabalhador até dois anos após o término do contrato de trabalho por conta do prazo prescricional do art. 7º, do inciso XXIX, da Constituição, dois anos após a extinção". Não! Depende da finalidade com que os dados foram captados. Já há um elemento nesse sentido no estatuto, mas, a meu ver, isso poderia ser mais bem desdobrado, estabelecendo, inclusive, a responsabilidade da empresa que mantém em seu poder dados pessoais do trabalhador que já não têm finalidade e, portanto, tornar judiciável...
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Por videoconferência.) - ... a discussão da responsabilidade civil pelo descumprimento das obrigações relacionadas ao término do tratamento de dados por parte do empregador, que, repito, é o controlador de dados por excelência na relação de emprego.
Então, seria estabelecer melhor a questão da proteção de dados pessoais na relação de emprego, quem sabe em uma subseção própria e, para além disso, estabelecer com clareza as hipóteses de responsabilidade civil subjetiva ou objetiva no que diz respeito à condição do empregador como controlador de dados ou mesmo como agente de tratamento de dados de uma maneira mais geral.
O segundo ponto, Senador Paim, com relação aos riscos emergentes, e aí eu me refiro já a uma outra sessão, a um outro capítulo para o qual nós tivemos ocasião de contribuir pela Anamatra e que está muito bem construído, que diz respeito ao meio ambiente do trabalho. Houve também uma ativa participação dos procuradores do trabalho, dos auditores fiscais.
(Soa a campainha.)
O SR. GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO (Por videoconferência.) - Temos ali a abordagem sistêmica que deve haver em tema de meio ambiente, temos ali a responsabilidade civil objetiva, temos ali a definição do poluidor no meio ambiente de trabalho, temos mais adiante, foi referido aqui na primeira fala, a ação promocional trabalhista, que, na verdade, é a class action no direito do trabalho brasileiro. Mas podemos e devemos, a meu ver, Senador, caminhar no sentido daquilo que a OIT identificou, em 2010, como os riscos emergentes deste século e, muito particularmente, no campo da saúde do trabalhador, a questão da nanotecnologia e da biotecnologia.
Essas searas continuam à margem de qualquer regulamentação, há alguns esforços neste momento da Fundacentro, etc., para construir algo que seja assimilado pelo Ministério do Trabalho no campo das normas regulamentadoras, mas, quem sabe, os princípios gerais não pudessem ser desenhados no próprio Estatuto do Trabalho.
Eu tenho dois núcleos pela Universidade de São Paulo, o NTADT, que está aqui representado, também o Grupo de Pesquisa Meio Ambiente do Trabalho, e tenho certeza de que nós poderíamos oferecer boas sugestões nesse particular. Fica, então, aqui esta ideia para que V. Exa. e os nossos demais parceiros no Estatuto do Trabalho considerem para uma eventual evolução do texto.
E, por fim, acabou-se o meu tempo.
Eu encerro lembrando Angela Davis, que, a certa altura da sua luta, disse que ela já não mais aceitaria as coisas que ela aparentemente não poderia mudar. Ela, pelo contrário, passaria a tentar mudar as coisas que ela não pudesse aceitar. Eu acho que, no final das contas, esse Estatuto do Trabalho, que foi visto por muitos como uma utopia, como algo que não caminharia, como, enfim, uma promessa legislativa que não teria o condão de se transformar efetivamente em lei...
R
Eu acho que nós que estamos neste barco, nesta canoa, na verdade, pensamos como ela. Vamos tentar mudar aquilo que não podemos aceitar. E agora, mais do que antes, mais do que nunca, temos condições de fazer com que isto saia da condição de projeto de lei e se torne efetivamente lei em vigor neste país.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, representante do Núcleo de Pesquisa e Extensão "O Trabalho além do Direito do Trabalho".
As suas sugestões, inclusive, com inovações para que a gente incorpore no texto, com certeza, serão vistas com muito carinho, e a nossa assessoria, oxalá, já possa, nos próximos eventos em que eu for participar, levar essas contribuições que todos os painelistas, de uma forma ou de outra, deram para estar no texto que vamos construindo junto.
De imediato - e agradeço pela tolerância, pela paciência e pela gentileza de ter cedido a palavra por duas vezes a dois convidados que tinham que sair -, passo a palavra para a Marilane Teixeira, pesquisadora e representante do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/IE/Unicamp).
A SRA. MARILANE TEIXEIRA (Para expor.) - Bom dia a todas, bom dia a todos.
Quero agradecer o convite de Senador para estar aqui. Sempre é uma alegria vir - agora presencialmente - às audiências públicas...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Isso.
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - Nós estamos acompanhando já há seis anos o desdobramento do Estatuto do Trabalho. Eu acho que é um momento bem oportuno para se avançar nessa discussão na Casa, mas também na sociedade. Eu acho que nós temos uma oportunidade, a minha sensação é de que, nesses últimos seis anos, nós ficamos um pouco amortizados, paralisados com tudo o que ocorreu no Brasil. Eu acho que, aproveitando esses ares novos, enquanto as pessoas falavam, eu me lembrei das nossas viagens pelo Brasil afora para discutir a terceirização. Então, eu acho que nós podemos retomar essa experiência a partir do estatuto.
Quero também cumprimentar a todas que estão na mesa. É uma alegria rever a Carolina - fazia tempo que nós não nos encontrávamos, é um prazer também revê-la. Também cumprimento quem está nos acompanhando pela videoconferência e, depois, quem vai, posteriormente, assistir à audiência.
Eu queria trazer alguns elementos que eu acho um pouco... Como a Magda falou antes de mim... Nós tínhamos combinado de eu falar antes. Era uma ideia de reforçar. Então, vou retomar um pouco algumas coisas que a gente tem pensado.
A gente tem um problema, obviamente, que nós vamos ter que enfrentar, e, de fato, o Estatuto do Trabalho ajuda. Eu acho que ele abre oportunidade para a gente pensar qual é o futuro do mercado de trabalho no Brasil. Nós temos um mercado de trabalho muito desestruturado, e, nesses últimos anos, isso se acentuou de uma forma impressionante, inclusive, considerando o período da reforma trabalhista para cá.
R
Nós estamos hoje com 107 milhões de pessoas na força de trabalho; em torno de 99 milhões de pessoas ocupadas; e uma taxa de desocupação que é uma das menores destes últimos anos. Mas esse resultado tem que ser visto com muita cautela, porque ele não é exatamente a expressão de uma melhora do ponto de vista geral do mercado de trabalho. Ele também é a expressão de uma retirada de uma parcela da força de trabalho que antes estava no mercado de trabalho e que se retirou não necessariamente por aposentadoria e outras coisas, mas, muitas delas, pelo desalento, pelo abandono, pela falta de perspectiva, considerando que o período médio de busca por trabalho no Brasil tem excedido dois anos. Esse é um período muito elevado.
E isto desestrutura, inclusive, do ponto de vista pessoal: ficar dois, três anos fora do mercado de trabalho. Para qual mercado de trabalho você está voltando? Em que condições está voltando? Então, os níveis de rotatividade são surpreendentemente muito, muito elevados. E esse é um dos aspectos que a gente precisa aqui enfrentar.
Nós temos em torno de 99 milhões de pessoas ocupadas hoje; e 35 milhões não contribuem para a Previdência Social - isto é dado de agora, gente, do segundo trimestre de 2023 -, 35,5 milhões, ou seja, 36% da força de trabalho ocupada no Brasil não contribui para a Previdência. O que é o futuro dessas pessoas? Quais são as perspectivas, as possibilidades que essas pessoas vão ter de garantir uma aposentadoria, uma dignidade na velhice? Praticamente nenhuma.
E a informalidade tem-se ressignificado, sim. A gente tem aí o peso das plataformas. É certo que elas ainda representam um percentual pequeno, em torno de 2% desse total das pessoas ocupadas, em torno de 2 milhões. Isso, se considerar não só as plataformas, os aplicativos de transporte e entrega, mas considerar que também está se expandindo para o trabalho de cuidado, para o trabalho doméstico, para a saúde, para a educação. Mas tem uma informalidade que é aquela informalidade tradicional, aquela informalidade que resiste e persiste, com uma força surpreendente e impressionante.
Se olhar para a agricultura, quase 80% do trabalho agrícola é informal. Se olhar para a indústria, que é um setor que o Paim conhece muito bem - o Senador é oriundo dos metalúrgicos de Canoas, do Rio Grande do Sul -, um setor que sempre foi referência, inclusive, pensando a indústria como promotor e propulsor do crescimento e desenvolvimento econômico, porque sempre constituiu um setor com empregos mais protegidos, com direitos, com melhores salários, e inclusive ajudava a impulsionar o próprio crescimento, desenvolvimento econômico.
R
Quer dizer, 30% da força de trabalho está na informalidade. Se falarmos do comércio, 47%; do transporte, 57%; do alojamento e alimentação, gente, 64%; educação e saúde, 31%; e serviços domésticos, 75%. Então, a gente está falando de uma informalidade que atravessa todos os setores, todos os segmentos, e a maior parte das ocupações.
A gente trabalha com uma estatística, lá no Cesit, para identificar a informalidade. Nas nossas estatísticas, a informalidade hoje representa 50% das pessoas ocupadas. Mas, se eu quiser ser um pouco mais moderada e olhar para a estatística do IBGE, ele vai me dar 40,7%, ou seja, de qualquer maneira, você tem entre 40% e 50% da força de trabalho na informalidade. E isso se conecta com vários debates que, para nós, são muito importantes, como a discussão da desigualdade, os debates sobre o nível de insegurança alimentar...
Hoje 38% das pessoas que estão na condição de informalidade vivem uma condição de insegurança alimentar moderada ou grave. E os ditos autônomos, que muitas vezes são vendidos como o profissional liberal ou empreendedor que fez uma opção por uma certa, vamos dizer, trajetória profissional, 25% vivem insegurança alimentar moderada ou grave, ou seja, nós vivemos num ambiente em que as condições de trabalho...
Os últimos dados do Caged agora, publicados em julho de 2023, dão conta de que a média salarial é entre 1 e 1,5 salário mínimo. Todas as outras faixas salariais tiveram um recuo. O que o Caged expressa? Expressa o saldo entre os admitidos e os desligados, ou seja, mais pessoas foram dispensadas, com salários mais altos, do que pessoas foram contratadas com salários mais baixos.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - Então, o único saldo positivo, nas faixas salariais, é entre 1 e 1,5 salário mínimo. Todas as demais faixas foram negativas. E isso, inclusive, remete para um outro dado importante sobre a remuneração/hora. Se eu comparar os últimos dez anos, em 2012, a remuneração/hora do trabalho no Brasil correspondia a R$17,64; hoje, ela está em R$16,24. Quer dizer, em dez anos, você tem uma perda de rendimento médio.
E os por conta própria, que também são vendidos com uma ideia de empreendedor, de profissional liberal, também tiveram uma redução de, praticamente, R$2,50 na sua remuneração média, ou seja, você está gerando um mercado de trabalho que é absolutamente precário, e isso tem-se acentuado.
R
Você tem um aumento... Disto que eu chamava a atenção lá no começo: a população fora da força de trabalho, de 2017 para cá, que são seis anos, que é justamente o período da reforma trabalhista, passou de 36,7% para 38,4%, ou seja, aumentou a fatia de pessoas fora da força de trabalho e reduziu a fatia de pessoas na força de trabalho, o que cria uma falsa ilusão de que você está reduzindo o nível de desemprego - não é pela capacidade de absorver, aumentar o nível de ocupação, é porque as pessoas estão se retirando da força de trabalho.
A reforma trabalhista trouxe - e acho que várias pessoas aqui já falaram disso, a gente vem falando disso há seis anos, nós produzimos muito sobre isso, inclusive lá no Cesit - essa ideia de que nós ampliaríamos o nível de emprego, ampliaríamos a formalização. Bom, na formalização, o trabalho com carteira cresceu em torno de 2,5 milhões de 2017 para cá, mas ele reduziu o peso no trabalho total; ele correspondia em torno de 38%, em 2017, hoje corresponde a 37% - perdeu um ponto percentual. Cresceu 2,5 milhões, mas cresceu 2,5 milhões também do assalariamento informal e cresceu 3 milhões no por conta própria, ou seja, enquanto você cresceu, nos últimos seis anos, 2,5 milhões de empregos formais, você cresceu também 5,5 milhões de empregos na informalidade ou no trabalho por conta própria - e, no trabalho por conta própria, a gente conhece muito bem de que perfil nós estamos falando.
Nós precisamos entender o que é esse trabalho por conta própria. Esse trabalho por conta própria esconde, mascara várias formas de trabalho, desde do MEI, do PJ, do trabalho autônomo, até aquele profissional que, vamos dizer, dedica-se ao trabalho por conta própria por uma opção, é um profissional liberal, um advogado, um médico, enfim, um economista, até aquele que, de fato, corresponde a vínculos de trabalho e uma relação de trabalho fraudulenta. E o MEI é uma categoria que a gente... Bom, tem mais de 25 milhões, ativos em torno de 12 milhões. Quando se olha 2007, 2008, quando foi criado o MEI - o MEI com aquela ideia de que você tinha que combater um núcleo duro da informalidade e da desproteção social, e, portanto, ele era pensado sobre essa perspectiva... Quando você olha de 2007, 2008 para cá, quer dizer, passaram-se pelo menos 25 anos... Não, 15 anos. Em 15 anos, o MEI cresceu exponencialmente, substituiu objetivamente o trabalho assalariado com carteira, em vários setores, em vários segmentos, e com uma contribuição que é uma contribuição absolutamente insuficiente, porque não dá conta das demandas do sistema da seguridade social no Brasil. Então, ele pode ser uma alternativa boa para quem vive numa condição mais precária...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - ... mas, ao desvincular do assalariamento com carteira, a contribuição patronal se reduziu significativamente. E isso tem um impacto tremendo sobre as nossas fontes de manutenção do próprio sistema de seguridade social. E, obviamente, eles vão começar a pressionar lá na frente, assim como a rotatividade, que produz de 500 mil a 600 mil pessoas por mês que requerem o seguro-desemprego.
R
Quer dizer, você tem um impacto, do ponto de vista das contas públicas, seja pela elevada rotatividade, que nada mais é, na maioria das vezes, que substituir força de trabalho com salário mais alto por um salário menor, porque todas as estatísticas da série histórica que se analisam do Caged, o salário dos dispensados é maior do que o salário dos admitidos, na mesma ocupação, na mesma função, no mesmo setor econômico, e o crescimento exponencial do MEI, com um efeito perverso sobre as contas públicas, mascarado evidentemente num discurso de empreendedorismo, de trabalho com maior liberdade, com mais capacidade do indivíduo de lidar com suas outras demandas cotidianas, sem estar preso a uma relação de trabalho de assalariamento com subordinação, que a gente sabe exatamente o que representa.
Então, a informalidade cresce entre os graus de instrução, de escolaridade mais alta. Ela se revela agora, nesse dado publicado recente, há poucas semanas, em relação aos dados de associação. Nós estamos com 9,1 milhões de pessoas associadas a alguma entidade, a algum sindicato no Brasil, é o menor percentual histórico. Nós perdemos 5,3 milhões de associados aos sindicatos nos últimos dez anos. De 2019, a última estatística para cá foi 1,3 milhão. Há uma perda, evidentemente, da vitalidade, do poder dos sindicatos de representar uma boa parte dos trabalhadores, mas essa perda também tem a ver com a desestruturação do mercado de trabalho, evidentemente, e com a redução crescente do mercado de trabalho mais estruturado e do assalariamento com carteira.
Nós temos um desafio muito grande, o Estatuto do Trabalho obviamente precisa enfrentar isso. Ele é hoje nosso principal instrumento para fazer uma discussão séria com a sociedade, com o Governo, enfim, com as instituições, sobre a questão de assegurar direitos e proteção social a todas as pessoas que trabalham. Independentemente da sua forma de inserção, nós precisamos garantir que esses 99 milhões de pessoas tenham acesso: as mulheres à licença-maternidade, uma pessoa que eventualmente sofreu algum tipo de acidente ou de afastamento do ambiente de trabalho, precisamos garantir o mínimo de proteção social.
Agora, para isso a gente precisa pensar em outro sistema, que obviamente não é esse que nós temos hoje. Esse sistema que tem hoje não dá conta, essa ideia da vinculação para que o Marcelo Manzano chamava atenção. Acho que esse é o nosso debate, nós temos que pensar outras formas de sustentação do sistema de proteção social e direitos e nós precisamos também pressionar para que se gerem empregos na sociedade.
R
É inadmissível que a gente ainda conviva com quase 10 milhões de pessoas desempregadas. As taxas de desemprego diminuíram, mas, quando se olha regionalmente, a taxa de desemprego em Pernambuco hoje é quatro vezes maior que a taxa de desemprego em Santa Catarina: a taxa de desemprego em Santa Catarina é um pouco mais de 3%; a taxa de desemprego em Pernambuco está mais de 13%. A taxa de desemprego da mulher negra é o dobro da taxa de desemprego do homem branco. Então a gente também tem que olhar sobre essa perspectiva, que modelo de desenvolvimento econômico...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - ... que modelo de país...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem mais um minuto, Dra. Marilane.
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - ... nós queremos construir, em que.. Parece-me que um dos desafios, inclusive, para que a gente possa, de fato, ser vitoriosos e vitoriosas nesse processo de discussão da regulação pública, do Estatuto do Trabalho, é assegurar que ninguém fique sem trabalho, porque, quando você tem quase 10 milhões de pessoas no desemprego, as pessoas se submetem a aceitar qualquer tipo de trabalho. Fica muito mais difícil você organizar e convencer a sociedade, convencer as pessoas, homens e mulheres, de que eles não podem se submeter a um trabalho indigno por conta de um salário mínimo, porque eles têm que sobreviver. Tem uma questão objetiva, que é de sobreviver no cotidiano.
Então eu inclusive sugiro, se a gente tiver agenda, Senador, que a gente faça um debate e chame inclusive o próprio Governo, o Ministério do Trabalho, o Ministério da Fazenda, para nos dizer o que estão pensando sobre a geração de empregos. Porque a gente não pode admitir que isso seja apenas uma ordem natural...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARILANE TEIXEIRA - ... do mercado, é o mercado que vai se encarregar. Não, o mercado não vai se encarregar disso, se não houver uma atuação forte do Estado como indutor do crescimento e desenvolvimento econômico e principalmente da capacidade de geração de emprego.
Acho que a gente tem uma oportunidade também ímpar agora, por conta do pacto global, que foi firmado agora, no contexto da Conferência da ONU, em relação ao trabalho digno. Tem uma série de compromissos que foram estabelecidos e que dialogam exatamente o que nós estamos discutindo em relação ao Estatuto do Trabalho. Então acho que essa é uma outra sugestão, é traduzir esse pacto em medidas concretas e reais e que tenham a ver com o debate que a gente está fazendo em relação ao Estatuto do Trabalho.
E finalizo agradecendo, mais uma vez, e parabenizando o Senador, mais uma vez, pela premiação muito merecida e justa, porque é o nosso Senador preferido aqui na Casa.
Muito obrigada e obrigada a todos também. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado pelo carinho, Dra. Marilane Teixeira, pesquisadora e representante do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, que enfatizou, além dos aspectos globais do estatuto, a preocupação com o desemprego e a informalidade. E naturalmente a sua sugestão será vista com muito carinho, para que a gente faça o debate, inclusive com a presença do representante do Governo, sobre a questão do desemprego.
Nós temos ainda quatro convidados. Eu vou pedir aos quatro próximos convidados que todos, se puderem, a partir de agora, até aqui, a gente deu 15, com mais 5, nós vamos ter que voltar para os 10 mais 5, 15 minutos para cada um, para que a gente possa terminar em tempo, para que os funcionários possam almoçar. E, quanto ao Plenário, eu tenho que estar lá às 14h.
R
Vou ler aqui, por força da função da Presidência, do e-Cidadania. Eles reduziram a quatro, porque tinha muitas perguntas.
Caio Bezarias, de São Paulo, pergunta: "O trabalho criativo, sem horários e regras fixas, que produz bens imateriais [...] será contemplado?".
Thumas Augusto, de São Paulo: "O que as futuras legislações trabalhistas estão [planejando] [...] para os trabalhadores informais? Há algum plano de formalização desse mercado?".
Carlos Gustavo, de São Paulo: "Qual a solução para reduzir os custos trabalhistas para as empresas e manter os benefícios dos trabalhadores?".
E só um comentário do Vinícius Dutra, do Amazonas: "De fato, a 'pejotização' é um tema que precisa de mais debate na sociedade!".
Se algum dos próximos convidados entender que pode responder a algumas perguntas, que o faça. Se não, nós o faremos depois, de ofício, aqui da Comissão.
Passamos a palavra, agora, a Alex Myller Duarte Lima, Auditor Fiscal de Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Lembro: dez minutos, mais cinco. No último minuto, tocam os 15 segundos.
Olá, meu amigo Alex, que tem colaborado muito conosco aqui na construção do estatuto desde o início!
O SR. ALEX MYLLER DUARTE LIMA (Para expor. Por videoconferência.) - ... Senador.
Bom dia!
Estão me escutando?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente.
O SR. ALEX MYLLER DUARTE LIMA (Por videoconferência.) - Então, quero já agradecer por essa oportunidade e saudar, na sua pessoa, todos os amigos e amigas que já falaram antes de mim.
Como o Senador comentou, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, desde o início da elaboração das ideias embrionárias, ali, para o Estatuto do Trabalho, esteve presente.
Eu entendo a questão do avançado da hora. Então, vou tentar ser o mais sucinto possível. Eu tinha feito meio que uma histórico, mas, felizmente, fui contemplado pela fala do Luiz Alberto e de todas as pessoas que me precederam. Eu só queria fazer dois registros aqui antes. Um primeiro registro, Senador, até como uma forma de notícia, é sobre a prisão de dois dos mandantes da chacina de Unaí, aquele crime bárbaro, que é uma vergonha para o nosso país que, até hoje, os mandantes não tenham cumprido as suas penas. Pelo menos, dois deles já estão presos; outros dois estão foragidos. Eles foram condenados, recondenados e, finalmente, começa essa justiça a ser feita, depois de 19 anos.
Então, isso é grave e tem tudo a ver com o que a gente vai falar sobre o Estatuto do Trabalho e sobre o fortalecimento necessário dessas instituições.
Eu gostaria de falar de cada uma das pessoas que falaram antes de mim e saúdo, em nome do Senador, todos os que falaram antes e todas as pessoas que estão nos acompanhando, seja presencialmente aí no Senado, seja pelas redes sociais.
Eu prefiro - muito - estar aí presente, falar da própria bancada do Senado, mas dessa vez não foi possível. Então, eu só queria retomar mais uma questão no sentido geral do estatuto para poder chegar nesse ponto da questão também das instituições. Já fui, assim, muito contemplado nas falas. Então, eu queria só lembrar que, de fato, como todo mundo já falou antes, eu acho que o compromisso fundamental da Constituição brasileira é colocar a pessoa no centro, no centro do direito, mas também no centro da economia, no centro da ordem social. E, se a gente parar para pensar, o dever do Estatuto do Trabalho é, mais uma vez, o cumprimento de uma das promessas da Constituição. Nossa Constituição tem na sua sede uma Constituição trabalhista com um conjunto básico de direitos reconhecidos não só aos trabalhadores que teriam vínculo empregatício, mas a toda pessoa que trabalha.
R
Infelizmente foi havendo uma redução no alcance daquela Constituição trabalhista, seja por meio das interpretações que fizemos das leis que estão abaixo da Constituição, seja por meio das interpretações equivocadas, que, obviamente, pelo próprio texto da Constituição fica claro isso, que foi dado aos próprios mandamentos constitucionais, então, nesse mundo, colocar a pessoa humana no centro é a principal tarefa do Estatuto do Trabalho e, no caso, então, é um rebatimento dessa centralidade da pessoa humana que está na Constituição para o mundo das relações do trabalho. Um mundo em que 69 empresas estão entre as 100 maiores instituições do mundo e em que as dez empresas mais ricas do mundo detêm a mesma renda dos 180 países mais pobres. Então, desde há muito não são os estados os grandes promotores ou os que podem destruir os direitos humanos, na verdade os estados não estão mais nessa condição, pelo menos a maior parte dos estados do mundo, dos estados-nação.
E, se essa dignidade da pessoa humana trabalhadora precisa ser enfrentada, precisa ser finalmente cumprida, nós precisaríamos, portanto, de uma nova codificação, de um novo estatuto que tratasse das relações e, aí, todas as falas que me disseram, me senti contemplado, especialmente no sentido de que temos essa reflexão e esse desafio de como produzir uma regulação trabalhista apropriada para o século XXI, esse século da velocidade, esse século do instantâneo, centrado nessa pessoa humana trabalhadora e que vá muito além de toda a miríade possível de vínculos.
Nisso, eu até já falo da questão do trabalho criativo que foi perguntado, Senador, vou abordar pelo menos essa, de todas as outras questões. Então, sim, claro que o trabalho criativo tem que estar ali presente, não é mais aquela realidade somente da fábrica, somente da hora marcada, então, o Estatuto do Trabalho também tem que ser capaz de contemplar todos esses tipos de vínculos, todas as pessoas, tem que ser integrador, como a Magda também citou antes.
E, além disso, entender que eu acho que essas questões do trabalho humano, pensando na centralidade da pessoa humana, não podem esquecer que a centralidade da pessoa humana engloba não só a pessoa humana hoje, mas como a própria Magda disse, os nossos netos e os que virão. Daí a importância, por exemplo, do reconhecimento da segurança e da saúde, do ambiente de trabalho seguro e saudável como um direito fundamental dos trabalhadores, recentemente incorporado aos ditames fundamentais da Organização Internacional do Trabalho, agora em 2022.
Ora, é impossível, portanto, e aí eu lembro aqui de uma fala inspiradíssima do Mauro Menezes, um grande advogado brasileiro em uma reunião com as instituições trabalhistas, esse sistema brasileiro de proteção ao trabalho, que está fundamentalmente representado ali na inspeção do trabalho e que é a primeira instituição, a Auditoria Fiscal do Trabalho, aquela da qual eu faço parte, que o meu sindicato representa enquanto organização política, é o primeiro enfrentamento à realidade de como se dá o mundo do trabalho, é a primeira autoridade de Estado que vai ao ambiente de trabalho para verificar essas situações.
Além disso, nós temos o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho completando esse tripé. De fato, ele dizia: "Pode-se tentar destruir a proteção trabalhista por meio da mudança da legislação, retirando direitos, mas, se essas instituições permanecem fortes, é difícil conseguir essa destruição de forma rápida ou de forma plena". Exatamente, essas instituições tenderão a cumprir o seu mandado constitucional de colocar a pessoa trabalhadora no centro, e, claro, que a parte mais sensível dessas instituições, e aí já vou tentando caminhar aqui para o encerramento dessa fala, respeitando esse tempo, seria a Auditoria Fiscal do Trabalho, que, no Brasil, é o nome que a inspeção do trabalho recebe.
Ela está vinculada diretamente ao Poder Executivo, então, é claro que as mudanças que vieram vão afetar mais diretamente os próprios auditores fiscais do trabalho. Veja o que a gente pode só lembrar de imediato, a própria reforma trabalhista que culminou, no Governo seguinte, com a própria extinção do Ministério do Trabalho, como se não fosse mais necessário tratar da pauta; o rebaixamento institucional da própria inspeção do trabalho; os cortes orçamentários constantes, que chegaram a inviabilizar as próprias políticas de combate ao trabalho escravo, quer dizer, a forma mais degradante, absurda e desumana de tratamento da pessoa dentro do âmbito do trabalho.
R
É óbvio que, portanto, o estatuto teve que albergar uma preocupação de fazer uma sedimentação da institucionalidade da própria inspeção. Então, não é à toa que o estatuto prevê também a inspeção como uma instituição, um órgão fundamental ao funcionamento do Estado.
O que o estatuto permite, como foi abordado aqui pelo próprio Luiz Alberto? Uma estabilidade maior para os direitos dos trabalhadores e para a instituição que mais próxima está deles no seu cotidiano, que é a inspeção do trabalho, abordando as garantias e um redesenho institucional que coloca a democracia como pauta, inclusive, na própria institucionalidade da inspeção.
Já me encaminhando para o fim, na verdade, o que a gente espera, portanto, com o estatuto é: como a construção dele tem sido essa democracia no discurso, no debate, nós fizemos aqui dezenas de audiências públicas - vamos falar de mais de 30, Senador, desde o início deste processo -, que o processo possa continuar para aprofundar mais ainda, para que ele se torne realmente esse texto que seja a nossa referência.
Vai ser uma luta, claro, longa para que os debates se aprofundem e para que ele seja votado, seja aprovado.
A gente lembra que, de fato, esta é mais uma das promessas da Constituição. E ninguém melhor, Senador, do que V. Exa. para estar à frente desta iniciativa, lembrando todas essas promessas que V. Exa. já ajudou a cumprir.
Agradeço, mais uma vez, a sua presença, a sua posição de baluarte de luta dos direitos sociais no Brasil, sabendo que, de fato, estando na sua mão a relatoria, nós temos, portanto, a esperança de que essa centralidade da pessoa humana, que sabemos que é muito cara a toda a sua história de vida - não é à toa esses estatutos estarem na sua história de vida política -, que ela também possa ser levada para a pessoa humana trabalhadora.
Independentemente de vínculos, de quem são as pessoas que se beneficiam, nós estamos num mundo de cadeias produtivas transnacionais. Enfrentar isso no Estatuto do Trabalho, começar a olhar a devida diligência e observar que a pessoa humana que trabalha que precisa desses direitos não é só uma questão de atribuição, é também necessária para a dignidade dela se concretizar no mundo e não ser apenas uma promessa vazia.
A gente vai estar junto aqui, sempre, Senador, na luta por esses direitos sociais e por essa concretização.
Eu queria, desde já, desejar que a gente tenha um bom combate, que é o que temos travado desde o início, nesta luta contra a reforma trabalhista.
Agradeço já demais. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, querido amigo Alex Myller Duarte Lima, auditor fiscal do trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), pelas considerações, você que vem, junto com essa equipe, trabalhando desde o início.
Nesse sentido, eu gostaria de informar rapidamente que quem vai centralizar, na minha equipe de assessores, será o Luiz Alberto, como Consultor do Senado, e a Dra. Denize. Portanto, o Dr. Luiz Alberto e a Dra. Denize vão centralizar o recebimento de todo tipo de contribuição, para que a gente vá elaborando a redação que, com certeza, como foi dito aqui, um dia será aprovada. Eu não vou prever o dia, mas será aprovada. Um dia me perguntavam: "Como surgiu a CLT?" Bom, veio lá do tempo de Getúlio, mas tenho certeza de que, quando começaram a elaborar, construir, muita gente duvidava que aquela lei ia surgir, e ela já completa 80 anos. E como foi dito aqui, ninguém aqui está pensando em revogar a CLT, não. Não é, doutora? A senhora que falou, a Dayna. Ninguém está pensando em revogar a CLT. Nós estamos dizendo que vamos melhorar, aperfeiçoar, que seja a CLT do século XXI, e que mantenha os empregos de qualidade - como disse o Presidente Lula e o próprio Presidente dos Estados Unidos, o emprego decente.
R
Antes de passar a palavra, eu gostaria de rapidamente... Christiano, eu fiquei preocupado que você podia sair para almoçar. O Christiano é o Secretário-Geral da Comissão, há muito tempo. Eu já passei por aqui umas quatro vezes, mas tiveram também outros, e ele sempre assessorando da mesma forma, com o mesmo carinho, com o mesmo respeito e contribuindo muito para aqueles que assumiram a Presidência e também a Vice. O Christiano está de aniversário no dia de hoje, e por isso vamos dar uma grande salva de palmas para ele. (Palmas.)
Voltamos então à lista dos nossos painelistas.
Passo a palavra agora para o Desembargador do TRT4, Dr. Luiz Alberto de Vargas, que também tem colaborado muito e provavelmente vai estar naquele encontro de Joinville e também naquele de Mato Grosso do Sul.
Por favor, Dr. Luiz Alberto de Vargas.
O SR. LUIZ ALBERTO DE VARGAS (Por videoconferência.) - Prazer, Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não fale aí que nós nos conhecemos há mais de 50 anos, viu?
O SR. LUIZ ALBERTO DE VARGAS (Por videoconferência.) - Cinquenta anos é pouco, Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É pouco, acho que é mais. Acho que são uns 60.
O SR. LUIZ ALBERTO DE VARGAS (Para expor. Por videoconferência.) - É um prazer estar aqui, é uma satisfação estar aqui, é uma enorme honra. Vou estar em Joinville. Em Mato Grosso eu não garanto, mas sem dúvidas estamos juntos.
Eu quero saudar os participantes deste importante evento que discute caminhos para sairmos desse enorme retrocesso do mundo do trabalho que foi provocado pela reforma trabalhista de 2017. Eu quero saudar principalmente esse enorme brasileiro que é o Senador Paim, incansável lutador pelos direitos sociais e que mais uma vez comanda esse processo de discussão que nos dá esperança, com esse verdadeiro mutirão, que envolve tantos profissionais, Parlamentares, trabalhadores, empresários, professores, enfim, toda a sociedade no esforço de reconstrução da regulação do trabalho e das próprias instituições do trabalho tão ameaçadas. Como falou o Senador Paim, a Justiça do Trabalho é ameaçada por essa reforma trabalhista.
Eu destaco que esse esforço se dá no bojo do processo maior de reconstrução da democracia e também das possibilidades de crescimento econômico. É preciso não esquecer o que aconteceu no país, mas é preciso andar para frente. E a proposta de um estatuto é uma maneira de juntarmos novamente, todos, para levarmos o país adiante.
Nesse tema fundamental, um dos pontos mais negligenciados e desprezados até pela mídia, como se não merecesse ser tratado - ou como se pudesse ser tratado, mas não agora - é o tema da democracia e do crescimento econômico. Não é possível o crescimento econômico sem povo. Eu quero fazer uma referência aqui à importantíssima fala da Profa. Marilane. É importante que nós positivemos os direitos dos trabalhadores, mas é preciso lembrar que sem crescimento econômico e sem instituições que garantam uma política pública que garanta que esse crescimento seja distribuído, nós não sairemos desse impasse, nesse buraco em que está o país.
R
É fundamental recuperar o marco protetivo dos direitos dos trabalhadores, mas é preciso também garantir que esse crescimento econômico aconteça e que ele seja distribuído. E para que ele seja distribuído, quem pode efetivar esses direitos, quem pode garantir essa distribuição dos frutos do crescimento econômico é a negociação coletiva. Nesse sentido, é o sindicato, através da negociação coletiva, o principal instrumento para que ela seja efetivamente um processo de distribuição de renda e de repartição dos frutos da produtividade. É preciso tirar os direitos do papel e, para tanto, o sindicato é quem pode utilizar os meios necessários para tirar esse direito do papel, transformando-os em realidade concreta.
É preciso dizer claramente: sem negociação coletiva, não há distribuição de renda efetiva, e sem sindicato não há negociação coletiva, nem no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. Se todos concordam que não pode haver progresso sem repartição dos ganhos de produtividade, não se pode pensar em negociação coletiva sem o sindicato. Essa é a visão mais moderna em todo o mundo. Atrasados são aqueles que insistem em pensar na possibilidade de um país desenvolvido sem sindicato. Isso está contido, inclusive, recentemente na declaração dos Presidentes Biden e Lula, que mostrou a centralidade do trabalho na economia e na realidade mundial.
Não é outra coisa que diz a Constituição brasileira. O inciso III do art. 8º diz que: "III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;" ou seja, como negar a relevância? Alguns negam até a existência dos sindicatos, quando os sindicatos têm status constitucional. E mais, é o sindicato, pela Constituição, o guardião e o defensor dos direitos e interesses da categoria. Portanto, a própria categoria tem status constitucional, e são esses direitos e interesses, sejam individuais, sejam coletivos, em todas as questões, podem ser judiciais, podem ser administrativas, ou podem ser de outro campo.
Portanto, disso decorre, se deduz um verdadeiro dever público do Estado brasileiro de garantir que os sindicatos existam e tenham condições efetivas, inclusive financeiras, de realizar seu trabalho, de representar os trabalhadores na negociação coletiva, que, lembremos, não se limita à mesa de negociação. Ela inclui todos os aspectos da defesa, inclusive a greve, como muito bem mencionou agora há pouco, o Senador Paim. Sem condições econômicas de sequer passar com um carro de som na frente da fábrica, não se pode dizer que possa receber pressão suficiente para garantir alguma negociação ou alguma efetividade na negociação. Portanto, sem que o sindicato compareça forte na mesma negociação, sem que ele tenha instrumentos de mobilização e de pressionar os trabalhadores - a greve existe para isso, para pressionar os trabalhadores -, não se pode dizer que há uma verdadeira negociação coletiva. A reforma trabalhista, de uma forma que é, a meu ver, inconstitucional, já que a Constituição diz claramente que a contribuição sindical deve ser decidida na assembleia sindical, e contrariando também, como tentei demonstrar, a própria essencialidade do sindicato, transformou a contribuição sindical em facultativa, como se ela fosse meramente uma mensalidade sindical a ser paga só pelos associados. Não é possível isso, não é isso que a Constituição diz. A contribuição sindical não é uma mensalidade sindical. Ela deve ser paga por associados e não associados. É isso que está previsto na Constituição, mas atende até um senso comum. Quem se beneficia dos frutos da negociação coletiva deve participar também da repartição dos custos dessa negociação. É um princípio de justiça que todos entendem. Como admitir que seja mesmo moral que alguém que se beneficie do aumento do seu salário pela negociação coletiva, que se beneficiou pela luta de todos através do sindicato, se recuse a dar uma pequena parte desse benefício para custear os gastos de uma luta que foi comum? Isso foi entendido recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, mas que manteve o direito de oposição, que há a possibilidade de que o trabalhador - vamos chamar assim, ingrato - compareça ao sindicato em determinado momento, em dado prazo, se fala em dez dias, e apresente por escrito uma oposição ao desconto. Isso deve ser corrigido pelo legislador. Deve ficar bem claro que a oposição deve ser feita no momento mesmo da decisão coletiva na assembleia. Ele deve comparecer à assembleia e, se não vencer sua proposta, deve se submeter à vontade da maioria, como acontece por exemplo numa assembleia condominial, num condomínio do nosso edifício. Como é possível o condômino exercer qualquer direito de oposição? Isso não é o exercício de qualquer direito, isso é pura e simples inadimplência, resistência indevida ao cumprimento de um direito que foi deliberado coletivamente na assembleia. Isso é o senso comum, isso que deve ser entendido e é isso que diz a Constituição também.
R
Agora, por que isso é colocado assim? Porque há uma narrativa que pretende colocar os sindicatos contra os trabalhadores, como se eles não devessem existir, como se eles não tivessem função, como se, ao contrário do que diz a Constituição, eles não prestassem um serviço essencial aos trabalhadores e à sociedade. Essa narrativa chega a negar até que os trabalhadores sejam trabalhadores, preferem chamá-los de colaboradores, de empreendedores, ou seja, é uma negativa da própria existência do trabalhador, como se o trabalho não fosse central na sociedade. O que colocou aqui o Dr. Alex, é exatamente isso: é preciso resgatar essa ideia do trabalho como um valor essencial dentro da sociedade. Esta audiência pública é valiosa nesse debate e deve ser replicada, como está fazendo o Senador Paim por todo o Brasil, porque só assim se pode criar uma massa crítica para poder se contrapor a essa narrativa, essa infeliz fake news, se contrapor à ideia devida: que o sindicato deve ser forte e que deve haver um financiamento sindical adequado para uma negociação coletiva que mereça esse nome nesse embate de narrativas. Eu quero aproveitar para trazer duas questões que eu acho importantes neste espaço, que se contrapõem a um certo pensamento neoliberal, conservador, que justamente procura questionar a questão do financiamento sindical. Primeiro, a questão do valor das contribuições. Infelizmente, no exercício do direito, sempre é possível o abuso do direito. Isso está previsto na legislação. Isso existe no mundo do trabalho também e na vida em geral. Mas é sempre possível o recurso ao direito. E os abusos podem ser reprimidos e devem ser reparados. Se há sindicatos... E aqui, no caso de um grande jornalão do país, de um sindicato que fez um valor de contribuição efetivamente excessivo, um valor abusivo, isso foi, em primeiro lugar, absolutamente excepcional. Em segundo lugar, é possível ser reprimido e vai ser reprimido. É preciso entender que a contribuição sindical, a contribuição assistencial, especialmente, existe há dezenas de anos. E tradicionalmente se entende que os valores não podem ultrapassar o razoável. Geralmente é um ou dois dias de salário do trabalhador. Acima disso, a Justiça do Trabalho entende sempre essas taxas como exageradas e configuradoras de abuso de direito. Então, essa é uma narrativa, mais uma vez. Ao contrário do que a imprensa fake news fala, não há qualquer risco de que as taxas de contribuição sejam exageradas. Nunca foram e não serão. O segundo ponto é o que acontece, são as famosas listas de pedidos de não desconto que são apresentadas muitas vezes para impedir que houvesse o desconto da contribuição sindical. Na verdade, é denunciado que essas listas passam no interior das fábricas e que são, digamos, incentivadas pelo próprio empregador. É preciso dizer que, do ponto de vista jurídico, o empregador nada tem a ver com o tema da contribuição sindical. A responsabilidade dele é apenas proceder ao desconto, como solicitado pelo sindicato. Não se pode interferir, nem se envolver em eventual oposição do empregado. Se o empregador é demandado na Justiça do Trabalho pelo empregado contra o desconto salarial, o que deve fazer é alegar a ilegitimidade para responder a isso. E cabe ao Juiz do Trabalho determinar que o legitimado para responder a essa demanda não seja o empregador, mas o próprio sindicato, que é a verdadeira fonte desse desconto. Portanto, é preciso dizer claramente que essas listas, quando incentivadas pelo empregador, configuram uma conduta antissindical e constituem, inclusive, um crime contra a organização do trabalho. Por isso, no estatuto, deve ficar bem claro que o empregador não pode promover essa conduta antissindical e que ela deve ser reprimida gravemente, inclusive penalmente.
R
Outro ponto a ser abordado é que o financiamento sindical não pode se submeter ao sucesso da negociação, mas somente à existência da negociação. Se estiver vinculado ao sucesso, estaria de alguma maneira condicionado à vontade do empregador, se submeteria à vontade do empregador de deixar ou não o acordo. Assim, não pode haver essa condicionante e a contribuição deve ser devida pela própria negociação, e não pelo resultado dela. O último ponto é que essa contribuição deve ser suficiente para custear todo o financiamento sindical, que não é pequeno. Além de toda a representação dos custos de negociação coletiva, toda a estrutura assistencial que a própria lei exige dos sindicatos, inúmeros serviços prestados à categoria, toda a defesa de interesses dos trabalhadores, homologações de rescisão contratual que os sindicatos sempre realizaram e continuam realizando e que deve urgentemente voltar na lei como competência, como atribuição dos sindicatos, enfim, a contribuição deve ser suficiente porque os sindicatos, para cumprir sua função social, devem ser, como falamos, sindicatos fortes. Eu termino aqui agradecendo o espaço e queria saudar, finalmente, esse grande Parlamentar, esse paladino do trabalho, em especial, como defensor da Justiça do Trabalho. Em nome da Justiça do Trabalho, Senador Paim, eu quero agradecer todo o empenho que V. Exa. tem feito em defesa da nossa instituição e que nós achamos fundamental, que cumpre 80 anos e que pretende continuar, porque não se pode entender o Brasil sem a Justiça do Trabalho. Portanto, ela está aí trabalhando, funcionando e pedindo esse reconhecimento, que se mantenha, se fortaleça e se garanta principalmente a competência da Justiça do Trabalho para decretar se há ou não uma relação de emprego. Isso é fundamental.
R
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ ALBERTO DE VARGAS - Sem essa possibilidade de definir o que é e o que não é relação de emprego, o que é e o que não é trabalho, não há Justiça do Trabalho. Nós somos competentes para todos os trabalhadores, empregados e não empregados. É assim que define o art. 114 da Constituição Federal. Esperamos que isso seja reconhecido por toda a sociedade e também pelo Supremo Tribunal Federal.
Muito obrigado, Senador Paim. Um abraço!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Nós que agradecemos, querido desembargador do TRT4, Luiz Alberto de Vargas, que fez uma defesa clara, nítida e transparente - e é simples assim - da contribuição negocial das entidades. Se formos olhar, partido tem contribuição, OAB tem contribuição, Sistema S tem contribuição. Como ele disse muito bem no exemplo dos condomínios, se o condomínio decidiu, está decidido. Por isso, eu entendo mais do que justo que as entidades sindicais tenham esse direito para bem defender cada vez mais os trabalhadores. Naturalmente, à defesa que ele fez da Justiça do Trabalho eu só posso me somar. Eu não vejo o nosso país sem Justiça do Trabalho. O nome já diz: é justiça para o trabalho, justiça no trabalho.
Vamos em frente. Anna Borba Taboas, Conselheira do Movimento de Advocacia Trabalhista Independente e Assessora Legislativa da Presidência da OAB.
Dra. Anna Borba Taboas, 15 minutos, dez mais cinco.
A SRA. ANNA BORBA TABOAS (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde! Cumprimento a todas e todos na pessoa do Senador Paulo Paim.
Senador, eu acho que eu tenho o dobro de tempo, porque eu estou representando duas entidades.
R
É brincadeira, é brincadeira. (Risos.) Só para relaxar um pouco porque nós já estamos aqui há três horas e meia e também porque está todo mundo com fome, Senador, e quem tem fome tem pressa. (Risos.)
Eu hoje estou aqui representando a OAB do Rio de Janeiro. Como o Senador disse, eu sou Assessora Legislativa da Presidência, também sou Vice-Presidente da Comissão da Justiça do Trabalho e também estou hoje representando o Mati (Movimento da Advocacia Trabalhista Independente).
Vou pontuar que o Mati acompanha esse projeto do Estatuto do Trabalho, desde 2017, e a OAB-RJ, desde a primeira gestão do Dr. Luciano Bandeira, em 2020, e eu venho representando e participando inclusive de reuniões de grupos e subgrupos desde 2018. Confesso que sinto muita falta das nossas reuniões presenciais. O Alex, que falou antes, participava também - estive presente com ele em algumas reuniões -, a Tânia... Sinto muita saudade da Tânia, inclusive do pós-debate. Nós íamos para a casa dela ou marcávamos jantares e nos encontrávamos para relaxar um pouco depois dos trabalhos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A Tânia está bem, mas se aposentou. Como ela se aposentou merecidamente...
A SRA. ANNA BORBA TABOAS (Por videoconferência.) - Merecidamente. Ela esteve aqui no Rio acho que umas duas ou três vezes já, com o marido dela. É uma pessoa incrível - uma pessoa incrível.
Acho muito importante, Senador, a presença da advocacia na elaboração dessa sugestão legislativa. Nós estamos na ponta representando ali o trabalhador, assim como o pequeno empresário, e temos a escuta, presenciamos as dificuldades de produzirmos provas, o impacto do pagamento de honorários sucumbenciais, que o Dr. Feliciano trouxe, e também, por exemplo, muita dificuldade na questão da terceirização - isso já existia antes da reforma trabalhista - e na questão do que a gente chama de prova diabólica. O trabalhador ter que provar que a empresa estatal, por exemplo, não cumpriu os requisitos, teve uma culpa in vigilando, uma culpa na contratação daquela empresa é uma prova diabólica. O trabalhador não consegue fazer essa prova, é uma prova que a empresa que contrata essas empresas terceirizadas que já são muito conhecidas na Justiça do Trabalho deveria fazer.
E, às vezes, o artigo de lei que é elaborado, que está tecnicamente perfeito, na hora em que chega para o advogado, que é quem provoca a prestação jurisdicional, nós é que sentimos a dificuldade em produzir a prova, em lidar com diversas interpretações de um mesmo artigo da CLT. A nossa presença nesse grupo acho que é muito importante diante dessas colocações que eu fiz.
Em relação a efetivamente o que eu trago aqui, eu me senti muito contemplada com a fala do Dr. Hugo. Ele trouxe os três temas atuais: a terceirização, a reforma sindical e os trabalhadores de aplicativos. Eu acrescento ainda mais duas outras questões que eu acho muito relevantes e são bem atuais. Uma delas é a questão dos juros moratórios das ações trabalhistas, porque nós perdemos os juros moratórios, e também a questão das audiências presenciais versus audiências virtuais.
Em relação à terceirização, nós tivemos audiência com V. Exa. Eu estive representando o Mati na época e o Dr. Rosildo Bomfim também. Tivemos uma audiência pública, a que fui presencialmente. Acho muito importante nós debatermos isso. É um assunto muito relevante.
R
Na época, antes da reforma trabalhista, quando estava se discutindo no Supremo Tribunal Federal, através do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio, levei até o Ministro Celso um arrazoado que nós fizemos junto com o Mati, mas, infelizmente, a decisão do Supremo foi muito ruim em relação a esse tema e depois veio a reforma trabalhista, que colocou em terra qualquer questão, qualquer interpretação mais restrita em relação à não terceirização de atividade fim.
Em relação à reforma sindical, que também merece um olhar urgente, pelo ponto de vista da advocacia e da minha advocacia aqui no Rio de Janeiro, o que eu percebo, além do esmagamento das entidades sindicais que representam os trabalhadores, o que eu tenho observado aqui no Rio, não posso falar pelo Brasil todo, é que quem vem sofrendo muito também - isso é uma questão de sobrevivência do próprio sindicato, há uma compreensão em relação a isso - são as empresas pequenas, Senador, as empresas que realmente giram a roda da economia e que realmente empregam no país, porque, por conta disso, no Judiciário e até no Ministério Público do Trabalho, a mão está mais pesada em relação a essas empresas. Eu tenho visto ações civis públicas e execuções de multas, execuções de TAC de uma forma muito violenta, e isso afeta e impacta muito as pequenas empresas. Eu digo isso por experiência própria, advogo para algumas empresas pequenas que têm de cinco a dez funcionários e têm sofrido pesadamente com essas condenações. Inclusive, clientes meus já fecharam porque as condenações ficaram num nível astronômico. Acho que tem que ter a fiscalização, sim, mas a gente tem que pensar numa forma de resolver o problema desse sufocamento, desse esmagamento dos sindicatos sem que, de uma certa forma, isso acabe afetando e prejudicando a atividade empresarial.
Em relação aos trabalhadores de aplicativo, as decisões - não me lembro se foi o Dr. Hugo ou quem foi que mencionou a questão das decisões do Supremo, desculpe, as decisões na Justiça do Trabalho, que são recentes - são muito positivas. Só que a advocacia não tem muita esperança, Senador, de que essas decisões vão ser mantidas no Supremo. Nós temos visto aí e acho que praticamente todo mundo falou da questão do esvaziamento da Justiça do Trabalho pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar reclamações constitucionais. Isso é uma questão muito séria. Nós precisamos regulamentar essa questão dos trabalhadores de aplicativo o mais rápido possível justamente para que acabem esses julgamentos, essas reclamações. E acho muito, muito relevante que nós possamos falar sobre isso. Tem que ser criado um clima um pouco de constrangimento, sim, para que o Supremo repense, porque as reclamações constitucionais não estão sendo utilizadas para as formas que elas realmente existem.
No seminário do Movimento da Advocacia Trabalhista que teve na semana passada, nós colocamos o Galo, que é aquele representante dos entregadores, o representante antifascista dos entregadores por aplicativo. Ele fez uma fala muito bacana dentro de um quadro que estava discutindo exatamente essa questão do impacto dessas decisões dentro da uberização, dentro do ramo que ele representa. Achei que foi um evento fantástico e vou deixar aqui como sugestão para V. Exa. convidá-lo para ouvi-lo um pouco. Acho muito importante essa escuta que a advocacia, a magistratura, todos nós precisamos ter de quem está lá na ponta, do trabalhador.
R
Nós tivemos também a Conferência Estadual da Advocacia aqui no Rio de Janeiro e, pela CJT, colocamos um painel, convidamos o Dr. Grijalbo, que compareceu, e, do outro lado, colocamos o Galo. Então, foram falas que, a princípio, num primeiro plano, nós entendemos como falas muito divergentes, mas que, no final, não são isso. Essas falas se encontram de uma forma que nos dá uma compreensão exata do mundo do trabalho e do porquê da Justiça do Trabalho, não é?
(Soa a campainha.)
A SRA. ANNA BORBA TABOAS (Por videoconferência.) - Em relação à outra questão que eu trouxe, dos juros moratórios, acho que o impacto que eu estou vendo nas ações trabalhistas, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, nas minhas... Caíram cerca de 30% a 40% os valores das ações trabalhistas. Então, hoje em dia, descumprir a legislação para o empresário ficou muito barato. Além de ficar muito barato, para o trabalhador, o crédito trabalhista dele perde um valor imenso. As ações duram dez, doze, treze anos e, quando você vai calcular qual é o custo disso para o empresário, o empresário acha barato, vale a pena descumprir a legislação trabalhista. Então, acho que esse é um outro tema sobre o qual nós precisamos nos debruçar.
E, por fim, a questão da regulamentação das audiências trabalhistas presenciais e virtuais. Acho muito importante que hoje nós possamos... Eu, por exemplo, estou hoje aqui de forma virtual, participando desta audiência pública. É muito importante que nós possamos fazer isso e também levar isso para o Judiciário, porque o Judiciário tem que se modernizar, sim. Mas também penso que é muito importante nós termos o Estado-Juiz na localidade, que o trabalhador se sinta acolhido, representado, que ali ele vá encontrar um juiz que possa ouvi-lo. Para a escuta daquele trabalhador, o conhecimento da região - como funciona, quais as principais atividades econômicas, quais as necessidades, o que se passa nessa localidade -, é muito importante que o juiz esteja presente, sim.
E foi nesse espírito que a OAB do Rio de Janeiro entrou, no CNJ, com um pedido - e nós fomos vitoriosos - para o retorno das atividades presenciais do Judiciário. Então, como tem estudos e a OAB de São Paulo, por exemplo, está elaborando um projeto de lei para ser futuramente encaminhado para o Congresso sobre a regulamentação das audiências virtuais e presenciais, eu acredito que nós, pelo Estatuto do Trabalho, por toda essa concentração de trabalho, poderemos também resolver essa questão dentro do Estatuto do Trabalho, evitando que novas leis, novas decisões sejam tomadas em relação a isso.
Senador, eu estou participando da comissão de assuntos relacionados a pessoas em situação de rua pela Ordem dos Advogados. A comissão foi criada um pouco antes da última decisão do Ministro Alexandre de Moraes sobre essa questão e também muito em função da Resolução 425 do CNJ, que estabeleceu várias políticas públicas para o Judiciário nessa visão das pessoas em situação de rua. Eu estou falando disso porque, aqui no Rio de Janeiro, nós temos mais de 8 mil pessoas morando em situação de rua. E um dado muito importante desse levantamento é que de 20% a 30% dessas pessoas que estão na rua trabalham. Elas dormem na rua durante a semana e, no final de semana, quando chega sexta-feira, vão para a casa delas. Isto é muito claro: é pela distância, pelo tempo de locomoção que a pessoa leva indo e vindo do trabalho, mas principalmente pela distância e pelo valor que elas recebem de pagamento de salário. Então, 20% a 30% dessas pessoas moram na rua e trabalham; 20% moram na rua e trabalham, dormem na rua e trabalham. Então, são esses trabalhadores e essas pessoas que nós precisamos ter como referência nos nossos estudos aqui, ter o nosso olhar voltado para isso.
R
Foi pensando num projeto piloto que o Tribunal de Justiça aqui do Rio de Janeiro criou um projeto que deve servir de referência para todo o restante do Brasil. Desse projeto, a OAB do Rio de Janeiro participa, assim como o Ministério do Trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, o Detran, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Defensoria, a Advocacia-Geral da União. Ele vai funcionar como funciona, por exemplo, o Pop Rua, que nós tivemos aqui há três dias, que é a união das entidades, de um maior número de entidades, para fornecer um espaço - só que em vez de serem dois, três dias, vai ser um projeto que vai funcionar todos os dias - para atender essa população de rua e funcionar o Judiciário...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANNA BORBA TABOAS (Por videoconferência.) - ... de uma forma mais célere. A OAB vai estar ali para dar o acompanhamento pré-processual e processual. Nós vamos fornecer um funcionário específico para isso, que vai estar ali no computador atendendo essas pessoas. Nós teremos os juízes de cada competência para decidir rapidamente as questões.
Então, se o morador de rua tem um problema de um mandado de prisão na rua, se ele tem um problema trabalhista, se ele tem um problema familiarista, aquilo vai ser resolvido da forma mais rápida possível. Isso mostra que o Judiciário pode, sim, funcionar de uma forma mais célere. É importante nós colocarmos para essas pessoas que hoje representam mais de 8 mil no Rio de Janeiro, que estão na rua, não só o banho, não só a assistente social, não só a psicóloga, o atendimento judicial, mas também um trabalho de inserir no mercado de trabalho essas pessoas.
Então, Senador Paim, eu convido todos vocês e V. Exa. principalmente a virem ao Rio para conhecer esse projeto. Ele vai funcionar ali na Central do Brasil, do lado do Restaurante Popular e do Hotel Popular, com a perspectiva de um dia nós criarmos o Housing First, que é colocarmos, inserirmos um morador, uma pessoa em situação de rua no mercado de trabalho, ela possa ter onde morar durante um ano, até que ela crie condições de poder pagar pela sua própria moradia.
Bom, é a contribuição que eu tenho para dar para vocês. Gostaria de dizer para o Senador que a gente aqui... Eu lembro muito do Brecht, porque tem uma frase dele que diz: "Que tempos são estes [que vivemos], em que precisamos defender o óbvio?". E, nesse espírito desse grande homem, como eu vejo V. Exa., gostaria de dizer também uma frase dele que me inspira muito nesse projeto...
(Soa a campainha.)
A SRA. ANNA BORBA TABOAS (Por videoconferência.) - ... olhando para o Senador Paim e também para todos vocês, que diz assim: "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis".
Senador Paim, V. Exa. é imprescindível.
E a todos vocês também: muito obrigada.
Boa tarde. Bons trabalhos. (Palmas.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito obrigado por tudo, Dra. Anna Borba Taboas, Conselheira do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati) e Assessora Legislativa da Presidência da OAB.
Sobre o seu convite para ir ao Rio de Janeiro, eu lhe digo que vou tentar, estou tentado a aceitar e vou explicar, por duas razões. Nós faríamos já o debate lá no Rio de Janeiro do Estatuto de Trabalho e, ao mesmo tempo, o Líder do Governo no Congresso, o Senador Randolfe, me ligou neste fim de semana - e eu já comuniquei aqui à Casa que foi apresentado e já aprovado em uma ou duas Comissões o estatuto dos moradores de rua, inclusive, com uma parceria com o Padre Lancellotti - e pediu que eu relatasse a matéria e, como vou relatar a matéria, vai ser muito bom, eu acho, conhecer a experiência de vocês aí no Rio de Janeiro. Então, provavelmente, eu vou aceitar o convite, só tenho que adaptar a agenda, porque faria um debate, provavelmente na Assembleia, sobre o Estatuto do Trabalho e também buscaria contribuições para o estatuto dos moradores de rua, de autoria do Senador Randolfe.
Muito obrigado, viu? Parabéns pela sua fala.
Por fim, nosso último convidado, Lawrence Estivalet de Mello, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e Vice-Coordenador do CRH-UFBA.
A palavra é sua, Prof. Lawrence.
O SR. LAWRENCE ESTIVALET DE MELLO (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos e a todas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., estamos ouvindo já.
Vamos ver se ele acertou agora...
O SR. LAWRENCE ESTIVALET DE MELLO (Para expor. Por videoconferência.) - Acho que eu consegui resolver.
Boa tarde a todos e a todas, em especial, boa tarde...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Precisamos de mais volume.
O SR. LAWRENCE ESTIVALET DE MELLO (Por videoconferência.) - ... nos acompanham na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
É uma honra poder compor este espaço, estar entre intelectuais, juristas e políticos preocupados e comprometidos com a classe trabalhadora e com os direitos sociais, nesse esforço que é de formulação, mas também de debate e de mobilização da sociedade civil em torno dos problemas que nos cercam.
Vou tentar aqui, nos meus 15 minutos, apresentar uma leitura da situação dos trabalhadores, da regulação jurídica do trabalho e de desafios que o Estatuto do Trabalho enfrenta na sequência, com algumas poucas sugestões para o texto que vem muito bem, mas nesse esforço de construção coletiva, que me parece que tem sido feito nesta manhã em várias audiências, para o qual também gostaria de somar algumas breves considerações.
Primeiro, quero dizer que todas as fundamentações dadas para as contrarreformas trabalhistas na última década no Brasil, que se servem da afirmação da crise, das sociedades empresárias, do seu enfraquecimento, vêm sendo confrontadas por inúmeros dados globais, para além daqueles que foram já trazidos aqui nesta manhã. Eu gostaria de mencionar aquele que o Prof. Saad-Filho, do College de Londres, Professor de Economia em Londres, vem trazendo a respeito da recomposição da renda entre 2008 e 2018, dos setores mais abastados da sociedade civil.
R
Então, nos diz Saad-Filho que a crise que vem sendo justificativa do neoliberalismo para a reestruturação da regulação pública do trabalho não é uma crise dos setores mais ricos, pois, entre 2008 e 2018, o 1% mais rico teve a sua renda aumentada de US$15 trilhões para US$35 trilhões. Esse dado nos demonstra que as fundamentações de crise empresarial, crise dos setores mais ricos são falsas e que nós precisamos olhar pela regulação pública do trabalho a partir do que interessa aos trabalhadores e trabalhadoras que vêm observando as suas condições de trabalho serem degradadas e vêm observando os sentidos de proteção social serem absolutamente fragilizados.
Ainda há pouco, em uma atividade no Rio de Janeiro, uma colega do Chile trazia que no Chile 70% das famílias estão endividadas. No Brasil, nós chegamos a 80% das famílias endividadas, mais de 50% dos trabalhadores fora da principal forma de contribuição da previdência social e, naqueles trabalhadores, daqueles pouco mais de 30 milhões de trabalhadores que possuem carteira de trabalho assinada, os sentidos de proteção social dados após a contrarreforma trabalhista são cada vez mais frágeis.
Entre 2011 e 2014, nós tivemos mais de 15 milhões de trabalhadores que foram admitidos e mantidos no seu trabalho, mas, se nós olharmos para aqueles que foram demitidos, nós veremos um crescimento significativo nos dados de admissão e demissão no emprego. Então, em 2006, 6,4 milhões de demissões; em 2010, 10,2 milhões de demissões; em 2013, 11,3 milhões de demissões; ou seja, um crescimento de 76% naquela quadra histórica de demissões anuais, países inteiros demitidos em apenas um ano. Dessas demissões, as demissões em atividades gerais mostram, num segundo olhar sobre a rotatividade do mercado de trabalho no Brasil, que 45% das demissões em alguns anos se dão com menos de seis meses de vigência do contrato de trabalho e 65% das demissões se dão sem que haja um ano de vigência do contrato de trabalho. Então, a proteção do trabalho no seu sentido clássico do emprego, no ponto de vista da continuidade da relação de emprego que tanto reivindicamos desde a edição da CLT, vem sendo extremamente fragilizada, com uma rotatividade de milhões de trabalhadores por ano e de grande parte desses trabalhadores, bem mais da metade, com menos de um ano de contrato de trabalho.
É claro que isso também merece não só um olhar para os trabalhadores celetistas, aos quais damos especial atenção no Estatuto do Trabalho, mas também para os trabalhadores do serviço público. Ainda que não sejam objeto direto da nossa reflexão, merece a observação que apenas em 2021 nós tivemos 90% dos ingressos no serviço público por meio de contratos temporários e não por meio do Regime Jurídico Único, assim como já temos dados a respeito da educação pública no nível básico que nos trazem que mais de 30% dos trabalhadores da educação no nível básico são trabalhadores temporários e não trabalhadores com estabilidade, ou seja, o sentido de proteção social vem sendo desafiado nos últimos anos tanto na iniciativa privada quanto no serviço público. Inúmeras formas de trabalho desprotegidas são alçadas a algum tipo de proteção social ou são alçadas a um maior número ou ao predomínio no mercado de trabalho brasileiro. Não por acaso, os trabalhadores por conta própria eram 22% em 2012 e são 27% dos trabalhadores brasileiros em 2021. Também, não por acaso, a plataformização do trabalho cresce tanto na sua forma de contratação direta com os trabalhadores e entregadores, motoristas de aplicativo, entre outras, quanto por meio do teletrabalho e por meio da inserção das tecnologias da informação e da comunicação no ambiente de trabalho empregatício de maneira geral.
R
Os levantamentos nos trazem hoje, como entregadores e motoristas de aplicativos, um número que chega a 1,7 milhão e, do ponto de vista dos trabalhadores em teletrabalho, em 2020, o dado trazido pela Profa. Maria Bridi, pelo Prof. Sidnei Machado, é de 8,5 milhões de trabalhadores em teletrabalho, um número que tende a aumentar com o avanço das tecnologias da informação e comunicação nos próximos anos. Por isso, é muito bem-vinda a regulação do teletrabalho no Estatuto do Trabalho com as disposições, com as propostas protetivas, aos trabalhadores ali presentes.
Merece atenção, nesse sentido, que, embora a Organização Internacional do Trabalho tenha editado a Convenção 190 sobre o assédio moral e que ela venha afirmando o crescimento da violência laboral, em especial da violência de gênero no ambiente de trabalho, essa ampliação da Convenção 190 sobre o assédio moral não chega àquilo que nós denominamos assédio organizacional ou assédio institucional, que se dá por meio de uma estruturação precária do mundo do trabalho como por meio da construção de ambientes menos protegidos para contratualidades desprotegidas, como aquelas do trabalho intermitente ou ainda da diarista.
Enfim, trago esses elementos iniciais do mundo do trabalho para afirmar que são muito bem-vindas as iniciativas dessa proposição legislativa que tratam de temas como teletrabalho, trabalho intermitente, terceirização, discriminação racista, discriminação de gênero no ambiente de trabalho, discriminação que motiva o ataque à isonomia salarial, e todas essas iniciativas se coadunam com a importância de que façamos um contramovimento ao avanço da legalização da desigualdade, avanço da legalização da desigualdade que se deu com a contrarreforma trabalhista e que vem sendo reafirmada infelizmente em precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Ainda nos poucos minutos que me restam, penso que já avancei aqui sobre o nosso tempo, gostaria de dizer que nós também avançamos nos últimos anos em relação ao assédio moral, ou melhor, à recriminação ou à reprovação jurídica das condutas LGBTfóbicas, condutas que foram reconhecidas como crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, e esse me parece ser um dos temas que merece aperfeiçoamento na propositura legislativa, pois o Supremo Tribunal Federal reconhece que o Estado brasileiro tem uma larga LGBTfobia institucional de décadas e que isso se reproduz nas instituições...
(Soa a campainha.)
O SR. LAWRENCE ESTIVALET DE MELLO (Por videoconferência.) - ... e as nossas pesquisas jurisprudenciais a respeito do assédio moral LGBTfóbico no campo do trabalho demonstram o nível de desconhecimento, inclusive de magistrados trabalhistas, sobre a lógica cis-heteronormativa que impregna também as relações de trabalho, seja no momento pré-contratual, seja no momento de execução contratual, seja ainda na despedida, em diversos temas que trazem questões que merecem a atenção do nosso estatuto, que, ainda que, em alguns momentos, um determinado artigo preveja a reprovação da discriminação homotransfóbica, não dedica a esse tema o mesmo espaço, a mesma importância que dedica a outros temas relevantes, como o dos grupos vulneráveis de pessoas negras, de mulheres, de pessoas com deficiência.
R
E, me parece, é possível que acrescentemos alguns artigos que tratem também da discussão da LGBTfobia no ambiente de trabalho.
Além dessa sugestão específica, Senadora e demais colegas que nos acompanham, gostaria de sugerir a nossa reflexão, certamente junto com a Fenatrad, a respeito da Lei Complementar 150, que no Estatuto do Trabalho está mantida como, vamos dizer assim, uma legislação que não é atualizada, que não é trabalhada junto ao Estatuto do Trabalho.
Nós temos na Lei Complementar 150 uma diferenciação entre empregada doméstica e diarista, que nos leva a manter a extrema maior parte das trabalhadoras domésticas do Brasil sob o signo da informalidade. Então, me parece, com todas as dificuldades desse tema, que seria importante escutar a Fenatrad e conversar sobre essa temática para a possibilidade de fazer avançar essa diferenciação entre empregadas domésticas e diaristas prevista na Lei Complementar 150, tema que, penso, tem extrema importância e que pode ser enfrentado pelo Estatuto do Trabalho.
Além disso, é claro, quero colocar aqui, em nome da Universidade Federal da Bahia, da Faculdade de Direito, do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da UFBA, a nossa disposição em realizarmos debates sobre o Estatuto do Trabalho também em locais, e não só no nacional, mas também nas regionalidades. Então, podemos... penso que é importante discutir a proposta de Estatuto do Trabalho com a juventude trabalhadora, com os professores, com os sindicatos, e podemos estabelecer debates regionais.
A UFBA certamente se dispõe a receber um desses debates, mas seria importante que pudéssemos aproveitar a proposta legislativa também como um momento de mobilização e conscientização da sociedade sobre a importância de construirmos redes em defesa da construção e da mobilização social para uma outra regulação jurídica do trabalho que enfrente o signo da desigualdade, que vem sendo o signo das contrarreformas no âmbito do trabalho e da seguridade social nos últimos anos.
Com essas considerações e sugestões, eu agradeço novamente o espaço, a oportunidade de estar aqui com vocês e fico à disposição para próximos debates.
Uma boa tarde. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos, Dr. Lawrence Estivalet de Mello, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e Vice-Coordenador do CRH/UFBA, que deixou uma série de sugestões.
Eu falava aqui com a Dra. Carolina, e ela me disse o seguinte... Você pode dizer os números aí melhor até do que eu.
A SRA. CAROLINA PEREIRA MERCANTE (Para expor.) - Até 23 de setembro de 2023, foi sexta-feira, não é? Foi sexta-feira. Eu fiz a pesquisa sobre a quantidade de denúncias no Brasil inteiro no Ministério pelo Trabalho envolvendo os temas assédio moral e assédio sexual, e eram aproximadamente 13 mil denúncias.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - No período de...
A SRA. CAROLINA PEREIRA MERCANTE - Até a semana passada, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Até a semana passada. É gravíssimo, e vem colaborar com o que o Prof. Lawrence fala, de a gente ter um capítulo para tratar dessa questão, não é? Porque é incrível o assédio - eu também comentava aqui - que existe em todos os lugares: moral, sexual, LGBTQIA+, como ele falou também. Isso dá para nós trabalharmos em um capítulo específico dentro do estatuto.
Por fim, a questão das domésticas também, merece todo o carinho e uma atenção. Nós gostaríamos de ficar aqui até mais tarde, mas somos obrigados a encerrar.
R
Então, eu queria agradecer a todos e a todas que aqui usaram a palavra nesse debate propositivo, afirmativo do nosso Estatuto do Trabalho, que até alguns pensavam que era sonho, sonhar não é proibido, não é? Nós podemos sonhar com aquilo que entendemos que vai fazer bem a todos: empregados, empregadores, homens, mulheres, independentemente da idade, orientação sexual, enfim, é a construção daquilo que nós chamamos o mundo do trabalho no século XXI.
Hoje se fala tanto em inteligência artificial, disso tudo nós temos que tratar. Por isso também, o Prof. Lawrence, que a exemplo do Rio de Janeiro, por que não, claro, fazer uma audiência na Bahia? Em parceria inclusive com a universidade e com os painelistas convidados, que os painelistas possam estar lá para expor o seu ponto de vista sobre a importância da atualização, do avanço, de que a gente possa ter um trabalho digno e decente e, por isso, nós estamos debatendo a CLT do século XXI.
Muito, muito obrigado a todos. Gostaria de ficar mais tempo, mas não dá, sou obrigado a encerrar.
Está encerrada a nossa audiência pública de hoje.
Uma salva de palmas a todos vocês, que de uma forma ou de outra, à distância ou aqui, colaboraram com esse debate. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 10 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 07 minutos.)