23/10/2023 - 3ª - Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil

Horário

Texto com revisão

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A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Bom dia a todas e todos.
Sejam bem-vindas e bem-vindos ao auditório da OAB/SP hoje, para a primeira audiência pública da Comissão de Juristas da Reforma do Código Civil.
Em atendimento ao art. 6º da Lei Geral de Proteção de Dados, informamos que esta audiência será gravada e transmitida ao vivo nos canais oficiais da TV Senado e OAB/SP no YouTube.
Para o bom andamento desta sessão, pedimos aos presentes aqui no auditório que mantenham os seus aparelhos celulares no modo silencioso.
Desde já, agradecemos a presença.
Destacamos as autoridades da Mesa Diretora: Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão, Ministro do STJ, Corregedor Nacional de Justiça e Presidente da Comissão de Juristas da reforma do Código Civil; Exma. Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, Ministra do STJ; Dra. Patricia Vanzolini, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo; Dr. Leonardo Sica, Vice-Presidente da OAB/SP; Dra. Daniela Magalhães, Secretária-Geral da OAB/SP; Dr. Flávio Tartuce, Conselheiro Seccional da OAB/SP, Diretor da ESA/SP, e Relator geral da Comissão de Juristas da reforma do Código Civil; Dra. Rosa Maria de Andrade Nery, Professora Associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC-SP e Relatora geral da Comissão de Juristas da reforma do Código Civil; e Dra. Lenita Cunha e Silva, Secretária da Comissão de Juristas da reforma do Código Civil, que recebem as nossas palmas. (Palmas.)
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De igual modo, registramos as ilustres presenças do Ministro Luiz Guilherme da Costa Wagner, da Escola Paulista de Magistratura de São Paulo; do Ministro Alexandre de Mello Guerra; do Ministro Ricardo Dal Pizzol; Dr. Ricardo Ferrari, Conselheiro da OAB/SP; Dr. Maurício Bunazar, também Conselheiro da OAB/SP; Dr. Alexandre Rollo, Conselheiro OAB/SP; Dra. Heloisa Helena, igualmente Conselheira da OAB/SP; Dra. Ana Luisa Porto Borges, também Conselheira desta Casa; Dra. Ana Cláudia Scalquette, Conselheira, OAB/SP; Dra. Nercina Andrade Costa, Conselheira, OAB/SP; Dra. Débora de Paula, também Conselheira desta Casa; Dr. Carlos Guaita Garnica, Presidente da Subseção de Nossa Senhora do Ó; e Dr. Edvaldo Brito, Professor da Universidade Federal da Bahia, que também recebem as nossas palmas. (Palmas.)
Antes de iniciarmos as exposições, anunciamos, comunicamos a composição da Comissão de Juristas responsáveis pela revisão e atualização do Código Civil.
A Presidência é por conta do Ministro Luis Felipe Salomão; Vice-Presidente, Ministro Marco Aurélio Bellizze. Relatores Gerais: Flávio Tartuce e Rosa Maria Nery.
Da Parte Geral: Rodrigo Mudrovitsch, Relator parcial; Ministro João Otávio de Noronha; Judith Martins-Costa e Juiz Rogério Marrone e Estela Aranha.
Das Obrigações e Responsabilidade Civil: José Fernando Simão, Relator Parcial; Maria Isabel Diniz Gallotti; Edvaldo Brito, Procurador de Justiça; Nelson Rosenvald; e Juíza Patrícia Carrijo.
De Contratos: Carlos Elias de Oliveira, Relator Parcial; Angélica Carlini; Claudia Lima Marques e Carlos Pianowski Ruzyk.
Do Direito de Empresa: Paula Forgioni, Relatora Parcial; Marcus Vinicius Furtado Coêlho; Daniel Carnio; Desembargador Moacyr Lobato e Flávio Galdino.
De Direito das Coisas: Marco Aurélio Bezerra de Melo, Relator Parcial; Carlos Fernandes; Marcelo Milagres; e Juíza Maria Cristina Paiva Santiago.
De Direito de Família: Juiz Pablo Stolze, Relator Parcial; Desembargadora Maria Berenice Dias; Ministro Marco Buzzi e Rolf Madaleno.
De Direito das Sucessões: Mário Luiz Delgado, Relator Parcial; Ministro Cesar Asfor Rocha; Giselda Hironaka e Gustavo Tepedino;
De Direito Digital: Laura Porto, Relatora Parcial; Ricardo Campos e Laura Schertel Mendes.
Muito bem.
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E, agora, para o início dos trabalhos, anunciamos a abertura oficial do Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Bom dia para todos e todas.
Fico muito contente, Presidente Patrícia, de estar aqui na casa do advogado para fazermos a primeira audiência pública da Comissão de Juristas da atualização do Código Civil.
Quero, então, nesta primeira palavra, agradecer a atenção, a acolhida e dizer da nossa imensa satisfação de estarmos aqui para este debate no dia de hoje.
Cumprindo a regra regimental, e havendo número regimental, eu declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, criada pelo Ato 11, de 2023, do Presidente do Senado Federal, e aditada pelos Atos 12 e 13, também de 2023, para, no prazo de 180 dias, apresentar um anteprojeto de lei para revisão e atualização da Lei 10.406, de 2022.
Esta nossa reunião vai ser dividida em duas partes. A primeira é uma reunião de trabalho com o intuito de atualizarmos todos e todas a respeito do andamento dos nossos trabalhos e, em especial, sobre cada uma das subcomissões.
Em seguida, passaremos à audiência pública com a finalidade de escutarmos os especialistas da Região Sudeste em diversas áreas afetas ao Código Civil.
Não foi por acaso, Presidente Patrícia, que escolhemos o Estado de São Paulo para essa primeira reunião de audiência pública, porque aqui é o centro da atividade econômica do Brasil, é uma locomotiva que puxa o Brasil, de modo que eu tenho muita satisfação de estar aqui hoje coordenando esses trabalhos, com essa player de juristas que foram mencionados ali, e vamos, ao longo deste dia, discutir essas etapas de atualização do nosso Código Civil.
Agradeço a presença de todos nesta audiência pública e deixo aqui a ideia de que, para atender os princípios democráticos que norteiam a nossa Comissão, aqueles que quiserem participar podem enviar perguntas e sugestões, em tempo real, por meio do formulário em QR code ou por meio do e-Cidadania do Senado Federal. Ainda que não possamos endereçar todas as contribuições da audiência neste mesmo evento, eu me comprometo a encaminhar o que for recebido para as respectivas subcomissões.
Como disse aqui, agradeço bastante à Presidente Patrícia; ao Dr. Leonardo Sica, Vice-Presidente da OAB; e à Dra. Daniela Magalhães, Secretária-Geral - todos eles contribuíram decisivamente com a nossa equipe aqui para a realização deste encontro.
Antes de ouvirmos a Presidente Patrícia, eu quero registrar a presença do Vice-Presidente, Ministro Marco Bellizze, que à distância acompanha os nossos trabalhos; também registrar aqui a presença dos servidores do Senado: o Consultor Bruno Lunardi, que, agora, há pouco tempo, está participando da nossa Comissão e vai assessorar os nossos trabalhos; o Consultor Leandro; o assessor Luciano, a Dra. Mônica, todos eles contribuem, junto com a Lenita, que é a nossa grande organizadora, para que tudo funcione bem, não só hoje, mas dentro do âmbito da nossa Comissão.
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E um especial agradecimento aos Relatores-Gerais, tanto ao Flavio Tartuce quanto à Rosa Nery, que vêm se desdobrando para poder fazer tudo funcionar a contento. Eu quero agradecer-lhes muito pelo trabalho, pelo empenho.
Vamos ouvir agora, antes de iniciarmos os trabalhos, a Presidente Patrícia. (Palmas.)
A SRA. MARIA PATRÍCIA VANZOLINI FIGUEIREDO - Boa tarde a todas e todos. Eu cumprimento essa seletíssima plateia aqui, na pessoa dos Ministros Luiz Felipe Salomão e da Ministra Maria Isabel Gallotti Rodrigues. Cumprimento também o Prof. Flavio Tartuce e a Profa. Rosa Nery e, na pessoa deles, cumprimento todos os que aqui estão. Eu acho que dificilmente este Plenário aqui da OAB viu uma plateia tão carregada de conhecimento jurídico.
Todos aqui, sem exceção, são experts, são especialistas nas suas respectivas áreas e, para nós, é um enorme orgulho ter essas cadeiras ocupadas por essa plateia, por esses expositores também.
Ministro, para nós é um orgulho realmente difícil de colocar em palavras, e eu agradeço ao Prof. Flavio Tartuce por ter trazido para São Paulo e para a OAB/SP este momento tão especial.
Eu, como penalista que sou, tenho que dizer que a verdade é que quem funda as relações numa sociedade é o Direito Civil. Ele que vai dizer o que é uma família, com quem se pode casar, com quem não se pode, como é que o patrimônio é transferido, como é que se constituem as obrigações, os contratos; ele é o alicerce do funcionamento de uma sociedade.
Eu sinto que hoje aqui, na Maria Paula, 35, nós estamos fincando os alicerces para a sociedade que desejamos, com a qual sonhamos, que queremos e que sentimos que também é o desejo do povo brasileiro. Então acho que esta data, este lugar, este momento vão ficar marcados para sempre. Tenho certeza de que muitas das conclusões às quais nós chegaremos hoje serão trazidas depois e se converterão em norma posta e para nós será, como eu disse, um orgulho inesquecível lembrar que foi aqui, na Maria Paula, 35, na Casa da Advocacia e Cidadania, que nós demos e fincamos esses alicerces iniciais.
Um bom dia a todas e todos e um ótimo evento. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Eu acho que agora nós podemos desfazer a mesa aqui.
Vamos dar início à nossa primeira parte dos trabalhos.
Muito obrigado. Presidente, muito obrigado, mais uma vez. Agradeço a todos que viabilizaram esse encontro.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Então, mais uma vez...
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Ficamos só os dois Relatores na mesa, por favor, e a Dra. Lenita.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Saudamos com uma salva de palmas enquanto a descomposição da mesa acontece para o início dos trabalhos. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Bom, antes de iniciarmos as exposições dos sub-relatores, tenho algumas comunicações a fazer.
Nós recebemos, para nossa enorme satisfação, a indicação de diversas autoridades e entidades com o nome de especialistas para eventualmente integrarem o nosso Colegiado. Por exemplo: nós recebemos do Deputado Matheus Laiola a indicação do Juiz Vicente de Paula Ataide Junior; da Confederação Nacional das Empresas de Seguro, a indicação da Dra. Fernanda Rito; do Senador Rogério Carvalho, a indicação da Dra. Maria Carolina Feitosa Tarelho; do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife, a indicação do Dr. André Fernandes; do Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente, o Dr. Marcelo de Mello Vieira; da Advocacia-Geral da União, o Dr. Flavio Roman.
Essas indicações, como nós sabemos, são apreciadas pelo Presidente do Senado, para onde estamos - não é, Dra. Lenita? - remetendo esses expedientes. E nessa satisfação, claro, todos aqueles que, embora não integrantes da Comissão, quiserem contribuir, colaborar vão efetivamente poder fazê-lo mesmo que não a integrem formalmente. De toda maneira, eu estou encaminhando esses expedientes todos para a Presidência do Senado, ao Presidente Rodrigo Pacheco.
Comunico também que algumas instituições instalaram comissão especial para acompanhamento destes nossos trabalhos da reforma. Por exemplo, a OAB de Santa Catarina criou uma comissão especial para acompanhamento da reforma do Código Civil, sob a presidência das Dras. Patrícia Ribas Hruschka e Luciana Nahas, que estão presentes, inclusive, nesta audiência pública, segundo me informaram.
Além de Santa Catarina, também a Ajufe indicou o Dr. Vicente de Paula Ataide Junior como representante da associação, ele que já fora referenciado pelo Deputado Matheus Laiola e que vem apresentando um trabalho muito interessante na área do direito animal. Ele também deveria estar presente hoje aqui - está aqui? (Pausa.)
Pronto, está lá acompanhando os nossos trabalhos.
Além disso, lembra-me aqui a Dra. Lenita, a Escola Paulista da Magistratura indicou o Dr. Alexandre Guerra e o Dr. Ricardo Dal Pizzol, representando a Escola Paulista da Magistratura - estão presentes? (Pausa.)
Estão lá. Nossa satisfação.
Também soube hoje, quando abri a correição no Tribunal de Justiça de São Paulo, que o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo formou uma comissão e vai ouvir sugestões para apresentá-las ao nosso Colegiado. Seria de bom tom e bem interessante que, respectivamente, no âmbito de cada estado, os tribunais, a OAB, as escolas da magistratura pudessem também se reunir e apresentar as sugestões. Eu só quero lembrar que nós vamos receber sugestões de fora até o dia 3 de novembro. Nós estamos com mais de 200 sugestões já encaminhadas à Comissão, e o prazo final - eu vou relembrar - é até o dia 3 de novembro.
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Eu quero agradecer também... A Dra. Lenita e o pessoal que atua no Senado se referiram ao fato de que várias entidades têm colaborado para a divulgação das nossas atividades. Malgrado eu mesmo remeta os ofícios, eu mesmo peça a divulgação... Agora, por exemplo, nós fizemos esta audiência pública para obter sugestões de todo o Sudeste, dos juristas do Sudeste. Eu pedi ao Tribunal do Rio, do Espírito Santo, de São Paulo que pudessem fazer essa divulgação - nós estamos aqui na sede da OAB -, mas tem algumas entidades que vêm colaborando muito especialmente nessa divulgação, e eu quero me referir a elas aqui: TRF1, Ministério Público do Trabalho, Tribunal de Justiça do Pará, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça da Bahia, OAB do Rio Grande do Sul, Corregedoria-Geral de Justiça de Goiás, Defensoria Pública de Minas, Defensoria Pública de São Paulo, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ministério Público de Minas Gerais, Tribunal de Justiça do Acre, Conselho da Justiça Federal e Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Não estou querendo estabelecer uma competição, o que seria bem razoável, mas, se cada um de nós puder ampliar o trabalho da Comissão, seria bem interessante, porque vamos estar contribuindo para que ela possa ser conhecida, escrevendo artigos... Outro dia saiu um editorial na Folha de S.Paulo, já temos alguns artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. É muito interessante que nós possamos fazer com que a Comissão seja conhecida.
Antes de passarmos para... (Pausa.)
Também lembra aqui a Dra. Lenita que o IBDFam não falha, não é, Berenice? O IBDFam também abriu a plataforma para apresentar sugestões nesses temas.
Também o Presidente Pacheco deu uma entrevista, em Portugal, falando da nossa Comissão e das mudanças que, na área de família principalmente, precisam ser adotadas.
Antes de passarmos à exposição dos sub-relatores, tem aqui um pedido de alguns colegas que eu reputo muito interessante, porque a gente fez uma avaliação um tanto precipitada da última vez, mas, com o andamento dos trabalhos, se mostrou necessária a Comissão de Obrigação e Contratos para que o pessoal de responsabilidade civil e enriquecimento sem causa pudesse trabalhar uma proposta que vai ser encaminhada para os Relatores, que, então, vão submeter depois ao Plenário. Tudo vai ser votado pela íntegra da Comissão, mas se mostra necessário esse desmembramento para o bom andamento dos trabalhos.
A proposta da Ministra Isabel Gallotti de desmembrar a Comissão de Obrigações e Contratos para... (Pausa.)
Hoje é Obrigações e Responsabilidade Civil, ficaria obrigações e contratos, numa Subcomissão, e responsabilidade civil e enriquecimento sem causa numa outra... (Pausa.)
Tem razão. É Obrigações e agora ela vai ser desdobrada em responsabilidade civil e enriquecimento sem causa. Só isso. Obrigações numa mão, responsabilidade civil e enriquecimento sem causa em outra.
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Eu consulto se há alguma divergência para a gente fazer esse desmembramento. (Pausa.)
Não havendo, vou dar por aprovado esse desmembramento.
Fica, então, a divisão... Obrigações já estava integrada pelo Simão e... E por quem, Simão?
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO (Fora do microfone.) - Prof. Edvaldo.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Prof. Edvaldo e Simão na Comissão de Obrigações, e a responsabilidade civil com Nelson Rosenvald, Patrícia e a Ministra Gallotti. Está bem assim?
E o Simão fez a proposição de integrar mais um membro para a Subcomissão de Obrigações. A gente trata disso, depois.
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Quero só fazer uma nota, Ministro.
Bom dia a todos e todas. Bom dia, Sr. Ministro; Relatora-Geral Profa. Rosa; Prof. Tartuce.
Eu acho que, diante dessa divisão, o enriquecimento sem causa devia ficar com a teoria geral das obrigações, porque nós estamos com os demais assuntos laterais. E daí, sim, a responsabilidade civil extracontratual, art. 927 e seguintes, continuaria na divisão da Comissão, mas, agora que a Comissão se dividiu, não faz muito sentido o enriquecimento sem causa estar com a responsabilidade civil, ele fica com... Aliás, nós já fizemos pagamento indevido, já fizemos a leitura da gestão de negócios. Não faz mais sentido agora o enriquecimento sem causa ficar com a responsabilidade civil. Eu queria pedir uma reconsideração.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Eu acho que nós vamos fazer o seguinte: vamos deixar enriquecimento sem causa com as duas Subcomissões, porque aí a relatoria vai fazer a integração disso.
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Ah, perfeito, Ministro. Maravilhoso.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Está bem?
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Com as duas. A decisão salomônica. (Risos.) (Palmas.)
O SR. NELSON ROSENVALD - Ministro Salomão, só um esclarecimento.
Muito bom dia.
É porque, na verdade, a divisão original com o Prof. Simão é que nós ficaríamos com atos unilaterais e responsabilidade civil. O Prof. Simão, sempre muito dinâmico, muito rápido, terminou a parte dele antes de nós, e nós cedemos gentilmente a ele uma parte dos atos unilaterais. Então, mantermos enriquecimento sem causa era aquilo que havia sido originalmente planejado. É isso...
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Mas já está resolvido, já está resolvido.
O SR. NELSON ROSENVALD - Está ótimo.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado.
O SR. NELSON ROSENVALD - Obrigado a você, Ministro.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Mais alguma ponderação aqui? (Pausa.)
Pronto. Então, superada essa questão, fica criada essa segunda Subcomissão, essa nova Subcomissão, que vai tratar desse tema da responsabilidade civil embutido o enriquecimento sem causa; em Obrigações, também embutido o enriquecimento sem causa. Os dois Relatores, depois, farão a conciliação desses textos para votação.
Vamos, agora, na primeira parte, ouvir os sub-relatores. Cada um terá dez minutos para sua manifestação. No final dos sub-relatores, os Relatores-Gerais vão fazer também as suas próprias manifestações.
Vamos começar com a parte geral. (Pausa.)
Ficam os Relatores para o final. Está bem assim? (Pausa.)
Para a parte geral, o sub-relator é o Dr. Rodrigo Mudrovitsch. Ele está online ou ainda não chegou? Conforme for, eu vou inverter a ordem. (Pausa.)
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Então, eu vou inverter aqui, enquanto o Rogério se prepara para falar na sequência, está bem?
Vou ouvir, então, o Simão, que vai falar por Obrigações.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Podem seguir até a tribuna, por gentileza?
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Muito bom dia a todos e todas que aqui comparecem.
A nossa Subcomissão de Obrigações, mesmo antes da cisão de hoje, já estava subdividida em dois grupos de trabalho: eu e o Prof. Edvaldo, que estávamos com a teoria geral das obrigações, dos arts. 232 ao 420, e com os títulos de crédito, de que o Prof. Edvaldo está diretamente cuidando, e mais os atos unilaterais, à exceção do enriquecimento sem causa; por outro lado, a Ministra Gallotti, o Prof. Rosenvald e a Dra. Patrícia Carrijo estavam com o 927 e seguintes e com o enriquecimento sem causa. Então, nós já estávamos com essa subdivisão interna na nossa Comissão, que hoje se efetiva como uma subdivisão final.
Em termos de andamento dos trabalhos, nós sentimos na nossa Comissão dois tipos de reforma. Uma reforma mais profunda, que é proposta pela Subcomissão de Responsabilidade Civil, com o Prof. Rosenvald, a Ministra Gallotti e a Dra. Carrijo, que é reescrever a responsabilidade civil do código. E eu e o Prof. Edvaldo fomos mais econômicos. Nós fizemos pequenos ajustes à teoria geral das obrigações; pequenos ajustes, pontuais, ou seja, mantendo uma estrutura.
Portanto, neste momento, nós temos responsabilidade civil e enriquecimento sem causa já prontos, na primeira minuta, para debate, e, agora, pela Subcomissão própria, e temos também toda a teoria geral das obrigações já pronta para debate. E, nos títulos de crédito, eu e o Prof. Edvaldo estamos agora ajustando alguns pequenos e últimos detalhes. O resultado prático é que, realmente, agora, com essa divisão, ficou tudo muito bom, porque nós já tínhamos duas visões bastante distintas de como reformar o código e eu e o Prof. Edvaldo seguimos aqui com a nossa linha, que eu vou chamar, professor, mais pontual, mais cirúrgica.
Claro que o grande tema da responsabilidade civil contratual, de que eu e o Prof. Edvaldo continuamos cuidando, é o tema dos juros, que é um tema ultrapolêmico, os juros legais. Inclusive, eu tenho recebido - até o Prof. Mario Delgado organizou, quinta-feira agora, um evento para discutir o tema - muitas perguntas sobre isso. E para nós a questão dos juros não é uma questão, são as questões. Então, por exemplo, na primeira leitura que eu fiz, eu fiz quatro possíveis propostas de sugestão do artigo. O Prof. Edvaldo ainda hoje dizia assim: "Vamos conversar, porque eu vou sugerir a criação de um parágrafo único". E, basicamente, o grande debate sobre os juros, que nós já estamos travando, é se os juros merecem um tratamento único para todos os contratos, ou, por exemplo, nós podemos seguir para direito público, a Selic; para direito privado, o CTN. Então, essa discussão dos juros é uma discussão bem pujante, que eu chamaria de dolorosa para o Judiciário e que está entrando na nossa Comissão.
Outras coisas que eu e o Prof. Edvaldo pensamos são alguns artigos, que eu chamaria de parágrafos novos, para acentuar a diferença entre contratos paritários e simétricos, na linguagem da lei da liberdade econômica, dos demais contratos. Então, alguma flexibilização de normas, que hoje são tidas como de ordem pública, como na cláusula penal, por exemplo, permitindo maior autonomia privada aos que podem tê-la, pela lei da liberdade econômica. Este é outro tema que nós estamos trabalhando: uma maior liberdade para alguns contratantes, que poderíamos chamar talvez de hipersuficientes. Claro que não são os consumidores que estão fora da conversa, mas são basicamente os empresários e os contratos civis entre grandes pessoas jurídicas.
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Outro tema que nós também estamos pensando em termos de Código Civil e teoria geral das obrigações são pequenos ajustes, coisas em que a doutrina mais ou menos bateu o martelo: uma regra do 263, por exemplo, da obrigação indivisível, quando o objeto perece por culpa de apenas um dos devedores, que é um tema até que eu me lembro de que levei o enunciado e o Prof. Venosa me ajudou na aprovação das jornadas. Então, muitos desses temas que já estão pacificados têm anunciados. E nós estamos fazendo pequenos ajustes em palavras do Código para que essas palavras reflitam o que pensa a doutrina. Então, realmente, nós não estamos fazendo grandes mudanças estruturais.
Talvez o artigo mais desafiador da teoria das obrigações seja o art. 317, da revisão judicial do contrato, porque a pandemia veio e mostrou a insuficiência do art. 317. O art. 317, na verdade, pode ser alterado por qualquer ideia que qualquer um dos senhores tenha, porque ele permite uma criatividade que eu chamaria de infinita. Nesse primeiro contato, eu pedi a ajuda do meu querido amigo Prof. Bunazar - que eu espero que integre a Comissão com a gente um dia -, e o Bunazar sugeriu que fizéssemos uma mudança pontual para tentar evitar, Prof. Marco Aurélio, a discussão de se o 317 só se aplica à correção monetária, ao famoso desequilíbrio por inflação superveniente, e para tentar dar uma leitura mais abrangente, que é de V. Exa., que é uma revisão mais geral do contrato. Então, nós tentamos criar um mecanismo para isso. Talvez o mais revolucionário, na nossa parte da teoria geral, seja a cláusula penal.
E um outro tema que nós também estamos propondo nessa reforma, que também é uma coisa bastante simples, mas eu acho muito interessante, é desvincular o 412, que é a limitação da cláusula penal, para a astreinte. Dizer que a astreinte não se vincula ao 412, como a jurisprudência tem feito, porque as funções são distintas, um tem função indenizatória e o outro coercitiva, e liberar o magistrado para fixar a astreinte além do valor da obrigação principal, que hoje tem sido uma tendência contrária. Então, no fundo, são pequenos ajustes de palavras para adaptar a doutrina ou algumas ideias e sugestões, sempre pensando em diferenciar os contratos empresariais ou os contratos entre hipersuficientes, os contratos que a liberdade econômica chamou de partes simétricas, livres, etc., dos contratos civis em geral. É essa a ideia.
E realmente o nosso maior desafio é o tema dos juros, porque, para nós, isso é uma questão que envolve muito mais do que um Código Civil, mas a economia do Brasil. Hoje a frase é: o juro pago pelo Judiciário é melhor do que o do mercado financeiro, então, vamos deixar o dinheiro no Judiciário. Então, na discussão de juros, é ingênuo quem pensa que nós estamos discutindo um Código Civil; é uma discussão de economia nacional, é muito mais amplo do que isso. Portanto, é um dos temas mais periclitantes. Por isso que acho que a nossa Subcomissão... Eu e o Prof. Edvaldo vamos propor quatro ou cinco ideias para que a Comissão geral decida.
Ministro, em responsabilidade civil, é o Prof. Nelson que vai expor a parte dele, não é?
Então, sobre teoria geral das obrigações era isso.
Sobre os atos unilaterais - eu tenho mais três minutos e agora eu acabo -, também fizemos a exceção do enriquecimento sem causa, que está na Comissão agora, na Subcomissão nova. Nós fizemos mudanças muito pontuais, muito pequenas, praticamente corrigindo erros de palavras etc. E eu também penso, senhores e senhoras, que, de vez em quando, tem alguns preciosismos em que a gente não deve cair. Por exemplo, a palavra "o mesmo" é mal-empregada no vernáculo, mas, se todo mundo sabe o que significa "o mesmo", deixem "o mesmo". Porque mudar "o mesmo" para "este" dá uma confusão depois para dizer quem é o "este" do "o mesmo". Então, fica "o mesmo" e não muda para "este". Está certo? (Risos.)
Mudar vírgula de lugar, porque na norma culta a vírgula deveria ser ponto e vírgula, também nós não mexemos. A nossa opção na Subcomissão foi mudar o que precisava ser mudado. Nada perfunctório, nada para melhorar o texto, nada que possa gerar depois pânico na jurisprudência, se uma vírgula no lugar errado mudou o sujeito ou o predicado. Então, nós realmente mantivemos essa estrutura lógica.
E, por outro lado, eu também conversei com a Comissão de parte geral e eu vou mandar uma sugestão de adaptação para o direito dos animais da norma portuguesa, a Lei 8, de 2017, que é uma norma que já está funcionando muito bem em Portugal, que tem muitas virtudes, e que a gente aqui no Brasil pode adaptar com muita utilidade para todas as partes do livro. A Berenice até dizia dos animais no fim da conjugalidade. Tem uma regra no Código Civil português que é muito melhor do que qualquer regra nossa, que fala em confiança dos animais. Então, acho que nós temos para os animais um bom ordenamento jurídico, saindo da discussão alemã. Os animais não são coisas, mas seguem o regramento especial das coisas, para a gente adotar a teoria francesa e portuguesa da senciência ou da sensibilidade.
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Então, nisso também a gente vai contribuir.
Muito obrigado a todos e todas. É uma alegria estar aqui esta manhã com gente tão especial e tão amiga. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Agradeço o trabalho do Prof. Simão. A Comissão, produzindo excelentes resultados, trouxe alguns dos temas muito relevantes para o Brasil, muito relevantes para a economia, para a organização, muito além da questão pura e simples das obrigações em geral. Cumprimento ambos pelo trabalho, o Prof. Edvaldo também, cumprimento ambos pelo trabalho que vêm desenvolvendo.
Eu vou, na sequência, ouvir agora o Nelson Rosenvald falar da responsabilidade civil e, logo depois, ou o Rodrigo ou o Marrone. Vocês se acertaram aí? (Pausa.)
O Rogério Marrone fala um pouco sobre a parte geral na sequência, mas, agora, Nelson Rosenvald tem dez minutos. (Pausa.)
Não, pode ficar tranquilo. Use o tempo dos dez minutos, tem um lembretezinho ali.
O SR. NELSON ROSENVALD - Bom dia.
Apesar de esta ser a terceira reunião, eu não tive a oportunidade de me manifestar nas anteriores, então, eu quero saudar todos os colegas, na pessoa do Presidente, Ministro Salomão, Relatores, Profs. Rosa Nery, Flávio Tartuce, Lenita, tão prestativa, tão amiga.
Eu quero começar agradecendo à Ministra Isabel Gallotti e à Juíza Patrícia Carrijo pelo constante intercâmbio de ideias. Eu tive a sorte de me unir a duas parceiras vocacionadas e ponderadas e que há quase dois meses trabalham em harmonia comigo e com um grupo de colaboradores, desenvolvendo sugestões para responsabilidade civil e para enriquecimento injustificado.
Também agradeço ao Ministro Salomão por deliberar pela separação entre, de um lado, obrigações e, de outro, responsabilidade civil e enriquecimento injustificado. Eu, na verdade, nem preciso desses nove minutos, eu vou explicar isso em exatos três minutos.
O que acontece é que as demais Comissões aqui criadas dizem respeito a matérias específicas. Então, é natural que haja essa cisão, até pelo fato de que a teoria geral das obrigações, diga-se de passagem, aqui, em ótimas mãos com os Profs. Simão e Edvaldo Brito, tende a uma certa estabilidade, enquanto a responsabilidade e o enriquecimento injustificado são modelos jurídicos dinâmicos e foram profundamente revigorados na doutrina, jurisprudência, legislação recente, como o LGPD, como o projeto de inteligência artificial e direito comparado.
O que a nossa Comissão, o que a nossa nova Comissão produziu até agora apenas é um ponto de partida para um debate com vocês e com a sociedade, porque, na verdade, a responsabilidade civil é uma caixa de ressonância das disfuncionalidades do ordenamento jurídico. Todas as patologias da propriedade, dos contratos e, mais recentemente, do direito de família, dos direitos da personalidade são conduzidos à responsabilidade civil. O mesmo se dá com as tecnologias digitais emergentes. Ou seja, a nossa demanda aumenta velozmente e precisamos oferecer respostas consistentes.
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Por isso o nosso esforço não é no sentido de reescrever a responsabilidade civil. Jamais. É no sentido de sistematizar a responsabilidade civil, o enriquecimento injustificado de forma coerente para atender a algumas dessas exigências. O problema é que, em matéria de responsabilidade civil e enriquecimento injustificado, nós temos um Código Civil acanhado, composto por dispositivos que dizem pouco em relação àquilo de que nós necessitamos hoje e para os próximos tempos.
Então, em breves linhas, para não cansar ninguém, os três grandes focos de mudança nessa temática da responsabilidade civil são os seguintes: primeiro, esquematização dos diversos nexos de imputação da responsabilidade civil, inclusive com parâmetros para o risco da atividade; segundo, a ordenação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais com critérios de quantificação e delimitação perante o enriquecimento injustificado; e, terceiro, seguindo o exemplo das tendências europeias e sul-americanas, a introdução de um capítulo sobre a função preventiva da responsabilidade civil que anteceda a compensatória.
Nós reconhecemos, sim, que as nossas propostas são um pouco amplas e incluem ainda outros temas dos quais eu não falei aqui, mas nós não tencionamos, de maneira alguma, levar à Relatoria e ao Plenário um projeto revolucionário. Pelo contrário, nós desejamos é aproveitar essa oportunidade ímpar que nós temos hoje para, em prol da sociedade brasileira, Ministro, propor cuidadosos avanços metodológicos e técnicos, sempre com respeito à segurança jurídica e à conciliação entre a tutela das situações existenciais e o exercício da livre iniciativa.
Era o que me cabia esclarecer.
Muito obrigado, Presidente, por este espaço.
Eu, a Ministra Isabel, a Juíza Patrícia, estamos à disposição de todos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Nelson, pela exposição, pelo trabalho que desenvolve junto com Patrícia e Isabel. É realmente um projeto onde mergulharam a fundo na questão da responsabilidade civil. Depois os dois relatores vão fazer a convergência disso com a proposta para ser votada, afinal, pelo Plenário, mas os trabalhos caminham bem, como nós pudemos verificar.
Vou dar um passo atrás, voltar para a parte geral e ouvir o Juiz Rogério Marrone, que vai nos dar o panorama dessa sub-relatoria que é integrada pelo Rodrigo Mudrovitsch, Ministro Noronha, Rogério e Estela Aranha.
O SR. ROGÉRIO MARRONE CASTRO SAMPAIO - Bom dia a todos. Gostaria de cumprimentar o Ministro Salomão, na pessoa de quem cumprimento também, estendo o cumprimento a todos os integrantes desta Comissão. Cumprimento também todos os presentes, advogados, militantes. Aqui eu vou fazer um breve relato sobre a nossa subcomissão, que envolve a revisão da parte geral, um tema extremamente complexo.
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Inicialmente, eu digo que nós já fizemos duas reuniões de trabalho, já temos uma terceira designada para a semana que vem. E temos uma preocupação também de marcarmos outras reuniões e uma maior interação com as outras Subcomissões porque as possíveis alterações da parte geral naturalmente vão impactar temas da parte especial. Então, há necessidade de que a gente faça essa interação.
Com relação aqui aos trabalhos, nós já dividimos os vários temas da parte geral entre os integrantes do grupo. Estamos iniciando o estudo das propostas, são muitas as propostas que têm chegado à Subcomissão, e, entre essas propostas, nós já detectamos algumas questões mais sensíveis, entre as quais a gente pode aqui citar: uma melhoria no regime jurídico das incapacidades - há sugestões nesse sentido e talvez aqui seja mesmo necessário -; nós temos os direitos de personalidade, e há sugestões para que se confira uma maior eficácia aos direitos de personalidade; e aqui também há sugestões espinhosas que vão gerar muito debate que dizem respeito à alteração do marco inicial da personalidade. Enfim, também há sugestões nesse sentido.
Com relação aos bens, não temos grandes dificuldades, mas há uma sugestão que vai impactar também outros livros, que diz respeito à tutela dos animais, um melhor regramento de proteção aos animais. Enfim, isso impacta o art. 82 do Código Civil.
Domicílio. Enfim, nessa parte, temos sugestões, sim, mas não vejo grandes impactos.
Com relação aos negócios jurídicos, sim, é inegável a importância dos negócios jurídicos na vida econômica do país, então, nós temos várias propostas que dizem respeito à melhoria das regras de interpretação dos negócios jurídicos. Temos também regras que tendem a alterar os vícios dos negócios jurídicos, entre outros assuntos.
No que diz respeito a... E aí também temos uma questão sensível a outro tema, que é a prescrição e decadência. Há também várias sugestões para uma melhor uniformização desse tema, dos prazos prescricionais, e uma ideia também de se reduzirem os prazos prescricionais, principalmente o prazo residual. Então, há propostas nesse sentido que estão sendo estudadas pelo nosso subgrupo.
E, finalmente, com relação às provas, há também sugestões no sentido de uma modernização, digamos assim, tendo em vista o sistema eletrônico, a via eletrônica de comunicação, uma forma mais ágil de se declarar a vontade, enfim, e também há necessidade de que sejam feitos ajustes nessa parte.
Então, enfim, a nossa Comissão tem trabalhado, ela está fazendo o estudo dessas propostas e a ideia é que a gente apresente já algumas sugestões concretas ali na próxima reunião da Subcomissão.
Eram essas as informações. Eu agradeço a presença de todos.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Rogério, muito obrigado pelo teu trabalho, pelo trabalho do Rodrigo, do Noronha, da Estela, todos aprofundando aí o exame dessa parte geral, que se interliga com vários dos outros temas e está também em estágio avançado.
Vamos agora chamar quem vai falar pela Subcomissão de Contratos. Segundo me informaram, é a Angélica Carlini - é isso? A Subcomissão é integrada pelo Carlos Elias, que está em férias; pela Profa. Claudia Lima Marques, que está aqui; e pelo Prof. Carlos Ruzyk, que também está aqui.
Tem a palavra.
A SRA. ANGELICA LUCIA CARLINI - Muito obrigada. Muitíssimo bom dia a todas e todos. É um imenso prazer estar aqui na Casa da Advocacia paulista, na minha casa, para participar desta importante Comissão.
Eu cumprimento todos e todas, na pessoa do Ministro Luis Felipe Salomão, mas estendo o meu cumprimento fraterno à Profa. Dra. Rosa Nery e ao meu queridíssimo amigo, o Prof. Dr. Flavio Tartuce, agradecendo à Lenita por tudo que tem feito de bom pela gente, em especial, pela forma tão gentil como atende todas as confusões que nós fazemos.
Eu vou usar muito pouco do tempo, mas peço licença ao Ministro Salomão para vender o resto do meu tempo para a Comissão de Família e das Sucessões, porque certamente eles vão querer comprar o tempo que eu não vou utilizar. Se não há humor, não há método, portanto, é assim que a vida segue.
Nós, na Comissão, dividimos o trabalho - na verdade, chamamos aquilo de loteamento, mas não é muito bom usar esse termo aqui, não é Profa. Claudia? -, então nós vamos dizer que dividimos o trabalho.
Esta professora ficou com os aleatórios e os preliminares na parte dos contratos em geral, e, nos contratos em espécie, assumiu a responsabilidade pela comissão, agência de distribuição, corretagem, transporte, prestação de serviço e empreitada.
O nosso queridíssimo Prof. Carlos Eduardo Pianovski ficou com o remanescente dos contratos em geral, aqueles de que eu não vou tratar, fora os aleatórios e os preliminares, e assumiu em espécie os contratos de compra e venda, troca, o estimatório, doação, locação e mútuo.
E o queridíssimo Prof. Dr. Carlos Eduardo também, só que esse, o Elias, o nosso profeta, assumiu a responsabilidade pelos contratos em espécie de constituição de renda, jogo e aposta, fiança, transação e compromisso.
A nossa queridíssima Profa. Dra. Claudia Lima Marques assumiu a responsabilidade de uma análise panorâmica do livro de contratos, em especial, por conta da grande experiência internacional, do grande diálogo das fontes que a professora faz, portanto, ficou com essa visão mais geral.
A todos nós cabe o difícil papel de sugerir apontamentos de Direito Digital para todos os contratos, razão pela qual a nossa metodologia passa, primeiro, por atualizar o Código na parte dos contratos em relação ao que foi produzido pela doutrina, pela jurisprudência e pelas jornadas que aconteceram de Direito Civil, de Direito Comercial. Então a metodologia é essa.
O resultado final, no entanto, terá que ser dialogado com a Comissão de Direito Digital, até porque, quando se descem às minúcias de cada um dos contratos, nós vamos descobrindo necessidade de diálogo. Por exemplo, os contratos de transporte, com os quais eu trabalhava ontem - vou repetir: ontem, sim, era domingo, mas foi divertidíssimo, acreditem -, os contratos de transporte têm um diálogo muito profundo para fazer com o Direito Digital, especialmente por conta dos já hoje praticados smart contracts, que estão no ambiente descentralizado da tecnologia blockchain. Pode ser que ainda, no Brasil, isso não esteja sendo utilizado com tanta frequência, mas lembro que o transporte é sempre um contrato internacional, ou quase sempre um contrato internacional, e que, então, essas novas tecnologias terão um impacto bastante rigoroso, mas esse diálogo já está até agendado.
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Em termos de prazos, nós devemos entregar - já fizemos algumas reuniões, vamos entregar - até dia 27, próxima sexta-feira, o resultado dessa primeira etapa. Em seguida, faremos a revisão, a troca de opiniões sobre cada uma dessas sugestões, e, até 1º de novembro, esperamos estar com isso consolidado para então sentarmos para dialogar com a Comissão de Direito Digital. E o nosso prazo fatal é 8 de dezembro para entregar o relatório final da Subcomissão de Contratos para os Relatores.
Tem sido uma enorme aprendizagem e eu, na pessoa do meu Prof. Silvio de Salvo Venosa, agradeço a todos os doutrinadores, a todos os juristas que, sem saber, têm contribuído muitíssimo com o nosso trabalho.
Era só isso, e eu tenho seis minutos para vender.
Muito obrigado.
Fiquem com Deus.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Angélica, não só pela síntese, mas também pelo trabalho que a Comissão, com o Carlos Elias, Claudia, Carlos Eduardo, vem desempenhando, uma subcomissão muito relevante também para a atualização do Código.
Na sequência, vamos ao Direito da Empresa. Dessa Subcomissão, a Relatora parcial é a Paula Forgione. O Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que está hoje num evento da OAB, comemorando o aniversário da Constituição, acho que não está presente, mas tem participado do subgrupo, o Daniel Carnio, o Moacyr Lobato e Flávio Galdino.
Eu vou convidar, então, a Paula Forgione para fazer a exposição.
A SRA. PAULA ANDREA FORGIONI - Bom dia a todos.
Queria, antes de tudo, na pessoa do Ministro Salomão, agradecer por tudo, toda oportunidade que está sendo dada a todos nós que participamos deste processo.
Queria, na pessoa do Léo - cadê o Léo? Está ali -, agradecer a OAB, cumprimentar a OAB, a Patrícia, o Léo, toda equipe pelo trabalho fantástico que eles têm feito na OAB-SP, cumprimentar a minha querida Profa. Rosa Nery e o Prof. Tartuce pela condução desse trabalho de forma impecável e democrática.
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Queria agradecer aos membros da nossa Comissão, que são geniais, modéstia à parte, tenho o privilégio de trabalhar com eles, agradeço a todos. Eu falo com muita sinceridade: tem sido uma experiência absolutamente enriquecedora. Moacyr, Flavio, Daniel, que estão aqui, muito, muito obrigada.
Bom, voltando aqui, agradeço à nossa Secretária Maira Rocha, que tem aguentado um rojão conosco para organizar tudo. Muito obrigada, Maira.
Nosso lema é desburocratizar, simplificar e atualizar e também resolver problemas pontuais. Essa frase aqui do Daniel eu adotei como - do Daniel, do Moacyr, aí, os dois calharam a experiência -, eu adotei como lema. E resistir à tentação, ou seja, nós vamos trabalhar naquilo que é indispensável nesta linha: resistir à tentação de mudar o mundo.
Nossa ideia é realmente - e estamos fazendo isso, eu já vou relatar - ouvir os agentes do mercado, de vários mercados. Talvez a nossa seja a pior Comissão para trabalhar com isso. Nós temos muitos envolvidos, desde cooperativa até o pessoal de contratos, limitadas, enfim, nós temos um grande universo para trabalhar, e é isso que estamos tentando fazer. Nós estamos realmente falando com todos e colhendo essas impressões. Passou na nossa frente, a gente já pede tricolunado, que é, como foi pedido aqui pela nossa Comissão, para nós podermos trabalhar, na linha de que "cada um sabe onde aperta o seu calo" e "de boas intenções, o inferno está cheio". Nós não podemos mexer naquilo com que nós não trabalhamos todos os dias; nós temos que ouvir os agentes econômicos envolvidos naquelas operações.
Bom, dificuldades. Por óbvio, é porque é muita gente, muita gente para ouvir. Nós estamos já recebendo essas sugestões, mas é muita gente para ouvir e para dialogar realmente, não é para inglês ver, mas ouvir quais são as demandas do setor e verificar como e se nós devemos trabalhar com isso.
Reuniões já realizadas. Já fizemos com a Faculdade de Direito da USP; com a Faculdade de Direito da PUC, onde o Daniel é professor; quem tem nos ajudado muito é o Drei e o seu ex-Presidente, especialmente o André Santa Cruz e também o Armando Rovai, que foi Presidente da Junta - o André tem sido fundamental em toda essa parte de registros e da burocracia, tão importante para o Direito Comercial, é uma burocracia importante para o bom fluxo de relações econômicas. Depois, nós estamos conversando com a Fiesp e vamos conversar especialmente com a Confederação Nacional da Indústria para ver quais são os problemas que eles gostariam de enfrentar. Nessa tarefa, a Dra. Luciana Nunes Freire, que é a Diretora Executiva Jurídica da Fiesp, tem nos ajudado bastante. Com a CVM, nós já tivemos algumas conversas informais e a CVM está também produzindo um tricolunado. Aqui agradecemos ao João Pedro Nascimento, seu Presidente; à Dra. Ilene Noronha e à Clara Laranja, que estão trabalhando para nos entregar isso. Algumas ideias deles são bastante interessantes, eu já vou referir. O Iasp, já trabalhamos com o Iasp. Com a Organização das Cooperativas Brasileiras, nós estaremos no congresso deles para trocar ideias. Também no Iasb, que é o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, nós estamos falando, principalmente, com o Dr. Paulo Aragão, para que ele nos auxilie nessa parte de contabilidade, que está no Código Civil, e todo mundo finge que não existe. Então, é melhor nós arrumarmos isso para compatibilizarmos com a legislação nacional.
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Reuniões já agendadas. Como eu falei, CNI. Amanhã nós vamos conversar... Como disse o Ministro Salomão, grande parte do PIB está em São Paulo. Amanhã nós vamos ter a honra de conversar com os desembargadores das câmaras reservadas do Tribunal de Justiça de São Paulo. Eu ouvi o nosso querido Desembargador Loureiro, que está aqui. Nossa campanha, da Comissão, é que ele volte para as câmaras reservadas de Direito Empresarial. A Comissão está em desabalada campanha por isso, mas amanhã nós conversaremos. O Desembargador Lazzarini e o Desembargador Ciampolini estão organizando essa reunião. Nós realmente queremos falar com aqueles que mais julgam o Direito Empresarial no país. Amanhã eles vão nos dar essa grande honra, nós estaremos lá.
A AASP também está trabalhando e a FGV está trabalhando, nós precisamos conversar com eles.
Nós estamos... Em Minas, nosso querido Desembargador Lobato, vamos falar com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com os desembargadores e juízes especializados, porque eles também julgam muito o direito empresarial; o Instituto dos Advogados de Minas Gerais; a OAB de Minas; as grandes faculdades de direito; a Federal de Minas; a PUC Minas e o Ibmec, que estarão em Belo Horizonte; Federação das Indústrias de Minas Gerais; Associação Comercial de Minas Gerais.
Esqueci de mencionar que nós conversamos também com o Prof. Schoueri, que é da Associação Comercial de São Paulo.
Bom, alguns pontos... Vou usar - eu peguei - os minutos que a Angélica soltou no ar, são meus. Alguns pontos que já surgiram e deverão ser incorporados: revogação do art. 977, a proibição de sociedade entre marido e mulher, que trava muito.
Nós temos que lembrar que a maioria das empresas brasileiras e a maioria dos empregos no Brasil vêm da pequena e média empresa. Nós não estamos aqui apenas pelo grande capital. Muito pelo contrário, mais de metade dos postos formais de trabalho deste país vêm da pequena e média empresa, sempre tão esquecidas.
Bom, supressão da distinção entre firma e denominação, que efetivamente não serve mais para nada.
Volta da possibilidade do exercício da gerência por pessoa jurídica como era no passado e funcionava bem. E aqui é consenso da Comissão que isso pode fomentar a prestação de serviços profissionais para empresas de menor porte. Isso pode ser bastante interessante, nós acreditamos que seja bastante interessante para a economia.
Mecanismos para que as partes negociem melhor o contrato das limitadas.
Reforço da importância do pacta sunt servanda nos contratos empresariais e também nos contratos societários, óbvio.
Simplificação do sistema de publicações, aproveitando muito o Sped. O André Santa Cruz e todos nós estamos trabalhando nisso. Nós temos que melhorar o sistema de publicação. As empresas, especialmente as menores, gastam muito dinheiro com isso.
Uma sugestão da CVM que parece extremamente interessante nós estamos estudando e conversando com interlocutores qualificados aqui: a criação de um sistema nacional de registro de emissões para viabilizar o lançamento ou a captação de recursos pelas limitadas, menor quantidade de recursos para as sociedades limitadas. A CVM está trabalhando nisso e pede o nosso auxílio aqui.
Cotas preferenciais, que já estão na resolução do Drei, tem enunciado de jornada etc.
Regularização da representação dos sócios nas reuniões.
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Uniformização e modernização das regras de contabilidade. Nós temos conflitos, e todo mundo finge que o Código Civil não existe. Se é o momento de desburocratizar e melhorar, nós vamos trabalhar isso, como eu disse, com o Dr. Paulo Aragão.
O tratamento do sigilo empresarial, tão maltratado muitas vezes. O empresário tem direito ao seu sigilo, óbvio, em determinados limites, e nós vamos trabalhar o sigilo.
A ideia da... A regulação pela concorrência desleal tem se mostrado insuficiente. Então, nós vamos trabalhar esse aspecto também.
Audiências virtuais. Como vamos trabalhar aqui? Aqui vamos trabalhar bastante com a comissão específica a liberação de audiências virtuais, talvez com mecanismos para impedir o abuso do controlador de limitadas, principalmente.
Reforço... As cooperativas estão pedindo nosso auxílio também. Reforço à ideia de que as cooperativas são um tipo societário específico. Quem trabalha com cooperativas sabe muito bem que ato cooperativo é diferente do antigo ato de comércio. Nós precisamos fazer valer a lei específica. O que as cooperativas pedem é: "por favor, nós temos lei específica; muitas vezes o Código Civil nos atrapalha no dia a dia, impondo uma burocratização maior".
Senhores, são essas... Fiquei aqui no meu tempo. São essas as principais atividades da Comissão, agradecendo pela atenção de vocês e parabenizando a todos pelo trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosa Maria de Andrade Nery) - Profa. Paula, muito obrigado pela sua exposição perfeita, clara e completa. Agradeço a sua fala.
Agora vamos pedir para que a Comissão de Direito das Coisas venha nos fazer a sua exposição.
Preside a Comissão o Desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo e dela fazem parte também os Profs. Carlos Fernandes, Milagres e a Juíza Maria Cristina Paiva Santiago.
A palavra é sua, Prof. Desembargador Marco Aurélio.
O SR. MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO - Bom dia a todos e a todas.
Quero saudar o Prof. Flavio Tartuce, querido amigo; a Profa. Rosa Nery; agradecer, de público, à Dra. Lenita. Sem ela, nós não andaríamos, porque ela, sempre tão gentil e competente, tem dado conta de tantas demandas de tantos estados da Federação, nos unindo sempre. Cumprimentar os colegas da Comissão e também aqueles outros professores que aqui nos honram com a presença, com a participação. Agradecer também aos membros da Comissão: o Desembargador Marcelo Milagres, o Prof. Carlos Vieira e a Profa. Maria Cristina Santiago.
A Paula Forgioni falou da excelência dos seus colegas, mas eu vou dizer que os meus não dão nem para a saída dos dela, porque são comprometidos. Tudo que nós deliberamos como meta no grupo de trabalho está sendo seguido à risca.
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Dividimos em cinco fases. Já acabamos duas: acabamos a fase da posse e fomos dos direitos reais até os direitos de vizinhança. Estamos agora aflitos, porque temos pela frente condomínio edilício, que, na realidade, são condomínios - né, Profa. Rosa?
Hoje eu já tive uma notícia alvissareira da Profa. Paula, que esteve na CVM, porque a parte de fundos de investimentos estava tirando meu sono: se deveríamos avançar, de acordo com as últimas resoluções da CVM, ou se aquela teoria geral que coloca os fundos de investimento com natureza condominial já daria conta, para atender às demandas do mercado. E ouvi que o presidente da CVM não tem interesse na alteração do Código Civil. Então, isso aí já é uma notícia boa, tamanhas as demandas que nós temos nessa parte do Código Civil.
Pois bem.
Na posse, nós incluímos no conceito de posse, expressamente, os bens materiais e imateriais, já dando em sancha aqui o tratamento dos bens digitais. Por exemplo, nas sucessões, que a herança digital encontre, no art. 1.196, um suporte fático jurídico que dê base à posse dos bens incorpóreos. E também percebemos a importância, mesmo sem seus bens digitais, por exemplo, na propriedade intelectual, nas marcas e patentes.
Então, aquela velha discussão entre Clóvis Beviláqua e Ruy Barbosa, com muita humildade, nós resolvemos... (Risos.)
... nem Clóvis, nem Ruy Barbosa. E, aí, estamos incluindo, realmente, os bens incorpóreos expressamente no art. 1.196.
Respeitando o enunciado muito prestigiado no STJ, sugerimos a positivação, no 1.203, da intervenção do caráter da posse, aquela possibilidade da mudança do título da posse, que é utilizada há muito tempo. Há um enunciado que, aliás, foi de nossa proposição e que há muito tem sido aplicado pelos tribunais.
Estamos analisando também o retorno da previsão expressa do constituto possessório.
Eu me recordo de que, em 2002, quando o Código resolveu filiar-se de modo mais enfático à teoria objetiva, retiraram o modo de aquisição da posse pelo constituto possessório e, depois, perda da posse pelo constituto possessório. Não adiantou nada, porque é um instrumento fundamental no mercado imobiliário. A cláusula constituti está presente em vários negócios, sobretudo nos negócios imobiliários. Então, por que não retornar essa positivação, que nos parece adequada?
Também na posse nos posicionamos que a presunção de boa-fé, na posse, não está dependendo de título, mas sim de causa. Então, havendo um justa causa, uma dação em pagamento, uma permuta, uma doação informal, na posse, já teríamos ali uma presunção de boa-fé. E, mais à frente, corrigimos também todas as previsões de usucapião de bem móvel e imóvel que falam de justo título. Estamos tratando como justa causa.
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Na propriedade, aquele §1º do 1.228, que fala que "a propriedade deve ser exercida em consonância com o meio ambiente, com as águas...", nós reduzimos aquilo citando o inciso XXIII do art. 5º da Constituição: "A propriedade atenderá à sua função social". Simples assim.
No §2º do 1.228, estamos adotando... Vejam bem: é uma opção que se alinha com a parte geral, que é a teoria do abuso de direito numa perspectiva apenas objetiva, retirando - desculpem-me - aquela cafonalha dos atos emulativos com a percepção subjetiva, há muito superada.
No campo do Direito de Vizinhança - aqui o Prof. Edvaldo, que atualiza as obras do Prof. Orlando Gomes -, uma homenagem ao Prof. Orlando Gomes, porque, na passagem forçada, nós estamos adotando um artigo do seu anteprojeto que dava a passagem forçada também quando a passagem pública for insuficiente ou inadequada, tendo em vista a função social na propriedade. Quer dizer, estamos avançando para o simples encravamento, e isso consta expressamente do anteprojeto do Prof. Orlando Gomes.
No regime de águas também: estamos estendendo o direito de aqueduto não só para as águas das primeiras necessidades da vida, mas também a utilização das águas para a indústria, para a pecuária, para a agricultura, dando o direito de aqueduto, evidentemente com a contrapartida da indenização cabal.
E um dispositivo que sempre causou muita perplexidade também estamos sugerindo alterar. É o 1.291, que diz que você não pode poluir as águas necessárias para as primeiras necessidades da vida, dando a entender que as outras águas você pode poluir. Então, esse é um equívoco tremendo. Nós estamos dizendo que não pode poluir águas, sejam supérfluas, sejam indispensáveis... Se poluir, tem que recuperar isso, e a última raso deve ser a da indenização. Então, um aspecto preventivo aí.
E, finalizando, neste um minuto que me falta, quero dividir com os colegas grandes dúvidas que tivemos.
Primeiro, se vamos manter ou até avançar em alguns dispositivos processuais. Por exemplo: a citação, como marco, na modificação da posse de má-fé para a de boa-fé.
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O Código Civil deve tratar disso - ponto de interrogação que nós temos lá.
Outra: o 1.240-A, usucapião familiar. Está provocando também muita discussão.
E, por fim, eu queria registrar que nós temos a felicidade de ter o Prof. Carlos Vieira, que atuou no PL das garantias. Então, ele está contribuindo muito para que a gente possa adequar o PL das garantias ao Código Civil.
E eu acabei exatamente no tempo adequado, para saudar o meu querido amigo e Ministro Salomão, agradecendo mais uma vez.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Desembargador Bezerra de Melo, Diretor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e estudioso do tema.
Quero também agradecer ao Carlos Fernandes, ao Marcelo Milagres e à Maria Cristina Paiva Santiago, que vêm trabalhando nesse tema - quero agradecer bastante -, que é também, como todos, muito relevante para o andamento dos nossos trabalhos.
A gente pode perceber que todas as Subcomissões têm trabalhado intensamente, e estamos avançando na parte da atualização geral, para poder fazer com que os Relatores possam, no final, convergir os textos.
Agora, o tema do Direito de Família, cuja Subcomissão é integrada pelo Pablo Stolze, Maria Berenice Dias, Marco Buzzi e Rolf Madaleno.
Para a exposição, eu convido Pablo Stolze.
Por enquanto, ele me disse que ainda não se divorciou... (Risos.)
O SR. PABLO STOLZE GAGLIANO - Bom dia.
Eu não me divorciei, mas brinquei com a minha esposa, grande Rolf, dizendo que...
Os que me conhecem, Prof. Silvio, sabem que eu não uso barba. Eu disse à minha esposa que só tirarei a barba quando a reforma for concluída e aprovada. Ela ficou em silêncio e me olhou. Mas o nosso Presidente, o Ministro Luis Felipe Salomão, é de uma proatividade, de uma habilidade, que eu não tenho dúvidas de que tem tudo corrido obviamente sem pressa, mas com vigor. Eu tenho percebido isso.
Eu cumprimento os Relatores Gerais, meu grande amigo Prof. Flavio Tartuce e Profa. Rosa Nery, a incansável Dra. Lenita, que inclusive atua em outras Comissões um pouco mais complicadas lá do Senado, e eu cumprimento a todas e todos os presentes.
Queria agradecer aos membros da nossa Comissão. Eu aprendo todos os dias com o grande Prof. Madaleno, com a Profa. Maria Berenice Dias - uma força da natureza jurídica a Profa. Berenice. Aprendo sempre com ela -, com o Ministro Marco Buzzi...
Bom, a Dra. Laura disse que havia até me cedido os minutos, mas eu vou respeitar os dez minutos que tenho aqui, logicamente.
Eu queria inicialmente atualizar, Ministro Salomão, em relação ao andamento do trabalho da Comissão de Direito de Família - ou das Famílias -, dizendo que o nosso trabalho - obviamente, não está concluído - é um trabalho continental. Infelizmente, não temos condição de buscar subsídio em projetos de grandes juristas do passado - ao menos em grande parte, Prof. Edvaldo -, porque o Direito de Família mudou muito nas últimas décadas. Então, o nosso trabalho tem alguns desafios muito peculiares, específicos.
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A despeito desse volume de desafios, eu considero que o trabalho está em franco andamento, porque houve essa divisão ou, utilizando a dicção inadequada, o "loteamento" dos artigos e, obviamente, não considerando que cada um dos membros já concluiu toda a sua parte. Mas eu já entreguei a minha parte do meu - entre aspas - "loteamento", a Profa. Berenice também, o Prof. Rolf, e o Ministro Buzzi está em arremate na parte dele nessa parte do "loteamento".
Seguindo o nosso plano de trabalho, a nossa próxima reunião é no dia 30/10, em que já daremos início a uma espécie de validação das partes, dos componentes, Profa. Giselda. Então, nessa primeira etapa, digamos assim, trabalharemos a parte da Profa. Maria Berenice; em seguida, a minha parte; em sequência, as do Prof. Rolf e do Ministro Marco Buzzi.
Obviamente que não na mesma reunião, mas, fundamentalmente, a minha parte e a da Profa. Berenice foram o direito pessoal, o existencial; o Prof. Rolf, com o Direito Patrimonial; e a parte do Ministro Buzzi, os alimentos e também a tutela e a curatela.
Eu queria também registrar aqui a todos os presentes que uma ideia colocada pelo Prof. Edvaldo Brito como forma de divulgar ainda mais o trabalho da Comissão... Haverá uma reunião. A ideia do Prof. Edvaldo, com professores de Direito Civil do Estado da Bahia. Uma espécie de ato preparatório e audiência pública do dia 7 de dezembro... Salvador estará de braços abertos para receber todos.
Eu gostaria, Ministro Salomão, que nossa audiência pública fosse na Praia do Forte, mas não vai ser possível. Vai ser no auditório do nosso tribunal, que tem estrutura e logística para receber bem a todos.
Então, como forma de preparar e divulgar e tocar o coração de todos, obviamente que o Ministro, muito cuidadosamente - uma vez que seriam impossíveis audiências em todas as capitais da Federação -, escolheu Salvador para abraçar o Norte e o Nordeste. E, por iniciativa do Minis... Prof. Edvaldo - "Ministro Edvaldo"... - escapou, né? Sempre. Nós estamos, Ministro Salomão, preparando uma reunião, Prof. Tartuce, Profa. Rosa, com professores de Direito Civil do estado, e houve uma adesão impressionante, uma espécie de reunião preparatória, que ocorrerá em novembro, para ouvirmos... Mesmo com o fim do prazo de envio de proposta, é importante ouvirmos, até porque continuará vindo audiência pública.
Bom, essa visão geral, eu diria que é administrativa, para eu colocar alguns destaques aqui da nossa Comissão.
Como eu coloquei na última audiência, já foi feita, Ministro, a incorporação do PL do Senador Rodrigo Pacheco, e eu queria colocar aqui, apenas destacar, que esse projeto de lei vai ao encontro de um anseio social muito, de algo muito sensível, que é a facilitação do divórcio, a figura do divórcio unilateral. E, lembrando que essa numeração é provisória, eu apenas pontuo que, de acordo com essa proposta... Claro, ainda haverá um debate em nossa Comissão, eventualmente uma sugestão redacional, mas a proposta foi absorvida aqui, em que você tem a referência de que, na falta de anuência de um dos cônjuges, poderá o outro requerer a averbação do divórcio no cartório de registro civil em que lançado o assento de casamento, quando não houver nascituro ou filhos incapazes, observados os demais requisitos legais, muito na linha do que o Ministro tem feito no CNJ, da atualização das normas administrativas, porque o CNJ tem antecipado avanços nesse ponto, Ministro. É importante a gente pontuar isso aqui.
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Eu quero também dizer que, nessa incorporação dessa norma, há uma preocupação interessante, no sentido de que nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada a esse pedido de divórcio, a exemplo dos alimentos, arrolamento e partilha de bens ou medida protetiva, para não se imaginar que, levando-se ao assento esse divórcio aí, não vai pagar alimentos. Não, não funciona assim.
Então, há uma preocupação nessa incorporação - já foi colocado isso.
Outro ponto também que eu destaco aqui é que há uma preocupação da Comissão, Ministro Salomão, em tentar absorver aquilo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em especial, já estava consolidando, e um ponto que eu creio ser voz comum em nossa Comissão diz respeito à necessidade de uma regra legal quanto aos efeitos da separação de fato, que é algo que já estava na jurisprudência do STJ desde o posicionamento emblemático do saudoso Ministro Ruy Rosado de Aguiar e, posteriormente, consolidado em decisões do Ministro Salomão, Ministra Isabel Gallotti... Tenho até uma mencionada aqui.
Então, haverá proposta de uma regra, de uma norma a um parágrafo, ao 1.571 - lembrando que essa sugestão aqui ainda vai ser objeto de um crivo, de uma discussão, no sentido de que, com a separação de fato, cessam os deveres de fidelidade e coabitação, bem como os efeitos decorrentes do regime de bens, resguardado o direito aos alimentos, na forma do art. 1.694.
Quer dizer, é algo vai ao encontro do reclamo do brasileiro, porque um núcleo matrimonial falido e rompido pela separação, de fato, não poderíamos ignorar isso. A lei não pode ignorar isso.
E, para finalizar, Ministro, eu queria dizer o seguinte: os desafios são muito grandes aqui, e eu posso dizer que a doutrina civilista brasileira é uma das melhores do mundo.
Há alguns anos, eu fiz um estudo no Direito de Família alemão e afirmo, com toda convicção, que o nosso Direito de Família, a nossa doutrina é muito mais avançada do que a alemã, na minha opinião acadêmica, e eu digo isso para homenagear a doutrina e colocar o seguinte: nem tudo o que nós, doutrinadores, colocamos é de fácil solução quando você elabora uma norma. Então, vou lhes dar um exemplo final - tenho 1 minuto e 40, mais 1 minuto que eu comprei da Comissão de Direito Digital -: a questão da culpa.
A questão da culpa, com absoluta razoabilidade, é criticada pela doutrina familiarista moderna. Eu sou um deles, o Prof. Flavio Tartuce... Só que o banimento da culpa, de uma forma absoluta, genérica, por exemplo, no campo dos alimentos, não é algo simples de ser feito. Não é algo simples.
Imagine, por exemplo, Prof. Aguirre, um marido - colocação feita pelo senhor há dez minutos antes desta reunião para mim, corroborando a posição que eu lhe colocava -, um marido que, dolosamente ou atuando com culpa grave, transmite à esposa uma doença venérea grave. Ela, então, é condenada a pagar a ele alimentos côngruos.
Qual o sentido disso? Como é que você explica isso para o brasileiro? Esse é um ponto importante.
Encerrando...
Esse código não é feito para uma elite acadêmica de Direito Civil; é feito para a sociedade brasileira. E essa preocupação... (Palmas.)
... nós estamos tendo, Ministro.
Muito obrigado a todos e me desculpem por ter passado um pouco do tempo.
Querido Ministro Salomão, muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Pablo, muito obrigado pela exposição e também pelo trabalho que a Subcomissão, uma das mais demandadas pela atualidade, pelos impactos das modificações da sociedade... Uma das mais demandadas, mas tenho certeza de que vai se sair muito bem, vai entregar um belo dum trabalho.
Agradeço, então, à Subcomissão de Direito de Família, que é composta pelo Pablo, Berenice, Buzzi e Rolf Madaleno.
Vamos agora para o Direito das Sucessões - estamos andando bem, dentro do nosso tempo... O Direito das Sucessões...
Quanto à Subcomissão, o Relator parcial é o Prof. Mario Delgado, integrada pelo Ministro Cesar Rocha, pela Profa. Giselda Hironaka, pelo Prof. Gustavo Tepedino.
Vai fazer a síntese da Subcomissão o Prof. Mario Delgado, que eu convido para os seus dez minutos.
O SR. MARIO LUIZ DELGADO RÉGIS - Sr. Presidente Ministro Salomão, na pessoa de quem cumprimento todos os demais integrantes dessa mesa, demais colegas que integram esta Comissão e todos os presentes aqui nesta audiência pública, que marcam uma característica desta Comissão, conforme orientação do Ministro Salomão, que é estar exatamente aberta às contribuições da sociedade em geral, até porque o Código Civil, que é, como dizia o Prof. Miguel Reale, a nossa "Constituição do cidadão", tem por destinatários a sociedade, e, por isso, é imprescindível essa comunicação da Comissão com a sociedade.
E, dentro dessa linha de orientação, a nossa Comissão de Direito das Sucessões deliberou, junto aqui, nós, com a Profa. Giselda Hironaka, Prof. Gustavo Tepedino, o Ministro Cesar Rocha, nós deliberamos em eleger alguns pontos que são objetos das maiores dúvidas em relação a este ponto: realizar reuniões abertas.
A nossa Subcomissão tem feito reuniões públicas abertas não só a convidados externos, mas também transmitidas pelo YouTube.
Fizemos a primeira dessas reuniões no último dia 17, aqui em São Paulo, no Instituto dos Advogados, para tratar de herança digital, e fizemos juntamente com a Subcomissão de Direito Digital, com a Dra. Laura, que esteve presente, e ouvimos especialistas desse tema de todo o Brasil, especialistas convidados pela nossa Subcomissão de Sucessões e também pela Subcomissão de Direito Digital.
Recebemos sugestões importantíssimas, imprescindíveis para o nosso trabalho, porque é um tema com o qual a maioria de nós, civilistas, tinha pouca familiaridade.
É um tema extremamente novo, mas extremamente importante e que não pode deixar de ser regulado - e o Prof. Desembargador Marco Aurélio tocou nessa questão, dos bens incorpóreos...
É um tema que precisa também dialogar com parte geral e com direitos reais.
E, dentro dessa proposta e dentro dessas sugestões que foram recebidas nessa reunião aberta, está exatamente a divisão ou uma classificação entre os bens digitais, aqueles de conteúdo econômico e que, portanto, podem ser transmissíveis por sucessão hereditária, e aqueles que não têm conteúdo econômico de natureza personalíssima que não poderiam, a princípio, ser transmitidos por sucessão.
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Então, a discussão está dentro dessa linha, e a reunião aberta com especialistas foi bastante relevante para nós avançarmos nesse debate.
Nós vamos fazer agora, na próxima semana, próxima segunda-feira, uma segunda reunião aberta, pública, novamente na sede do Instituto dos Advogados de São Paulo, que nos franqueou aqui em São Paulo as instalações e o equipamento para transmissão via internet, via YouTube.
Nós vamos realizar essa reunião para discutir especificamente a questão da sucessão na reprodução assistida, notadamente a questão da reprodução assistida post mortem, ou seja, definir a questão da legitimidade sucessória dos filhos havidos após a abertura da sucessão.
Hoje a gente tem uma regra no Código Civil que diz que só são legitimados a suceder aqueles que já estão concebidos na data da abertura da sucessão.
E nós temos, então, as situações em que a própria concepção ocorre após a abertura da sucessão. Então, precisamos definir quais são os direitos, especialmente direitos sucessórios, desses filhos.
Existem já algumas propostas no sentido, primeiro, de condicionar a existência do direito sucessório a um prazo, então apenas os havidos dentro de um determinado prazo após a abertura da sucessão teriam direito sucessório.
E outra questão importantíssima, que inclusive foi objeto de um acórdão paradigma do Ministro Salomão, diz respeito ao requisito da prévia autorização em vida dos pais, dos genitores, do doador do material genético, para que aquele filho havido após a morte tenha direito sucessório.
Essa é uma questão fundamental a ser definida e que dialoga também com a Subcomissão de Direito de Família, em que a gente tem a famosa regra das presunções de paternidade em relação a esses filhos havidos por reprodução assistida.
E, por isso, a necessidade, portanto, de a gente fazer essa reunião aberta, de forma ampla, com especialistas, não só do Direito Civil, mas também do direito médico. Nós convidamos alguns especialistas em reprodução assistida também para ouvi-los sobre essa questão. Então essa reunião vai ocorrer na próxima segunda-feira, dia 30, aqui em São Paulo.
A terceira reunião, que vai ocorrer em novembro, diz respeito a um outro tema, que é um dos eixos fundamentais da nossa Comissão, que é ampliar a autonomia privada na sucessão, ampliar as hipóteses de planejamento patrimonial e sucessório.
E, para isso, há propostas no sentido de introduzir entre nós a sucessão contratual, aliás, já existe essa forma de sucessão nas sociedades limitadas. Profa. Paula, já falamos sobre isso, sobre o art. 1.028 do Código Civil, que trata da sucessão das cotas sociais, e a gente pretende, não só em relação a cotas, mas a outros temas, por exemplo, o fideicomisso. Nós temos uma proposta que está sendo construída dentro da nossa Comissão, com o auxílio de professores que têm teses sobre o tema, como a Profa. Claudia Stein, e há a proposta de se revigorar o fideicomisso para que ele seja efetivamente um instrumento de planejamento sucessório.
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Então, essa terceira reunião vai ocorrer na cidade do Rio de Janeiro, no dia 6 de novembro, na sede do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Ainda em novembro, nós faremos uma quarta reunião aberta para tratar da delimitação das áreas de regulação entre Código Civil e Código de Processo Civil. Hoje, nós temos graves conflitos em alguns temas, como, por exemplo, o tema da colação, que está tratado no Código Civil e no Código de Processo Civil. Nós temos a intenção de sugerir, eventualmente, até revogação de dispositivos do Código de Processo Civil que estejam em conflito com matérias que são típicas do direito civil, como é o caso da colação.
E, finalmente, a última reunião aberta que nós pretendemos realizar no início do mês de dezembro, previamente à entrega do nosso sub-relatório para os Relatores-Gerais, vai tratar sobre o tema mais polêmico do direito das sucessões, que é a questão dos direitos sucessórios de cônjuges e companheiros. Nós precisamos definir, primeiro, se vamos manter a concorrência sucessória do cônjuge e do companheiro, se vamos mantê-los na condição de herdeiros necessários. Então, só para se ter uma ideia, nós temos propostas as mais diversas. Uma proposta é retirar a concorrência, ou melhor, manter a concorrência e retirar da condição de herdeiro necessário. A outra proposta é retirar a concorrência e manter na condição de herdeiro necessário. Há propostas, ainda, que pretendem ampliar a proteção ao cônjuge e ao companheiro em situações de vulnerabilidade. Então, é uma outra proposta alternativa, ou seja, mantém a condição de herdeiro necessário aos vulneráveis, apenas, a cônjuges e companheiros com vulnerabilidade.
Então, são diversas as propostas que estão na mesa, que recebemos através das sugestões e estão sendo discutidas na doutrina, e por isso, em relação a esse tema, nós precisamos de uma reunião aberta, de uma reunião mais ampla para ouvir exatamente essas contribuições.
E, finalizando, dentro do tempo, Ministro, só quero lembrar que tanto nós como as demais Comissões precisamos nos preocupar também com o livro complementar do Código Civil, que não é objeto de nenhuma Comissão, mas que traz dispositivos de direito transitório, de direito intertemporal, que atingem todas as áreas do Código e nós temos também proposta em relação aos dispositivos de direito das sucessões que estão lá.
Eram essas as informações que eu tinha sobre a nossa Comissão.
Agradeço mais uma vez a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Muito interessante, Mario. São temas realmente espinhosos também, uma das Subcomissões também que merece uma atenção muito especial pelos avanços da sociedade também nesse campo.
Então, eu cumprimento o Mario, o Ministro Asfor Rocha, a Profa. Giselda e o Prof. Gustavo Tepedino.
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Para um relato da última Subcomissão de Direito Digital, integrada pela Laura Porto, Ricardo Campos e Laura Schertel, eu vou convidar a Laura Porto para seus dez minutos de exposição.
Vou lembrar aqui que participam remotamente desse nosso encontro o Ministro Marco Belizze; o Prof. Ricardo Campos; o advogado do Senado que se incorporou à nossa equipe para assessoria direta aos Relatores, Dr. Pedro Gualtieri, que vai dividir esse trabalho com o consultor Bruno Lunardi.
Nós temos ao todo aqui 38 integrantes da nossa Comissão, somente poucos não estão participando hoje, justificaram a ausência, mas a grande maioria está aqui acompanhando os nossos trabalhos, tanto de resumo de cada uma das Subcomissões, como na sequência, a exposição dos juristas que foram convidados para essa segunda parte.
Vamos concluir, então, com a Laura Porto, que tem a palavra.
O SR. LAURA PORTO - Bom dia a todos, a todas. Quero agradecer a presença de todos aqui, quero agradecer por participar desta Comissão mais uma vez. Agradeço ao Ministro Salomão e aos nossos ilustres Relatores.
Eu já quero começar aqui dizendo que é uma alegria participar dessa conexão, dessa conversa que nós da Subcomissão de Direito Digital estamos tendo com todas as demais Comissões. Conforme eu falei na última reunião, é de suma importância essa interconexão das Subcomissões e todos os senhores estão sempre abertos para a nossa conversa e nós também. Eu me coloco mais uma vez à disposição com quem oportunamente a gente ainda não tenha falado. Então, essa conversa, sem dúvida, é essencial.
Conforme já foi falado aqui, tivemos essa reunião para falar da questão da herança digital e, como eu falei na outra, vou repetir, seria um pouco redundante, mas é um fato, nós da Subcomissão de Direito Digital temos muitos assuntos, microassuntos que impactam todos os demais livros e todas as demais Subcomissões.
Então, estamos realizando diversos estudos sobre todos os temas, jurisprudência, direito comparado. Nós - infelizmente ou felizmente, não sei, é uma novidade aqui - estamos criando do zero tudo isso. Então, nós temos que, de fato, nos debruçar muito no estudo.
Então, conforme a nossa querida Relatora também nos pediu, nós estamos fazendo, realizando também questões conceituais que são muito importantes para que nós consigamos desenvolver o pensamento em todos os demais livros. Então, não só esses micropontos, que eu vou até citar alguns aqui, em que estão realizando os estudos, alguns nós estamos finalizando.
E eu quero dizer que só vamos apresentar, de fato, um relatório final, algo final, após a última audiência pública, após fechar o prazo para recebermos as recomendações e sugestões, porque, obviamente, nós queremos ouvir todos, nós não queremos realizar nada sem que todos tenham dado suas opiniões, todos tenham mandado suas devidas sugestões. Então, queremos, sim, ouvir todos vocês.
Inclusive, faço aqui mais uma vez o convite para que mandem sugestões. Eu entrei ali em todas as sugestões, não temos nenhuma de direito digital. Eu fiquei um pouco chocada. Como assim, não tem? As pessoas me mandam direto, mas não estão mandando para lá. Então, eu quero convidar todos mais uma vez para que mandem essas sugestões de temas.
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Então, para que os senhores saibam quais temas nós já estamos desenvolvendo, estamos realizando todos esses estudos. E alguns, realmente na parte final já desses estudos, nós temos: assinatura eletrônica, herança digital, direito da personalidade, "tokenização" e registro imobiliário, uma discussão sobre um provimento do próprio CNJ, uso de inteligência artificial, direito ao esquecimento, contratos, IA e algoritmos, provas, responsabilidade civil... Me falta ar! (Risos.)
Os senhores estão rindo! Exatamente, essa é a sensação. São muitos temas, e nós precisamos nos aprofundar muito em cada um deles antes de, de fato, termos uma proposta, porque isso vai realmente impactar, como disse nosso querido Pablo Stolze, a vida de todos, da população, e nós precisamos pensar nesse impacto no dia a dia.
Inclusive, sobre essa questão do impacto do dia a dia, eu queria até, inclusive, falar sobre a importância do diálogo com os diversos setores. Nós estamos promovendo vários diálogos, e, inclusive, queria até conversar com a Dra. Paula, que estava dizendo sobre essa questão, para talvez nos unirmos nessas reuniões e, com todas as cooperativas, possamos conversar também dessa parte de direito digital e não ficar algo separado, já que vamos realizar tudo isso juntos. Essa interconexão é muito importante.
E da própria última reunião que nós tivemos, essa reunião aberta sobre herança digital, muitos pontos importantes foram levantados, inclusive, eu já marquei essa semana uma reunião com a Meta, para que a gente possa entender quais são as possibilidades de ação da própria empresa. Então, para quem não viu, acredito que todos tenham visto, mas caso alguém não tenha visto, está lá no YouTube da Iasp esse debate que nós tivemos sobre herança digital.
E nós dividimos herança digital - nós não, a maior parte da doutrina tem essa divisão; tem outra que pensa na divisão da herança digital como um bloco, como um todo, então estamos ainda discutindo -, e eu me fiz essa pergunta no meio do evento, falei: "Legal, vamos aqui trazer uma recomendação, o que deve ou o que não deve passar, o que deve ou não deve ser feito, como um Instagram público, um Instagram privado, uma rede digital, mas e a empresa - porque estamos ali dentro, por exemplo, aqui do Facebook, do Instagram, do WhatsApp, são todos a mesma empresa -, como que eles efetivamente conseguem prestar esse serviço?". Realmente, como o Dr. Pablo falou, não adianta que a gente coloque isso num texto de lei, sendo que a empresa, que é a principal ali, não consiga efetivar essa transmissão. Por isso, mais uma vez, eu reitero a importância dessa conversa e dessa interconexão, inclusive com os setores privados, que estão totalmente ligados com esse tipo de discussão.
Bom, o que eu tinha para falar era isso, estou deixando aqui quatro minutos que vão sobrar, mas como eu vendi um para o querido Pablo...
Mais uma vez, eu me coloco 100% à disposição, não só de todas as demais Subcomissões, que nós já estamos totalmente integrados. Quero inclusive agradecer aos demais participantes da minha Subcomissão, à Laura Schertel Mendes e ao Ricardo Campos, que estão me ajudando, estamos nos ajudando muito. Sem eles não conseguiríamos produzir absolutamente nada, então é uma honra estar ao lado deles e ao lado de todos vocês.
Eu fico à disposição. Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Laura. A Subcomissão, volto a dizer, do Ricardo Campos, da Laura Schertel e da Laura Porto, realmente faz a interface com vários outros temas, alguns espinhosos, como foi dito aqui, mas estão fazendo um trabalho de integração, de comunicação entre as diversas Subcomissões. Muito interessante, parabéns pelo trabalho.
Antes de passar a palavra para os Relatores, eu vou ouvir o Vice-Presidente, o Ministro Belizze, que acompanha os nossos trabalhos. E a próxima audiência pública ele vai conduzir.
Eu passo a palavra, então, ao Ministro Belizze para suas considerações.
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O SR. MARCO AURÉLIO BELIZZE (Por videoconferência.) - Bom dia a todos os colegas.
Cumprimento a todos, na pessoa do meu querido amigo e Presidente da Comissão, Ministro Salomão.
Meus cumprimentos aos Coordenadores-Gerais, Profa. Rosa, Prof. Tartuce, Dra. Lenita, já tão falada, que faz esse meio-campo com total tranquilidade e competência.
Cumprimento todos os integrantes de todas as Subcomissões - não conseguiria nominá-los no pouco tempo, não comprei o tempo lá sobrando aí da Comissão que estava oferecendo os seis minutos. Mas, primeiramente, queria parabenizar e agradecer à OAB de São Paulo, que recebe a todos com total carinho e proporcionando todos os meios para esta audiência pública, que, eu confesso, estou impressionado com a dimensão e com o trabalho de todas as Comissões.
Minhas palavras são só de agradecimento ao Ministro Salomão, de parabéns às Subcomissões, o trabalho está andando de forma segura, coerente, todo mundo conversando. E eu espero... Hoje não estou presente em função de uma sessão no Conselho da Justiça Federal, em cuja pauta tem cinco processos meus, eu estou no final já da gestão no Conselho, então não poderia deixar de votar os meus processos.
Eu parabenizo o trabalho de todas as Comissões e especialmente o Ministro Salomão, que, junto com os Subcoordenadores, os Coordenadores-Gerais e a Dra. Lenita estão regendo essa obra de muitas mãos, mas que está sendo realizada com muita competência.
Espero encontrá-los nas próximas duas audiências que teremos, em Porto Alegre e em Salvador.
Era isto, Salomão: queria dar um alô a todos, agradecer e parabenizar a todos pelo trabalho, que, certamente, muito contribuirá para que o cidadão seja completamente atendido por essa Constituição do cidadão comum, que é o Código Civil.
Muito obrigado e bom prosseguimento da sessão aí, da audiência com a oitiva dos especialistas, que certamente trarão contribuições fundamentais para o trabalho.
Muito obrigado. Bom trabalho.
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Agradeço ao Ministro Belizze pelo apoio que tem dado à nossa condução dos trabalhos aqui.
Vamos agora fechar essa parte com os Relatores. Quem começa? Profa. Rosa.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY - Professor, Desembargador, Ministro Salomão, meu abraço a todos os queridos que nos ouvem. É um prazer estar aqui. No ontem da nossa experiência civil, o Prof. Orlando Gomes, de quem o nosso prezado Prof. Edvaldo é seguidor, apontou seis pontos que ele considerava como sendo de grande interesse para os nossos estudos. Isso há 40 anos.
Ele supunha que o direito civil viesse a ser muito impactado pelo direito constitucional; que haveria necessidade da modernização da família; que haveria um giro da propriedade da família para a empresa; que haveria uma crise de autonomia privada; que haveria a transição da responsabilidade civil para o contrato de seguro e que haveria a marginalidade do direito das sucessões.
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O ontem é hoje. E agora nós estamos vivenciando todas essas impactantes observações que um grande mestre fez a respeito do direito civil e temos que reconhecer que muito do que ele previu aconteceu. Muito do que ele previu aconteceu, mas está tomando um rumo diferente, um rumo de certa maneira surpreendente. E até mesmo com relação à temática da nossa Comissão de atualização, os senhores já perceberam que de atualização nós não estamos tratando apenas. Nós teremos uma modificação, de certa forma, significativa de todos os livros do Código Civil, ainda a criação de um novo e talvez até a criação de um novo livro de responsabilidade civil, porque a própria divisão da Subcomissão já acena para essa possibilidade.
Então, nós vemos a perspectiva de um estudo profundo, muito profundo, que faz com que os Relatores-Gerais, no meu caso especialmente, fiquem atônitos, preocupados, mas desafiados a um estudo constante e cuidadoso. Eu posso lhes dizer que, ouvindo todos os senhores sub-relatores, já percebi que tempos difíceis me aguardam. Disso eu tenho pleno conhecimento e até fico surpreendida de que nós estejamos tão calmos, o que era caso de uma providência. (Risos.)
Então, eu gostaria de dizer a todos que se sentiram provocados com as modernidades que aqui nós vivenciamos, na fala de cada um desses expositores tão precisos, que essa preocupação e essa surpresa não nos espantam sob o ponto de vista do trabalho que vamos ter, mas nos põem ao estudo profundo e à responsabilidade máxima para o exercício dessa função.
Então, de mim o que esperar? Responsabilidade, responsabilidade e responsabilidade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Muito obrigado, Profa. Rosa Nery. É reconfortante tê-la aqui, nessa relatoria. Fico muito contente.
Conhece aquela piada do otimista, não é? Ele pula do 30º andar, e, na altura do 10º, alguém pergunta: "Como está aí?". Ele diz: "Até aqui, está tudo bem". (Risos.)
Agora o Prof. Flávio Tartuce.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Bom dia, quase boa tarde. Boa tarde já a todos os advogados, colegas, magistrados, também às colegas advogadas, àqueles que nos assistem pelo YouTube.
Vou pedir só para começar o meu tempo, porque, senão, me excedo e quero falar nos dez minutos, por favor.
É uma grande honra, primeiramente. Fiz questão de subir aqui à tribuna. Quantas vezes já estive aqui, em reuniões do conselho, palestras e também representando a Escola da Advocacia?
Quero dizer a todos vocês que é uma grande honra a OAB-São Paulo participar deste debate. Isso coloca a advocacia paulista e a OAB-São Paulo no centro da discussão nacional.
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É uma grande honra para todos nós do Conselho. E digo aqui, na pessoa da Isabela Castro, que está aqui na primeira cadeira, que é Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-São Paulo, que é civilista. Para nós é uma grande honra aqui da OAB-São Paulo receber essa primeira audiência pública.
Quero agradecer à Diretoria, que não mediu esforços para nos receber, na pessoa da locomotiva da OAB-São Paulo, que é a Daniela Magalhães, para quem eu peço uma salva de palmas por todo esse trabalho. (Palmas.)
Quero agradecer também a toda a equipe da OAB-São Paulo, agradecer ao Senado, à Lenita, que tem se empenhado bastante. E um colega disse aqui que eles participam de outros grupos complicados, mas eu acho que o nosso grupo é o mais complicado e o que chama mais responsabilidade de todos, porque, afinal de contas, nós vamos mudar aqui, como foi dito já por alguns, questões que dizem respeito à vida das pessoas. E vejam que a nossa sessão teve início com uma penalista, nossa Presidente, a Patrícia Vanzolini, reconhecendo que o Direito Civil é mais importante que o Direito Penal, o que para nós civilistas é muito importante. (Palmas.)
Porque esse debate tem até meme na internet: civil é mais legal que penal; penal é mais legal que civil... Uma das maiores autoridades, uma das maiores lideranças da advocacia do Direito Penal diz que o Direito Civil é mais importante que o Direito Penal. Então, hoje nós tivemos uma revolução já na abertura dos nossos trabalhos.
Bom, Ministro; Professora Rosa; demais Ministros aqui presentes, nós temos feito, eu e a Professora Rosa... A Professora Rosa foi minha professora de especialização, fez parte da minha banca de doutorado, nós temos trabalhado com uma sintonia muito boa. Ela é essa grande mestra, uma grande professora, e tivemos, semana passada, um evento na ESA, a primeira aula magna, em que nós tivemos já debates importantes e algumas alterações do Código Civil. A Professora Giselda esteve lá e destacou - a Professora Rosa também disse isso, e a Professora Giselda também - os temas de consenso.
Nessa nossa visão inicial, eu acredito que em 70% a 80% do que vai ser efetivado de mudança, há consenso. Nós temos divergência talvez no máximo de 20%. E se a gente fizer só a mudança dos 80% do que a gente concorda, já basta, razão pela qual nós temos aí um trabalho que, na minha opinião, é de muita tranquilidade, porque se a gente mudar só o que há de consenso... A Professora Giselda, nesse evento, dizia de mudanças nos testamentos, alteração do fideicomisso, que não tem hoje nenhuma função; só mudar essa parte já é uma revolução em matéria de Direito das Sucessões. Mas não vai ser só isso.
Nós temos acompanhado, eu e a Professora Rosa, os grupos, as reuniões, participado das reuniões que são efetivadas pelas subcomissões... Eu participei, na véspera do feriado, por exemplo, da Comissão de Direito da Família, que vai muito bem. Eu acabei de dar uma entrevista, porque é claro que, muitas vezes, a imprensa quer que a gente destaque um tema, mas da parte da relatoria, todos os livros são importantes; não existe um livro mais importante do que o outro, não existe um livro com mais mudanças do que outro - todos os livros têm temas de relevante importância, todos eles sem exceção. E, repito, se a gente efetivar só aquilo em que já há consenso, vamos trazer aqui grandes avanços para a sociedade brasileira.
Então, temos acompanhando as Comissões, lembrando aqui que o Ministro Salomão pediu que eu lembrasse o cronograma. Até o dia 3 de novembro, as entidades que foram oficiadas precisam mandar as propostas.
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Eu destaco, além da Comissão de Direito Civil: o Prof. Nestor, que deve ser o primeiro a falar depois da minha fala, já montou um grupo de trabalho; o Iasp também já tem grupo de trabalho; o IBDcont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual) tem recebido propostas. Acredito que o Prof. Maurício Bunazar trará aqui algumas, com texto de lei.
Semana passada, eu não pude participar, mas eu assisti a toda a audiência pública - a audiência pública não; a reunião pública - do Iasp. Assisti toda ela, com a oitiva de vários especialistas. Vi lá que a Profa. Laura esteve presente. Já há busca de uma redação. Semana passada, eu participei de um evento do IBDcont da Paraíba. O Prof. Pablo Malheiros, que participou, já tem um texto pronto.
Eu até, Ministro, tenho feito uma brincadeira, porque os acadêmicos têm o costume de fazer provocações: "Ah, vou fazer uma provocação". Eu gostaria de dizer que, neste momento, a gente não quer provocação; a gente quer texto de lei. Nós estamos precisando de texto de lei, não de provocações. Eu acho que da fase das provocações nós já passamos. Então, estamos recebendo propostas.
Eu quero destacar também essa nossa constante interação, Profa. Rosa, com os sub-relatores. O Rodrigo Mudrovitsch recebeu propostas muito interessantes da parte geral, algumas aí, formuladas pelo Prof. Fredie Didier, que interessam ao direito processual, propostas muito interessantes.
E os eventos que estão ocorrendo em todo o país nós temos acompanhado constantemente.
Também, em relação ao cronograma, no dia 15 de dezembro, nós vamos receber os textos finais.
E eu quero dizer, falando para encerrar, falando de vários dos Relatores e também da minha parte, que o que se trata aqui é de uma missão de vida: é o momento mais importante, para nós, da nossa vida acadêmica, pessoal e profissional. Nós vamos mudar o Código Civil. Então, tenham aqui - acredito que da parte de vários aqui - um comprometimento total. Desde essa nomeação, da minha parte, essa é a meta número um da minha vida. Minha vida vive em função desse compromisso de alteração do Código Civil.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Obrigado, Professora. A Profa. Giselda também disse: "Da minha também".
Então, acho que para esta missão todos nós estamos preparados - fisicamente, intelectualmente, mentalmente -, para entregar, ano que vem e depois das votações, o melhor projeto possível - que virá!
E eu quero encerrar, dentro do tempo, porque eu ainda tenho três minutos... E eu acabei de trocar algumas mensagens com o querido amigo Presidente do Senado, o Rodrigo Pacheco, que está à frente dessa jornada. Nós temos uma das maiores lideranças do Congresso Nacional - e eu disse isso naquele nosso evento, em que a Comissão foi anunciada aqui, em São Paulo -, que recentemente fez algumas das leis mais importantes deste país, que é o Senador Rodrigo Pacheco - a Lei da SAF, a Lei do Superendividamento; atuou na Lei da Liberdade Econômica, atuou também no Rjet - e o nosso Presidente, o Ministro Luis Felipe Salomão, porque essa questão da história do que a pessoa fez nos últimos tempos é implacável. Nós do direito civil sabemos que a história se repete, Prof. Venosa. O Ministro Salomão foi Relator da reforma da lei relacionada à arbitragem e fez o marco civil da mediação, entre tantas outras normas. Do ponto de vista do CNJ, já foi feita uma revolução. Todos os provimentos foram consolidados num código de normas nacional.
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Então, tenham certeza - e eu falo isso muito abertamente -: nós temos uma equipe fantástica e temos lideranças que são as melhores possíveis para fazer uma reforma do Código Civil que atinja - como disse aqui o Pablo Stolze, e eu, fui eu que chamei as palmas - que não será uma reforma feita para a elite intelectual; será uma reforma feita para transformar e melhorar a nossa sociedade.
Muito obrigado, é uma honra, e vamos aos trabalhos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Muito obrigado, fico muito feliz de ter como Relatores, tanto a Profa. Rosa Nery, como o Flávio Tartuce.
Agradeço as palavras gentis, e quero dizer dessa sorte que tenho. O destino, às vezes, coloca para a gente esses enclaves onde a gente fica muito tranquilo, apesar da responsabilidade, da responsabilidade, da responsabilidade, mas o destino coloca pessoas seguras, firmes, competentes para tocar essa tarefa, que é uma tarefa, sem dúvida nenhuma, Flávio, das mais relevantes que todos nós aqui que integramos esta Comissão temos nas nossas vidas.
Mais uma vez, muito obrigado a ambos os Relatores.
Quero, na sequência... Acho que ainda temos um tempinho antes da concorrência com o almoço, acho que ainda temos um tempinho para começar a ouvir os especialistas nessa segunda parte, que é propriamente a audiência pública da Comissão com a presença dos seguintes convidados: o Prof. Nestor Duarte; a Profa. Cíntia Rosa Pereira; o Dr. José Roberto de Castro Neves; o Desembargador Sílvio de Salvo Venosa; o Prof. Maurício Bunazar; o Francisco Loureiro, Desembargador do Tribunal de Justiça; o João Ricardo Brandão Aguirre Prof. de Direito Civil da Mackenzie; a Profa. Juliana Pela; a Profa. Juliana Abrusio; a Profa. Ana Cláudia Scalquette; e a Dra. Profa. Ana Luiza Nevares. Esses serão os nossos convidados para a exposição nessa segunda parte.
De antemão, agradeço a todos o esforço de poderem estar aqui e participarem, para nós é muito relevante. Não imaginam o quanto essa contribuição de tantos especialistas de renome e de qualidade qualificam o trabalho da nossa Comissão.
Vamos começar a ouvir o Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Professor Nestor Duarte, com o tema parte geral.
Convido o professor para vir à tribuna. (Palmas.)
Cada expositor com dez minutos também para a exposição do seu tema.
Muito obrigado, Prof. Nestor.
O SR. NESTOR DUARTE - Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, que tão bem conduz essa difícil empreitada; Exmos. Srs. Relatores, Professor Flávio Tartuce e Profa. Rosa Maria de Andrade Nery; diletos amigos; a Dra. Lenita, que já recebeu tantos e merecidos encômios; senhoras e senhores.
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Serei breve e inicio dizendo que a parte geral não demandará grandes modificações. Talvez precisará de alguns acréscimos, em virtude até mesmo de novidades da parte especial, como já mencionou o nosso estimado Prof. Mário Delgado, que, tratando do direito das sucessões, mencionou a hipótese de vir a existir o tangenciamento da prole eventual e a demandar, evidentemente, uma mudança nas questões referentes à pessoa; do mesmo modo, na parte dos bens, relativamente ao que vier a se dispor sobre o Direito Digital. Mas não há como falar dessas possíveis alterações da parte geral sem que antes a parte especial esteja definida. Por isso, então, vou me ater ao que existe e que, ao meu sentir, modestamente, deveria ter alguma alteração.
O art. 5º, inciso III, em lugar de "emprego público", que já vinha de algum tempo, deveria passar a se mencionar o "cargo público", porque, se é efetivo, é cargo, e não emprego. O emprego está ligado à CLT, e o cargo, ao Direito Administrativo. Quero crer que o legislador quis se referir ao cargo efetivo, senão não teria mencionado a efetividade.
No art. 9º, inciso III, há interdição por incapacidade relativa apenas, pois está, no texto atual, incapacidade absoluta ou relativa. Ora, se apenas os menores de 16 anos são absolutamente incapazes, a interdição já não cabe para eles, já estão sob o poder familiar ou sob tutela. De modo, então, que se deve suprimir a expressão "incapacidade absoluta", deixando apenas a "incapacidade relativa".
No art. 10, em que se fala na averbação em registro público, há uma omissão no tocante à união estável. O texto atual não dispõe sobre a união estável, que é reconhecida como entidade familiar. Eu sugeriria que se emendasse o inciso I, para que sejam registráveis também sentenças declaratórias ou escrituras públicas de união estável e de sua dissolução, bem como das sentenças ou escrituras públicas de dissolução de sociedade conjugal e do divórcio, abarcando, portanto, tanto as modalidades judiciais como extrajudiciais e acrescendo a união estável.
No art. 16, que dispõe sobre o nome, uma novidade também no Código Civil, talvez merecesse um parágrafo único, em que a mudança e alteração do nome obedecerão à disciplina de legislação especial, que é a Lei de Registros Públicos. E já hoje não podemos falar que o nome é imutável, isso é uma ficção. O nome é mutável, dentro de certas limitações, mas não cabe em um código, a todo momento, fazer pequenas alterações. Então, ficaria para a legislação especial.
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O art. 92 mereceria um parágrafo. Por quê? O Código de 1916 se referia aos bens principais e bens acessórios: "Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal". Isso estava no art. 59, mas acredito que deva voltar, até para distinguir das pertenças que estão no art. 94 que não seguem a coisa principal. Já a coisa acessória segue a principal. Estaria feita a distinção, que me parece bastante oportuna.
Já aqui há uma questão de maior relevância no art. 198: "Também não corre a prescrição: I - contra os absolutamente incapazes".
Entretanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe para o rol de relativamente incapazes certas pessoas cuja vontade estão totalmente impossibilitadas de manifestar. Não vamos questionar que elas continuem como relativamente incapazes. Não há necessidade de fazer maior alteração e quero crer que nem oportunidade, nem possibilidade, dado tratar-se de um tratado internacional que foi internalizado.
De modo, então, que eu sugeriria: "Também não corre a prescrição: I - contra os absolutamente incapazes, bem como contra os relativamente incapazes de que trata o artigo 4º, III, enquanto não lhes for dado curador".
Quem são esses relativamente incapazes? Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Parece-me justo que contra eles também não corra a prescrição.
No art. 200, eu acrescentaria ou sugeriria acrescentar um parágrafo. É a questão do curso prescricional estancado quando o fato tiver de ser apurado no juízo criminal.
É justo, mas é preciso estabelecer um prazo. Talvez pudéssemos expor esta disposição: "Só se aplica depois de instaurado o inquérito policial ou com o recebimento da denúncia ou da queixa, retroagindo seus efeitos à data do ato, desde que não decorrido o prazo...". E eu sugeriria aqui cinco anos ou dez anos, que é o prazo máximo, porque senão ela se eternizará, o que não é o caso, e nem creio que tenha sido a vontade do legislador. Só lembrando que a prescrição criminal pode alcançar 20 anos, e isso está lá no art. 109, I, do Código Penal.
Mudanças também no art. 206: "Prescreve em três anos", e eu acrescentaria: "a pretensão de repetição de indébito e de ressarcimento por enriquecimento sem causa ou injustificado", como talvez se venha a dizer.
Mas hoje só está expresso o enriquecimento sem causa - acho interessante acrescentar -, e em três anos também, a pretensão de reparação civil por ilícito extracontratual, divisando-o do contratual, que ficaria no §5º: "em cinco anos, a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular e de reparação civil por ilícito contratual".
E, por último, no art. 212, eu acrescentaria ou sugeriria acrescentar um parágrafo a respeito do documento eletrônico que já é objeto de enunciado do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça, com a seguinte redação: "O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integralidade de seu conteúdo e que seja possível conhecer a sua autoria", já consolidado o entendimento nas discussões doutrinárias.
Sr. Presidente, são essas breves sugestões que modestamente trago a este evento.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Prof. Nestor, muito obrigado pela sua participação. Convido-o, inclusive, se tiver o texto escrito, a nos passar para a nossa reflexão e a publicar essas reflexões suas, porque esse tema, sobretudo o da prescrição, da decadência, certamente vão nos estimular ao debate.
Eu quero consultar a todos se eu posso, na sequência aqui... Por causa de voo e de terem que se ausentar, temos dois expositores: a Profa. Cíntia e o Dr. Castro Neves. Ouviríamos os dois, em torno de 13h30, 13h20, pararíamos, almoçaríamos e, em uma hora, voltaríamos para a sequência dos expositores.
Podemos fazer dessa forma? Fica bom?
No final das exposições, ainda teremos os debates para aqueles que quiserem prosseguir.
Então, se todos estiverem de acordo, sigamos assim: vamos convidar a Profa. Cíntia para sua exposição. Ela é Professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto e tem como especialidade o tema direito da personalidade e Direito Digital.
É um prazer recebê-la aqui entre nós. Sua contribuição vai ser muito importante.
A SRA. CÍNTIA ROSA PEREIRA - Muito obrigada, Ministro. É uma honra enorme poder participar destes debates.
Quero cumprimentar também a Profa. Rosa, que sempre que pode vai até Ribeirão Preto - sei que a agenda não é fácil para nos prestigiar lá na Faculdade de Direito da USP -, e ao caríssimo Prof. Flávio Tartuce também um cumprimento especial, que já há algum tempo vai também a Ribeirão Preto e agora tem promessas de comparecer lá novamente.
Então, é uma alegria muito grande rever aqui queridos amigos: a queridíssima Profa. Giselda, Angélica, Claudia Lima Marques, Ana Cláudia Scalquette, enfim, eu não poderia, não conseguiria nomear, porque o tempo urge e a gente precisa - Prof. Nelson Rosenvald também, querido amigo - finalizar aqui um tema que é um tema extremamente espinhoso, que é a tutela dos direitos de personalidade em ambiente digital. Isso porque nós vemos - nós estamos acompanhando alguns temas que foram objeto de debate, entre eles, o direito ao esquecimento, que resultou no Tema 786, no Supremo Tribunal Federal, e a gente sabe, e a caríssima Laura já mencionou, que esse é um objeto da Comissão de Direito Digital - que são temas em que o desenvolvimento dessas tecnologias emergentes colocam em xeque a efetividade dos direitos de personalidade.
Então, a minha fala aqui seria, primeiro, para destacar alguns direitos de personalidade importantes e a sua forma de tutela e, depois, alguma reflexão sobre pontos que a Comissão poderia tratar, dada esta importante oportunidade, para que os direitos de personalidade fossem, de forma eficaz, nesse ambiente digital.
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Então, o primeiro ponto que eu queria destacar é a dificuldade. Se antes era difícil a gente imaginar um rol taxativo de direitos de personalidade, inclusive lembrando os ensinamentos do Prof. Pietro Perlingieri, de que a pessoa humana é única e é o fundamento da tutela dos direitos de personalidade, mas as suas manifestações são multifacetadas. Então, é difícil a gente imaginar um rol taxativo dos direitos de personalidade, e, em ambiente digital, isso fica mais evidente.
E aqui eu quero destacar o direito ao esquecimento, que, nas minhas publicações, inclusive na pesquisa em pós-doutorado na Itália, é um direito importante, é um direito autônomo, como eu venho defendendo, há alguns anos, de personalidade.
Maximiliano Metizzanoti é um italiano que fala sobre a perspectiva histórica do direito ao esquecimento e ele menciona que é uma situação subjetiva, com ânimos de privacidade, mas corpos de identidade pessoal, ou seja, para que a pessoa não seja estigmatizada como aquela pessoa humana, naquele momento histórico da sua vida, e, na feliz expressão do Ministro Luis Felipe Salomão, o direito ao esquecimento tem, em seu fundamento, um direito à esperança de que o ser humano evolua, possa melhorar.
No entanto, como eu já escrevi sobre o tema, o direito ao esquecimento é uma figura caleidoscópica. A gente sabe que, desde o caso chacina da Candelária, em que direito ao esquecimento era pleiteado por envolvidos nesse lamentável episódio, eles, então, queriam se ressocializar. Para isso, esse fato deveria deixar de ser revivido dessa forma, como o caso Aída Curi, que repercutiu no tema 786, no Supremo Tribunal Federal, em que eram os parentes da vítima que pediam para o fato não ser revivido.
Então, é uma figura caleidoscópica. Por isso, acho difícil... Quando eu participei da audiência pública no Supremo Tribunal Federal, eu destaquei isto: é difícil a gente estabelecer requisitos ou uma regra geral que possa ser aplicada em outros casos, não é?
Então, eu acho que, como todos sabemos, o STF deixou, não eliminou totalmente o direito ao esquecimento do ordenamento jurídico, porque eventuais abusos podem ser analisados. Então, essa seria uma oportunidade para ora identificar como um dos direitos de personalidade, de forma exemplificativa, que seria um direito de personalidade dentre outros.
E, dentre outros, eu quero destacar também alguns direitos de personalidade que foram acentuados pela Lei Geral de Proteção de Dados. Então, o direito à desindexação, às vezes, é tratado como sinônimo do direito ao esquecimento, e não é. Direito à desindexação, no caso Google-González, que inicialmente era tratado como direito ao esquecimento, é, na verdade, um direito à desindexação que ele pede. É claro que, muitas vezes - e no caso Google-González -, esses direitos se tangenciam. Então, para quem não lembra, o González, um cidadão espanhol, se incomodou porque, há mais de dez anos, ele foi alvo, ele teve algum problema com a previdência social, e ele foi executado. Sua propriedade foi à hasta pública e, como tal, foi divulgada essa hasta pública em jornal de grande circulação. Mas, depois de dez anos, ainda digitando o nome dele nas ferramentas de busca, vinha essa informação. Ele pediu para a autoridade espanhola de proteção de dados, e a autoridade reconheceu que essas ferramentas de busca devem estabelecer um filtro para que essa informação não fosse assim resgatada.
Então, esse é um direito à desindexação e tem uma conexão com o direito ao esquecimento, claro, para ele não ser estigmatizado, como aquele devedor da previdência social naquele momento da sua vida, mas é o direito à desindexação. No caso da chacina da Candelária e da Aída Curi, nem internet é; é para evitar que o programa fosse transmitido. Então, é um direito ao esquecimento sem indexação.
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Indexar, na verdade, são robôs, programas de computadores que classificam informações resgatadas de fontes primárias a partir de parâmetros de buscas que a pessoa digita. E aí, conectando isso, um outro direito, que foi mencionado de forma en passant, digamos assim, no Tribunal de Justiça aqui de São Paulo, é o direito à desvinculação.
Vejam: um outro direito importante, que aqui, no caso, foi relacionado à Igreja Universal... Por quê? Nos aplicativos Google, quando se digitava "Templo de Salomão", vinculava, naqueles termos abaixo, "sinagoga de Satanás", outros termos pejorativos. Isso fruto de um "algoritmo bomba", que é assim denominado pela Google, mas tem outras ferramentas de busca. Por quê? Porque, quando muitas pessoas digitam... E, às vezes, as pessoas contratam programadores para, em fração de segundos, milésimos de segundos, ficarem digitando esses termos conectados, e o algoritmo cria a sugestão de que, geralmente quando se busca essa informação "Templo de Salomão", se associe àquela outra ideia.
E, aí, também o Tribunal de Justiça reconheceu, obrigando então a plataforma de busca a desenvolver um filtro, para que não fosse feita essa associação.
E nós temos outros exemplos de atrizes, cantoras, cujos nomes eram associados a uma outra característica que incomodava. Não se chegou a judicializar o caso, mas isso é importante para se efetivar direitos, como a identidade pessoal, e para o próprio desenvolvimento da pessoa humana.
E, daí, a minha pergunta - e, na verdade, essa pergunta seria mais no sentido de oferecer, ao final, uma sugestão - é: essa tutela de personalidade veio muito... A desindexação, por exemplo, na Lei Geral de Proteção de Dados, a gente tem um fundamento claro lá, porque, se a pessoa, o titular de dados, revoga o consentimento, então ele pode se opor a essa indexação. Ao se opor à indexação - inciso IX do art. 18 da LGPD -, ele exerce o seu direito à desindexação. Isso é claro lá.
O que não fica claro, muitas vezes, é o parágrafo único do art. 12, que eu acho que pode ser um dos principais problemas dos direitos de personalidade em ambiente digital. Principal problema por quê? A tutela post mortem dos direitos de personalidade.
No Brasil, a proteção de dados foi fortemente influenciada pelo Direito europeu, e, aqui, o Direito europeu teve uma reunião de um setor, de um órgão específico de proteção de dados - hoje é o Data Protection Board -, mas a pergunta foi feita, e foi então escrita uma resolução se os direitos de personalidade post mortem, no caso proteção de dados, podem ser reconhecidos. E, nessa resolução, veio que "não", a resposta foi "não". Então, a pessoa morta não teria direito à proteção de dados, posição com a qual eu não concordo.
Muitas vezes, por exemplo, a Itália, até ter essa resolução... A Itália, que faz parte da União Europeia, mas, até ter essa resolução, como os nossos direitos, os direitos de personalidade eram estendidos sim à pessoa falecida. Então, essa seria uma reflexão que a Lei Geral de Proteção de Dados não trouxe, porque não cabe a ela, e caberia, então, a esta Comissão fazer. Aqui - e já esgotou o meu tempo, vou concluir - seria esse o ponto que eu acho que deveria... A tutela dos direitos de personalidade post mortem em ambiente digital é um ponto que tem que ser refletido, assim como também a pessoa jurídica. Assim como esse tema na Itália muito se estendeu, a tutela da pessoa jurídica, a proteção de dados... A Lei Geral de Proteção de Dados é omissa, mas isso poderia ficar claro para a gente não ficar à mercê do ativismo judicial e ter maior segurança jurídica.
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Essas seriam as minhas sugestões.
Agradeço mais uma vez pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Profa. Cíntia.
Já vimos pelas duas primeiras intervenções o quanto é relevante essa participação. Quantos temas importantes!
Antes de passar a palavra ao Castro Neves, nosso amigo e Professor da PUC do Rio, conhecedor do direito das obrigações, eu quero fazer um registro da participação da Ministra Isabel Gallotti. Muito destacada representante da 2ª Seção, ela acompanha todos os debates aqui, participa de tudo. Hoje, a 2ª Seção é... Como eu disse, infelizmente, eu tive que sair da 2ª Seção, do direito privado para ir para a Corregedoria, mas acompanho ainda todos os julgados. A maioria dos atuais, da atualização da interpretação do Código Civil que eu estive verificando é da relatoria dela. Eu sei, nas vezes em que tive que divergir, o quanto é difícil pelo poder do argumento da Ministra Gallotti. Então, quero dizer do meu orgulho de vê-la aqui participando deste trabalho, acompanhando tudo. Muito obrigado pela sua participação. (Palmas.)
Seguindo com os nossos trabalhos, eu convido o Professor e Advogado Castro Neves para fazer sua exposição. Ele, como disse, é um especialista no direito das obrigações e veio aqui participar deste nosso encontro. É uma honra recebê-lo aqui. Tenho certeza de que vai trazer contribuições importantes para a nossa reflexão. Ele organiza vários livros - de alguns deles eu até já participei - do direito e fora do direito, para a nossa satisfação aqui.
Castro Neves, tem a palavra.
O SR. JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES - Obrigado, Ministro Salomão.
É um prazer estar aqui também, é uma honra na verdade.
Eu queria começar agradecendo, dizendo aos senhores o seguinte. Quando o Prof. Tartuce, a quem, aliás, eu agradeço imensamente, disse desse convite, eu disse: "Sr. Tartuce, hoje é meu aniversário, mas é um ótimo presente para mim estar aqui hoje..." (Palmas.)
Na verdade, eu sou professor de direito civil há... Está fazendo 30 anos agora. Isso é o meu dia a dia. Então, poder contribuir e também dizer aos senhores...
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Você está fazendo 30? É isso? (Risos.)
O SR. JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES - Quase, Ministro! Quase!
Quero dizer aos senhores da Comissão que eu tive uma experiência na vida muito feliz que foi participar de uma comissão na qual o Ministro Salomão era o nosso líder. E ele fez uma liderança extraordinária, funcionou muito bem. Então, eu tenho certeza de que aqui também vai ser o mesmo.
Fiquei muito feliz também de ver o entusiasmo dos senhores, o que é muito importante, o empenho. Então, isso tudo é uma alegria para quem vive o direito civil, o que é o meu caso. Vou voltar hoje, inclusive; vou estar lá falando de direito civil lá para os meninos, daqui a pouquinho, na faculdade, mais tarde.
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Fiquei também especialmente feliz com a mensagem da Profa. Rosa, da responsabilidade, porque acho que isso resume bem o trabalho dos senhores.
Eu vou falar, claro, muito rapidamente aqui dos temas que eu estudo mais, do direito das obrigações. Vou falar uma coisa que é um pouco óbvia: para nós que somos professores de direito civil, que todo dia vamos lá, o Código Civil é como se fosse a Bíblia daquele padre, não é? Então, quando se fala assim "vão mudar o Código Civil", você fica um pouco preocupado; você imagina como é que o padre fica ao dizer "vou mudar a Bíblia", não é? Ele fica um pouco angustiado com aquela ideia, com um conceito, mas evidentemente há o que ser alterado.
O Prof. Simão foi muito feliz, eu acho, quando ele mencionou aqui que são questões mais pontuais. Eu vou tentar ser objetivo e vou mandar depois para você, Simão - claro, para vocês todos -, as minhas pequenas sugestões.
Eu conversei com alguns amigos, e um tema que particularmente acho que pode ser aprimorado é a questão da impossibilidade temporária das obrigações de fazer, porque não existe no direito brasileiro uma referência a essa; o 258 podia ter um acréscimo. É regra no direito português, é regra no direito italiano; entre outros dispositivos, é uma coisa que pode ser alterada.
Relação dos juros é um tema que eu já conversei com o Tartuce várias vezes. É um tema desgraçado, e aqui eu acho que a gente tem que ter uma certa humildade, nós juristas, de distinguir o que é a realidade jurídica e o que é a realidade da vida. A gente convive muito bem com o conceito do 404; a mudança, a atualização monetária é um tema que já está incorporado a nossa cultura, e os juros mutantes também têm que ser, porque, na verdade, o conceito econômico é o mesmo. Os juros não podem ser um presente e nem um castigo para ninguém. Se você estabelecer juros fixos, é o que você vai ter. Então esse é um conceito internacional. Foi bem feito; a desgraça particularmente aqui é porque, quando o legislador civil fez, ele não conversou, e aí veio a Selic, e a Selic, como a gente sabe, tem esse problema, porque ela embute também a correção monetária. É comum a gente estabelecer a correção monetária, mas isso é uma coisa que eu acho que a Comissão tem que cuidar, inclusive conversando com a Fazenda. E o ideal, o mundo maravilhoso seria que a Fazenda estabelecesse, para os índices moratórios, um índice específico, porque a gente acabava o problema, assim como existe já na correção monetária. Mas, de novo, aqui a gente tem que tomar cuidado para a gente não atrofiar e não falar uma realidade só jurídica e não realidade da vida.
Um tema importante também na cláusula penal é o 412. Eu acho que você falou, Simão, e que é verdade: o 412 tem que ser abolido na minha leitura, ele tem que retirado, ele não ajuda, porque ele é a ideia de que a indenização tem que ficar limitada ao valor da obrigação e, na verdade, a gente sabe que na vida prática o valor da indenização, o valor do prejuízo é muito maior muitas vezes do que o do negócio. Obviamente, então, esse 412 não ajuda; ele está falando o contrário.
Sobre o tema da cessão de posição contratual, que é um tema relevantíssimo, não existem acórdãos do STJ. Há inclusive um acórdão primoroso do Cueva, em que ele indica o que é. É um tema... Eu tenho uma sugestão aqui que eu vou te mandar sobre cessão de posição contratual...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES - Imaginei, mas eu digo que esse é um tema importante.
No 422, que é um tema que hoje alguém tinha mencionado, deixe-me eu fazer uma questão interessante - última coisa, Ministro, que é interessante. Eu era muito próximo do Chamoun, que foi um dos relatores do Código Civil. Então eu participei com ele, eu ouvi muitas coisas na conversa. Em 2003, eu estava acabando de defender minha tese de doutorado na época, e a gente não conversava muito. Era um grupo pequeno, você não tinha muito debate sobre o que estava acontecendo.
Então, isso que está sendo feito aqui agora é muito valioso, que é poder discutir isso. Altri tempi, não é? Outros mundos, outro tempo também que a gente está vivendo agora, onde há a possibilidade de conversa. Isso é muito valioso, ainda mais no Código Civil, que é, como já foi dito aqui, a "Constituição" nossa.
Mas, enfim, o 422, que fala da boa-fé e é um artigo extraordinário evidentemente, não fala da boa-fé no momento das tratativas, no momento da conversa, no momento inicial. Isso era uma coisa que estava no código, no projeto, foi suprimido por razão desconhecida, mas acho que valeria ver. Eu vou mandar, Simão, para você. Eu acho que pode falar assim na frase, no momento anterior.
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O 463, que fala do contrato preliminar, tem um enunciado que fala que o contrato deve ser registrado, mas evidentemente que só se relaciona com eficácia perante terceiro, como regra geral. Então, o código podia trazer esse tema também.
Com relação à questão da fé pública no registro geral de imóveis, quando a gente fala de evicção, essa lei, a Lei 13.097, que faz aquele embate entre o que é a boa-fé, o direito registral... Isso também pode ter uma alteração favorável, incorporar a ideia que foi trazida por essa lei, para comunicar com o código.
Em relação à cláusula resolutiva, que é um outro dispositivo que pode ser melhorado na redação, para fazer a menção de que é extrajudicialmente, porque tem toda aquela discussão... A redação do código de que cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito causa um problema, causa uma discussão. Se a gente pudesse explicar, extrajudicialmente seria melhor.
A questão dificílima da harmonização do 478 com o 317, que é uma questão difícil, e até mesmo nós, que aplicamos o Código Civil, sabemos que o 478 não pode ser interpretado sem a ideia do princípio da conservação dos negócios, que ficou um pouco... A gente sabe que o 478 seguiu a ideia dos italianos, o 317 tem outra finalidade. Talvez o que se possa fazer - eu vou te mandar, Simão, isso aí também - seja a ideia - toca o telefone agora, é uma desgraça isso, perdão... A ideia é que o 478 só deve ser aplicado quando não for possível você aplicar o 317. Isso é quase que uma coisa subsidiária ao 317, porque com isso você harmoniza tudo. Então, você simplesmente faria uma ideia, porque você traz o princípio da conservação, você cria um sistema, que hoje é um problema... A princípio o juiz pode fazer todos os conceitos. Você só vai resolver de fato se aquela ideia do 317 não puder acontecer.
Você tem - importante também - o 479, que traz a palavra réu no meio da história, que é um problema, que é um debate. Na verdade, o ideal seria que a gente dissesse: a resolução pode ser oferecida por qualquer uma das partes, porque isso, inclusive, traz a ideia da autocomposição, que é um conceito que o nosso código poderia colocar de uma forma mais forte, que é uma finalidade, e tirar a ideia do judicializar para a ideia de trazer, isso ocorrer aqui.
A ideia da frustração do fim do contrato, uma sugestão também, Simão, porque eu acho que é um tema relevantíssimo, é aplicado pelos tribunais... A frustração do fim do contrato não é referida na nossa lei.
O 538, que é uma outra regra importante, porque veja o seguinte... O Código Civil traz uma regra que está equivocada e que também não era a ideia do legislador original, que é a doação ao contrato que uma pessoa transfere. E a gente sabe dos conceitos do Direito Civil, que a obrigação não tem efeitos reais. O ideal seria que fosse, se obriga a transferir, porque acabava com toda essa discussão.
O 557, que é aquele artigo que no código de 1916 era "só podem ser anuladas", que era um problema, o código mudou. Ficou "podem", tirou o advérbio, mas ainda ficou, talvez a gente possa melhorar a redação para dizer "também podem".
E, por fim, eu estou tentando ser bem rápido aqui, narrando uma corrida de cavalo, mas depois eu te mando, vocês me perdoem, só para não atrapalhar o almoço de ninguém. (Risos.)
O 564, que é um artigo todo equivocado, depois eu mando para vocês, porque é um artigo que faz uma confusão danada, ingratidão, quando você fala da... Feitas para determinado casamento, quer dizer, traz uma ideia que é muito antiga, de que o casamento, enfim... Não se coaduna com os valores da nossa sociedade hoje, em que você não possa fazer uma doação para o casamento de pessoa específica, e também a ideia de obrigação natural aqui no meio, que também é uma grande confusão...
Enfim, bom, eu vou tentar aqui ser breve e eu queria agradecer imensamente de novo, Ministro, parabenizar os senhores pelo esforço. Fico, como usuário do direito civil, como professor de Direito Civil, esperançoso de que os trabalhos caminhem bem. Esse debate é fundamental.
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Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - O José Roberto começou dizendo que tinha muito pouca coisa para modificar. (Risos.)
Imagina se ele considerasse que tivesse muito, como é que não ia ser?
Mas ficamos encantados com a sua exposição, realmente pontos relevantes. Aguardaremos as suas sugestões, José Roberto, para que a gente possa refletir aqui.
Essas contribuições estão sendo muito ricas, muito interessantes, daí essa importância das audiências públicas.
Ainda temos oito juristas para a parte da tarde.
Eu quero convidar todos os integrantes da Comissão e mais os juristas convidados para essa segunda parte, aqueles que puderem, para almoçar conosco, será uma honra. Nós vamos dar uma hora de intervalo para o almoço, porque hoje estamos fazendo esse esforço concentrado. Eu sei que é pouco tempo, mas eu vou pedir a compreensão de todos para que a gente possa retornar às 14h30.
Então, eu declaro suspensa a reunião. Retornamos às 14h30.
Obrigado.
(Suspensa às 13 horas e 23 minutos, a reunião é reaberta às 14 horas e 35 minutos.)
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O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Retomando os nossos trabalhos nessa segunda parte, que trata da audiência pública em que estamos ouvindo os juristas que participam deste nosso encontro, uma oportunidade única para ouvirmos um pouco e refletirmos sobre temas bem relevantes para a atualização do Código Civil.
Na sequência, nós vamos agradecer a presença do Professor e Desembargador Sílvio de Salvo Venosa, um renomado jurista com várias obras publicadas, civilista reconhecido.
Ficamos muito contentes e honrados com sua presença aqui, Prof. Sílvio. Gostaríamos de ouvi-lo sobre responsabilidade civil, que é o tema que o senhor vai abordar. Convido-o à tribuna para a retomada dos nossos trabalhos. (Palmas.)
O SR. SÍLVIO DE SALVO VENOSA - Sr. Ministro Felipe Salomão, é um prazer estar aqui na presença de tantos e tantos colegas, tantos e tantos amigos. E minha homenagem é extensiva a todos vocês, meus colegas civilistas, meus colegas... Aliás, mais do que civilistas, todos eles meus amigos. Estamos sempre em contato, não é?
Bom, já muito se ouviu sobre o novo Código que virá e me é dada aqui a oportunidade de falar sobre responsabilidade civil. Na minha vivência de juiz, desembargador e advogado mais recentemente, tenho tido muito contato com os processos de responsabilidade civil e gostaria de fazer uma observação importante: os nossos tribunais se amoldam muito bem às inovações, às ideias novas da responsabilidade civil.
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Eu lhes dou um exemplo: a responsabilidade por perda de uma chance, que não está escrita em texto nenhum, mas, se nós pegarmos a jurisprudência dos últimos 20 anos, veremos que paulatinamente os tribunais foram absorvendo totalmente e sem dificuldade as situações de perda de uma chance.
Então, pergunta-se: nós precisamos de um texto expresso? Poderíamos até pôr, mas as novidades que nos vêm, geralmente da Sorbonne, que são os principais inovadores, isso por tradição mais que centenária da responsabilidade civil, quando chegam ao Brasil, levam um tempo de amortecimento até elas serem absorvidas. E eu lembro a vocês da responsabilidade por perda de uma ação, assim porque não está em texto e, no entanto, se pegarmos a jurisprudência, veremos que os tribunais entenderam perfeitamente. E eu pergunto: será que precisamos de um texto novo, no Código, para perda de uma chance? Se colocarmos, muito bem, mas se não colocarmos, não vai fazer nenhuma falta. Quantas e tantas vezes a gente vê nossos colegas juízes usando a perda de um acesso e os advogados solicitando?
Outra questão que eu queria lembrar em torno dessa matéria, que é vasta... Podemos contar que 70% do movimento forense diz respeito à responsabilidade extracontratual, 70%, e que não é uma porcentagem pequena. Portanto, é um demandismo muito grande em torno do prejuízo; ninguém quer sofrer um prejuízo, então é um demandismo.
Eu me lembro da questão - esta sim - que eu acho fulcral, que é do valor da indenização na responsabilidade extrapatrimonial. É fácil de vermos o nexo, é fácil de verificarmos um prejuízo mental, psíquico, psicológico, alguém que perca um ente querido, alguém que é obrigado a ficar cinco horas para conseguir sua matrícula na escola e tantos outros problemas, e o juiz fixa perfeitamente que há que se indenizar. O problema é quanto se indenizar. E a pergunta é: devemos ter um texto para dar parâmetros ao juiz para fixar a indenização? Aí sim, aí eu creio que nós podemos ter alguma coisa. Tantas são as cláusulas abertas do Código que inserimos mais uma. Por quê? Nós já tentamos ou pensamos... Em 1999, tivemos um projeto, que foi do Senado, inclusive, que tentava taxar os prejuízos em pequeno, médio e grande, que não foi aprovado porque a experiência em outros países... No México, por exemplo, teve um tarifamento de danos morais, não funcionou. Mas eu creio que nós devemos sim ter um texto que leve em conta a possibilidade de o julgador raciocinar sobre situações econômicas e sociais do ofensor e do ofendido.
Nos Estados Unidos, indenizações de milhões de dólares não são raras, mas eles têm uma economia fantasticamente maior que a nossa. Nós nunca poderíamos ter uma indenização desse teor. E, na verdade, a indenização por uma falha moral, uma perda extrapatrimonial, uma perda aquiliana tem que ser avaliada de acordo com o ofensor e de acordo com o ofendido. Não se pode dar uma indenização exagerada a quem tem parcas posses, porque vai enriquecê-lo indevidamente, e nem se pode dar uma indenização melíflua, uma indenização irrelevante, de poucos reais, a alguém que tem prejuízo ou tem uma socioeconomia muito superior à média da nação.
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Então, nós podemos ter um texto, sim - e é isto que nós até sugerimos ao pessoal que está aí trabalhando na indenização, na responsabilidade civil -, em que coloquemos parâmetros. O juiz, na responsabilidade extranegocial ou extracontratual, vai avaliar a situação do fato e a situação econômica das partes nem para enriquecer um, nem para empobrecer outro. Não é uma tarefa fácil.
Eu me recordo de que, quando eu travava em processos essa problemática, a maior dificuldade era o valor - que pode ter parâmetros; não pode ter tarifamento. Aqui até que seria aconselhável algo que dissesse qual o raciocínio que o juiz vai ter para fixar o valor. É mais uma cláusula aberta, nós não vamos dizer em quanto que ele vai indenizar, porque isso é impossível.
E outro aspecto que eu gostaria de lembrar é que, na minha opinião - e olha que eu estou em cima da responsabilidade civil há muitas décadas, antes e depois do Código atual -, o Código atual até que atendeu às nossas necessidades. Eu não vejo necessidade de uma subversão total da responsabilidade civil, mas de alguns acertos pontuais importantes.
Nós temos uma noção muito perfeita - e nós vemos isso na jurisprudência, que é o retrato do nosso país -: quando o juiz vê que a culpa é grave, a culpa é mais grave ou menos grave, ele vai, de uma forma ou de outra, adaptar a indenização a isso, sem dizer - e aí a gente vai para o direito comparado - que ele está levando em conta que uma decisão condenatória, no negócio extranegocial, na responsabilidade extracontratual, tem um sentido pedagógico e punitivo. E me receia muito um texto que possa possibilitar ao juiz transitar com facilidade pela punição na responsabilidade civil, porque isso pode abrir válvulas perigosas de indenização.
Nós não estamos, na minha opinião - é claro que vocês não vão concordar todos com isto -, a economia brasileira não está preparada para punitive damages do direito americano. Nós conhecemos a teoria. Os juízes conhecem a teoria; aplicam-na quando possível. Pedagógica... Pedagógica, eu me lembro da pena acessória de publicação da sentença. Lembram? Eu sou muito mais velho que vocês. Muitos de vocês não lembram, não é?
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Entre as penas acessórias do direito penal, quando havia um sentido pedagógico na sentença, falsificação de documentos, de diplomas - eu já sentenciei isso no passado -, mandava publicar num jornal de grande circulação para que a sociedade soubesse que isso era uma pena, que a sociedade não devia obedecer. Mas eu quero crer que o sentido pedagógico e punitivo deve ficar com a doutrina, porque nós - aí eu me coloco dentro da doutrina - vamos muito bem, e, do lado da doutrina, a jurisprudência vai muito bem. Meus colegas magistrados se comportam muito bem. Eu sou um grande crítico da magistratura, quando necessário, mas aqui faço um grande elogio.
Pegamos os repertórios em jurisprudência e vemos que, na responsabilidade civil extranegocial ou na aquiliana mesmo, as sentenças são justas, são adequadas. E os tribunais, quando existem pequenas adequações, corrigem-nas.
Ora, então, estabelecendo critérios objetivos do nexo causal, para mim parece um risco também. O nexo causal tem esmaecido; se vocês repararem nos julgados, cada vez mais, fica tênue na prova. Não se leva muito em conta o nexo causal, tanto que nos danos ecológicos nem precisa de nexo causal, mas colocar isso num texto me parece impróprio agora. Talvez daqui dez anos, 15 anos, 20 anos - vocês estarão vivendo essa época - seja apropriado, mas eu não vejo que o código possa ter texto nessa hora.
E também, quando nós pensamos em responsabilidade desse nível, outro fator que trouxe à baila foi a desconsideração da pessoa natural. Vocês já pensaram que um menor com 17 anos pode ter patrimônio maior que o do pai, e, no entanto, quem vai responder é o pai, e não o filho, em razão da menoridade? Então, nós podemos pensar que, em casos excepcionais, em determinadas situações, nós podemos desconsiderar a pessoa natural e fazer com que o menor seja responsabilizado, que já temos um texto em que aquele que não é plenamente capaz pode ser apenado, pecuniariamente, dentro das zonas de equidade. Esse texto veio no Código de 2002.
São considerações para pensarmos, divagações. Não me preocupei em trazer textos aqui; preocupei-me em dar as premissas - algumas, poucas. E agradeço imensamente a oportunidade de estar aqui, agradeço aos meus colegas, meus colegas e amigos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Prof. Sílvio, muito obrigado pelas suas contribuições relevantíssimas e temas espinhosos, que nós aqui já comentamos, e vamos refletir bastante sobre as suas ponderações.
Na sequência, eu vou convidar o Prof. Maurício Bunazar; ele é Professor do Programa de Mestrado da Escola Paulista de Direito. Vai nos falar um pouco sobre contratos em espécie.
Muito obrigado pela oportunidade de tê-lo aqui, Prof. Bunazar. Tem a palavra por dez minutos.
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O SR. MAURÍCIO BUNAZAR - Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão, Presidente da Comissão de notáveis, responsável pela reforma do Código Civil, na pessoa de V. Exa., eu cumprimento todos os presentes. Cumprimento muito também, especialmente, os Relatores, Profa. Rosa Nery, Prof. Flávio Tartuce; na pessoa da Profa. Giselda Hironaka, cumprimento todos os professores presentes; e, na pessoa do Desembargador Loureiro, cumprimento todos os magistrados.
Eu tenho a profunda honra de poder participar dessa audiência pública e eu trouxe algumas considerações muitíssimo breves. Eu começo com as premissas do que trouxe. O Prof. Flávio Tartuce me incumbiu de conversar aqui um pouquinho sobre três contratos em espécie. Aliás, alguns contratos em espécie, e eu os escolhi: os contratos de compra e venda, prestação de serviço e doação. Eu gostaria de apontar a razão pela qual escolhi esses três modelos contratuais. São modelos contratuais prototípicos. Então, eles servem de modelo para diversos outros contratos.
O contrato de compra e venda é o modelo prototípico do sistema do ut des ("dou para que dês"). Então, a partir do contrato de compra e venda, a todo aquele contrato que tiver prestação e contraprestação de entrega de coisa, nós poderemos aplicar, por analogia ou subsidiariamente, as regras do contrato de compra e venda.
O contrato de prestação de serviço, por sua vez, é o contrato que se adéqua mais perfeitamente ao esquema do ut facias, ou seja, "dou para que faças". Então, a prestação de serviço empresta fundamentalmente suas regras, subsidiariamente, para diversos outros contratos, por exemplo, a empreitada.
E finalmente, o contrato de doação, que é o modelo típico dos contratos benéficos e também dos negócios jurídicos causa donandi. Então, o contrato de doação serve de modelo interpretativo para contratos como comodato e para negócios jurídicos como pagamento de terceiro, feito por terceiro em nome do devedor, a remissão e tantos outros. Então, foram essas as razões pelas quais escolhi esses contratos.
Eu tenho a sorte de ser Diretor-Executivo do Instituto Brasileiro Direito Contratual. E, aliás, agradeço muito penhoradamente à Comissão pela gentileza de permitir que o Instituto Brasileiro de Direito Contratual pudesse enviar suas sugestões.
Então, aqui são exemplos de sugestões que traremos. Eu começo com o contrato de compra e venda, com o polêmico art. 496, que trata da anulabilidade da venda de ascendente para descendente. Então, o caput permanece exatamente o mesmo.
E o que nós incluiríamos aqui? Dois parágrafos. O §1º, em que consta que se dispensa o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação, tiramos a menção à separação obrigatória. O §2º cuida de uma questão que ainda hoje gera alguma dificuldade que diz respeito ao prazo para a propositura da ação e, principalmente, ao termo a quo desse prazo. O que diria, em tese, essa proposta? A anulação da venda deverá ser pleiteada no prazo de dois anos, contados de sua celebração, ou, em se tratando de imóveis, da data em que o instrumento for registrado no cartório de registro de imóveis. Com isso, seria possível dar conhecimento aos interessados do negócio. (Pausa.)
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Desapareceu? Voltou. Vamos tentar aqui mudar. Pronto, agora sim. Perfeitamente.
Com relação ao contrato de doação, nós temos aqui um problema importante que é relativo ao prazo da revogação. Então, qual é a nossa sugestão? Eu fiz aqui duas sugestões, com uma sugestão alternativa. Começo pela primeira sugestão. A revogação por ingratidão, ou seja, nós incluiríamos a expressão "por ingratidão" para deixar claro que esse prazo de um ano refere-se exclusivamente à revogação por ingratidão e não à revogação por inexecução do encargo. Então, no caput, seria essa alteração.
Com relação ao parágrafo único, incluiríamos: "A revogação por inexecução do encargo deverá ser pleiteada no prazo de cinco anos, contados da constituição do donatário em mora". Essa sugestão gera alguns problemas, porque nós não colocaríamos cobro à discussão sobre se o prazo é de prescrição, se o prazo é de decadência, e por isso uma solução alternativa que ficaria apenas na alteração do caput do 559, dizendo: "Esse prazo refere-se apenas à revogação por ingratidão". É uma solução que não resolve muitos problemas, mas, pelo menos, não cria outros. Com relação à doação, eu acho que é essa a principal alteração que nós proporíamos agora.
Vamos lá? Pronto.
Com relação à prestação de serviço, esse artigo aqui é um artigo importante. O 598 trata daquela ideia de que o prestador de serviço não pode ser tratado como escravo, não pode ficar preso por muito tempo ao contrato. Então, o 598 diz: "Quando o prestador de serviço for pessoa natural, a prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos". Então, essa regra seria apenas para a pessoa natural. O §1º diria o seguinte: "O disposto no caput não impede que o tomador de serviço cobre o saldo da dívida ou exija indenização pela inexecução da obra". Simplesmente aclara algo que a doutrina já reconhece.
Finalmente, o §2º impõe que: "O disposto neste artigo não se aplica quando o prestador de serviços for pessoa jurídica ou sociedade ainda que não personificada". Apenas um reforço ao caput, quod abundat non nocet. Em alguns assuntos, a clareza nunca é demais.
E, finalmente, eu gostaria de pontuar que o Código Civil... Faço aqui uma homenagem sempre muito singela à Profa. Rosa Nery, que tem, na minha opinião, uma das monografias mais importantes do direito contemporâneo, que é o Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado, e ressalto a importância da ideia de sistema. Se é papel do jurista entender o direito como sistema, é obrigação incontornável saber que o Código Civil é um sistema. A alteração mais simples no artigo mais remoto pode acarretar um efeito borboleta em todo o ordenamento.
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Então, nós temos que ter, realmente, diante dos olhos, esse senso de responsabilidade sistemática. E digo isso por quê? Se nós pensarmos na didática obra do Prof. Clóvis do Couto e Silva, A Obrigação como Processo, nós sabemos que há o plano do Direito das Obrigações e o plano do Direito das Coisas. Então, pequenas alterações nas noções típicas do contrato de compra e venda, por exemplo, e de doação podem gerar problemas que a Comissão de Direito das Coisas terá de resolver.
Então, senhoras e senhores, muitíssimo obrigado pela gentileza da audiência. Mais uma vez, muito obrigado pela atenção e pelo convite.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Flavio Tartuce) - Muito obrigado, Prof. Bunazar. Somente ressaltando, porque precisamos fazer isso sempre que um Conselheiro estadual eleito fale nesta Casa, o Prof. Bunazar também é Conselheiro da OAB-São Paulo, assim como também é Conselheira Profa. Ana Scalquette, que, aliás, é Presidente da nossa Comissão Nacional de Exame de Ordem, e também a Conselheira Juliana Abrusio.
Eu quero pedir para vir à mesa também a Presidente da Caasp, Profa. Adriana Galvão, uma das grandes lideranças da advocacia, para que tomasse lugar, para quem eu peço uma salva de palmas. (Palmas.)
Bom, dando sequência então, teremos agora o Desembargador Francisco Eduardo Loureiro, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e também filho de um dos grandes advogados paulistas que foi Presidente desta Casa, para tratar de temas relacionados ao Direito das Coisas.
Desembargador Loureiro, é uma grande honra recebê-lo nesta Casa. O senhor tem dez minutos para tratar desse tema pouco complexo, este livro pouco complexo, que é o livro do Direito das Coisas. É uma honra tê-lo conosco.
O SR. FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO - Boa tarde a todos e a todas.
Quero dizer que a honra é minha e que eu fico sempre emocionado quando eu volto à Casa do Advogado, onde meu pai foi Presidente há quase 40 anos. Sempre que eu venho ao prédio, eu vejo a foto dele no térreo e me emociono.
Então, agradeço, Ministro Salomão, pela Presidência dos trabalhos, e aos demais integrantes da mesa.
O tema é alterações do Código Civil no livro no Direito das Coisas.
O livro do Direito das Coisas sofreu, nos últimos 20 anos, uma série de alterações legislativas. Eu diria que, dos livros do Código Civil, foi o livro que foi mais mexido nas últimas duas décadas. Ele foi alterado, porque foram acrescentados novos institutos que não havia no Direito das Coisas, em especial, um direito novo, que é o direito de laje, a multipropriedade, o condomínio de lotes e, embora de forma miserável, foram regulados os fundos imobiliários de que, na verdade, a regulação se faz por resolução da CVM e num artigo muito ruim do Código Civil. Então, quatro novos institutos foram criados no Código Civil, o que foi bom - foi bom porque, de algum modo, os atualizou. Mas, em contrapartida, alguns problemas sérios que nós tínhamos, já no livro do Direito das Coisas, foram mantidos e ali permanecem, e é disso que nós vamos tratar rapidamente, em especial naquilo que mais interessa, o que dá mais volume de problemas ao Poder Judiciário, ou seja, o que dá mais problema, o que gera mais dúvidas à população em geral e ao Poder Judiciário.
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Inicialmente, vamos tratar rapidamente da questão da posse, e a posse, no Código Civil, está muito sedimentada, fruto de cem anos de experiência, desde o Código Civil de 1916, mas alguns artigos da posse merecem um aperfeiçoamento, e especial um artigo da posse, que é a questão da posse de boa-fé, o art. 1.201, do Código Civil, que diz que a posse de boa-fé é aquela em que o possuidor ignora o vício que a atinge, que é o que nós chamamos de boa-fé subjetiva: é boa-fé de ignorância, é boa-fé de desconhecimento.
Mas esse artigo gera uma contradição em termos: quanto mais desidioso é o possuidor, mais boa-fé ele vai ter; quanto mais diligente for o possuidor, antes ele conhece o vício e antes começará a sua má-fé. Por isso me parece que esse artigo deva ter uma alteração pontual, dizendo o seguinte: aquele vício que o possuidor conhece ou poderia conhecer. Muda-se da teoria psicológica da boa-fé subjetiva para a teoria ética da boa-fé subjetiva, que é: quando eu posso conhecer, já acesso a minha boa-fé. Isso evita punir o diligente e premiar o negligente.
É um artigo simples, sem dúvida nenhuma, importante, muito, porque a posse de boa-fé e a posse de má-fé geram muitos efeitos jurídicos, geram muitas consequências jurídicas.
O outro artigo que me interessa, ainda na parte de boa-fé, na parte de posse, é o art. 1.819. Aqui, a alteração é pontual e muito fácil. Segue o enunciado do CEJ e, basicamente, é o seguinte: direito de retenção. "Cabe o direito de retenção pelas benfeitorias úteis e necessárias de boa-fé e também pelas acessões".
Não tem cabimento que eu tenha retenção se eu conserto o telhado, mas não tenha retenção se eu construo a casa com o telhado. Há uma contradição em termos, que a jurisprudência já acertou pelo instituto da analogia, mas que deveria constar do texto do Código Civil.
Em seguida, vamos trabalhar um pouquinho com talvez o capítulo do Direito das Coisas que mais gera problemas, que é o condomínio.
O condomínio, no Código Civil, deixou a desejar, se comparado com o condomínio criado pela Lei 4.591, pelo Prof. Caio Mario da Silva Pereira, em 1964. O condomínio do Prof. Caio Mario tem 60 anos, mas, sem dúvida nenhuma, por incrível que pareça, ele é muito mais moderno do que o condomínio do Código Civil.
Vamos a algumas lacunas.
Nós, juízes, sofremos barbaridade com isso. O condomínio do novo Código Civil parece um queijo suíço, cheio de buracos, e, quando nós temos esses buracos, nós corremos para a Lei 4.591. Por exemplo: por incrível que possa parecer, o novo Código Civil não regula o regime jurídico das vagas de garagem. Ele fala que a vaga não pode ser alienada, isso ele regula, mas não diz se a vaga é determinada ou se a vaga é indeterminada. Isso é fundamental. Onde é que está isso? No art. 2º da Lei 4.591/64. Isso tem que ser trazido para o Código Civil, porque, hoje, uma das grandes fontes de conflito nos tribunais é a disputa por vagas de garagem.
O segundo ponto na parte de condomínio edilício a que eu chamaria a atenção tem um artigo que é danado do Código Civil, que é o art. 1.336, do Código Civil, que trata dos deveres do condômino, e, no §1º do 1.336, ele diz quais são as sanções às quais está sujeito o condômino inadimplente.
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Esse §1º é um bom artigo ou um mau artigo? Dos piores que eu já vi. Ele é terrível, porque ele diz que o condômino inadimplente está sujeito a uma multa moratória de 2%. Está sujeito a juros moratórios que, se não forem convencionados, serão de 1%.
A multa ficou muito baixa. O condomínio não é relação de consumo. E, por isso, há um verdadeiro estímulo a não pagar o condomínio.
Entre pagar a contribuição condominial e pagar o cartão de crédito, eu pago o cartão de crédito, porque ele é menos oneroso.
Então, isso é ruim, porque os demais condôminos, na verdade, rateiam entre si o financiamento do inadimplente.
Então, está na hora de retornar ao regime anterior da 4.591 e aumentar a multa da 4.591 a 20. Pode ser 10 ou até 10%.
E os juros moratórios? Não temos que dizer que os juros moratórios são convencionados.
Parece-me que o condomínio não é instituição financeira. Se não é instituição financeira, está sujeito à lei da usura. Então, os juros são juros legais e mais uma multa moratória que seja considerável.
Isso seria desejável que fosse mudado já. Fácil e indolor.
O que mais, ainda, no que se refere ao condomínio? Ainda, no que se refere ao condomínio, faltou um artigo que constava do anteprojeto, acabou sendo vetado, mas que tem que voltar, que é a questão do condômino antissocial e se esse condômino antissocial pode ou não ser excluído do condomínio, e o argumento para vetar o anteprojeto do Código Civil é que isso violaria o direito de propriedade.
De modo nenhum. Ao contrário: a exclusão do condômino antissocial é a mais pura e livre expressão da função social da propriedade. Não é possível que alguém, por seu comportamento, inviabilize a vida dos demais condôminos.
Nós temos julgado em São Paulo? Temos. Eu julguei um caso de um sujeito que tinha certamente um distúrbio de comportamento. Ele andava armado e gostava de dar alguns tiros no final de semana no pátio do edifício. Mas você multava? Sim, multava, e ele não pagava. Então, isso colocava em risco a economicidade física dos demais condôminos.
O que vamos discutir aqui é só se ele perde a propriedade ou se perde a posse. Ou seja, ele perde a posse ou perde a propriedade, mas um fato é verdadeiro: ele não pode continuar a residir naquele local, porque ele tem um comportamento antissocial.
Não parece ser tão difícil assim.
Isso tem que voltar? Sem dúvida nenhuma. Viola direito de propriedade? Nem por sonho. Isso consolida, fortalece a propriedade dos demais condôminos.
Então, tudo isso... (Palmas.)
... no nosso livro do Direito das Coisas.
Que mais ainda...
Eu tenho um minuto só?
Bom, vamos trabalhar um pouquinho ainda com a questão do direito real de aquisição do compromisso de compra e venda.
Eu sugiro ao Prof. Bunazar, que me antecedeu, que nós coloquemos, no Código Civil, entre a compra e venda e a doação, um capítulo, como contrato típico, chamado "Do compromisso de compra e venda".
A cada compra e venda que eu julgo no tribunal - o Ministro Salomão pode confirmar isso -, nós julgamos sem compromisso de compra e venda. O que dá problema não é a compra e a venda, é o maldito do compromisso.
Onde é que está o compromisso, que não está no Código Civil? Ele está em três leis especiais: uma lei para imóveis loteados, uma lei para imóveis não loteados e uma lei para imóveis em incorporação imobiliária, cada uma com regras diferentes, o que é uma delícia.
Então, o que é fundamental é regular o mais comum dos contratos preliminares, que é o compromisso de compra e venda, num contrato típico com quatro ou cinco artigos. Isso resolve muito o problema que assola os tribunais.
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E, já que estamos falando de compromisso de compra e venda, já encerrando aqui, vamos trabalhar no art. 1.417, que trata do direito real de aquisição do promitente comprador.
Há uma regrinha que só vale para imóveis loteados, na Lei 6.766/79, no art. 26, e é uma regra excelente, e que ninguém aplica, e que diz o seguinte do compromisso de compra e venda: quando o preço é inteiramente solvido, o compromisso mais a prova da quitação mais a guia do ITBI levada ao registro imobiliário transferem a propriedade. Que tal nós alargarmos isso para todos os imóveis?
Não faz sentido que eu e o Prof. Tartuce celebremos o compromisso de compra e venda - e eu negocio não na compra e venda. É mentira. Eu negocio no compromisso. É lá que eu estabeleço o preço, o prazo e a forma de pagamento -, eu solvo o preço, ele me dá a quitação, mas eu tenho que ir ao tabelionato para um ato devido que não inova em nada o meu programa contratual, porque tudo está resolvido no compromisso. Eu deveria poder levar o compromisso mais a quitação mais a guia do ITBI ao registro imobiliário e, com isso, transferir a propriedade.
Meu tempo está esgotado, e eu agradeço a atenção de todos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Agradeço, Professor, Desembargador Loureiro. Ponderações muito equilibradas, muito profundas, realmente contribuições importantes. Muito obrigado, Prof. Loureiro.
Na sequência, nós vamos ouvir o Professor de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com o tema direito das sucessões, o Prof. João Ricardo Brandão Aguirre.
O SR. JOÃO RICARDO BRANDÃO AGUIRRE - Muito boa tarde a todas e a todos.
Cumprimento o Ministro, nosso Presidente, Ministro Luis Felipe Salomão, agradecendo a honra que me foi concedida de poder falar em um momento tão importante para a civilística brasileira.
Cumprimento a minha sempre professora, a Profa. Rosa Nery; o meu querido amigo Prof. Flávio Tartuce, a quem também agradeço pela gentileza do convite; a Dra. Lenita e a Dra. Adriana Galvão, que aqui se encontram. Muito obrigado.
Cumprimento a todos os presentes. São vários amigos, várias pessoas que são objeto da minha admiração; então, vou escolher uma, que é a nossa Profa. Giselda, e cumprimento a todas na pessoa da Profa. Giselda.
Vamos falar do direito das sucessões e tentar trazer aqui alguma contribuição para esta Comissão.
Eu penso que a gente deveria começar falando que o importante é ser afastado aquele vetusto paradigma patrimonializado do Código Civil de 2016, que parece que ficou enraizado especialmente no direito das sucessões. Então pensar, como disse o Prof. Pablo Stolze, que esse código não é acadêmico, é um código voltado para sociedade, e nós temos que pensar essencialmente na tutela prioritária da pessoa humana e da sua dignidade. E, a partir daí, eu trago algumas ponderações.
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A primeira é a necessidade de se adequar o direito sucessório à decisão do Supremo Tribunal Federal, quando fixou a tese de repercussão geral do Tema 809, ao julgar o Recurso Extraordinário 878694, de Minas Gerais, conjuntamente com o 646721, do Rio Grande do Sul, e equiparar os direitos do companheiro e do cônjuge. Então, primeiramente, é necessário fazer essa equiparação dos direitos sucessórios do companheiro do cônjuge - e aqui falo obviamente também do companheiro e do cônjuge em uniões homoafetivas - e acabar com esse projeto que, infelizmente, está no Congresso Nacional e que traz uma descriminação e um preconceito que são inadmissíveis.
Essa questão efetiva da equiparação traz outras indagações e desafios, como, por exemplo, a questão da legítima. E aí entramos em um dos grandes problemas no direito sucessório, que é a questão relacionada à concorrência sucessória e à condição de herdeiro necessário do cônjuge e agora também do companheiro.
Diversas são as propostas. Eu entendo, particularmente, que todas elas devem estar pautadas, primeiro, pela tutela dos vulneráveis.
Eu lembro que tivemos a oportunidade de participar de debates e até da construção de um projeto no IBDfam de direito sucessório, e, em um dos debates, foi trazida uma proposta de acabar com a legítima. E a proposta ganhou algum corpo ali no debate e tal. De repente, o nosso saudoso Prof. Zeno Veloso, bem saudoso mesmo, levantou e falou o seguinte: "Olha, tudo bem o que vocês decidirem, mas eu vou dizer que, se acabarmos com a legítima, o filho havido fora do casamento ficará sempre prejudicado".
Então, nós temos que pensar na legítima, na concorrência sucessória, pensando em vulnerabilidades, pensando em questões de gênero, porque eu posso dizer que a condição da mulher hoje, sabemos, é uma condição que ainda está longe da igualdade substancial, da igualdade material, e, muitas vezes, o que a gente vê é o fato de a viúva ficar ao desabrigo. Com a mudança do regime de bens de comunhão universal para comunhão parcial, ela deixou de ter a meação sobre todos os bens e passou a ter a possibilidade de ficar sem bem algum, e eu entendo que...
Por que a gente tem esse viés, essa ideia de sempre proteger os filhos, os filhos, os filhos, e esquecer o cônjuge? "Não, eu quero acabar com a concorrência sucessória, quero tirar o cônjuge da condição de herdeiro necessário". Por que, se é o cônjuge que vai estar lá no final da vida, acompanhando aquele seu companheiro de estrada? Os filhos a gente cria para o mundo, os filhos a gente cria para entrarem e conquistarem o seu mundo, e é o cônjuge o companheiro que vai nos acompanhar até o nosso último momento, e essa é a razão de ser de a gente tentar proteger.
Então me parece que a solução mais adequada não seria acabar com tudo e voltar para o sistema anterior, em que o cônjuge nem era herdeiro necessário e nem havia concorrência sucessória; talvez a melhor solução, no meu modesto entendimento, seria manter a concorrência sucessória, o cônjuge deixa de ser um herdeiro necessário e, se for o caso, se afasta a concorrência, através de exposição de última vontade. Essa seria uma boa sugestão.
E isso acaba trazendo um novo ponto, um outro ponto que eu gostaria de tratar, que é exatamente a necessidade de se promover uma atualização dos meios de disposição, das formas de disposição de última vontade, falando um pouquinho da sucessão testamentária. Intentar atualizar, acabar com aquelas vetustas formas especiais de testamento - testamento marítimo, militar, aeronáutico - e trazer as novas tecnologias, permitir o testamento em áudio, em vídeo, o testamento cerrado, em vez daquele lacre de vela, um lacre criptografado. Outro dia ouvi uma pessoa falar de lacre psicografado. (Risos.)
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Acho que era um pouquinho mais difícil, mas um lacre criptografado.
Então, atualizar essas formas de testamento, pensando em se promover também uma difusão das formas de disposição de última vontade e permitir que as pessoas, que o brasileiro comece a pensar efetivamente na sucessão... E pensar também em acessibilidade. Existe uma preocupação bastante grande em permitir que as pessoas com deficiência tenham acesso a essas formas de disposição de última vontade. Então, quando se vai pensar nessas novas formas de testamento, nessas novas formas de disposição de última vontade, vamos pensar, sim, na acessibilidade e permitir que elas tenham acesso. Então, é um diálogo tão fundamental esse diálogo que a Profa. Claudia Lima Marques nos trouxe, o diálogo é muito importante, o diálogo com as novas tecnologias.
E aí temos um outro desafio, que é exatamente trazido pelas novas tecnologias, pela bioética, e dois pontos me vêm à mente com grande preocupação. Primeiro, a questão da herança digital me preocupa bastante. Tive a oportunidade de escrever um artigo com o Prof. Pablo Malheiros, nós fizemos até uma proposta conjuntamente com a Profa. Ana Brochado, que eu acho que é essa que falaram, de tutelar os direitos da personalidade, a projeção dos direitos da personalidade do morto e também se proteger o interesse de terceiros, especialmente nessas comunicações que a gente tem pelo mundo virtual, com o WhatsApp ou outros meios - porque o WhatsApp hoje é o meio utilizado; daqui a dez anos, vai ser um outro. Especialmente nessa comunicação pelo mundo virtual, nós temos que tutelar os interesses de terceiros, porque eu como advogado trato de interesse de clientes e também dos direitos da personalidade. Por isso me parece interessante fazermos a distinção.
O Prof. Mario Delgado falou sobre os direitos patrimoniais e os direitos existenciais. E, quanto aos bens digitais, é importante que haja uma exata definição da Comissão de Tecnologia sobre os bens digitais e o mundo virtual, para que também possamos fazer essa densificação e para que a gente não venha a correr o risco de cometer o pecadilho que foi cometido no art. 1.597, que tratou de uma forma específica de reprodução assistida, inseminação artificial, que hoje é uma forma já ultrapassada. A gente precisa lembrar que estamos diante de um sistema que é mais estático, característico dessa grande codificação, e que vai se prolongar no tempo. Por essa razão, temos que ter cuidado com a densificação desses conceitos.
Para terminar, porque o meu tempo é exíguo e urge, falta falar um pouquinho das questões relacionadas à bioética, que trazem enorme preocupação.
Primeiro, há a necessidade de se definir, e isso é muito importante, o Prof. Marrone falou, a questão relacionada ao início da vida, a natureza jurídica do nascituro e também do material genético criopreservado, dos embriões excedentários, para se definir, inclusive, se eles têm capacidade sucessória ou se eles não têm capacidade sucessória. Isso é muito importante.
Temos que definir se vamos estabelecer um prazo para o exercício da pretensão à petição de herança. O Superior Tribunal de Justiça já tem decisões nesse sentido, sua aplicação da teoria objetiva ou subjetiva da actio nata, se o prazo começa a correr da abertura da sucessão ou do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade. A fim de se trazer uma determinada segurança jurídica, penso que seria mais razoável que ele começasse a correr efetivamente a partir da abertura da sucessão, mas fico pensando, nós temos aqui... Há dois ou três anos, nasceu Molly Everette Gibson, 27 anos depois de o seu embrião ter sido congelado. Então, hoje a tecnologia já permite que um embrião congelado venha a ter êxito numa concepção 27 anos depois. Isso nos traz vários desafios.
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Um outro desafio que me vem à mente, para terminar, é exatamente a falta de uma legislação específica sobre as técnicas de reprodução assistida. Penso no caso Obregón, que está ocorrendo agora, está sendo bastante discutido na Espanha agora. A Ana Obregón é uma atriz de 68 anos na Espanha, e o filho dela, com 27 anos, faleceu, mas deixou o sêmen congelado. Ela pegou o sêmen do filho, que tinha autorizado uma fecundação post mortem, levou para os Estados Unidos, para Miami, contratou uma gestadora, uma gestação em substituição, pagou por isso US$35 mil, nasceu a criança, e agora tem uma grande discussão, porque ela quer ser a mãe da criança, cujo material genético é do pai.
Na Espanha existe regulamentação. Na Espanha, a gestação em substituição onerosa é proibida, a gestação em substituição só é permitida com alguém que seja da própria família e no prazo máximo de 12 meses contados da abertura da sucessão. Nada disso foi respeitado nesse caso específico. Acontece que ela é uma cidadã espanhola, o filho é reconhecido... a Ana, que é neta ou filha, é reconhecida como filha dela para os Estados Unidos, e agora ela quer trazê-la para a Espanha.
Aqui nós não temos legislação alguma. Como vamos resolver essa questão, especialmente no que se refere ao direito sucessório?
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Prof. Aguirre trouxe temas muito interessantes, essa questão da bioética, barriga de aluguel, a própria eutanásia, o conceito de nascituro, quando se inicia a vida, são temas que a Subcomissão vai ter que refletir e nós todos, que vamos depois apreciar também essa matéria na nossa Comissão para remeter ao Parlamento.
Parabéns pela sua exposição e muito obrigado, Prof. Aguirre.
Vamos agora, na sequência, falar de direito de empresa, com a Profa. de Direito da USP Juliana Pela.
Seja muito bem-vinda. (Palmas.)
A SRA. JULIANA PELA - Boa tarde!
Eu queria, em primeiro lugar, agradecer o convite, Ministro Salomão, Profa. Rosa, Prof. Flávio, para mim é uma honra estar aqui, e dizer que tudo que eu vou apresentar são ideias minhas que estão absolutamente aí sob o crivo da Subcomissão que está encarregada do direito de empresa.
Vou ser bastante breve para poder aproveitar os dez minutos, Ministro Salomão, e por isso eu trouxe três pontos que me parecem de alteração necessária no Código Civil, e eu tenho insistido nisso já há algum tempo, inclusive nas minhas aulas.
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O primeiro deles é quanto ao próprio conceito de empresário. Parece-me que o art. 966 do Código Civil, ao fazer um crivo entre empresários e não empresários, no seu parágrafo único traz uma qualificação anacrônica, porque considera a profissão intelectual como não empresarial. E essa me parece uma valoração social da profissão intelectual muito antiga, não é? Aí o Ascarelli vai falar disso. É uma valoração social que data da década de 40, já que nosso Código é inspirado no Código Civil italiano. Então, me parece que esse artigo precisa ser alterado para que seja revogado o parágrafo único do art. 966, de forma a ter um tratamento unificado das atividades econômicas exercidas profissionalmente, de forma organizada e voltadas ao mercado, que é a dicção do caput.
Eu fiz aqui algumas razões, coloquei aqui no papel algumas razões e uma justificativa para essa revogação que eu proponho. Então, a primeira delas é que essa realmente é uma distinção que não mais se justifica, não mais subsiste na nossa sociedade. Além disso, a parte final do parágrafo único, que remete a uma possibilidade de considerar profissões intelectuais como empresariais, trata de um conceito que é o elemento de empresa, que é um conceito absolutamente obscuro, pouco claro, que dificulta a qualificação pelos tribunais e me parece que é uma exceção que nos faz retornar ao caput, dificultando a interpretação.
Uma outra razão que eu vejo como bastante importante é que a Constituição Federal trata e estatui um regime unificado para toda e qualquer atividade econômica, sem diferenciar empresário de não empresário. Isso se reflete também na regulação infraconstitucional. Por exemplo, no direito do consumidor, há a dicotomia ali entre fornecedor e consumidor e não entre empresários e não empresários. Tanto empresários quanto não empresários, na dicção do Código Civil, podem estar no polo fornecedor e, a depender da interpretação, também no polo consumidor, mas essa é uma outra questão em que eu não vou entrar aqui. Por exemplo, o direito concorrencial lida com agentes econômicos em geral, que atuam em mercado, e não obedece à distinção entre empresário e não empresário; no direito do trabalho, a mesma coisa, há dicotomia entre empregador e trabalhador; no direito ambiental... Então, me parece que esse crivo só existe no papel, essa cisão só existe no papel, só existe no art. 966, que é um artigo pouco aplicado e que nos traz dificuldades pela mera existência como lei posta.
Parece-me também que a jurisprudência caminha num sentido a não considerar os critérios do parágrafo único do 966 para fazer qualquer distinção entre empresário e não empresário. Então, o parágrafo único não é invocado para subsidiar a incidência de um regime não empresarial. Tem muito mais relevância outro tipo de elemento, como, por exemplo, o registro, que é uma autodeclaração; a organização, que é vista pelos tribunais como um critério para, inclusive, a incidência do caput, já que o caput exige uma atividade econômica organizada; a lei tributária, que, por vezes, fala de empresa, invoca o caput do 966 e usa também outros critérios, como a lei municipal, e fala em uniprofissionalidade; e a Lei de Locação, que antigamente era um normativo que justificava uma distinção entre o que era comercial e o que era civil, fala em destinação ao comércio, ela não faz também uma referência coerente ao 966.
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Então, qual seria talvez o campo de aplicação? E que me parece que poderia se o único, não é, do parágrafo único do 966? Falências e recuperações. No entanto, o que nós observamos numa análise da jurisprudência nas falências e recuperações é que elas não utilizam rigorosamente... As decisões não utilizam rigorosamente os critérios do 966. Cada vez mais há extensão da recuperação e falência para entidades que tradicionalmente, ou rigorosamente, numa aplicação do 966, seriam não empresários. Há inclusive aplicação de falência e recuperação para associações, que são entidades sem finalidade lucrativa; ou seja, os critérios da lei de recuperação e falência dizem muito mais respeito, hoje em dia, à função social daquela pessoa jurídica, ao impacto que ela tem na sociedade e muito menos a uma distinção entre empresário e não empresário. Por isso me parece que esse parágrafo deveria ser revogado e ao meu ver essa revogação não comprometeria o sistema, ao contrário, reduziria a insegurança jurídica, confirmaria uma tendência já observada no regime da insolvência e na jurisprudência de crise e unificaria o tratamento da atividade econômica sob um único guarda-chuva, atividade empresarial, de modo coerente com a disciplina constitucional.
Eu cito aqui um artigo em que eu defendi essas ideias, que eu também posso colocar à disposição, caso seja necessário.
Minha segunda observação, minha segunda proposta à Comissão diz respeito ao art. 1.057, que é a disciplina das limitadas, e que trata da cessão de quotas. Parece-me que a referência, no parágrafo único do 1.057, ao art. 1.003, que é um artigo que integra a disciplina da sociedade simples, traz muita confusão e prejudica os negócios de cessão de quotas. Qual é o problema que eu vejo aqui? O 1.003, que, como eu disse, integra a disciplina da sociedade simples, diz que até dois anos depois de averbada a transferência da participação societária, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. Qual é o problema? As obrigações que tinha como sócio são muito distintas no regime da sociedade simples e no regime das sociedades limitadas. No regime da sociedade simples, estamos diante de uma sociedade de responsabilidade ilimitada, ou seja, os sócios respondem por dívidas da sociedade. No regime da sociedade limitada, ao contrário, a regra é que os sócios não respondem por dívidas da sociedade. Portanto remeter ao 1.003 sem fazer uma distinção tipológica, sem que isso desrespeite o tipo societário é fazer equivaler a sociedade limitada a uma sociedade sem responsabilidade limitada, o que prejudica os negócios, aumenta os custos dessas transações, aumenta as dificuldades nessas negociações. Então me parece que a referência ao 1.003 no 1.057 não está sendo lida corretamente, quando se consideram obrigações da sociedade, dívidas da sociedade.
Portanto, a minha proposta é uma alteração do 1.057 para que se retire a referência ao 1.003. Parece-me que deveria ser afastada a referência do 1.003, de forma a se reconstituir ao regime das limitadas a limitação da responsabilidade e a adequação ao tipo. Isso diminuiria a insegurança nos negócios de cessão de quotas e também colocaria os sócios da limitada sujeitos a responder por dívidas da sociedade somente em caso de desconsideração da personalidade jurídica, porque aí atenderia aos requisitos do Código específicos - confusão patrimonial e desvio de finalidade. Essas ideias também estão em um artigo que eu publiquei na Revista de Direito Mercantil. Também posso fazê-lo disponível se for o caso.
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Por fim - e eu lamento que eu tive que escolher três pontos, mas procurei escolher aqueles que eu achei mais importantes -, um tema que me parece de extrema relevância e pouco resolvido é o tema da apuração de haveres. Eu lembro aos senhores e senhoras que o Código Civil, no 1.031, tem uma regra para a apuração de haveres que remete a um balanço patrimonial. Essa regra se aplica à sociedade limitada pelo 1.077 e pelo 1.086. No entanto, com a superveniência do Código de Processo Civil em 2015, o Código de Processo Civil prevê um outro critério, que é o balanço de determinação, inclusive avaliando-se ativos tangíveis e intangíveis, o que era necessário, a meu ver, mas a preço de saída, o que é um critério bastante diferente do balanço patrimonial do 1.031. Portanto, essa incompatibilidade tem que ser resolvida.
E, só para terminar - eu sei que meu tempo já esgotou -, parece-me que algo a se pensar na apuração de haveres é que, no nosso regime hoje, não importa a causa de saída dos sócios, os haveres são apurados sempre da mesma forma. Então, não importa se foi exclusão, se foi retirada injustificada, os haveres são sempre apurados da mesma forma. E, por vezes, eu me questiono se deveria ser assim. Eu deixo esse ponto a critério da Comissão.
Ministro, eu gostaria de agradecer novamente e me dizer bastante honrada de estar aqui.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Nós é que agradecemos, Profa. Pela. São três temas bem relevantes, bem objetivos e com fundamentos também muito fortes. Vamos refletir sobre essas propostas, muito interessantes. Muito obrigado pela sua contribuição.
Nós estamos recebendo várias perguntas e comentários pelo e-Cidadania e pelo canal que disponibilizamos, o QR code lá das perguntas.
Alexandre Senra, do Espírito Santo, pergunta se o tema dos ativos virtuais e da tecnologia blockchain já está sendo considerado por alguma das Comissões.
Erick Breno, de Rondônia: "Como o Senado [...] está envolvendo especialistas [...] no processo de reforma e atualização do Código Civil [...]?".
Comentário da Bruna de Paula, de Minas: "Com [as] mudanças sociais é mais que necessário que a legislação [...] [seja atualizada]".
Luciana Silva, do Rio de Janeiro: "Com tantas tecnologias disponíveis, é possível agilizar processos [...] como [...] a abertura de inventário?".
Adriane Lima, da Bahia: "Como a reforma do Código Civil afetará contratos, propriedade e direitos individuais no Brasil?".
Carlos Higuchi, de São Paulo: "Como evitar que a atualização não fique desatualizada tão rapidamente como [...] o Código de 2002?".
E algumas perguntas vêm também, como eu disse, pelo QR code.
A Associação Juventude Privada pergunta de que forma o Código Civil pode impulsionar a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no que diz respeito à privacidade, proteção de dados pessoais, incluindo o uso de dados no seu melhor interesse, mesmo diante de consentimento parental, onde não ocorre.
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A OAB, Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência: "Como equacionar a capacidade civil da pessoa com deficiência plena?".
São várias perguntas, várias participações muito interessantes, e eu apenas fiz o registro de algumas para que todos nós tenhamos ciência do grau de participação da sociedade neste projeto da Comissão.
Na sequência agora vamos ouvir a Conselheira da OAB, Professora de Direito Digital da Universidade Mackenzie, com o tema Direito Digital, a Profa. Juliana Abrusio. (Palmas.)
Obrigado por sua participação, ficamos honrados. Tem dez minutos.
A SRA. JULIANA ABRUSIO - Pessoal, não é essa apresentação, tá? Para a nossa técnica. Essa apresentação é da próxima palestrante, minha colega e amiga Ana Cláudia.
Muito boa tarde, Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão, meus cumprimentos, na sua pessoa eu cumprimento todos e todas aqui presentes e também estendo meus cumprimentos, com a minha gratidão pelo convite, também aos ilustres Relatores-Gerais, Prof. Dr. Flávio Tartuce e Profa. Dra. Ana Nery.
Eu ouvi com atenção o relatório geral, as gravações das primeiras reuniões, o regulamento da Comissão e documentos tornados públicos relacionados com o plano de trabalho das Subcomissões.
Eu também ouvi os Relatores-Gerais anunciarem a data aproximada, de 15 de dezembro, para receberem as contribuições de alterações e, sem dúvida é um desafio muito grande. Faço votos de que tudo dê certo, eu aqui me compadeço, assim, e me coloco ao lado da Profa. Nery, quando ela esboça a sua preocupação. Realmente é um tempo desafiador, mas eu tenho certeza de que com os membros desse grupo, juristas de escol, farão história e pelo seu preparo, capacidade e intenção de mudança legislativa para atualizar o nosso macrossistema civil que governa essas relações e nos tempos contemporâneos.
Especialmente aí eu falo do meu lugar, tanto de lugar de estudo e pesquisa como também do magistério e prática da advocacia, que seja em coerência com a assim chamada sociedade da informação.
Então eu já anuncio que eu vou aqui, no meu pouco tempo de fala, me limitar a comentários afetos a questões de direito digital, que de forma nenhuma são poucas, por isso eu não vou conseguir me aprofundar nelas, mas eu preferi seguir um caminho de mencioná-las rapidamente.
Eu costumo dizer aos meus queridos alunos, desde 2002 quando eu comecei a lecionar no Mackenzie, que o direito digital funciona como um tradicional e lúdico brinquedo dos parquinhos infantis, uma ciranda. O direito digital faz uma ciranda em todos os demais ramos do direito tradicional e faz de forma repetitiva e muito rápida, ainda mais por conta do compasso de hoje em dia com que as invenções são colocadas e muitas vezes disruptivas. Então esse avanço exponencial realmente reflete nas relações e institutos jurídicos.
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Eu vou, então, destacar aqui alguns pontos que eu entendo contribuirão com as Comissões, com a Subcomissão de Direito Digital, especialmente, e as demais. Não quero esgotá-los; há outros, mas todos, como verão, são temas transversais para, então, observar-se a necessidade de uma revisão, para uma possível atualização.
Antes de mencioná-los, rapidamente, dois pontos, em que há uma questão de ordem da minha fala, como perceberão, para o direito comparado. Eu gosto muito de olhar para a experiência de macrossistemas do direito latino-americano, não apenas, mas especialmente. Isso porque o direito, sabemos, é fruto de uma realidade social, também é um fato cultural, e ele sofre variações no tempo e no espaço. Então, dentro desse dinamismo que o direito possui, ele tem tudo a ver com os fenômenos social e histórico de um país, e daí a gente, com toda a humildade, no uso do direito comparado, buscar os nossos semelhantes e olhar para os mais próximos em cultura, história e condições sociais.
E, em que pese nós termos uma tradição do direito continental europeu, desde os romanistas, codice civile, pandectista e tantos outros, nós temos inúmeras semelhanças com os nossos países vizinhos, os quais também tiveram uma influência do direito continental europeu, desde Andrés Bello, no Chile, depois Sarsfield, na Argentina, no Uruguai e todos os demais países.
Então, fechada essa questão metodológica, uma segunda antes de entrar nos pontos específicos, faço um rápido segundo e último parêntese. Como eu disse, eu ouvi com muita atenção todo o conteúdo das reuniões realizadas e aqui eu gostaria de contribuir humildemente para a formação de uma massa crítica para as Subcomissões, aos Relatores-Gerais e ao Presidente. Eu desconheço, das experiências do direito estrangeiro, e aqui eu falo como um todo, um macrossistema civil que tenha uma parte específica para o direito digital, o que nada nos impede de inovarmos, mas é preciso estressar sua real necessidade.
Olhando para os temas específicos, primeiro lugar, o ato jurídico, que hoje nós temos no art. 104 e seguintes. Eu destaco os arts. 104 e 107, que firmam o princípio da liberdade da forma. A forma, nós seguimos o princípio da liberdade, passamos historicamente pelo Ordenamento de Alcalá e depois na positivação do Código Francês, nós tivemos esse reconhecimento. A exigência da forma especial é uma exceção à regra geral, e ela vai ser exigida em duas situações, tanto para a substância do ato quanto para a prova do ato. Ela pode ser ad substantiam ou ad provationem.
Então, nós já temos isso reconhecido, porém a informalidade nunca esteve tão presente nas relações do dia a dia. Nós temos hoje dezenas de meios e formas de áudios, de mensageria instantânea e várias outras formas para a manifestação dos atos jurídicos. Isso é preciso olhar e também ter presente que mais importante não é propriamente o suporte de que eu me valho, da perspicácia do legislador de 98, que, na Lei de Direitos Autorais, no art. 7º, coloca que são protegidas as criações do espírito humano, seja em suporte tangível, seja intangível, que se conheçam ou que se venham a inventar no futuro, já preocupado com essa questão.
A parte geral dos contratos sobre tempo e local de celebração, especialmente considerando as ferramentas de mensageria instantânea, como eu já mencionei, e especialmente os smart contracts, que são gravados nas redes blockchain. O Ministro acabou de mencionar uma contribuição pública justamente perguntando sobre esse tema. Então, algumas dessas redes blockchains - não todas - possuem a possibilidade do smart contract - a mais conhecida e divulgada é a ethereum - e têm pedaços de códigos de computador que podem ser usados para diversas transações. Como já citado pela Profa. Carline, é muito usada nos contratos de transporte, mas não só, ela também é usada para emissão de tokens, e vejam que tokens está muito além de qualquer ramo específico, está no direito imobiliário, pode representar uma dívida. Um token pode representar qualquer coisa. Então, é preciso olhar para isso, dados, inclusive, os números que são colocados do aumento do volume das relações que têm sido cunhadas nas redes blockchains, tudo com o cuidado de olhar para as peculiaridades dessas tecnologias, que são descentralizadas, imutáveis, e, apesar de raro, podem gerar um fork, podem ter uma vulnerabilidade para um ataque hacker. E realmente é preciso também caminhar e olhar para as chamadas downs, que são aquelas organizações autônomas descentralizadas. Os contornos dessa entidade ainda são de natureza jurídica que carece de uma atenção especial, de uma maior definição, mas, grosso modo, são entidades autônomas que permitem uma governança multilateral, permitindo aos seus usuários investidores dessa down um direito de voto. Então, nós temos números que mostram a pujança dessa economia, há fontes confiáveis que dizem que, em cinco anos, atingiremos US$175 bilhões em volume de transações em questão mundial.
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E aqui, caminhando e já indo para o restante final dos itens, os contratos em espécie - aqui eu ponho uma luz nos contratos de desenvolvimento de tecnologia e prestação de serviço de tecnologia, que hoje são sempre presentes, não estão afetos apenas a empresas de tecnologia, mas toda empresa hoje é sistematizada e tem toda uma transformação digital com ERPs, que são softwares que fazem toda uma gestão, as informações em nuvem. Então, qualquer empresa hoje, por via de regra, depende desses contratos, ou com desenvolvimento in house ou fora, e esses contratos geralmente costumam dar problema do que foi estabelecido previamente.
O contrato de prestação de serviço, sobre o qual um colega aqui, inclusive, se verticalizou, da forma como está, é uma proposta de alteração, obviamente, e muito aquém para resguardar e proteger esse tipo de prestação de serviço utilizando tecnologia.
Meu tempo já está esgotado, eu vou correr e finalizar.
Outro quadrante que deve ser olhado com cuidado são os contratos celebrados na assim chamada economia de plataforma, que vão além dos contratos B2C, incluem os contratos B2B e também cada vez mais os contratos B2B2C. Isso é muito importante, dada a concentração e dependência dos agentes econômicos das plataformas.
Também faço aqui uma menção à gig economy, que vai além das relações trabalhistas, vai também além das relações de direito consumista e atinge também relações civis. A gig economy precisa ser olhada.
Por fim, os documentos eletrônicos - para trazer ao Código Civil a matéria que foi exposta inicialmente na Medida Provisória 2.200, de 2001, que reconheceu os princípios da equivalência funcional e do não repúdio e dá o princípio da presunção da veracidade quando utilizada a ICP-Brasil - e também os direitos da personalidade, que já foram bastante falados pela minha colega e amiga Profa. Cíntia Rosa.
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É necessário reconhecer que o direito à proteção de dados é importante que seja colocado no nosso macrossistema, e não apenas, mas também as questões de inteligência artificial, muito bem conduzidas pela Comissão jurídica do Senado que tratou da inteligência artificial preditiva. Hoje nós temos a inteligência artificial generativa, que causará - está causando - grandes impactos e decorrências nos institutos jurídicos. E, por fim, também ainda nos direitos da personalidade, os neurodireitos, que foram objeto da PEC apresentada em junho deste ano, pelo Senador Randolfe, PEC 29, de 2023, que trata dos neurodireitos, que têm tudo a ver com a transparência dos algoritmos e também com a proteção de dados pessoais.
Por fim, quero aqui renovar o cuidado do meu colega Aguirre, que falou que nós não podemos esquecer - e eu trato muito disso ao falar da acessibilidade digital - as pessoas PCDs. Eu faço votos... E convido aqui todas as subcomissões a terem um olhar especial a essa realidade. A que está aqui dentro deste auditório não é realidade social que nós temos. Nós temos muitas pessoas PCDs, mas não estão nos meios que nós frequentamos tão ativamente nas atividades econômicas e acadêmicas. Que a gente possa especialmente se lembrar deles, inclusive com a acessibilidade digital, que já é tratada no marco civil da internet (Lei 12.965, de 2014), mas, realmente, timidamente e não teve nenhuma alteração social em relação a isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Obrigado, Profa. Juliana Abrusio. Realmente, temas muito complexos que decorrem do uso da tecnologia, do avanço da tecnologia, da migração do estado de coisas para essa área digital, temas que merecem a nossa reflexão, e serão objeto da nossa reflexão.
Na sequência, vamos falar um pouco de Direito de Família, reprodução assistida, com a Conselheira da OAB e Professora de Direito Civil da Universidade Mackenzie Ana Cláudia Scalquette.
A SRA. ANA CLÁUDIA SILVA SCALQUETTE - Ministro Salomão, muito obrigada pelo convite honroso que me foi feito. Tenho uma missão quase impossível: penúltima a falar neste dia de audiência pública. Trabalhos profícuos tenho certeza de que surgirão daqui. E é uma honra poder fazer parte deste momento histórico.
Quero cumprimentar também o Prof. Tartuce e a Profa. Rosa Maria de Andrade Nery. É uma missão de muita responsabilidade a relatoria geral e aqui os dois destacaram, a Profa. Rosa, a responsabilidade por três vezes, e o Prof. Tartuce, com a sua energia de execução; então, com certeza estamos em muito boas mãos. Quero cumprimentar todos os professores que, nesta data, estão presentes nesta casa, na pessoa de meus dois Professores queridos: Profa. Giselda e Prof. Nestor Duarte, de quem tive a honra de ser aluna no doutorado; cumprimentar todos os dirigentes de Ordem na pessoa da Dra. Daniela Magalhães - é uma alegria tê-la aqui conosco, como sempre, nestes momentos importantes; cumprimentar todos os Conselheiros e Conselheiras desta Casa, Presidentes de Comissão, em nome da minha amiga, Dra. Isabela, é um prazer conviver com você, trocar ideias a respeito de tantos temas importantes, cumprimentar a Dra. Lenita, que tenho certeza de que dá todo o suporte necessário a esta Comissão, e todos os nossos colaboradores da OAB-São Paulo, em nome do Douglas.
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Mas, não menos importante, porque todos aqui deixam suas famílias, inclusive eu, para se dedicarem. O Dr. Tartuce falou, não é? É o projeto principal da minha vida, e nós vivemos um momento histórico. E esse momento histórico exige renúncias e a renúncia do convívio familiar. Hoje completo 24 anos de casamento. Então, faço aqui a minha homenagem a todos... (Palmas.)
... os maridos, esposas, companheiros, companheiras dos nossos membros de Comissão, em nome do Prof. Scalquette.
Eu tenho aqui uma missão, que é de falar sobre Direito de Família e a reprodução humana assistida. Eu dividi propositalmente, com cores rosas, de tons de rosa, por conta do nosso Outubro Rosa, a minha contribuição em três partes. Números para sensibilizá-los quanto à necessidade de que nós façamos, Dr. Pablo, uma abordagem nessa reforma do tema da filiação decorrente de reprodução humana, problemas e já sugestões.
Números só do ano passado: 36.474 ciclos realizados; com sêmen próprio, 33.445; com sêmen de doador, Ministro Salomão, 2.533. Isso só no ano passado, contabilizados esses ciclos oficialmente.
Mas continuemos.
Nós temos uma população de 1 milhão, quase 1 milhão de embriões congelados. Todos esses dados estão disponíveis, são públicos e são consolidados pelo SisEmbrio, Profa. Claudia. Problema grande: 1 milhão de embriões congelados. Nós temos também 1.597 embriões doados para pesquisa; no último ano, observem, apenas sete. A pesquisa já não é mais um destino possível. Não há mais um grande interesse em relação aos embriões para pesquisa. Embriões descartados, jogados no lixo: quase meio milhão.
Há pouco tempo, pouco mais de uma década, nós estávamos no Supremo, acompanhando a audiência pública para se verificar a constitucionalidade ou não do art. 5º da Lei de Biossegurança, que determinava se embriões inviáveis ou viáveis congelados há três anos poderiam ou não ser enviados para pesquisa. Por seis votos a cinco, venceu a tese de que a pesquisa nobre, que salvaria vidas, deveria se sobrepor à vida do próprio embrião. Entre, Profa. Rosa, a vida do embrião e o lixo, eu não consegui ainda entender qual é o dilema, qual é, Profa. Angelica, a contraposição de interesses.
Quinhentas e vinte e uma gestações clínicas comprovadas foram obtidas com sêmen doado. Nós, possivelmente - espero que essas gestações tenham chegado a termo -, temos, neste ano de 2022, 521 novos seres que foram concebidos com material de doador e que, certamente, não sabem que foram concebidos com material de doador.
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Isso tudo para sensibilizar meus pares de que há problemas que esta Comissão nobre de pessoas que representam o intelecto do Direito Civil, que esta Comissão tem o desafio de trazer uma regulamentação mínima relativa à reprodução humana assistida e à filiação que dela decorre.
Aqui há cinco problemas, sobre os quais eu não vou conseguir me debruçar, mas apenas uma amostra de cinco problemas que devem ser enfrentados.
Controle do material genético doado, para que nós não tenhamos casamento entre irmãos.
O que me moveu, há 22 anos, a pesquisar esse tema, logo na vacatio legis, ou seja, vinte e um e um pouquinho, Profa. Angelica, foi que eu visitava o apartamento de uma senhora, para comprar, já com quarenta e alguns, e ela falou: "Nunca pensei que fosse vender esse apartamento, mas tive uma filha por produção independente e quero dar a ela uma vida no interior". A minha avó estava comigo e falou: "Produção o quê?". Eu falei: "Calma, vó. Não interrompa, porque eu quero saber o resultado". Ela falou: "Eu não tinha um parceiro. Escolhi um doador descendente de europeus, PhD em ciências exatas, porque eu sou boa em humanas e gostaria de que minha filha nascesse balanceada".
Naquele momento, senhores e senhoras, eu descobri, com todo o respeito aos que aqui estão, que há pedigree de espermatozoide, assim como de óvulo. E esse é um mercado muito rentável, porque, como o Brasil não regula a matéria, nós somos o verdadeiro paraíso da reprodução humana assistida.
Sigilo do doador versus direito à ascendência genética.
Assim como foi, no art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantido ao filho adotivo que conhecesse sua origem genética, por que não àquele que nasceu de reprodução humana, nos termos da lei? Que não existe.
Destino dos embriões excedentários.
França e Portugal acreditaram que um dos destinos possíveis, Prof. Edvaldo Brito, seria a adoção. E por que não? Lá já vem funcionando há mais de uma década - ou quase duas.
Cessão de útero, uma realidade já permitida por normas ética do Conselho Federal de Medicina, mas normas éticas, resoluções, não obrigam a todos nem poderiam. Precisamos regulamentar, a exemplo do que fizeram os Estados Unidos, uma homologação de um pacto de gestação.
Filiação post mortem, aqui já mencionada duas vezes.
A proposta, que encaminharei hoje, é de uma sucessão provisória. Emprestado o prazo da Lei de Biossegurança, que já foi considerado constitucional, por via indireta, de três anos, para que o embrião fosse "jogado" ou - desculpe - fosse enviado à pesquisa. É uma possibilidade.
"Presumem-se concebidos, na constância do casamento, os filhos". Destaquei "sociedade conjugal", porque aqui não se falava de divórcio nem de vínculo matrimonial. Uma falha.
Isso sim, Profa. Rosa, apenas uma atualização.
Muitas vezes, o legislador se esquece do divórcio, porque, como o projeto anterior à 77, a Emenda nº 9, só veio depois do projeto, Prof. Simão, há muitas coisas a serem feitas.
Três artigos... Ou melhor: três incisos: "Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido...". A esposa não? Um filho post mortem não pode, Prof. Venosa, nascer depois do falecimento de uma esposa, já que a cessão temporária de útero é uma realidade?
"Havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, apenas decorrentes da concepção homóloga". Aqueles que sobraram com material genético de doador não são considerados filhos?
Embora haja enunciados do CNJ, eles ainda não abordaram tudo que precisava - e nem seria essa a função.
E, por fim, "havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido".
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O espermatozoide é usado num tratamento, desde que o marido autorize; a esposa não precisa, porque, afinal de contas, os nossos maridos são nossos donos, e eles é que decidem o melhor para as nossas vidas. Acho que precisamos alterar.
Encerro com as propostas, no último minuto que me resta. São três as propostas: alteração do art. 1.597 para a exclusão desses três incisos, que são desastrosos, e inclusão de um parágrafo único; criação de um Capítulo V sobre "Filiação decorrente de reprodução medicamente assistida" no Subtítulo II - Das relações de parentesco, com renumeração dos capítulos, passando o "Poder familiar" a ser Capítulo VI - não sei se isso é possível, mas, se for, seria o ideal -; e emenda do art. 1.952 para que o embrião seja exceção à regra do ser concebido no fideicomisso, um tema que me é muito caro.
No art. 1.597 - são as três últimas páginas -, eu já trago uma justificação, usando a linguagem do Congresso com a proposta de parágrafo.
Na segunda proposta, criação do capítulo, uma justificação com os títulos das seções, com 42 artigos, que eu vou pedir para a Luana, por favor, passar para as mãos do Ministro Salomão, dos Relatores-Gerais, Profa. Rosa e Prof. Tartuce, e do nosso querido Relator de Direito de Família, Dr. Pablo. Eu sou da era já de transição para o direito digital, eu gosto de documento online, mas nada, Profa. Giselda, como um bom papel para a gente folhear e poder entender.
Prof. Tartuce, o senhor falou na abertura que não é mais tempo de provocações e apenas reflexões, que seria um tempo de propositura. E eu acredito que eu contribuo aqui, com esta Comissão, trazendo uma redação, ainda que imperfeita, para ser criticada, aperfeiçoada e melhorada. Esse creio ser o meu papel depois de 20 anos de pesquisa sobre o tema.
Aqui o fideicomisso.
E o meu muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Luis Felipe Salomão) - Excelente exposição! Muito obrigado, Profa. Scalquette. Faz a gente pensar bastante - essa é a ideia. Eu quero agradecer muito a sua atenção e seu esforço.
Eu vou pedir à Ministra Gallotti que me substitua aqui, na Presidência, porque preciso ir ao Governador como decorrência da correição que eu estou realizando no Tribunal de Justiça. Eu já havia previamente agendado essa reunião. Eu vou pedir à Ministra Gallotti que prossiga. Temos mais um expositor e depois os debates, que a Ministra Gallotti conduzirá aqui para mim.
Para aqueles que puderem hoje à noite, a associação de magistrados Apamagis vai oferecer um jantar de confraternização para que nós possamos unir um pouco magistrados e integrantes da Comissão. Para aqueles que puderem ir, vai ser um prazer estarmos juntos hoje à noite.
Por enquanto, aqui eu já deixo meu muito obrigado.
Passo a Presidência dos trabalhos à Ministra Gallotti.
Muito obrigado. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Bom, não é fácil substituir o Ministro Salomão, a quem agradeço por esta oportunidade de participar de um grupo tão seleto e ouvir juristas que estão nos iluminando.
A nossa última expositora vai ser a Profa. Ana Luiza Maia Nevares, Professora e Coordenadora da Pós-Graduação Lato Senso em Direito de Família e Sucessões da PUC-RJ e Diretora Acadêmica do IBDfam-RJ. (Palmas.)
A SRA. ANA LUIZA MAIA NEVARES - Boa tarde a todos.
Inicialmente, gostaria de dizer que é um prazer enorme estar aqui e saudar a Ministra Gallotti, o Prof. Flávio Tartuce, a Profa. Rosa Nery, e a Lenita, que eu já vi que é uma pessoa essencial aqui na Comissão.
Coube a mim, nesta última exposição, fazer uma certa interseção entre o direito de família e o direito das sucessões.
Quando a gente pensa no direito das sucessões e a gente trabalha com a questão da sucessão legítima, a primeira coisa que nos vem à cabeça é efetivamente a família. Eu acho que a qualquer um de nós, já que estamos aqui falando de uma legislação, na hora que pensássemos quem serão os chamados à sucessão de uma pessoa, nos viria logo à mente que é a família. Obviamente, nós vivemos em um sistema onde o conceito de família é um conceito aberto e onde tiver família haverá direito das sucessões.
E, aí, a gente se pergunta: que família é essa que devemos tutelar? Porque a nossa Constituição Federal, quando abre o capítulo do direito de família - primeiro que não tem nenhuma família prioritariamente protegida; o 226 diz que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do estado a família -, nós vemos que o legislador trata com atenção especial certos membros da família: a criança, o adolescente, o idoso e a mulher, que, sem dúvida nenhuma, é ainda a parte mais vulnerável, vamos dizer assim, do par conjugal. E resta saber se essa família que está tão atenta, em relação a essas vulnerabilidades, está realmente abraçada pelo direito das sucessões.
Então, uma grande crítica que se faz ao direito das sucessões é a sua neutralidade. Parece que basta eu pertencer àquele grupo familiar - sou descendente, sou ascendente, sou cônjuge - e eu sou chamado a sucessão; não preciso mais de nenhuma análise.
O que eu quero dizer é que a sucessão é muito criticada por ser neutra em relação àqueles chamados à sucessão e também em relação à natureza dos bens transmitidos. Parece que a função social da propriedade passa longe do direito sucessório, e talvez essa seja uma das razões por que durante muitos anos, na academia, o direito das sucessões sempre foi relegado a segundo plano. Depois de um tempo, principalmente depois que o Código Civil de 2002 chegou, para trazer uma sucessão do cônjuge, do companheiro, supercomplicada, se voltou a falar do direito das sucessões. E mais: o direito das sucessões, hoje, é um tema muito importante, porque as famílias sofreram uma modificação substancial com a recomposição das famílias. As pessoas se casam uma vez, se casam duas vezes, têm relações e filhos de dois, três relacionamentos, e, com a recomposição das famílias, a sucessão hereditária é chamada a conjugar diversos interesses: o interesse do filho do primeiro casamento, o interesse da madrasta, e, aí, a recomposição das famílias fez com que o direito às sucessões também entrasse em voga com o planejamento sucessório.
E eu adoro brincar assim: gente, as pessoas enchem a boca: "Planejamento sucessório"... A gente vai ao Instagram, holding, e as pessoas se vendendo com o planejamento. Aí eu falo: gente, escolher regime de bens é planejamento sucessório, porque, de acordo com o regime de bens, eu vou ter uma determinada sucessão.
Testamento é um ato que às vezes as pessoas têm um pouco de angústia de fazer, mas acho que eu nunca fiz um planejamento sucessório na vida que não tivesse um testamento. Então, o planejamento sucessório, em verdade, ainda perpassa por diversas áreas - societário, tributário -, é uma área multidisciplinar. E aí, obviamente, com a recomposição das famílias, essa questão toda chegou mais ainda a ser, vamos dizer assim, de interesse para a nossa sociedade.
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Mas aí eu volto para o tema de quem é a nossa família tutelada pela sucessão hereditária. Por quê? Nós temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, nós temos a Lei da Pessoa com Deficiência, nós temos o Estatuto do Idoso, nós temos a Lei da Violência Doméstica, e onde que isso está na sucessão hereditária?
Será que eu não tenho que ter uma atenção especial àqueles sucessores que vão receber o patrimônio? Será que eu não tenho que buscar uma concretude maior na hora da transmissão desse patrimônio? Será que eu tenho que tratar um imóvel, que era o imóvel residencial da família, ou a empresa da qual as pessoas retiram o sustento da família da mesma forma do que outros bens? Porque a herança é um todo heterogêneo. Dentro da herança tem cotas, dinheiro, quadros, tem uma porção de coisa que é tratada de forma unitária pelo 1.791. E eu lembro que, aqui presente com o Flávio, com o Mario Delgado, nós nos esforçamos com um projeto de lei para reformar o direito das sucessões do IBDfam, e, naquela ocasião, eu era coordenadora da parte da sucessão legítima. E foi uma tarefa árdua, principalmente porque, como já foi falado aqui, acho que o maior problema da sucessão, hoje, é se o cônjuge e o companheiro têm que ser herdeiros necessários. Acho que esse é o maior problema que nós estamos enfrentando, justamente pela recomposição das famílias, justamente por novas configurações, interesses, e cada um tem uma experiência pessoal que traz consigo na hora de opinar. Então, nós temos esse problema muito sério que precisamos enfrentar.
E, para tentar, de certa forma, concretizar isso que eu estou ponderando, no projeto do IBDfam nós sugerimos um ponto que eu acho muito central, que é o direito real de habitação, que hoje é estabelecido para o cônjuge, no art. 1.831, não importa o regime de bens, vitalício. E, aí, a única pessoa que tem direito real de habitação é o cônjuge, até morrer. E o filho menor? E o ascendente idoso que convivia na moradia do autor da herança?
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E aqui eu vou fazer um parêntese: o idoso está lá no Estatuto da Pessoa Idosa; não tem um artigo no Código Civil que fale sobre o idoso. E nós estamos envelhecendo cada vez mais e temos que tomar atenção à economia do cuidado. Por quê? Já tem pesquisas que falam que, se o trabalho, principalmente da mulher, fosse remunerado no cuidado, nós aumentaríamos 10,3 bilhões no PIB nacional. Então, se a gente fosse remunerar o trabalho do cuidado... Porque esse é o primeiro trabalho de todos, não é? Nós só estamos aqui hoje porque tem alguém cuidando de alguma coisa, dos nossos filhos, dos nossos pais... É o primeiro trabalho de todos e é o mais mal remunerado. Então, a gente tem que tomar atenção para o cuidado, porque nós estamos envelhecendo. E não tem nada sobre o idoso no Código. Nada. Nem o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência... Desculpa: o Estatuto do Idoso. Ele traz um artigo sobre o Direito Civil, que é o direito aos alimentos. O resto são direitos de políticas públicas. Onde que ele está no Direito Civil?
E eu fico sempre me perguntando: quando o filho sustenta um ascendente idoso, mora todo mundo junto, o pai idoso, o homem, a mulher e o filho menor, e aí só o cônjuge tem direito real de habitação, que pode ter outro imóvel, pode ter renda para se sustentar? E nada disso é levado em conta? Então, será que um direito que tem por objetivo tutelar um direito social da Constituição - art. 6º: a moradia é um direito fundamental para uma vida digna? Então, é um direito no Código Civil que está concretizando um direito constitucional à moradia que é indispensável para a vida digna. Só tem direito o cônjuge? E não importa a sua situação econômica. É só porque ele é cônjuge.
Então, a proposta do IBDfam, que está também trazida aqui à Subcomissão de Sucessões, é que esse direito real de habitação seja estendido para o filho menor, para o filho deficiente, e por que não a gente falar também do ascendente idoso, que dependia... O requisito tem que ser a dependência da moradia, esse é o requisito. "Ah, mas aí como é que vai ser? Vai ser uma confusão na casa! Já não morava junto antes?". Já morava junto antes, então já era confusão. Vai falecer, a confusão vai continuar - se era confusão.
Então, esse é um exemplo de uma concretude, de a gente trazer para dentro do direito das sucessões essa questão dos personagens nos quais a sucessão vai incidir. E eu acho que é isso que falta.
E aí, quando a gente fala do cônjuge, do companheiro - eu sei que eu estou terminando -, e quando eu penso na questão do cuidado, quando eu penso que a mulher que vem hoje sendo aquela responsável pelo cuidado... E aqui talvez eu seja um pouco dura, mas a gente, como mulher, a gente cuida por amor, claro, mas a gente deixa de fazer várias coisas que também são inerentes ao nosso amor-próprio. Então, nós não podemos fechar os olhos para isso. E, na hora em que a gente traz essa questão também, não dá para simplesmente pegar o cônjuge e o companheiro e falar: "Tchau. Agora, recomposição das famílias, mulheres no mercado de trabalho, podemos eliminar essa situação".
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Será que podemos eliminar essa situação? A pessoa acorda de manhã, perdeu o marido e descobre que não tem nada? Não tem direito nenhum? Então, realmente, eu sei que esse é um ponto muito difícil.
Também sou advogada, já tive vários clientes batendo à porta do meu escritório: "Então, não vou nunca mais casar com ninguém, porque não adianta nada. Vai ser meu herdeiro". Eu falei: "Calma, não fui eu que fiz a lei". E, de repente, estou, aqui nesta sala, falando sobre a reforma do Código Civil.
Eu compreendo, mas a gente também precisa refletir sobre que família é essa que está sendo chamada à sucessão hereditária e se realmente a gente não vai olhar para a vulnerabilidade. Entendo que é difícil a gente atribuir ao juiz, por exemplo, que conceito é esse de vulnerabilidade. A gente tem várias leis da assistência social, previdência social, benefício de prestação continuada, que têm critérios. Então, é difícil, é uma tarefa difícil, mas a gente também precisa enfrentar essa tarefa.
Nos sistemas da common law, para fechar aqui, as pessoas gostam de falar: "Não, nos Estados Unidos não tem legítima. Na Inglaterra não tem legítima". É porque o sistema da common law protege a família a posteriori. O princípio é a liberdade de testar, mas, se essa liberdade deixa um parente que eles consideram vulnerável sem a sucessão, a pessoa pode ir à Justiça pedir a sucessão. E o berço da common law, que é a Inglaterra, tem uma lei, que é provisional family, de 1975, que prevê essa questão. Talvez a gente possa ter algum intercâmbio para trabalhar com essa situação.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Obrigada, Profa. Ana Luiza, pela bela exposição.
Agora, passando aos debates, eu pergunto quem gostaria de fazer pergunta.
Estamos pensando numas cinco perguntas, com dois minutos para a pergunta e por volta de três minutos para a resposta. Aí, eu peço que venha aqui para fazer a pergunta.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Ministra, eu recebi uma inscrição do Presidente da Comissão de Bioética da OAB-SP, o Prof. Henderson Fürst, que está ali e é aqui da Casa. Ele gostaria de fazer a primeira indagação.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - O senhor pode vir aqui à tribuna.
A SRA. LUANA CAMPOS - Melhor seguir? Vir aqui?
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Certo.
A SRA. LUANA CAMPOS - Perfeito.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Sim, da tribuna.
O senhor pode dizer o nome e a identificação, embora o Prof. Flávio já tenha dito, aí da tribuna.
O SR. HENDERSON FÜRST - Boa tarde a todas e todos.
Saúdo a nossa Exma. Ministra, presidindo essa mesa.
Eu sou Henderson Fürst. Presido a Comissão de Bioética desta casa, a OAB de São Paulo.
O motivo da minha indagação... Eu aproveito para dizer que não falo apenas em nome da Comissão, mas de todas as pessoas com deficiência e doenças raras que nos assistem e nos acompanham e lutam diariamente por sua saúde neste país. Sou também uma delas.
A minha indagação diz respeito...
Por favor, o cronômetro, para que eu garanta que eu não vá usar nem os dois minutos de todos aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Pode marcar dois minutos, por favor.
O SR. HENDERSON FÜRST - Bom, enquanto isso, eu já vou falando para tornarmos esses dois minutos muito úteis.
O art. 15 do Código Civil tem causado muitas dúvidas no cotidiano, à beira do leito. Incontáveis profissionais de saúde nos procuram questionando como é que devem lidar com a manifestação de pacientes, em especial com a recusa terapêutica. Paciente que após uma biografia inteira, vira e diz: "Não quero que seja realizado esse tratamento". E essa manifestação de vontade muitas vezes é desrespeitada, é violada, especialmente considerando um longo histórico de graves violações de direitos humanos na saúde, no último século, decorrentes de ignorar a manifestação da vontade de pacientes em todas as circunstâncias.
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Nesse sentido, o Brasil é signatário da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, proposto pela Unesco, que tem o art. 5º e o art. 6º falando expressamente sobre consentimento e a possibilidade dessa recusa. A minha primeira pergunta, nesse sentido, é sobre a possibilidade de reformar o art. 5º para prever expressamente aquilo que o Enunciado 403, da 5ª Jornada de Direito Civil, já manifestou sobre a possibilidade que pacientes possam recusar tratamentos, inclusive isso sendo tutelado por diretivas antecipadas de vontade, testamento vital e assim por diante.
Outra questão, no sentido que a Profa. Ana Scalquette falou antes de mim, brilhantemente, professora, é sobre reprodução humana assistida. Nós temos graves problemas aqui, mas quero ressaltar a questão do contrato com a gestante por substituição. Muito embora seja um contrato gratuito, voluntário, humanitário, nós sabemos que a prática nem sempre é assim. E se são possíveis alimentos gravídicos durante a gestação, por que não regularmos os alimentos gravídicos da gestação por substituição para evitarmos turismos e outras violações mais graves aqui no Brasil?
E eu encerro com cinco segundos. Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Bom, aqui nós teríamos a possibilidade de ouvir o Prof. Marrone sobre a parte geral e a Profa. Ana Cláudia Scalquette, ambos para responderem às perguntas?
A SRA. ANA CLÁUDIA SILVA SCALQUETTE - Dr. Henderson, onde está? Aqui? Obrigada pela oportunidade de fazer mais esse esclarecimento.
Digo que eu estive em seu lugar, há alguns anos, presidindo essa comissão de bioética, à época chamava estudos sobre a vida, e nós temos, no meu ver, enfim, sim, essa possibilidade de alimentos gravídicos, porque são mais do que justos. Há despesas relacionadas ao período gestacional que merecem e devem ser arcadas pelos genitores. E digo mais, Prof. Henderson, há um problema complexo quanto ao diagnóstico pré-implantacional, nas técnicas de reprodução humana, porque nós podemos, por via indireta, fazer uma prática que todos nós aqui... ou adotarmos uma prática que todos nós refutamos, com certeza, que é a eugenia.
A recusa de tratamento eu vou deixar para o Dr. Marrone, mas me parece também muito acertada, porque quando a cura é improvável, pode ser que nós estejamos diante de uma decisão em que a sobrevida ou o período restante será mais bem vivido sem a tortura de um tratamento que prolongaria a vida de qualquer um de nós.
Agradeço pela pergunta e faço votos de que achemos soluções. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Obrigada, professora.
O Prof. Tartuce vai também ajudar a responder a essa pergunta.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Eu acho que essa observação vale também para outras comissões.
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Quando nós fixamos o trabalho inicial, uma das pautas para roteiro, para consolidação do posicionamento das alterações do Código, foram os enunciados da Jornada de Direito Civil. Então, nós temos adotado para todas as Comissões e acredito que os subgrupos vão utilizá-los e também a relatoria geral. Nós vamos passar por todos os enunciados da Jornada de Direito Civil.
E eu lembro que, no 15, não é só esse enunciado; existe um outro enunciado que trata de experimentos. Também esse enunciado vai ser considerado.
No 14, tem a questão de disposição post mortem de partes do corpo, o Enunciado 277.
Então, todos esses enunciados que foram produzidos já em nove Jornadas de Direito Civil - nós tivemos ampla participação dos membros da Comissão - vão ser considerados nos subgrupos e ou na relatoria geral.
Então, com certeza, em relação ao art. 15, que tem uma redação muito ruim, acho que, até se a gente for colocar parágrafos, o caput tem que ser repensado. Os enunciados e esse vão ser considerados para alteração desses positivos.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agora, na sequência, quem havia pedido? Alguém ali primeiro levantou a mão.
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Aqui na frente.
Pedimos, por gentileza, que se identifique para que a nossa transmissão também possa registrar.
Dois minutos.
A SRA. VIVIANE LIMONGI - Boa tarde a todos. Muito obrigada pela oportunidade.
Meu nome é Viviane Limongi. Eu sou mestre e Doutora em Direito Civil e Professora de Direito do Grupo Etapa.
Aproveito essa breve oportunidade para fazer um questionamento na questão da teoria geral do Código Civil, no tocante à teoria das incapacidades. Eu acho que o Código Civil, a partir de 2002, fez um mea-culpa da expressão "loucos de todo gênero". Então, apesar de termos convivido com uma expressão por cem anos e termos criado um estigma referente a qualquer tipo de impossibilidade ou deficiência mental - e, hoje, qualquer grau de autismo se enquadraria nesse ponto, para a gente perceber que é uma questão também histórica -, a partir do de 2002, nós modificamos e falamos de discernimento, desenvolvimento mental incompleto. E, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, nós modificamos e outorgamos a capacidade ex lege a todos. A primeira observação seria esta: sobre a manutenção ou não da questão de cognição para outorga de capacidade para todos os atos jurídicos. E eu tomo a liberdade de fazer aqui, em dois minutos, uma breve observação: talvez não haja necessidade; talvez haja necessidade da cognição para negócios jurídicos, porque precisa de uma vontade qualificada.
Agradeço e cumprimento a Profa. Rosa, que foi minha professora no mestrado.
E essa é uma primeira observação.
A segunda: prazo de prescrição, como o Prof. Nestor Duarte comentou aqui anteriormente. Hoje, da forma que está a legislação, já poderíamos pronunciar a decadência, por exemplo, de nulidade de qualquer negócio jurídico firmado por pessoa com deficiência mental ou intelectual, ou até mesmo reconhecer a prescrição aquisitiva em desfavor de uma pessoa com deficiência mental ou intelectual, o que é grave. Então, corroborando, ratificando, humildemente, as palavras do Prof. Nestor Duarte, eu acho que essa questão da prescrição deve ser modificada.
A questão do contrato de doação como contrato benéfico por si só, muito utilizado no planejamento sucessório, nós poderíamos retirar a obrigatoriedade de aceite da pessoa por parte do donatário na doação pura, quando essa pessoa não puder emitir vontade. Então, já que hoje o critério é volitivo, não é mais cognição, que seja utilizado esse critério também para deixar de ter uma obrigatoriedade do donatário na doação pura.
E, por fim, eu peço desculpas, porque, na verdade, estou fazendo algumas observações, não questionamentos, mas se não seria caso também da tomada de decisão apoiada como um negócio jurídico - tem natureza de negócio jurídico -, que seja outorgada a todas as pessoas que, por alguma razão biológica, psicológica ou social, encontrem barreiras no exercício de seus direitos. Ele tem a natureza de negócio de risco, o Prof. Rosenvald corrobora essa posição, é uma relação interna entre apoiado e apoiador. Não fala de capacidade, ela está fundada numa vulnerabilidade biopsicossocial. De modo que, nas palavras da Profa. Ana Luiza, que acabou de falar sobre vulnerabilidade, por que não nós reconhecemos que pessoas com capacidade, muitas vezes durante a vida, possuem vulnerabilidades biológicas, depressão, e podem requerer um apoio para exercício de seus direitos?
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Essas são as minhas considerações desde já, muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Agradeço à Professora. E eu passo aqui à Profa. Rosa Nery, para responder a primeira parte; depois, será o Prof. Tartuce.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY - Naturalmente, a matéria vai ser estudada pela Subcomissão de Teoria Geral do Direito, que cuida da parte dos arts. 1º ao 232.
A parte sobre incapacidades, há uma pretensão de alteração, evidentemente levando em consideração os atos que são existenciais e os outros que são relacionados com a vida patrimonial.
Eu acho que, apesar das belezas e bons progressos da Lei de Proteção à Pessoa com Deficiência, em matéria de discernimento, de decisão para atos da vida civil, o Código Civil precisa dar a última palavra nesse ponto, e eu tenho a impressão de que a Subcomissão vai cuidar dessa matéria.
Agora, essa divisão sobre direitos, interesses indisponíveis da vida existencial da pessoa incapaz, eu acho que foi o mote que gerou a decisão tão forte do Estatuto da Pessoa com Deficiência que criou essa pequena e grande confusão no Direito Civil.
Quanto ao mais, o Prof. Tartuce pode responder.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Obrigado, Profa. Rosa.
Conversando com a Comissão, especialmente com o Relator Rodrigo Mudrovitsch, possivelmente nós vamos ter a volta e a inclusão de algum dispositivo no art. 3º, dizendo que a pessoa que não tem nenhuma condição de exprimir vontade é absolutamente incapaz, especialmente a pessoa que está em coma. (Palmas.)
Com isso a gente resolve eu acho que as quatro primeiras perguntas e também outras questões de prescrição, decadência, todas elas são resolvidas de uma vez só.
Sobre a tomada de decisão apoiada, está em pauta na Comissão de Família - não sei se o Prof. Pablo Stolze está aí, acho que ele já foi - a extrajudicialização da tomada de decisão apoiada, porque ela é muito burocrática, não tem funcionalidade, e eu quero até acrescentar aqui, porque não foi dito, e isso também foi falado na nossa primeira reunião, que a Comissão tem um dos seus motes principais a extrajudicialização e a redução de burocracias de tudo o que for possível. Então há uma proposta de pegar todos os procedimentos extrajudiciais que estão no Código de Processo Civil e trazer para o Código Civil, e extrajudicializar o que for possível, especialmente a tomada de decisão apoiada, que é um instituto que está na pauta para ser extrajudicializado. O Ministro Salomão, na condução dos trabalhos no CNJ, já tem feito isso.
Hoje eu faço parte do conselho consultivo do ONR, que é o operador nacional do serviço de registro públicos eletrônico, e neste ano nós tivemos, por exemplo, regulamentação da adjudicação compulsória extrajudicial, novo provimento sobre união estável, código de normas, essas previsões dentro do possível também virão, é o que a gente tem debatido nas Subcomissões para o Código Civil.
Acho que era isso.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Bom, agradeço ao Prof. Tartuce e à Profa. Nery. Agora, quem mais pediu?
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Podem vir aqui, doutor, e depois a próxima inscrição.
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Lembro que é importante falarem o seu nome por completo, para registro na nossa transmissão também.
Dois minutos para as suas colocações.
O SR. MARCO PAULO DENUCCI DI SPIRITO - Exma. Ministra Isabel Gallotti, na pessoa de quem cumprimento a mesa e todos os presentes, meu nome é Marco Paulo Di Spirito. Sou Defensor Público em Minas Gerais. Em nome da Defensoria, agradeço o convite.
Nós teríamos muitas considerações para fazer. Vamos enviar sugestões.
Estamos muito satisfeitos, felizes com a oportuna alteração e revisão do Código Civil, que vem em boa hora.
Entre vários pontos que eu gostaria de trazer, eu tive o cuidado de assistir às reuniões, às sessões realizadas pela Comissão no Congresso, e um ponto nos chamou a atenção, trazido pela Dra. Laura Porto, com relação à regulação da assinatura digital.
O que acontece hoje é que nós estamos recebendo na Defensoria uma demanda intensa de contratos formalizados pela via digital, que seriam formalizados e que são, na verdade, confeccionados com elementos coletados do consumidor. O consumidor comparece em determinados estabelecimentos, que se apresentam como credenciados, como intermediadores, e são coletadas fotos, imagens de assinatura. Com esses elementos, são confeccionados arquivos digitais. E esses arquivos são apresentados como se fossem um contrato digital, com assinatura formal.
Eu tenho chamado esse método de "contrato por mosaico", porque eles montam elementos digitais para confeccionar o arquivo.
Então, a nossa preocupação e a nossa dúvida são a seguinte: ao tratar da assinatura digital, a regulação e o texto legal vão trazer os pressupostos de segurança, de integridade para esse tipo de arquivo digital, para a assinatura digital?
O Prof. Fabiano Menke, recentemente, publicou um texto em que ele alinha, segundo o direito comparado, os pressupostos mínimos para documentos e arquivos dessa natureza.
Nós temos uma preocupação pontual com relação à questão da integridade, com uma chamada "cadeia de custódia", entre aspas, que tem que ser observada nesses procedimentos, porque todo procedimento tem que ser inviolável do início até o fim, porque, senão, nós vamos abrir uma margem enorme para fraudes. E é o que nós temos verificado no cotidiano.
Só para finalizar - e este é o ponto que nós gostaríamos de trazer -, nós temos casos de consumidores que recebem informações de contratos datados perante a instituição financeira duas, três semanas após o comparecimento na agência. E são dois, três, quatro arquivos confeccionados em sequência sob o pretexto de assinatura digital.
Então, o que se alega é que houve uma contratação com o emprego da self, mas é uma via de fácil burla.
Essa é a nossa preocupação.
O que nos traz aqui? Nós temos o receio de o texto positivar uma redação que venha a placitar essas práticas, como a chancelar com uma redação muito fluida e que não assegure esses pressupostos.
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Eu peço perdão por ter ultrapassado o meu prazo, mas o Defensor Público tem prazo em dobro. (Risos.)
Eu agradeço pela paciência de todos.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti. Fora do microfone.) - Passo a palavra agora para o...
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Bom, obrigado, Ministra.
Eu não posso ainda revelar, mas acabei de mencionar aqui o ONR, e vai sair, Dr. Defensor Público, na semana que vem ou na outra semana, um novo provimento do CNJ na linha daquela classificação de 2020, das assinaturas em qualificada, avançada e simples. Isso já vai ser normatizado pelo CNJ num provimento agora. A Câmara Reguladora fez uma proposta e deve ser... O Ministro deve assinar... Eu não posso informar o conteúdo, mas isso já deve ser regulamentado. Vai atender, inclusive - é o que eu posso dizer -, um pouco dos seus anseios.
E acredito que esse tema - a Comissão, acho que depois a Laura, pode esclarecer - já está na pauta para ser tratado. O Código Civil vai trazer a classificação das assinaturas e vai adotar a linha mais pró-segurança jurídica, que é a mesma linha do provimento. Então, não sei se, na semana que vem ou na outra semana, deve sair esse provimento sobre assinatura digital e vai ser incorporado, depois, ao Código de Normas Nacional.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agora, eu vou passar uma pergunta da Aline Fachinetti, da Associação Juventude Privada, dirigida à Profa. Laura Porto, que é a seguinte: "De que forma o Código Civil pode impulsionar a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no que diz respeito à privacidade e proteção de dados pessoais, incluindo o uso de dados no seu melhor interesse, mesmo diante de consentimento parental, onde não existir espaço para a sua manifestação de vontade?".
Profa. Laura Porto, V. Sa. pode nos responder?
A SRA. LAURA PORTO - Obrigada, primeiramente, pela pergunta, Ministra.
Bom, eu acho que o interesse dos menores, crianças e adolescentes, são interesses de todos, de todas as Subcomissões. Então, temos que preservar crianças, adolescentes, idosos, pessoas com necessidades especiais, todos, em geral, e o direito digital também não se escusa dessa necessidade. Então, assim como nós temos essa premissa já na Lei Geral de Proteção de Dados, nós vamos trazer isso também, esse pensamento para o nosso Código Civil, seguindo justamente o que nós já temos de doutrina em proteção de dados. Então, a ideia vai ser sempre privilegiar a criança, o adolescente, os vulneráveis em geral.
Inclusive, eu convido que mandem sugestões com o tema específico da criança e do adolescente no ambiente digital, porque é extremamente importante. É um assunto bem delicado, que foi tratado na Lei Geral de Proteção de Dados com uma certa superficialidade, se assim podemos dizer, precisaria ter um melhor conhecimento no desenvolvimento da matéria, porque, justamente, nós entendemos que pressupormos, na verdade, um consentimento de um pai ou um responsável que está ali, no ambiente digital, supervisionando um menor, seria, talvez - como eu posso dizer? -, uma inocência nossa. Só que como trazer isso para a efetividade de que, realmente, tenha um pai ou um responsável?
Deixo aqui a pergunta aos que estão presentes e aos que estão digitalmente: quem aqui tem um filho menor de idade, uma criança, um adolescente? E quais desses filhos, crianças ou adolescentes, têm um aparelho telefônico, um aparelho celular com acesso à internet? E vocês ficam 24 horas olhando tudo o que eles estão fazendo? Todos aqui estão me dizendo "não". Não sei se, digitalmente, é da mesma forma.
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Então, é algo em que nós precisamos pensar.
Também um ponto que é extremamente relevante no direito digital é a educação digital, acima de tudo.
Eu sempre brinco que, antigamente, o que nós ouvíamos dos nossos pais? "Não entre em carros de estranhos". "Não aceite doces de desconhecidos". Hoje, nós temos que ter outro tipo de conversa com as crianças. Nós temos que dizer: "Essa pessoa que está aí conversando no joguinho com você não é seu amigo"; "Não mande foto do cartão do papai e da mamãe"; "Não mande nudes". É o tipo de conversa que temos que ter hoje.
É uma educação digital que nós nunca tivemos antes.
Então, deixo aqui essa preocupação de fato, eu imagino que não só da Subcomissão de Direito Digital, mas de todas as Subcomissões.
Mais uma vez, estamos abertos para que mandem as sugestões para nós.
Fico à disposição. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Profa. Laura, eu agradeço. Mas peço que fique aqui ainda, porque acabou de chegar uma pergunta pelo e-Cidadania, do Senado, do Alexandre Sena, do Espírito Santo.
Ele perguntou o seguinte: "O tema dos ativos virtuais e da tecnologia blockchain está sendo considerado por alguma das Comissões?".
A SRA. LAURA PORTO - Eu agradeço a pergunta que veio do Espírito Santo.
Os ativos digitais estão sendo considerados de todas as formas, não só a parte contratual, como na parte de sucessões também.
Sem dúvida, o blockchain é uma medida muito vista para trazer uma proteção para o sistema. Nós sempre pensamos em questões bem protetivas, as mais protetivas possíveis para o ambiente digital. E, de um certo modo, o blockchain se mostra uma medida viável para que façamos esse tipo de relações digitais.
Então, sim, estamos vendo essa questão e vamos levar isso, inclusive, como eu falei das questões dos menores, imagino que todas as demais Subcomissões estejam pensando também em questões contratuais, em questões patrimoniais mais seguras no ambiente digital.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agradeço, Profa. Laura.
A SRA. LAURA PORTO - Imagine. Fico à disposição.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Aí da plateia tinha alguém que tinha...
A SRA. LUANA CAMPOS - Pode vir, relembrando, por gentileza, que se identifique. Você tem dois minutos para a sua pergunta.
O SR. VICENTE DE PAULA ATAÍDE JUNIOR - Boa tarte a todos, a todas, Ministra Gallotti.
Meu nome é Vicente de Paula Ataide Junior. Eu sou juiz federal, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná e, hoje, falo representando a Ajufe.
A minha colaboração para esta Comissão é nas interlocuções do direito civil com o direito animal. Já tive oportunidade de anunciar isso na primeira reunião, em Brasília.
Eu gostaria de trazer um dado empírico para esta Comissão levar em conta deste que é um tema desafiador para todas as Subcomissões, que têm que pensar, que já externaram que vão pensar a respeito do assunto.
Nós temos, no Brasil, mais de três dezenas de ações judiciais com animais no polo ativo da demanda, em vários estados da Federação. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em setembro de 2021, reconheceu expressamente a capacidade processual dos animais, recolocou os animais, dois cães, no polo ativo da demanda, e essa demanda prosseguiu.
Mais recentemente, Ministra Gallotti, a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto União, Estado de Santa Catarina, proferiu a primeira sentença de mérito de procedência condenando um réu a pagar indenização por danos morais a dois cães vítimas de violência e de maus-tratos. Será que poderemos ignorar esses dados empíricos que já estão acontecendo na reforma do Código Civil? Que resposta poderíamos dar a esse tipo de desafio?
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Certamente o juiz de Porto União já se perguntou que critérios que ele vai adotar para fixar a indenização por danos morais. Ele já deve estar preocupado porque se esses cães morrerem, para quem irá o dinheiro? São animais que terão patrimônio, porque o juiz deixou claro que os valores são dos animais, porque são os autores da demanda.
Eu só gostaria de utilizar esse espaço para dizer que não me parece que todos os setores desta Comissão poderão ficar indiferentes a essa realidade e precisarão de alguma forma dar algumas respostas a esse fenômeno que eu já diria é sociológico antes de jurídico.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agradeço ao Prof. Ataíde.
Prof. Simão, deseja responder?
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Existem fenômenos sociológicos que são antijurídicos e existem erros de doutrina. Então, vamos pontuar as coisas como elas devem ser pontuadas.
Os dois sistemas europeus mais avançados - e eu vou responder em dois minutos por isonomia, Ministra Galotti - são os alemães e os austríacos. Os animais não são coisas, e se aplica o direito das coisas no que couber aos animais. Existe uma portuguesa e francesa que usa a senciência, a sensibilidade. Nenhum deles dá direito patrimonial a cachorro, gato, nada, são direitos puramente de proteção a sofrimento, e, portanto, a ideia de deixar dinheiro para um cachorro é absolutamente chocante. Nem para os americanos, com o sistema do trust, o cachorro e o gato são titulares de dinheiro.
Então, desculpe-me, Dr. Vicente. Sabe como é que trata isso? Dizendo que não tem direito patrimonial animal. (Palmas.)
Isso não é desproteger o animal, é pôr as coisas no lugar que elas precisam ser postas, porque o sistema português, que é ultra-avançado na proteção dos animais - ultra-avançado... Não é porque a gente pode tratar cachorro como gente, e se você não tratar cachorro como gente...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ FERNANDO SIMÃO - Não, o cachorro não é sujeito de direitos, ele é titular de proteção como um terceiro gênero.
Nós podemos achar que ainda as coisas têm lugar no mundo e, nesse mundo que as coisas têm lugar, nós podemos proteger os animais, e vamos protegê-los, com a dignidade animal como eles merecem, sem nenhum exagero teórico. Sem nenhum exagero e sem chocar um mundo em que nem a França e nem a Alemanha deram para cachorro patrimônio.
É assim, e daí ficam as coisas nos seus devidos lugares, protegendo os animais como eles merecem, como eles precisam, e não indo além com, eventualmente, teses que vendam livros.
É isso.
Muito obrigado, senhoras e senhores. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agradeço ao Prof. Simão.
Prof. Rosa.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY - Eu gostaria de fazer uma consideração de que, na Europa, há uma tendência a que se dê personalidade para fins de proteção a direitos, que aqui no Brasil nós fazemos por meio da ação civil pública.
Há certos entes que não têm personalidade. Nós também temos isso aqui? Temos. A capacidade judiciária nós a entregamos para a massa falida, para o condomínio, não é uma novidade. Poder-se-ia pensar nisso? Não é algo impossível.
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Eu vejo que a proteção que a ação civil pública dá para a proteção de rios, de mares, de coisas... Porque a ação civil pública é promovida por quem não tem o direito, por quem não tem a pretensão. A pretensão é em defesa do mico-leão-dourado, da onça-parda... Não tem nenhuma novidade nisso.
Então, quanto à proteção, doutor, eu vejo que nós temos saídas e de grande qualidade aqui no Brasil, embora a proposta que o senhor faz, que está trazida já por alguns julgados, não seja tão diferente, porque já existe alguma coisa assim no direito estrangeiro - na França e na Alemanha.
Eu acho que nós temos uma outra saída. Nós temos, aqui no Brasil, o sistema dos fundos. Em virtude da ação civil pública, pode-se fazer um fundo de proteção aos animais, proteção à floresta e daí por diante.
Então, a questão patrimonial, de dar patrimônio para um ser sem personalidade, me parece uma extravagância hoje. Amanhã, eu não sei; mas, de toda maneira, são assuntos que nós teremos que ponderar.
Agora, o que eu acho que é possível fazer é tratar, no Código Civil - isso é uma proposta para a comissão de teoria geral, quando cuidar da eficácia civil dos direitos fundamentais ou dos direitos de personalidade -, de fazer uma transposição da potencialidade afetiva do ser humano para essas manifestações que decorrem da estima pelos animais. Isso pode gerar direito a indenização por dano moral para aqueles que, eventualmente, tenham conexão de propriedade, de afeto, de carinho com animais. Isso acontece, nós sabemos disso, do quanto, às vezes, uma pessoa doente tem conexão com os animais, por quem tem estima.
Então, são avanços difíceis. Eu acho que nós temos que ter um andar vagaroso, mas pode ser que a comissão de teoria geral traga coisas novidadeiras, como as que o senhor propõe. Eu acho dessa maneira.
Sinceramente, eu ando aprendendo coisas aqui. Eu tinha dito para a Profa. Paula Forgioni, no fim da nossa primeira reunião, que agora só resta dançar um tango argentino. Agora eu acho que é um tango paraguaio. Eu não sei mais... (Risos.) (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Vamos à exposição aqui.
Pode vir à tribuna.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - É só uma questão, aqui, de ordem.
O senhor vai falar sobre a questão dos animais? Bom, vamos lá. Aqui nós temos uma Casa que prima muito pelo contraditório. Porque, se o senhor defender uma tese, vai ter que chamar outra pessoa, se é favorável ou contra, para falar contra.
O que nós temos até aqui? Nós tivemos uma exposição do Dr. Vicente, defendendo a tese; tivemos uma posição do Ministro Simão, contra a tese; e tivemos uma tese intermediária, uma fala intermediária da Relatora.
Então, se o senhor for à tribuna para falar favoravelmente à primeira tese, nós vamos chamar outra pessoa para falar contra - e aí nós vamos ficar debatendo isso até amanhã. O que eu sugiro é que a gente, sobre esse tema, pare por aqui. Já tivemos uma pessoa falando favoravelmente, outra pessoa falando contra, a Profa. Rosa, como Relatora, numa posição intermediária.
Que a gente veja se tem um outro tempo, porque esse assunto será debatido? Sem dúvida, esse assunto será debatido, já está sendo debatido, não só na comissão de parte geral.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Mas tudo bem, se o senhor falar, nós vamos chamar outra... E eu até posso me inscrever para falar contra.
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E aí a gente segue e vamos ficar a favor... Depois, a Dra. Maria vai querer falar a favorável, alguém vai querer falar... Porque esta é uma Casa que prima muito pelo... sempre foi assim. Vamos ouvir uma parte, ouvir outra e vamos ficando...
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Eu acho que nós podemos mudar de assunto.
Alguém mais deseja se manifestar sobre outro assunto?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Ainda está no mesmo assunto.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Bom, então nós vamos abrir duas inscrições para falar favoravelmente e duas inscrições para falar contra.
Quem é que vai falar contra?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Alguém vai falar contra?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Ah, muito bem.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Alguém deseja falar sobre outro assunto?
Esse de direito animal... Eu penso que todos os que têm outros fundamentos se puderem mandar para a Comissão, por escrito... Vamos ter outras audiências públicas e o tema voltará. O âmbito é muito grande de assuntos, e a gente precisa acabar daqui a pouco.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Eu acho que tem...
O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Alguma pessoa... Pode vir, por favor?
Por gentileza, se identifique. Fale o nome completo, a instituição que representa. Você tem dois minutos ali no cronômetro.
A SRA. CÍNTIA PORTES - Boa tarde a todos e todas.
Comprimento a Mesa na pessoa da Profa. Nery. Meu nome é Cíntia Portes, Vice-Presidente da Subseção da OAB-Sumaré e sou professora.
O tema é a renúncia de herança. Desculpe-me até assim a singeleza da questão, mas quando o Prof. Mario Delgado fala que temos uma ideia muito clara nessas Comissões de ampliação da autonomia da vontade das partes em relação à sucessão, veio-me uma curiosidade que inclusive nesta casa...
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Só um minutinho, doutora. Pedimos, por gentileza, a atenção de todas e de todos para a exposição da colega.
Muito obrigada.
A SRA. CÍNTIA PORTES - Imagina.
Inclusive, nesta Casa, foi alvo de grandes e valorosos debates na Comissão de Direito das Famílias a possibilidade da renúncia de herança pelos cônjuges no pacto antinupcial.
Esta nobre Comissão e as Subcomissões têm trabalhos nesse sentido, discussões que possam enfrentar esse tema, que também é do nosso dia a dia na advocacia familiarista e das sucessões?
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues) - Agradeço a pergunta.
O Prof. Mario Delgado está? O senhor pode responder?
O SR. MARIO LUIZ DELGADO RÉGIS - Eu agradeço a colocação.
Como eu falei, um dos pilares mais importantes do trabalho da nossa Subcomissão de Sucessões é exatamente ampliar a autonomia privada do autor da herança, do autor da sucessão, rompendo uma lógica que vem sendo prioritária até hoje de que o direito fundamental de herança que está assegurado na Constituição teria como titulares, exclusivamente, os herdeiros, como se fosse um direito fundamental à herança. A preposição que está posta no art. 5º, inciso XXX, não é o "à", craseado, mas o "de"; então é um direito fundamental de herança que tem como titulares não só os herdeiros, mas também o autor da sucessão.
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Esse direito fundamental de herança é, sobretudo, para o lado do autor da sucessão, o direito de planejar a sua própria sucessão, o direito de definir e decidir para quem legar o seu patrimônio. O direito fundamental de herança é o direito fundamental de planejamento sucessório, Dra. Ana Luiza, e por isso as propostas que estão sendo discutidas hoje, na Comissão, sobretudo no âmbito da sucessão testamentária, vêm nesse sentido: ampliar, por exemplo, o poder de disposição do testador em relação à legítima.
Ainda que se mantenha a legítima dos herdeiros necessários, o que me parece uma medida de proteção necessária, me parece que nós não estamos ainda maduros para suprimir a legítima, nós precisamos ampliar o poder de disposição do testador sobre a legítima. Por exemplo, o poder de converter a legítima em outros bens da mesma natureza é uma proposta que já está lá.
Retirar a necessidade de justa causa para a clausulação da legítima. Por que eu tenho que justificar uma cláusula de incomunicabilidade impondo constrangimento ao testador de dizer que não confia na sua nora ou no seu genro, e por isso, eu quero que a herança seja incomunicável?
Questões como a curatela especial aos bens: por que a curatela especial aos bens está limitada à maioridade, quando o meu filho, aos 18 anos, pode não ter maturidade alguma para assumir, por exemplo, a gestão dos negócios, da empresa? Por que não permitir que a curatela especial aos bens se estenda para além da maioridade, mesmo que se limite a um número máximo de anos, até dez anos após a maioridade, por exemplo?
Então, são essas questões e várias outras que a gente vem trabalhando nessa linha de ampliar a autonomia privada. Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agora já estamos encerrando. Pergunto se há alguma última pergunta. Por favor...
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Última manifestação.
A SRA. ANA RAQUEL FORTUNATO DOS REIS STRAKE - Boa tarde. Eu sou Ana Raquel Fortunato dos Reis Strake e sou aluna de mestrado do Prof. Tartuce.
A pergunta tem a ver com essa autonomia privada e está relacionada à pesquisa. A pergunta é a seguinte: já deu para perceber, no direito de família e no direito das sucessões, que a gente precisa de uma maior autonomia. E quando a gente fala dessa maior autonomia, o que a gente sente é que tem um certo preconceito em relação à contratualização da matéria. Só que, quando a gente vai olhar no mundo real, o que está acontecendo? Os maiores patrimônios estão recorrendo à pejotização das relações, e sem o crivo da contratualização. Quando a gente olha para a contratualização, hoje a gente migrou da autonomia da vontade para a autonomia privada. Então, eu tenho o crivo da função social e tenho o crivo da boa-fé objetiva, que são matérias de ordem pública. Então, por que a gente vai continuar defendendo que a gente precisa defender a família, a célula mater, com normas de ordem pública, se a gente pode contratualizar e a gente vai ter a ordem pública, ainda assim, regendo as relações? Dentro dessa possibilidade de maior autonomia da vontade, mas com a proteção dos vulneráveis.
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Então, o questionamento seria esse em relação a qual a movimentação do Código Civil, já que a gente vê, no cenário real, para os grandes patrimônios que está acontecendo esse movimento de pejotização, que tudo fica muito caótico, que o vulnerável realmente não é protegido, e a gente percebe uma maior desigualdade de gênero se não houver essa proteção. Seria esse o questionamento. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agradeço à Dra. Ana Raquel e passo a palavra ao Prof. Tartuce para a resposta.
O SR. FLAVIO TARTUCE - É, eu vou responder pelo que nós estamos vendo das Comissões de Contratos, Família e Sucessões.
Sucessões, o Mario Delgado já adiantou. E um desafio vai ser também o que o João Aguirre trouxe. A gente vai retirar cônjuge e companheiro como herdeiros necessários. E, retirando, mantém ou não a concorrência. Isso eu acho que é um dos temas fundamentais em matéria de sucessões.
Em Família e, em certa medida, também em Sucessões, não foi dito aqui, mas eu acho que isso também envolve outras Comissões, a gente deve... O Supremo está julgando, mas a gente deve acabar com o regime de separação obrigatória, tirar esse regime do Código, e, com isso, resolver uma quantidade absurda de problemas, não é? (Palmas.)
É impressionante quando a gente fala isso para juízes, para julgadores. Eles falam "graças a Deus!". Porque as discussões são imensas. Isso já seria algo que tem consenso. Já seria um ganho considerável essa mudança. Essa na Comissão de Família.
Na Comissão de Parte Geral, e eu acho que essa proposta envolve também praticamente todos os livros, nós devemos alterar o art. 426 do Código Civil, que é o artigo da pacta corvina, Sr. Rolf, que é um pleito antigo inclusive seu. Colocando a possibilidade de como é em Portugal, só vai restar o regime de separação convencional, da renúncia em pacto antenupcial e contrato de convivência, em relação a concorrência sucessória, ao direito real de habitação. Hoje, existe um conflito, porque o TJ de São Paulo decidiu, no Conselho Superior da Magistratura, que essas previsões são nulas e que não cabe registro. Já o Tribunal do Rio de Janeiro admite, por norma do Código de Normas.
Então, essa também vai ser uma questão que a gente deve resolver. Acho que responde à pergunta da Ana e responde à pergunta que também foi feita anteriormente.
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Então, a última pergunta, última mesmo.
Quem é que... (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Prof. Nestor, o senhor deseja fazer uma pergunta?
O SR. NESTOR DUARTE (Fora do microfone.) - Eu queria comentar...
A SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Só um minutinho, professor. Vamos...
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - O senhor pode vir aqui?
O senhor vai fazer o nosso encerramento.
O SR. NESTOR DUARTE - Pois não.
Renovando meus cumprimentos...
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - O senhor pode vir falar daqui? Porque aparece melhor na audiência pública. (Pausa.)
O SR. NESTOR DUARTE - Renovando meus cumprimentos e pedindo desculpas por uma intervenção acho que intempestiva, mas é um assunto que me chama muito a atenção porque a questão da disposição sucessória em pacto antenupcial já foi cogitada por Clóvis Beviláqua nos albores do Código Civil de 16, dizendo ele que se tratava de uma exceção à regra do art. 1.089, hoje repetida no 426, que veda... 421, que veda disposição de herança sobre pessoa viva, mas ele abria duas exceções. Uma, que me lembro, é no pacto antenupcial. Isso pode ser feito.
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Eu acabei chegando a uma conclusão modesta no sentido de que poderíamos até alinhar a renúncia ao direito sucessório. Isso seria possível, porque na renúncia não há um acordo; vai ser uma manifestação unilateral da vontade.
Então, cheguei a essa conclusão, Prof. Flávio. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria Isabel Gallotti) - Agradeço a sua colaboração.
Estamos chegando ao fim de um dia muito proveitoso.
Eu agradeço muito a participação dos nossos coordenadores, do Prof. Tartuce, da Prof. Rosa Nery, da Lenita, de todos os servidores do Senado, do nosso Presidente, o Ministro Salomão, cuja dinâmica possibilitou que ouvíssemos tanto os especialistas nesse período, de todos os especialistas, membros de Comissões, Subcomissões e professores que nos trouxeram valiosíssimas contribuições.
E, encerrando, eu, mais uma vez, lembro a todos que o prazo final para o encaminhamento de sugestões é o dia 3 de novembro e que essa abertura da Comissão às sugestões públicas cumpre, tanto quanto possível, a necessidade de fazermos uma Comissão democrática e permeável aos anseios da sociedade.
Coloco agora, também, em votação a Ata da 2ª Reunião desta nossa Comissão, solicitando a dispensa de sua leitura.
Quem aprová-la, permaneça como está. (Pausa.)
Está aprovada a ata.
E, nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos, convidando-os para a próxima reunião, que será a segunda audiência pública da Comissão, no dia 20 de novembro, às 14h, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Muito obrigada.
Está encerrada esta audiência pública. (Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 45 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 07 minutos.)