11/07/2024 - 31ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 31ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos dos Requerimentos nºs 54 e 55, de 2023, CDH, ambos de autoria do Senador Eduardo Girão, que não está aqui porque ele está numa reunião no Colégio de Líderes. Eu, como Presidente da Comissão, vim abri-la e, quando puder, ele vem para cá e assume a Presidência.
O objetivo desta nossa audiência pública é instruir o PL 1.773, de 2022, que institui a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Criança e Adolescentes.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Como já foi dito, o projeto é do Senador Alessandro Vieira.
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Eu só vou ler aqui a abertura, para situar quem vai nos assistir, tanto pela Agência Senado como pela TV Senado, a justificativa do autor do projeto.
O projeto é, de iniciativa do Senador Osmar Terra, parceiro de movimento sindical ainda.
O SR. OSMAR TERRA (Bloco/MDB - RS. Fora do microfone.) - Obrigado pelo "Senador".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se não é Senador, será um dia, ora, por que não?
Eu só vou fazer a introdução que consta no projeto do Senador Alessandro Vieira. Mas será uma leitura muito rápida aqui, não vou ler toda a introdução.
Justificação do autor.
Este projeto se inspira em minuta de proposição elaborada pelo estudante Vítor Cardoso Alves, representante de Sergipe no Programa Parlamento Jovem Brasileiro de 2019, promovido pela Câmara dos Deputados. Assumindo a voz de muitos adolescentes como ele, Vítor, então aluno do Centro de Excelência Professor Hamilton Alves Rocha, da cidade de São Cristóvão, manifesta profunda preocupação com o escasso debate nos espaços públicos da sociedade acerca do suicídio entre crianças e adolescentes.
Conforme o estudante aponta, é preciso romper o silêncio e discutir a questão do suicídio, da depressão e, por conseguinte, do sofrimento [...] que acomete [cada crianças e adolescentes].
Vamos, então, aos nossos convidados de imediato.
Convidamos para a mesa Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira, representante do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde - seja bem-vinda -; Clarissa Paranhos Guedes, Conselheira, representante do Conselho Federal de Psicologia - seja bem-vinda também; Deputado Federal, do Rio Grande do Sul, Osmar Terra - seja bem-vindo, Osmar Terra, lembrávamos aqui que começamos juntos no sindicalismo -; e Yasmin Santos Oliveira, representante do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA/Conanda). (Pausa.)
Já chegaram aqui algumas perguntas, que eu vou deixar no ar já - depois eu peço para a assessoria da Comissão, Christiano, que passe uma cópia para cada um dos convidados.
Ailton, da Bahia: "Quais ações a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes propõe e como o Senado acompanha a sua implementação?".
Rosemberg, do DF: "Como [...] [promover] a educação sobre saúde mental nas escolas, considerando as diferentes tradições culturais?".
Márcia, da Bahia: "Quais são os principais desafios previstos para a implementação efetiva [...] [desta política] em diferentes regiões do Brasil?".
Gisela, de São Paulo: Este [...] [PL incentiva a valorização] da compreensão, tolerância e solidariedade?".
Por fim, Wellisson, de Mato Grosso: "[É necessário] capacitação contínua de profissionais da saúde e educação para identificação precoce de sinais de alerta e intervenção adequada".
Jane, do Mato Grosso do Sul: "Não adianta só olhar [para] as crianças e adolescentes [...] [deixando a] família de fora, pois a raiz do problema [...] [pode estar] dentro de casa".
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Eu vou pedir à assessoria que entregue a cada convidado, painelista, uma cópia dessas perguntas.
Foi solicitado aqui à Mesa que eu iniciasse com alguém que está por videoconferência, pois ele gostaria muito de participar, mas está com compromisso em seguida. Se os nossos convidados concordarem, eu começo com o Antônio, e, em seguida, com a Mesa. Pode ser?
O Sr. Antônio Geraldo da Silva, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), pede para usar os seus dez minutos nesse momento. A praxe aqui é de dez minutos, mas, com a devida tolerância, a gente vai adequando aqui entre perguntas e respostas.
Por favor, Sr. Antônio Geraldo da Silva.
O SR. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia a todos. Obrigado, Senador Paim. É um prazer estar aqui novamente nesta Casa, junto com todos vocês, para falar de um tema que para nós é muito caro, que é bastante importante.
Eu faço a coordenação nacional da Campanha Setembro Amarelo, que é uma campanha da ABP com o Conselho Federal de Medicina. E nós temos uma preocupação muito grande, que é o que eu venho trazer aqui: pedir a ajuda dos Srs. Parlamentares para fazerem valer o que nós já temos em termos de lei nessa área. A Lei 13.819, de 26 de abril de 2019, de autoria do Deputado Federal Osmar Terra, já existe. Essa lei está aí presente e precisa ser implementada. Essa lei já institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, e deveria já ter sido implementada pela União, em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Essa Lei altera a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998. É a Lei Vovó Rose.
Essa lei foi já regulamentada pelo Decreto 10.225, de 5 de fevereiro de 2020, e criou o Comitê Gestor. Esse Comitê Gestor já existe, ele só não tem se reunido e não está funcionando. Tem a Portaria nº 2.403, de 9 de setembro de 2020, que instituiu o Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, para regulamentar a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, e estabelece normas relativas à notificação compulsória de violência autoprovocada.
O que acontece? É que ela já tinha que ter sido implementada, porque isso foi aprovado no Regimento Interno, em 13 de novembro de 2020, pelo Ministério da Saúde, Ministério da Educação, o antigo Ministério da Cidadania, que é o atual Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o antigo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que é o atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e o Ministério da Justiça. Então, o que nós precisamos? Nós precisamos que isto agora aconteça: a implementação da lei, porque a lei existe, a que institui a Política Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, e é muito boa. Ela foi aprovada em tempo recorde. A lei mantém no seu contexto tudo o que nós precisamos para ajudar nesse combate ao suicídio, nesse trabalho intenso contra o suicídio. E lembro que nós temos aí mil crianças e adolescentes, na faixa entre 10 e 19 anos de idade, cometendo suicídio no Brasil, por ano. São dados do próprio Ministério da Saúde. Isso é grave. Isso é muito grave!
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Nós precisamos fazer com que a política de saúde mental dê acesso a essas crianças e adolescentes e à população em geral ao tratamento.
Nós precisamos que essas pessoas possam tratar-se e não cometer o suicídio.
Todos os dias, nós temos pessoas nos procurando por questões ligadas a quadros psiquiátricos, a doenças mentais que levam a cometer o suicídio.
O que nos assusta?
Por exemplo, hoje, nós temos a entrada de mais vários medicamentos na farmácia popular para tratar desde rinite a outros quadros que não são fatores tão graves, sem desprezo a essa necessidade da população, mas não são fatores tão graves quanto é a questão do suicídio, quanto é a questão do tratamento dos quadros depressivos - nós somos campeões mundiais de transtornos depressivos -, e quanto aos quadros de ansiedade. Nós somos campeões mundiais de transtornos de ansiedade e não temos sequer um medicamento para tratar tais quadros psiquiátricos, na farmácia popular.
Nós estamos dizendo isso pela importância que é salvar a vida dessas pessoas. Isso é muito importante.
Isso não quer dizer que não seja importante tratar das rinites e de outros quadros. Tem lá medicamentos 100% pagos pelo Estado para serem tratadas tais doenças, mas nós precisamos tratar dos transtornos mentais, que tem elevado, cada vez mais, o número de suicídio no Brasil.
Em todo o mundo, os índices de suicídio têm caído, menos na América Latina e, muito especialmente, no Brasil.
Preocupa-me muito porque, em alguns estados brasileiros, como no Rio Grande do Sul, nós estamos batendo recorde em cima de recorde na quantidade de suicídio.
O que vai acontecer agora, por exemplo, após essa catástrofe climática que nós tivemos lá no estado? Isso vai aumentar. Por quê? Porque está mostrado, em todos os estudos internacionais, que aumenta de três a quatro vezes o número de pessoas com depressão após catástrofes naturais, como aconteceu no sul da Grã-Bretanha, exatamente com o mesmo tipo de catástrofe climática ligada à água.
Como vai ser isso? O que nós vamos fazer, por exemplo, especificamente, para essa população do Rio Grande do Sul?
É grave, é uma situação gravíssima.
Nós temos que nos antecipar e já providenciar política pública específica para essa população também. Quando eu digo isso, eu digo para toda a população: adultos, jovens, crianças, mas muito especialmente para as crianças e adolescentes.
Eu agradeço demais a oportunidade.
Realmente, a Lei 13.819 já está em vigor e precisa ser apenas implementada adequadamente.
Espero que esses ministérios possam fazer essa implementação urgentemente, porque fica bem mais rápido, bem mais prático, e a gente vai ajudar a salvar muitas vidas.
O estigma que existe em relação ao psiquiatra, ao tratamento psiquiátrico e àqueles que padecem de doença mental é tão grande, mas é tão grande que cria um muro entre a pessoa e a possibilidade de acesso ao tratamento.
E é um estigma estrutural, é um estigma que o Estado - município, Governo estadual e Governo Federal - precisa romper, para que as pessoas possam tratar-se adequadamente e ter acesso ao tratamento de forma digna; e salvarmos vidas.
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É o que eu tenho a dizer.
Muito obrigado.
Sou psiquiatra. Sou Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Sofro bastante estigma e muito preconceito por ser psiquiatra. Não sou ligado a nenhuma indústria de medicamentos, equipamentos, indústria do álcool, do fumo, da maconha, a nada disso. Eu exerço meu papel, aqui e agora, enquanto Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Muito obrigado a todos. Obrigado pela oportunidade.
Agradeço demais ao Senador Girão. Agradeço também muito ao Senador Paim, que sempre tem nos ajudado nessas causas que são tão importantes e tão caras para a população brasileira.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Meus cumprimentos ao Dr. Antônio Geraldo da Silva, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Eu espero que não tenha nenhuma discriminação com esse psiquiatra - eu tenho um irmão, que é psiquiatra também -, mas o alerta dele foi no sentido de enaltecer a psiquiatria, e ele adora a profissão e adora também a entidade, a ABP.
Eu quero falar um segundo só que o projeto de que nós tratamos - o doutor foi muito feliz na explicação - institui a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes. O outro projeto, uma lei que já existe, é amplo, geral e importante. E aqui a preocupação, pelo que eu entendi, do Alessandro Vieira, um grande Senador, do PSDB, parceiro de todos nós, é a de ter um olhar mais aguçado para as crianças e adolescentes, mas são vocês que vão falar sobre o tema.
O Senador Girão - quero repetir - é o autor desta audiência pública e é também o Relator da matéria, se não me engano. (Pausa.)
Ele é o Relator e só não está aqui porque está no Colégio de Líderes. Concluindo lá, ele vem para cá, e eu vou para o Plenário.
Passo a palavra agora aos nossos convidados, que estão na mesa. Não fui eu que organizei, foram os senhores que organizaram. Podem dizer: "Por que o Paim botou primeiro ou por último ciclano ou beltrano?". Eu não resolvo nada, eu pego a lista e a sigo.
Então, passo a palavra à Dra. Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira, representante do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Dez minutos, com mais cinco minutos, se necessários.
A SRA. MARCIA APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA (Para expor.) - Obrigada, Senador Paulo Paim.
Agradeço a toda a equipe da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa pela oportunidade de estar aqui no dia de hoje; e também a iniciativa ao Senador Alessandro Vieira e, pela relatoria, então, ao Senador Girão.
O Departamento de Saúde Mental foi criado em janeiro de 2023 e, em dezembro de 2023, do mesmo ano, passou a ser denominado Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Ele tem um eixo estruturante muito importante, que é a desinstitucionalização, os direitos humanos e o cuidado em liberdade. Portanto, a gente segue todas as premissas pautadas pela reforma psiquiátrica brasileira.
Retomar essa construção da política nacional de saúde mental, álcool e outras drogas, após um período de muito retrocesso, significou para nós investir na expansão da Rede de Atenção Psicossocial, a Rapes, como todos a chamamos, recompor o financiamento dos serviços e investir fortemente em projetos de educação permanente, como estratégias adotadas para a promoção de uma saúde mental que esteja compromissada com o cuidado em liberdade.
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É por meio, então, dessas estratégias e iniciativas que acreditamos ser possível viabilizar o acesso aos direitos da população brasileira e da população atendida.
A Raps, do Sistema Único de Saúde, é uma rede, então, destinada aos cuidados das pessoas que sofrem em decorrência dos transtornos mentais, como bem o Prof. Antônio Geraldo acabou de falar, e do uso problemático, também, de álcool e outras drogas.
Hoje, dia 11 de julho de 2024, nós contamos com 2.947 centros de atenção psicossocial. O destaque eu faço por conta dessa instrução, em que hoje nós temos 312 Caps i, ou seja, Caps infantojuvenis, 890 serviços residenciais terapêuticos e 80 unidades de acolhimento, sendo que 29 dessas unidades de acolhimento são para infantojuvenis. Hoje, temos 2.066 leitos em hospital geral e 224 equipes multiprofissionais de saúde mental.
Portanto, a Raps representa um passo importante na reforma psiquiátrica brasileira e no compromisso com a atenção integral e humanizada da saúde mental. O fortalecimento, hoje, dessa rede é essencial, para que a gente possa garantir que todas as pessoas tenham acesso ao cuidado e possam viver com dignidade e qualidade de vida.
Vale ressaltar que temos hoje, também, 4,1 mil pessoas que são beneficiárias do Programa de Volta Para Casa, inclusive com um aumento desse valor, que, há quase dez anos, estava congelado.
Também é importante ressaltar que todas as capitais e boa parte dos grandes municípios possuem os serviços que compõem a Raps. Hoje, os Caps habilitados pelo Ministério da Saúde estão em quase 2 mil municípios brasileiros, o que indica a interiorização do cuidado, que, outrora, estava concentrado nos centros urbanos.
Gente, a Raps tem um papel importante na prevenção e tratamento do suicídio, ao proporcionar uma abordagem integrada e abrangente nos cuidados em saúde mental. Sua estrutura multifacetada permite atender às necessidades das pessoas, em diferentes níveis de complexidade, garantindo que recebam o suporte adequado em todas as fases do cuidado, ou seja, desempenha um papel vital na prevenção e no tratamento do suicídio, ao oferecer uma rede de cuidados que abrange desde a atenção primária, por meio das unidades básicas de saúde, até os serviços especializados, como é o caso do Centro de Atenção Psicossocial. Portanto, a Raps assegura que as pessoas em risco recebam o suporte necessário em todas as etapas do cuidado, promovendo saúde mental e prevenindo comportamentos suicidas.
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Eu poderia ainda, mas eu sei que falta, eu tenho tempo...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARCIA APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA - Então, está bom.
Eu poderia, então, discutir com vocês alguns pontos, itens importantes que mostram como a Raps contribui significativamente para a prevenção e tratamento do suicídio, mas eu vou optar por elencá-los, e a gente pode deixar para discussão após...
Um, é o acesso facilitado aos serviços de saúde mental. Quando o Prof. Antônio Geraldo fala do estigma - e ele coloca só um estigma relacionado ao médico -, esse estigma, na verdade, é relacionado à saúde mental. A gente carrega esse estigma muito grande, porque as pessoas não sabem, não conhecem a nossa rede de atenção psicossocial, por conta dessa invisibilidade associada ao estigma que a gente tem em relação à saúde mental. Esse acesso precisa ser visibilizado, a gente precisa mostrar que a atenção primária está lá para receber, como porta de entrada, e que nós temos ali profissionais capacitadíssimos, que identificam sinais de risco e ofertam cuidados imediatos, contínuos, de médio e longo prazo.
É importante, também, que a gente possa monitorar e proporcionar intervenções precoces quando se fala em suicídio. Concordo com o estudante que fez o requerimento ao Senador Alessandro Vieira que a gente precisa quebrar o silêncio. A gente precisa falar de suicídio, a gente precisa ter de janeiro a janeiro, e não só em setembro, como preconizado para que se possa realmente falar sobre suicídio.
Dois, o atendimento especializado por meio dos nossos Caps. Três, uma das coisas mais importantes - e, hoje, para nós, no Ministério, é muito importante - é a atenção à crise, a urgência e emergência e o Samu. A gente precisa de um processo de capacitação em massa, de todo o território brasileiro, para que a gente possa trabalhar, efetivamente, com a atenção à crise. O acolhimento, como a gente falou, e a reabilitação psicossocial, que também faz parte do nosso tratamento, sobretudo...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARCIA APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA - ... a longo prazo.
Quinto lugar... (Risos.) Agora, eu tenho mais cinco. O quinto ponto principal: como a Raps pode contribuir com todo esse trabalho de prevenção e tratamento ao suicídio? É com o suporte psicossocial e comunitário. O suporte psicossocial é muito voltado, hoje, ao suporte por pares; é uma estratégia desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde, que a gente tem implementado aqui, no Brasil, por meio de duas vertentes: a redução de danos e os ouvidores de vozes. Os grupos de apoio, e o Rio Grande do Sul é um dos que mais trabalham hoje com suporte por pares. Os grupos de familiares e o engajamento comunitário que a gente tanto preconiza, o qual é um dos grandes desafios que a gente tem. Eu vi que tem várias perguntas aqui dos desafios. Que a gente possa trabalhar realmente no cuidado com o território. Este é hoje o maior desafio para todos nós.
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O sexto lugar, para o qual a gente volta depois de 12 anos, parados, neste momento brasileiro nosso, na capacitação dos profissionais por meio da educação permanente, sobretudo na estratégia de supervisão clínico-institucional, em que a educação se dá em ato no território, ali presente. Também há um forte suporte intersetorial entre o Ministério da Saúde e os demais ministérios.
Por fim, um outro desafio importante que merece também uma capacitação e uma sensibilização é o planejamento e monitoramento - como o Prof. Antônio Geraldo falou - da notificação compulsória, da notificação obrigatória, para que a gente possa eliminar a subnotificação que a gente ainda tem em relação aos casos de suicídio. Só assim a gente consegue fortalecer a lei.
Agora, finalmente, encerrando. Realmente nós temos uma lei que já está posta. Neste momento, o comitê - como o Prof. Antônio Geraldo falou - ainda está parado, aguardando. Parado, que eu digo, não é numa gaveta; é num determinado órgão do Ministério da Saúde, porque nós estamos aguardando as respostas dos demais ministérios para que a gente possa colocar o comitê em prática o mais célere possível, que a gente possa logo dar início ao nosso comitê.
Porém, como estava demorando muito, nós, dentro do Ministério da Saúde, fizemos, então, um grupo de trabalho que vem trabalhando com esse tema quase que semanalmente, para que a gente possa ter uma resposta à população. Não está com a gente essa lei e essa temática. Isso não é do Departamento de Saúde Mental e Álcool e Outras Drogas; ele está na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), porque já estava no Governo anterior. Essa mudança, ou seja, para voltar novamente à Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, iria demorar muito mais tempo. A opção, então, ficou lá e a junção nossa ficou com a SVSA, ou seja, a gente semanalmente tem reunião. Nesta semana tivemos duas reuniões necessárias, por conta da temática, também por conta desta audiência de hoje.
Obrigada, estou à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Sra. Dra. Clarissa Paranhos Guedes, Conselheira, representante do Conselho Federal de Psicologia, que deixou claro o trabalho que a sua... (Pausa.)
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Não começou por lá, não é? Começou com o Antônio.
Essa foi a Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira, Representante do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, que falou sobre o tema, com conhecimento e de forma brilhante, como fez também o Dr. Antônio, que falou antes. Percebo que será uma grande audiência pública.
Então, indiretamente anunciada já, passo a palavra à Dra. Clarissa Paranhos Guedes, Conselheira, representante do Conselho Federal de Psicologia.
A SRA. CLARISSA PARANHOS GUEDES (Para expor.) - Bom dia.
Em nome do Conselho Federal, eu quero agradecer o convite para participar deste debate. Cumprimento as Senadoras e os Senadores desta Casa, na pessoa do Senador Paim. Cumprimento a mesa também.
Antes de iniciar a minha fala, afirmando o compromisso do CFP com acessibilidade, eu vou fazer a minha audiodescrição. Eu sou uma mulher jovem, branca, tenho cabelos pretos abaixo do ombro. Estou usando uma jaqueta com umas pérolas e um vestido bege.
Começo dizendo que o tema do suicídio é de extrema importância, devido ao seu impacto social, seja em termos numéricos, seja em relação às repercussões para familiares, amigos ou conhecidos das pessoas que o cometeram, fazem uma tentativa ou ainda ameaçam se matar. Conforme os últimos dados publicados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2019, o número de suicídios foi superior a 112 mil, sendo 43% a mais no número anual de mortes, uma vez que, em 2010, tivemos 9.454 casos, e, em 2019, esse número subiu para 13.523.
O número de suicídios entre jovens é significativo. A violência contra si sofreu um incremento de 81% nesse período. Dentro desse percentual, destacam-se casos de crianças menores de 14 anos. No que se refere às notificações de violências autoprovocadas, ocorreu um aumento de 39,8%, em 2019 em relação a 2018, registrando-se 124.709 lesões. Os atos acontecem, predominantemente, em casa, porém, há um grupo representado por 1,3% que tem essa prática na escola.
Nesse contexto, suicídio não é um fenômeno novo e tem ganhado proporções ampliadas com o avanço das redes sociais e da existência de redes que incentivam o suicídio entre crianças e adolescentes. Tais redes também reproduzem preconceitos e violências que acabam por desencadear sofrimentos, alguns deles vividos de forma extrema, podendo levar ao suicídio.
Pesquisas apontam que, aproximadamente, um em cada dez adolescentes já se sentiu ameaçado, ofendido e humilhado em redes sociais ou aplicativos. Se a gente considerar apenas as meninas, esse percentual é ainda maior, são 16,2% das meninas, enquanto, entre os meninos, o percentual é de 10,2%. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2019, divulgada pelo IBGE. Ao todo foram entrevistados quase 188 mil estudantes, com idade entre 13 e 17 anos, em 4.361 escolas de 1.288 municípios de todo o país. O grupo representa 11,8 milhões de estudantes brasileiros. A coleta dos dados foi feita antes da pandemia, entre abril e setembro de 2019. A partir de 2020, com a suspensão das aulas presenciais, o uso das redes sociais, até mesmo como ferramenta de estudos, foi intensificado.
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Mas as agressões existem também fora da internet, nas escolas, onde 23% dos estudantes afirmaram ter sido vítimas de bullying, ou seja, sentiram-se humilhados por provocações feitas por colegas. Quando perguntados sobre o motivo de sofrerem bullying, as três principais razões foram: aparência do corpo, aparência do rosto e cor ou raça.
Em relação à saúde mental dos estudantes, metade disse sentir-se muito preocupada com as coisas comuns do dia a dia. Um em cada cinco estudantes afirmou que a vida não valia a pena ser vivida. Entre as meninas, esse percentual é de 29,6% e, entre os meninos, de 13%.
A manifestação do desejo de morrer, independentemente da idade e das motivações, deve sempre ser considerada e levada a sério. Deve-se acolher, abrir um espaço de diálogo e, se necessário, buscar um auxílio especializado. Sabemos que a prevenção do comportamento suicida começa na família, mas, seguido da família, o trabalho nas escolas é tão importante quanto e deve ser iniciado desde a educação infantil. Deve-se trabalhar com as crianças questões sobre a valorização da vida, e as escolas podem organizar programas psicoeducativos que possam trabalhar valores como fraternidade, harmonia, respeito, diversidade, valores esses que podem ajudar crianças, jovens e adolescentes no enfrentamento das dificuldades vivenciadas no seu cotidiano.
No contexto do suicídio, também há o impacto da covid-19 sobre crianças e jovens que perderam familiares e passaram a viver com medo e insegurança, o que tem aparecido também nas atividades escolares. O Unicef, no principal relatório da organização focado em saúde mental de crianças, adolescentes e cuidadores no século XXI, alertou que crianças, adolescentes e jovens poderão sentir o impacto da covid-19 em sua saúde mental e bem-estar por muitos anos. De acordo com a publicação "Situação Mundial da Infância 2021 - Na minha Mente: promover, proteger e cuidar da saúde mental das crianças", mesmo antes da covid-19, crianças, adolescentes e jovens carregavam o fardo das condições de saúde mental sem um investimento significativo para resolvê-los. Segundo as últimas estimativas disponíveis, calcula-se que, globalmente, mais de um em cada sete meninos e meninas, com idade entre 10 e 19 anos, vive com algum transtorno mental diagnosticado. Quase 46 mil adolescentes morrem por suicídio a cada ano. E o suicídio é uma das cinco principais causas de morte nessa faixa etária.
Enquanto isso, persistem grandes lacunas entre as necessidades de saúde mental e o financiamento de políticas voltadas a essa área. O relatório constata que apenas cerca de 2% dos orçamentos governamentais de saúde são alocados para gastos com saúde mental em todo o mundo.
Na prática profissional de psicólogas, o suicídio é um tema cada vez mais debatido. Não importa se a profissional atua na área da saúde, da assistência social, da clínica ou da escola. A psicologia tem sido cada vez mais requisitada a tratar da prevenção ao suicídio e a falar sobre essa questão em todos os espaços de atuação.
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A presença de uma equipe multiprofissional junto aos educadores nas escolas públicas, conforme a Lei 13.935, de 2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica, também ter sido considerada importante para acompanhar o processo de desenvolvimento integral e programar junto aos educadores ações de prevenção a inúmeros problemas que permeiam a vida cotidiana das nossas crianças e jovens. Hoje, ao observarmos o cotidiano das escolas públicas, nós psicólogas percebemos o sofrimento de muitas crianças, que manifestam comportamentos de autolesão não suicida e ideações suicidas como resultado de sofrimentos em relação aos quais, na maioria das vezes, não têm oportunidade de tomar consciência. As ideações suicidas de crianças, usualmente, estão associadas a uma vida permeada por violência doméstica, por provocações no cotidiano da escola, por vivências de racismo ou preconceitos das mais diversas ordens, gênero, cor da pele, obesidade, questões corporais, entre outras, além de dificuldades e fracasso escolar. Em um contexto em que, muitas vezes, não é permitido falhar ou errar, crianças e jovens sentem-se incapazes de atender a essa demanda, a esse imperativo de sucesso, se refugiando numa depressão e, por vezes, se precipitando no ato suicida.
Nosso trabalho, enquanto profissionais da psicologia e como membro da equipe técnica de uma escola, pode contribuir sobremaneira para o entendimento do sofrimento das crianças, pela criação de um vínculo de confiança...
(Soa a campainha.)
A SRA. CLARISSA PARANHOS GUEDES - ... convivendo com elas no dia a dia da escola, até o ponto em que passam a revelar seu mal-estar na família ou nas relações sociais.
Também acompanhamos atividades coletivas com várias crianças que vivem a mesma condição, desenvolvendo formas de entendimento sobre o que acontece, o que elas sentem falta, como elas podem se fortalecer e enfrentar esse sentimento. A educação e a escola podem, pois, contribuir para minimizar os riscos, na medida em que a escola deve ser locus de reflexão, de produção de saberes emancipadores que permitam o pensamento crítico, o acolhimento das diferenças, a construção de relações respeitosas e igualitárias, e minimizem os efeitos nefastos dos preconceitos e de redes sociais sem controle e sem ética. Dessa maneira, as escolas são espaços promotores de saúde.
A participação de psicólogas e assistentes sociais nas escolas, garantida pela Lei nº 13.935, de 2019, é uma potente contribuição para o enfrentamento do suicídio a partir do ambiente escolar, o que também possibilita mediações intersetoriais com a nossa Raps, aqui apresentada pela colega do Ministério da Saúde. A inserção de profissionais da psicologia e do serviço social nas redes públicas de educação básica e, mais amplamente, na política de educação está no bojo da garantia e acesso aos direitos sociais, como direito do cidadão e dever do Estado.
Por oportuno, informamos que tramita na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados o PL 3.599, de 2019, que altera a LDB para incluir as profissionais de psicologia e de serviço social no quadro funcional dos estabelecimentos de educação básica. Diante dessas dificuldades, o Ministério da Educação criou um grupo de trabalho no âmbito da Secretaria de Educação Básica, com a finalidade de coligir e sistematizar subsídios e recomendações para a implementação da Lei nº 13.935, de 2019. Esse GT é composto por 15 instituições e, além das secretarias do MEC, contará com a Undime, Consed e representantes das entidades da psicologia e do serviço social, e inicia seus trabalhos amanhã, dia 12 de julho, e a previsão de conclusão com o seminário nacional "Implementação dos Serviços de Psicologia e Serviço Social nas Redes de Ensino: Desafios e Possibilidades" é no dia 13 de setembro deste ano.
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Por fim, eu gostaria de solicitar ao Senador Eduardo Girão que apresente uma emenda ao PL 1.773, de 2022, incluindo o inciso IV, no art. 4º: "A implementação da Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes dar-se-á em articulação com o disposto na Lei 13.935, de 2019". Entende-se que a articulação entre essas duas medidas pode ser um caminho seguro para se buscar, cada vez mais, a proteção integral de nossas crianças e adolescentes.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Clarissa Paranhos Guedes, Conselheira, representante do Conselho Federal de Psicologia. Parabéns, porque demonstrou que as redes são instrumentos de incentivo ao suicídio, e os números são alarmantes tanto a nível de país, como a nível de planeta! Pelos dados que você mostrou aqui, a proporção é de um para sete. E, quanto à emenda, já fica assegurado aqui para a assessoria que passe em mãos para o nosso Relator, o Senador Girão, o.k.? Depois, você faz a ponte.
De imediato, passo a palavra para o Deputado Federal Osmar Terra, que conheci no movimento sindical e, daqueles tempos até hoje, temos uma relação de muito respeito um pelo outro. Ele, como é médico também, pelo gancho que deu o Dr. Antônio, talvez possa falar um pouquinho da questão do suicídio devido à crise que o nosso estado atravessa, de perda de mais de 182 pessoas que, até o momento, morreram. Mas é você que vai falar, eu só estou aqui abrindo espaço.
Deputado Federal Osmar Terra, com a palavra, por favor - Dr. Deputado Federal Osmar Terra.
O SR. OSMAR TERRA (Para expor.) - Eu queria agradecer o convite feito pelo Senador Girão. E me sinto muito confortável aqui com a Presidência da mesa pelo Senador Paulo Paim, que, como ele disse, nós nos conhecemos no movimento sindical, só que isso revela a nossa idade; faz 45 anos que nós nos conhecemos no movimento sindical - faz 45 anos! (Risos.)
E nós sempre mantivemos, independentemente de posição política, com extremo afeto e respeito a nossa relação, não é, Paim? Eu acho que, Senador Paim, é isso que vale na vida e fica da vida também.
Eu queria cumprimentar todos os componentes da mesa também.
Eu queria fazer umas considerações rápidas. Primeiro, como autor da lei atual, eu acho que todo mundo falou sobre isso, todos que me antecederam, o Dr. Antônio Geraldo, a representante do Ministério da Saúde, a Clarissa, do Conselho Federal de Psicologia: já existe uma lei; já existe uma lei, inclusive pormenorizada, explicando como a política nacional tem que acontecer, ela é abrangente, ela é para todos. Eu acho que seria o caso - eu estou adiantando o fim da minha conversa - de dar uma ênfase, de colocar num capítulo ou fazer uma proposta para dar ênfase à questão da criança e do adolescente. Mas ela está prevista e foi feita pelo aumento de automutilação e de suicídios em crianças e adolescentes. A razão dessa lei foi essa. Inclusive, ela leva um nome honorífico, vamos dizer assim, de Vovó Rose. A Vovó Rose é uma pessoa que me dá a honra de trabalhar comigo e que teve uma neta de 14 anos que se automutilava e acabou se suicidando. Então, é uma tragédia, tem muitas famílias com esse tipo de tragédia, infelizmente, no Brasil, e eu acho que nós temos que trabalhar para a implementação. Foi uma lei de 2019, e até hoje não foi implementada.
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Eu tenho aqui uma decisão, contribuindo para a fala da nossa representante do Ministério da Saúde, a Portaria 2.403, de 9 de setembro de 2020, do Ministério da Saúde, criando o comitê, e até agora não foi implementada.
Então eu acho que uma contribuição que o Senado pode dar, importante, é induzir a essa implementação. Ver se tem alguma coisa aí que possa ser especificamente para criança e adolescente, mas eu acho que, de qualquer maneira, ela procura ser bem abrangente.
Isso aí veio dessa constatação do aumento de automutilação e suicídio, que é uma coisa quase silenciosa, que nas escolas, dá para ver, pelo menos a automutilação, e, às vezes, as ideias suicidas, a ideação suicida, mas que não tinha nada assim, abrangente. Essa lei inclusive prevê a notificação obrigatória das escolas sobre os casos detectados, o que hoje era uma coisa que, nem no posto de saúde, era exigido como notificação obrigatória, e agora é, pela lei, é, tem que implementar. Porque aí se dá uma ideia do risco. Quanto mais a pessoa se automutila, quanto mais ela tem ideação suicida, mais próximo ela está do suicídio, não é?
E eu falo isso, Senador Paim, com uma experiência de quem praticou isso como Secretário de Saúde. Eu fui oito anos Secretário de Saúde, o senhor conhece lá o meu trabalho, e nós criamos um programa chamado PPV (Programa de Prevenção da Violência), no Rio Grande do Sul, que trabalhava as três formas de violência com morte, que é homicídio, acidentes de trânsito com vítimas fatais e suicídios.
O Rio Grande do Sul é recordista de suicídio, infelizmente. Ele tem o dobro da média nacional de suicídio. Tem questões de vários tipos, culturais e tal, mas é muito importante a questão da depressão, que, até por questões culturais, predomina em alguns grupos étnicos inclusive, lá no Rio Grande do Sul.
Então, nós mapeamos os grupos, fizemos um programa específico de prevenção do suicídio e reduzimos em 20% o número de suicídios em três anos, o que mostrou que é possível, mas trabalhando com a equipe, treinando, capacitando as equipes de saúde na questão da depressão, de detectar precocemente sinais de depressão, de valorizar a ideação suicida, de se preocupar com qualquer forma de automutilação. E a gente pegou algumas regiões de Santa Cruz ali. Santa Cruz, Candelária são lugares de altíssimo percentual de suicídios. São Lourenço, que é a terra da Arita Bergmann, que é a atual Secretária, que foi a minha adjunta, com muito orgulho. A Arita foi quem criou os Caps no Brasil, na década de 80. Os primeiros Caps tinham o nome de Nossa Casa, depois virou Caps, para atendimento das pessoas com sofrimento mental.
Então, o PPV mostrou-se eficaz. Inclusive eu queria acrescentar à fala da representante do Ministério da Saúde que 40% dos leitos em hospitais gerais, para atendimento psiquiátrico, hoje, 40% dos leitos no Brasil são do Rio Grande do Sul e foram criados no meu período de secretário, em hospitais gerais.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - ... falou, de forma, inclusive, propositiva, fortalecendo a sua fala, que a primeira lei nesse sentido surgiu lá no Rio Grande do Sul.
O SR. OSMAR TERRA - Surgiu lá no Rio Grande do Sul, do Marcos Rolim, que foi o Relator.
Então, nós reduzimos em 20% os suicídios. E trata-se da violência autoprovocada: o suicídio consumado tem que ser notificado, registrado; a tentativa de suicídio; e a automutilação, com ou sem ideação suicida, para fazer a prevenção.
Eu queria dizer que, depois disso, eu fui autor também da Lei 14.811, que tipifica o bullying e o cyberbullying como crime e estabelece punição. O cyberbullying, que não era trabalhado como crime - até porque era uma novidade, fazer cyberbullying -, é devastador. Imagine uma criança que é vítima de bullying numa escola, com um grupo ali limitado de outras crianças que fazem bullying com ela; imagine uma que sofre bullying na rede inteira, com milhares de pessoas, milhões de pessoas, às vezes, vendo a humilhação daquela criança.
Então, hoje é crime, tem pena; tem pena de prisão, inclusive. Está tudo tipificado na Lei 14.811, que foi agora... Foi em 2023, não é? Em 2024 - em 15 de janeiro de 2024, foi promulgada pelo Presidente da República, sem veto nenhum. Então, é importante a gente falar sobre isso.
Tem algumas falas que foram feitas, algumas colocações que foram feitas, que eu gostaria de enfatizar. O suicídio está vinculado à depressão. E na adolescência, o adolescente... Tem até um trabalho, de psiquiatras argentinos - inclusive um que morava em São Paulo, agora me fugiu o nome dele - em que eles chamam de síndrome da adolescência normal. O adolescente tem um comportamento flutuante, que vai da depressão mais profunda ao êxtase e volta para a depressão, porque ele está mudando o corpo, tem o luto da perda do corpo de criança - os psicólogos sabem explicar isso aí melhor do que eu.
Mas eu trato também da questão. Como eu fiz mestrado em Neurociência - eu trato da questão química. O cérebro sofre muitas modificações, ele se especializa, nesse período da adolescência, ele muda a química cerebral rapidamente: o adolescente uma hora está deprimido, outra hora está rindo sozinho, outra hora está querendo brigar com todo mundo. E ele é muito sensível à questão das drogas, inclusive à maconha, porque...
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR TERRA - ... o pico de começo do uso da maconha é aos 15 anos de idade.
Eu queria aqui ressaltar um trabalho da Universidade de McGill, no Canadá, e da Universidade de Oxford, que acompanharam 23.317 adolescentes, comparando grupos de usuários e não usuários. É um estudo, uma metanálise, praticamente, em que eles pegaram vários estudos que estavam sendo feitos e fizeram uma metanálise. Aumenta em 246% o risco de suicídio nos adolescentes que usam maconha com regularidade. Então, agora que o Supremo Tribunal está querendo descriminalizar o uso da maconha, como se fosse uma coisa muito boa, eu quero dizer que isso vai aumentar o número de usuários e que vai aumentar o risco de suicídio também nos adolescentes.
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Tem muita coisa aqui para a gente discutir, a questão... Eu acho que a rede de Caps é uma rede importante. O problema é o que faz a pessoa que está dentro do Caps. Qual é o método? Se ela tem um método científico ou se ela tem um método de narrativas.
Eu tive a oportunidade de criar os primeiros Caps Álcool e Drogas do Rio Grande do Sul também, como Secretário, mas, eu fui, no final da minha gestão, a uma reunião do Caps e estava falando a Diretora do Caps de Nova Hamburgo, que foi criado no meu período de secretaria. Ela dizia o seguinte: "Não tem problema usar crack. Qual é o problema de usar crack? Se a pessoa está de bem com a vida, consegue levar uma vida relativamente normal, por que ela não pode fumar pedrinhas de crack durante a semana?". É esse tipo de viés ideológico que também contribui para que as coisas não funcionem. Mas essa é uma outra discussão que, se nós fizermos aqui, vai longe. Então, eu só queria deixar claro que nós temos também que nos preocupar com a questão das drogas, que elas têm um efeito danoso em relação, principalmente, aos adolescentes, que têm uma instabilidade emocional muito grande.
Então, é isso. A sugestão, Senador Paim, para terminar, é que seja feita não uma nova lei, porque a lei já existe, já tem toda a política que vai ser executada pelo Governo, a representante do Ministério da Saúde já colocou. O que eu acho é que tem que ter é a ênfase, talvez colocar lá um meio de cobrar do Governo a aplicação da lei e com ênfase na infância e na adolescência.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Deputado Federal Osmar Terra, que tem uma longa trajetória nessa área. Lembrou aqui que é autor de duas leis. Foi Secretário de Estado do Rio Grande do Sul. E deixa uma sugestão de que a lei atual pode ser aperfeiçoada, inclusive colocando um capítulo específico, se for o caso, e que haja implementação. Foi isso o que eu entendi?
O SR. OSMAR TERRA - Senador, eu... Sim, mas eu acho que não precisa de um capítulo específico, basta... Porque ela abrange a criança e o adolescente. O que precisa é pedir, talvez, que o Governo coloque ênfase na implementação e na parte voltada para criança e adolescente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Entendi, entendi. A sua posição está clara.
Eu, agora, vou passar para os nossos convidados por videoconferência.
Passo a palavra para a Dra. Alana Rodrigues, do Conselho Federal de Serviço Social.
A SRA. ALANA RODRIGUES (Por videoconferência.) - Vocês conseguem me ouvir, gente?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito. Já está na tela. Perfeito!
A SRA. ALANA RODRIGUES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todas as pessoas que estão aí, neste momento, presencialmente, nessa audiência pública, e às pessoas que nos acompanham por internet.
Cumprimento o Senador Paulo Paim, Presidente desta Comissão, também estendo os meus cumprimentos ao Senador Osmar Terra, a todas as entidades profissionais aqui presentes, ao CFP, ao Ministério da Saúde, e também à sociedade em geral que acompanha e se mobiliza em torno dessa pauta de efetivação de políticas públicas de proteção às crianças e aos adolescentes. Em especial, também, meus cumprimentos ao Vitor, idealizador desse projeto.
Também, como compromisso político do serviço social, eu gostaria de realizar a minha audiodescrição. Eu sou uma mulher negra, de pele não retinta, cabelos cacheados na altura dos ombros. Uso uma blusa branca e atrás de mim tem uma estante de livros.
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Eu represento aqui o Conselho Federal de Serviço Social (Cfess), autarquia pública federal que orienta, normatiza e defende o exercício profissional de mais de 240 mil assistentes sociais em todo o Brasil e venho dialogar com as pessoas aqui presentes nesta audiência sobre a importância deste PL 1.773, que institui a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes.
Primeiro, eu gostaria de ressaltar a importância deste debate, pois na nossa sociedade o tema do suicídio ainda é um tabu, cercado de muitos preconceitos. Isso também é estratégico, porque inviabiliza e escanteia este debate e as possibilidades de construção coletiva de ações de prevenção, de ações de promoção de saúde e de outras ações que perpassam por outras políticas públicas.
Historicamente, o suicídio sempre é localizado nessa esfera do indivíduo e sempre associado a comportamentos de valores morais, reduzindo esse sofrimento a um mero ato de responsabilidade pessoal e individual. Por isso que eu queria enfatizar e discutir este tema aqui. Isso é necessário e é urgente e esta audiência cumpre um papel importante neste debate.
O serviço social brasileiro, a profissão compreende o suicídio como uma das formas de sofrimento mental posto nesta sociedade capitalista e que é resultado desta sociabilidade e do tempo histórico em que vivemos. A gente compreende que o suicídio é resultado de uma violência estrutural de uma sociedade permeada de contradições, mas também de uma sociedade marcada pela redução de direitos sociais, pelo aumento da concentração de renda, pelo aumento da pobreza e das desigualdades sociais.
A gente entende no serviço social que o suicídio é um fenômeno e resultado desta sociedade que atravessa a subjetividade dos sujeitos e que é um sofrimento que se alimenta também dessa lógica do desempenho, da produtividade, da eficiência, da alta performance, como já destacado pela minha companheira do CFP, mas também da ideia do fracasso, da impotência, do desamparo. Nesse cenário de violência e de sofrimento, o suicídio também atinge, especialmente, as infâncias e as juventudes.
Então, a gente tem nesse cenário uma juventude brasileira que sofre. Para além do suicídio, sofre com a violência urbana, que mata diariamente jovens negros e periféricos. Jovens com baixo índice de escolaridade são cada vez mais empobrecidos, têm condições de vida precária, não conseguem, ao menos, se inserir num mundo de trabalho formal, com direitos mínimos assegurados, nem têm a possibilidade de acessar outras políticas, como cultura, esportes, entre outras.
Essas infâncias e juventudes são afetadas por esse sofrimento que apresenta também marcadores de raça, classe, gênero, sexualidade e capacidade. São jovens negros, LGBTQIA+, com deficiência, que são os mais afetados por esse sofrimento, pelo suicídio. E é nessas populações que se registram nas inúmeras pesquisas da OMS, por exemplo, as maiores taxas de suicídio. São esses grupos que enfrentam essas diversas questões da expressão social, relacionadas a preconceitos, discriminação, permanência escolar e outras tantas questões que influenciam nas perspectivas dessas crianças e desses adolescentes em relação à própria perspectiva e expectativa de vida.
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Nesse sentido também, eu gostaria de ressaltar que a pandemia de covid-19 agravou ainda mais esse cenário de desigualdades. O isolamento de crianças e adolescentes aumentou a exposição desses grupos à violência, à negligência, associadas a esses fatores de isolamento que agudizaram o estresse, a ansiedade e repercutiram na saúde mental de crianças e adolescentes.
Para além desse contexto, gostaria de citar também os impactos da reforma do ensino médio, que aprofundou ainda mais o abismo educacional, o acesso à educação e diferencia ainda mais a educação das redes pública e privada. Por que eu estou falando isso? Porque o acesso à educação e a permanência na escola também impactam na saúde mental de jovens, adolescentes e crianças. Essa reforma, a gente entende que aumenta ainda mais as desigualdades e repercute no acesso e na permanência, especialmente de crianças e jovens negros e pobres, que são afetados pelas desigualdades sociais, e repercute diretamente na saúde mental deles.
Bom, gostaria de destacar a importância da lei, já citada pelo Presidente da ABP, pelo Deputado Osmar Terra, a Lei n° 13.819, mas eu queria destacar aqui a importância desse PL em questão, porque esse PL pensa, de forma muito mais ampliada, a perspectiva de políticas públicas articuladas e não somente a saúde. Esse PL articula diversas políticas que são necessárias e essenciais para o enfrentamento do suicídio de crianças e adolescentes. Articula políticas de educação, saúde e assistência social, e a gente poderia citar tantas outras que podem ser inseridas no bojo desse PL, como cultura, esporte, enfim.
Nós, assistentes sociais, estamos inseridos nas mais diversas políticas públicas, seja de educação, previdência, saúde, assistência social, habitação, enfim; e nós, assim como os psicólogos e tantos outros profissionais, somos chamados a atender diversas situações de violência e de sofrimento de crianças e adolescentes. Por isso, é essencial e é importante esse PL, porque, por exemplo, ele articula na saúde - e, aí, eu gostaria também de reforçar a fala da companheira que me antecedeu, que representa o Ministério da Saúde -, porque a gente tem uma rede de atenção psicossocial, no âmbito da saúde, que precisa ser fortalecida, considerar que essas crianças e adolescentes têm necessidades próprias, que se diferem das dos adultos, e que essa rede precisa se articular também com a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, é preciso fortalecer essa rede numa lógica da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, do acesso de crianças e adolescentes, do acesso efetivo de crianças e adolescentes aos Caps, por exemplo, aos Caps Infantojuvenis. Mas também é necessário a gente aumentar o financiamento dessa rede, para que a gente consiga atender, de forma adequada, crianças e adolescentes.
Também posso citar a assistência social, que é pauta do PL também - o PL traz isso. É necessário a gente fortalecer o Sistema Único de Assistência Social, fortalecer os Cras, os Creas, os Conselhos Tutelares, todos os equipamentos de proteção básica e especial que realizam também o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência e que compõem essa rede de proteção a crianças e adolescentes, que também são vítimas do suicídio.
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E, por fim, quero destacar também a importância desse PL, que trata... E também, reforçando a fala da companheira do CFP, que seja inserida nesse PL essa articulação com a política de educação. O Cfess também compõe, junto com o CFP e outras entidades da psicologia e do serviço social, a Coordenação Nacional pela Implementação da Lei 13.935. Faço coro ao Conselho Federal de Psicologia, requisitando que o PL se articule com essa Lei 13.935, de 2019, que versa sobre a inserção de assistentes sociais e psicólogos na rede de educação básica.
A aprovação dessa lei foi uma conquista da sociedade brasileira, e a gente entende que a inserção de assistentes sociais e psicólogos amplia e potencializa as articulações entre família, escola e dispositivos de proteção a crianças e adolescentes, bem como garante a inserção e a permanência de infâncias e juventudes nas escolas, assim como o diálogo da prevenção do suicídio e da promoção de ações no combate ao suicídio.
Assistentes sociais e psicólogos, além de auxiliarem na elaboração de estratégias que garantam aprendizagem de qualidade para estudantes, em uma perspectiva plural, inclusiva, consideram suas diferenças, desigualdades e dificuldades. Então, a presença desses profissionais dessas duas categorias ajudará significativamente na efetivação de direitos e políticas públicas essenciais a crianças e adolescentes.
Por fim, gostaria de agradecer o convite, em nome do Cfess, e reforçar que esse PL é fundamental, e que ele deve, sim, articular diversas políticas públicas, bem como o trabalho multiprofissional de diversos profissionais, para além dos profissionais da saúde, como já citei, na construção de ações de promoção de prevenção ao suicídio de crianças e adolescentes.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos à Alana Rodrigues, do Conselho Federal de Serviço Social, que deu detalhes e defendeu a importância desse projeto.
Passamos a palavra, de imediato, ao Dr. Salomão Rodrigues Filho, Conselheiro Federal Efetivo, pelo Estado de Goiás, do Conselho Federal de Medicina.
Por favor, Dr. Salomão, dez minutos mais cinco.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Minha saudação ao Senador Paim, que tive a honra de conhecer no início deste século, deste milênio, acho que em 2002. Minha saudação ao Deputado Osmar Terra, meu amigo, e também ao Senador Girão.
Eu trago informações mais técnicas, dados mais técnicos, para procurar contribuir com a importância desse projeto de lei.
Gostaria que fossem colocados na tela os meus eslaides, para que a gente pudesse começar a descrever. (Falha no áudio.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está repetindo a fala dele...
O SR. SALOMÃO RODRIGUES FILHO (Por videoconferência.) - Entrou numa fase repetitiva aí, mas eu vou falando enquanto o nosso técnico nosso tenta colocar no...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., nós ajustamos aqui, o senhor vai já falando.
Obrigado.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES FILHO (Por videoconferência.) - Então, volte um eslaide, por favor
O eslaide anterior, esse, mostra a análise feita pelo NIH, está aqui no canto inferior esquerdo, de um estudo retrospectivo que pegou um período de 30 anos: de 1965 a 1995, como grupo um, e de 2009 a 2012, como grupo dois; e que expressa a mortalidade por causas clínicas nos Estados Unidos da América.
A linha amarela abaixo, as causas de morte por leucemias e linfomas, linfomas e leucemias agudas, diminuíram, do primeiro para o segundo período, em 6 mil mortes. Então, 6 mil vidas foram poupadas pelo avanço tecnológico, avanço do conhecimento sobre o tratamento dos linfoma,especialmente o surgimento do brentuximabe, que é um fármaco altamente eficiente.
As doenças cardiovasculares diminuíram em 1,1 milhão de mortes. A aids diminuiu, com o avanço do conhecimento e dos antivirais que chegaram, menos 30 mil mortes. Acidentes vasculares encefálicos, menos 20 mil mortes. E, quanto ao suicídio, não houve basicamente nenhuma diminuição de número. Chama a atenção que o avanço do conhecimento não tenha tido resultado nas mortes por suicídio.
Então, nós precisamos buscar um trabalho que alcance mais resultados.
Próximo eslaide.
Esse outro eslaide mostra uma coisa muito importante. Dos mais de 800 mil suicídios no mundo, nós temos uma diferenciação muito grande. Estão em vermelho os suicídios de pessoas que residem ou residiam em países de baixa e média renda. E, em cinza, os suicídios de pessoas que moravam e residiam em países de alta renda.
Então, a renda per capita do país importa muito na questão do suicídio. Vemos que o que está em vermelho, em termos da idade, a partir dos dez anos até os 19, 20 anos, o aumento é vertiginoso do número de suicídios. E, depois, essa curva declina suavemente.
Nos países de alta renda per capita, a linha é mais ou menos achatada; quase 25% das pessoas que moram e residiam em países de alta renda, para 75% das pessoas que residiam em países de baixa renda. Isso é um dado da Organização Mundial de Saúde, de 2012, um estudo extremamente interessante.
Próximo.
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Próximo eslaide, por favor.
No Brazilian Journal of Psychiatry, uma revista que ganhou grande impacto nacional, internacional, tem esse trabalho realizado pelo Ary Gadelha, um cearense radicado em São Paulo, de grande produção científica no mundo psi, atualmente, em todo o mundo, que identificou durante o estudo, que está aqui, de 2006 a 2015, a associação entre o suicídio de adolescentes, as taxas de suicídio de adolescentes e os indicadores socioeconômicos do país. Ele rastreou durante dez anos isso. Então, houve um incremento do começo do estudo para o final do estudo de 24% de suicídios no nosso país.
Próximo.
Dado importantíssimo. No Brasil, nós temos aproximadamente um pouco mais de 10 mil suicídios por ano e, em menores de 19 anos, 818 suicídios. Por idade, até os nove anos, quatro casos; dez a 14 anos, 142 casos; e de 15 anos a 19 anos, 672 casos. É um dado do Datasus de 2014, mas que permanece válido.
Próximo.
Com relação ao tratamento do comportamento suicida em adolescentes, tem resultados extremamente interessantes. Nós temos aqui essa linha, a primeira, que é a da ideação suicida e as outras duas linhas se referem, se sobrepõem sobre aquilo que nós chamamos depois de comportamento suicida, que são as tentativas de suicídio.
Então, de alguma forma, o tratamento do comportamento suicida é extremamente importante. E vejam como a ideação suicida cresce vertiginosamente a partir dos 11 anos, 12 anos até os 19 anos.
Próximo.
O alerta fica - e isso é para o projeto, não para o projeto de lei, mas para os programas a serem realizados após a lei já existente ou as modificações que ela vá receber ou o surgimento de uma nova lei. A criança e o adolescente mostram indiferença, mostram um declínio de produtividade, dão sinais de alerta importantes de um suicídio iminente: alterações do padrão de sono e alimentação estão sempre presentes; preocupação em deixar a vida em ordem - a criança de 12 anos, de 13 anos que começa a arrumar seus pertences e fala "isso aqui é para fulano", "isso aqui é para o meu primo, fulano de tal". Começa a destinar a quem vai doar os seus pertences preferidos.
Antes do suicídio, na criança e no adolescente, sempre há uma súbita melhora do humor, que ocorre quando ele decide que vai se matar.
Próximo.
Até 76%... entre 75%, 76% das pessoas que cometeram o suicídio, quando se buscou, procuraram um médico não psiquiatra, nos 30 dias que antecederam o ato suicida, com queixas vagas e imprecisas.
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Então, esse é um dado epidemiológico extremamente importante para o rastreamento. Isso ocorreu também de outra forma: ele foi várias vezes ao pronto-socorro, com "esfolões", machucados, quedas de bicicleta, quedas de barranco, quedas de árvores.
Próximo.
É o efeito Werther. Nós temos que estar atentos a ele também na organização de um planejamento no funcionamento de uma política de prevenção do suicídio de crianças e adolescentes. Esse amarelinho é o livro de Goethe, o livro sobre Werther, em que Werther se suicida no final do livro. Nessa época, no século XVIII, houve um grande incremento de suicídios em todo o mundo. Em 2007, na Coreia, nós tivemos 84 casos de suicídio com monóxido de carbono. Em 2011, nós tivemos 1.251 casos. Esse aumento de suicídios com monóxido de carbono, geralmente em automóveis, foi marcado pelo suicídio desse popstar coreano que se matou assim. Então vejam que, logo depois que ele se matou - ele se matou em 2008 -, houve um crescimento que, até 2011, alcançou o pico máximo de suicídios. Então esse efeito Werther precisa ser identificado, precisa ser buscado sempre.
Na nossa imprensa, os jornalistas brasileiros têm sido muito éticos na divulgação das notícias de suicídio, mas nem todo mundo faz a mesma coisa. E o estardalhaço na divulgação do suicídio de grandes personalidades leva a um incremento significativo do número de suicídios.
Próximo eslaide.
A avaliação de riscos de suicídio de Colúmbia é uma cartilhazinha - é um texto relativamente pequeno de dez páginas - que a Universidade de Colúmbia começou a aplicar em todas as crianças do estado, para avaliar uma gama ampla de comportamentos das crianças. E nesse questionário estão incluídas três perguntas. A primeira é: "Você desejou estar morto ou desejou poder dormir e nunca mais acordar?" É a pergunta mais leve. A segunda pergunta é mais incisiva um pouco: "Você já pensou realmente em se matar?" E uma terceira pergunta, que alcança o comportamento suicida, são três subperguntas: "Você cometeu uma tentativa de suicídio? Você fez alguma coisa para se ferir? Você fez alguma coisa perigosa que poderia ter matado você?"
Então, isso orienta a busca, faz um rastreamento das pessoas, das crianças e dos adolescentes que têm o risco de suicídio. E essa identificação leva a cuidados especiais, depois de identificados esses grupos, para a prevenção do suicídio em crianças e adolescentes.
Próximo.
Os leitos psiquiátricos no mundo diminuíram, de 1998 para 2014, desta forma.
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Estes são dados de leitos psiquiátricos: 34 leitos psiquiátricos para 100 mil habitantes, em 1998. Em 2014, nós já tínhamos 22 leitos psiquiátricos para 100 mil habitantes. De outro lado, os suicídios, como cresceram! A curva é inversa.
Próximo.
São dados da Associação Americana de Psiquiatria.
Próximo eslaide.
O suicídio na infância e na adolescência é um problema grave em todo o mundo, não é só no Brasil. Mas temos que lidar aqui e copiar e nos inspirarmos naquilo que traz resultados.
É um problema de saúde pública? Sim. Cresce rapidamente no Brasil? Sim, cresce. Carece de mais estudo? Sim. Nós sabemos muito pouco, precisamos saber muito mais.
O PL 1.773 é oportuno e tem qualidade.
Próximo.
Mas o PL precisa de aperfeiçoamento. Eu vou apontar um aperfeiçoamento só e deixar outros pontos.
Posso encaminhar ao Senador Girão este texto, mas o mais importante é que está explícito, no Projeto de Lei 1.773, o lidar com crianças e adolescentes em grave sofrimento psíquico. E, nas equipes, não constam o médico.
Então, a equipe profissional não pode prescindir do médico especialista em pediatria ou em psiquiatria. Um ou outro: ou pediatra ou psiquiatra, com área de atuação em psiquiatria na infância e adolescência, que vai enriquecer essa equipe e fazer ela trabalhar muito mais.
É claro que o número de psiquiatras da infância e adolescência é muito menor do que o número de psicólogos e assistentes sociais, mas o conhecimento deles é básico.
Hoje, nós estamos vendo crescer, de uma forma muito importante, o número de diagnósticos de transtorno bipolar na infância e adolescência, principalmente na infância. E essas crianças passam a ser muito ajudadas com a abordagem do psiquiatra da infância e adolescência.
E o número de suicídios em crianças e adolescentes na primeira fase da adolescência é extremamente importante.
Nos trabalhos que têm sido publicados, o aumento do número de suicídios nessa faixa etária tem sido casado, tem sido vinculado ao transtorno bipolar do humor.
Próximo.
O bullying tem que ser combatido. É uma das causas também que vai longe.
Próximo.
Não foi abordada, no projeto e nem na lei, a questão da internet.
Peguei ontem, no site da Amazon, a colocação em venda de uma brochura: Morrer por conta própria. Manual para um suicídio racional - o Método "Artéria Carótida".
Então, a internet está cheia de coisas semelhantes, que ensinam a se matar com eficiência, sem dor e sem sofrimento.
Eu acho que isso não contribui. Pelo contrário: isso prejudica muito o trabalho a ser desenvolvido no país.
Próximo.
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Encerro com uma frase da Gisele Bündchen, que diz: "As coisas podem parecer perfeitas do lado de fora, mas ninguém tem ideia do que realmente acontece". Ela tem um transtorno de ansiedade e tem ideação suicida quase que permanente. Hoje ela está bem, e eu estou divulgando, porque ela tornou isso público. Então, nós a colocamos nesse eslaide para chamar a atenção que as coisas acontecem de uma forma muito ampla.
Muito obrigado, Senador Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem!
Meus cumprimentos ao Dr. Salomão Rodrigues Filho, Conselheiro Federal Efetivo, pelo Estado de Goiás, do Conselho Federal de Medicina, que, no fim, deixou esse pensamento muito importante dessa modelo internacional, que é gaúcha também, é natural do Rio Grande do Sul.
Então, de imediato, eu passo a palavra para o Sr. Bruno Ziller, da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e representante da Organização da Sociedade Civil em Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.
O SR. BRUNO ZILLER (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos os Senadores e Senadoras e aos colegas de mesa.
Eu queria, primeiro, checar se vocês estão me ouvindo bem.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito!
O SR. BRUNO ZILLER (Por videoconferência.) - Primeiramente, eu gostaria de agradecer o convite do Senador Eduardo Girão para a realização desta audiência pública, que também está sob a Presidência do Senador Paulo Paim.
Eu preparei uma apresentação, que vou compartilhar com vocês.
Bom, meu nome é Bruno Ziller, eu sou Coordenador de Projetos e Advocacy do Instituto Cactus. A gente está aqui hoje a convite, representando a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Criada em 2017, a Coalizão pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes é uma articulação nacional da sociedade civil, suprapartidária, laica e independente, formada por 76 organizações - entre elas, o Instituto Cactus, do qual eu faço parte -, que atua no território nacional na prevenção das violências contra crianças e adolescentes e respostas a essas violências.
O Instituto Cactus, em si, é uma organização filantrópica, sem fins lucrativos, promotora de direitos humanos, que atua com projetos pioneiros de prevenção de doenças e promoção de saúde mental. E a gente tenta fazer isso exatamente invertendo essa lógica de olhar para a saúde mental sempre sob a ótica da doença ou do problema, mas, sim, olhá-la como uma ferramenta aliada, então, para o desenvolvimento social e econômico e, portanto, para a interação com os mais diversos setores da sociedade.
Um dos nossos públicos-alvo é exatamente o de jovens, e é sobre esses jovens que eu vou falar um pouquinho mais agora.
Para a gente falar de prevenção a suicídio entre crianças e adolescentes, a gente precisa dar um passo para trás para entender essa discussão um pouquinho de uma forma mais ampla. Para isso, eu vou trazer um pouco mais do contexto do porquê a gente precisa agir com esse público.
Eu vou trazer rapidamente três pontos principais do porquê a gente precisa incidir nesse tema. O primeiro é que no Brasil a gente tem uma das maiores populações de jovens da história, atualmente. Nossos jovens estão adoecendo. Existe um gargalo de tratamento, mas, ao mesmo tempo, a gente tem uma grande oportunidade de ação, porque prevenir nessa faixa etária da adolescência é chave para você, então, reduzir esse sofrimento psicológico.
Quando a gente olha para o Brasil atualmente, segundo os dados do Censo Demográfico, a gente observa que no Brasil tem cerca de 68 milhões de crianças e adolescentes com até 19 anos, e isso representa de novo uma das maiores gerações jovens da história.
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Esse bônus demográfico, que já começa a dar sinais de desaceleração, também representa uma janela de oportunidade para o crescimento econômico e para o progresso social do país, porque são esses jovens que vão ser os futuros líderes, os líderes do amanhã. E é exatamente por isso que se torna tão urgente a gente criar, então, políticas públicas estruturadas para a gente qualificar e garantir o desenvolvimento pleno desses jovens e, como consequência, para toda a sociedade.
No entanto, o que a gente observa é que esses jovens têm adoecido. A estimativa do Unicef é de que cerca de 13% dos adolescentes sejam diagnosticados com algum tipo de transtorno de saúde mental; desses 13%, 40% com depressão e ansiedade, que são os transtornos mentais comuns. E no Brasil também são diversos registros e pesquisas que vêm indicando um aumento desse sofrimento psicológico, especialmente em pós-pandemia e com retorno às aulas. São relatos de aumento de casos de violência, automutilação, ansiedade coletiva, além dos outros dados que os colegas que me antecederam já trouxeram.
Um exemplo dessas ferramentas, dessas pesquisas, foi que, aqui no Instituto Cactus, a gente desenvolveu uma ferramenta chamada de Panorama da Saúde Mental, que é uma ferramenta de monitoramento contínuo da situação da saúde mental dos brasileiros. E, a partir de um indicador único que a gente conseguiu criar nessa pesquisa, a gente identificou que o público jovem, de 16 a 24 anos, tem uma pontuação de saúde mental dentro desse indicador muito inferior à das outras faixas etárias. Alguns especialistas apontam que esse cenário de adoecimento é resultado de um histórico negligenciamento da saúde mental das crianças e dos adolescentes. Foi tardio o reconhecimento desse grupo como sujeitos psíquicos e de direitos, e como consequência o que a gente observa atualmente é um esvaziamento de políticas públicas específicas para esse público e que muitas vezes não tem nem protagonismo e voz nesse debate. Por isso, uma iniciativa vinda de um jovem como modelo é super gratificante de se observar.
Um dos exemplos desse tardio reconhecimento talvez seja a insuficiência e a distribuição desigual dos Caps infantojuvenis. Até 2022... Acho que a Marcia Aparecida já trouxe uma atualização desse dado, agora são 312, mas até 2022 eram 285 Caps infantojuvenis, que são esses equipamentos responsáveis por acolher os casos de maior complexidade. Para a gente ter uma visibilidade da distribuição, a Região Norte, por exemplo, tinha só seis desses equipamentos; e tinha estados que não tinham nenhum. Então, a gente precisa também trabalhar na distribuição, e, como a Marcia Aparecida trouxe, isso já está sendo endereçado dentro do departamento de saúde mental.
Mas a boa notícia é que existe uma grande oportunidade, porque a adolescência é um momento-chave para a gente trabalhar a prevenção. Isso porque os estudos indicam que cerca de 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos e 75%, até os 24, mas que, ao mesmo tempo, 80% desses jovens ficam sem um diagnóstico e não recebem o tratamento adequado, ou seja, esse gargalo de tratamento. E é exatamente essa fase de transição da vida da criança para a vida adulta que é marcada por diversas mudanças de caráter biológico, psicológico e também sociais. Isso significa que existe um gargalo ainda de incidência preventiva, em um momento-chave, e que a gente precisa então trabalhar dessa maneira para garantir uma população mais saudável do ponto de vista da saúde mental no futuro.
Bom, mas, para além de apontar esses problemas e desafios, de por que a gente precisa atuar com esse público, eu queria trazer alguns caminhos de atuação, então, para se atuar sob essa perspectiva de prevenção de doenças e promoção de saúde mental.
Para isso, eu vou trazer três pontos principais: primeiro, os fatores de risco e de proteção do que pode afetar a saúde mental das crianças e adolescentes; depois, vou destrinchar um pouquinho mais os eixos de proteção que a gente observa na literatura; e, por fim, vou trazer algumas recomendações práticas para as políticas de prevenção de doenças e promoção da saúde mental que podem também ser incorporadas dentro desse projeto de lei ou de qualquer outra iniciativa que vise a endereçar a promoção da saúde mental.
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A gente precisa entender que o que influencia ou não a qualidade da saúde mental dos jovens e adolescentes pode ser enquadrado em três esferas, de acordo com a literatura. Em amarelo, esse círculo menor que vocês veem é o mundo da criança. A gente está falando dos pais, das mães, dos cuidadores, dos lares onde eles estão inseridos. O segundo núcleo, um pouco mais abrangente, o verde que vocês veem na imagem, é o mundo ao redor da criança. Então a gente está falando de segurança, de estabilidade e vínculos saudáveis nas escolas ou nas comunidades e nos territórios a que eles pertencem. E, por fim, esse círculo mais abrangente que vocês veem em laranja, é o mundo da criança de forma mais ampla, em que a gente vai pensar então nos determinantes sociais da saúde mental, como a pobreza, a discriminação, o acesso à educação e a outros serviços básicos de saúde.
Quando a gente vai pensar em prevenção, a gente tem que entender que temos uma oportunidade muito grande em nossas mãos, porque a maior parte dos transtornos de saúde mental não são de caráter biológico, ou seja, a gente pode intervir nesses determinantes sociais de saúde mental para mitigar as chances de uma condição de saúde mental se materializar ou que ela agrave menos ou que ela até dure menos. Com isso, a gente consegue pensar então em prevenção.
No caso da adolescência especificamente, quando a gente pensa em prevenção, a gente está pensando em incidir então sobre os relacionamentos, como bullying em amizades, ou talvez incidir sobre violência com os parceiros íntimos e relações com os parceiros mais saudáveis, a gente está falando em incidir sobre peso e atividade física, sobre o consumo de álcool e outras drogas nessa faixa etária. Então esses são alguns elementos com que a gente pode trabalhar como prevenção de doenças, para a saúde mental.
E para a gente pensar de uma maneira estrutural, a gente precisa considerar esses três universos que eu trouxe no eslaide passado, do mundo da criança, ao redor dela e o mundo mais amplo, mas que estão conectados, para auxiliar em propostas que ajudem nessa maturação de um jovem mais saudável, do ponto de vista da saúde mental.
Um componente inerente à saúde mental que foi endereçado na fala de alguns dos meus colegas também é a intersetorialidade da saúde mental. A saúde mental da criança e do adolescente perpassa e é perpassada por diversos outros setores da sociedade, numa relação de mão dupla. A gente tem evidências dentro do meio da educação, a gente tem evidências da saúde mental relacionando-se com o meio ambiente, com um debate sobre gênero e raça. Dentro da saúde, existe uma correlação muito grande entre saúde mental e doenças crônicas não transmissíveis, por exemplo. Então você tem a saúde mental em uma relação direta com esses outros setores.
E a saúde mental tem uma relação de ganha-ganha com essas outras áreas. Então a gente precisa também considerar fatores de saúde mental não só nas políticas de saúde mental, mas também nas políticas das mais diversas áreas, na política de meio ambiente, na política de moradia e mobilidade. Adicionar uma lente da saúde mental nessas outras perspectivas e outras políticas.
Bom, mas como incorporar todos esses aspectos que eu trouxe até agora em políticas públicas estruturais, para prevenção de doenças e promoção de saúde mental? Eu vou trazer algumas recomendações, que podem ou não ser incorporadas dentro desse projeto de lei ou de outras iniciativas.
Primeiro, a gente precisa começar a entender a saúde mental das crianças e dos adolescentes como um fenômeno multicausal. Isso significa, de novo, que, para além de aspectos individuais, existem aspectos sociais e estruturantes que impactam a saúde mental de uma criança e um adolescente. A gente tem poucos dados, como o Dr. Salomão trouxe, e pesquisas sobre saúde mental nessa faixa etária. Então, a gente precisa facilitar, investir mais em pesquisas e estudos longitudinais com crianças e adolescentes, para a gente entender quais intervenções funcionam ou não, para criar políticas públicas baseadas em evidências, que é um pouco do que a gente tentou fazer no nosso panorama da saúde mental.
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A gente precisa também começar a criar uma cultura de monitoramento sistematizado para acompanhamento permanente da saúde mental dessas crianças e adolescentes. A gente tem algumas pesquisas que fazem isso, então a gente precisa ampliar essas pesquisas.
A gente precisa também reforçar as redes de proteção, buscando prevenir violações e violências contra criança e adolescente, não só no ambiente online, mas também no ambiente offline. O papel que a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes faz é exatamente esse papel de fortalecer também essas políticas e esses vínculos.
Na área da atenção primária à saúde, o que a gente observa hoje de algumas pesquisas é que existe um distanciamento dos adolescentes e dos jovens dos equipamentos de saúde, que poderiam servir como porta de entrada para esse encaminhamento do cuidado.
Então, para isso, a gente precisa talvez repensar esse modelo de atendimento, especialmente de adolescentes, dentro da atenção primária em saúde, e também formar profissionais da linha de frente, não especializados, para atuarem com diagnóstico precoce e encaminhamento correto, porque o que a gente observa é que a curva da demanda por cuidado especializado é muito maior do que a curva por oferta de cuidado especializado. E essas curvas nunca vão se encontrar, então a gente precisa trabalhar com não especialistas e a atenção primária na saúde mental é a chave para se fazer isso também.
Bom, mas sabendo desse distanciamento, dessa limitação da atenção especializada, trabalhar a intersetorialidade dentro da saúde mental é fundamental. Então, como a gente tem feito isso aqui no Instituto, e até deixando aqui como uma recomendação para esta Casa, no campo da educação, a gente entendeu que é uma forma de você alcançar esses adolescentes com políticas de prevenção de adoecimento ou promoção de saúde mental dentro das escolas, numa articulação com equipamentos da saúde.
Para isso que a gente apoiou tecnicamente a aprovação da Lei 14.819, de 2024, que é, inclusive, de autoria do Senador Alessandro Vieira, e que cria uma política nacional de atenção psicossocial nas comunidades escolares. E agora essa política aguarda a regulamentação do Poder Executivo para conseguir articular esses equipamentos da saúde, da educação e da assistência social.
Eu acho que essa é uma pauta de extrema urgência sobre a qual o Executivo já tem se debruçado, e acho que esta Casa podia ajudar nesse sentido também.
Por fim, e não menos importante, a gente precisa começar a dar voz e protagonismo para esses jovens dentro desses espaços institucionais para a construção de políticas públicas, porque somente assim a gente vai ter políticas alinhadas com as necessidades da juventude, inclusive no que tange a esse debate de prevenção de suicídio e de promoção de saúde mental.
Para finalizar, porque eu sei que eu já passei dos meus dez minutos, a promoção da saúde mental é uma tarefa coletiva e que demanda o envolvimento dos mais diversos setores e segmentos da sociedade, especialmente os dos formadores de políticas públicas.
É por isso que a gente ficou muito contente pelo convite da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, e da Comissão dos Direitos Humanos do Senado, à qual eu agradeço novamente.
Deixo aqui o convite para todos os Senadores e Senadoras para a gente atuar de forma conjunta para avançar com esse tema de forma consistente.
É com isso que eu encerro minha fala e fico aberto depois para as nossas perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos ao Dr. Bruno Ziller, da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, representante de Organização da Sociedade Civil em Defesa dos Direitos Humanos da Criança e Adolescente. Ele diz que esse tema é um tema coletivo, que interessa a toda a sociedade, por isso a importância deste debate e do projeto apresentado.
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Nós passamos agora, conforme aqui ajustado, para o Prof. Fábio Gomes de Matos e Souza, titular da Universidade Federal do Ceará. Ele não pôde estar presente nem virtualmente, mas mandou um vídeo, que resolvemos passar, entre aqueles que iriam fazer exposição. E deixamos o vídeo para o final, que é agora. (Falha no áudio.)
(Procede-se à exibição de vídeo.) (Falha no áudio.)
O problema continua. Enquanto os técnicos ajustam, eu já passo a Presidência para o Senador Girão, que é o Relator do projeto, que gentilmente pediu que eu ficasse até que ele terminasse a reunião no Colégio de Líderes. Ele chegou aqui agora.
Então, Senador Girão, assuma.
Eu me senti honrado aqui. Foi um belo debate, que ampliou, com certeza, a minha visão de um tema como este, que importa a toda a sociedade, que é a saúde mental de crianças e adolescentes. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Paz e bem!
Em primeiro lugar, eu queria agradecer ao Senador Paulo Paim, pela sua sempre disponibilidade por causas nobres. Ele conduziu aqui esta sessão, em que eu gostaria de estar desde o começo. Mas a gente fez a programação do segundo semestre agora, na Presidência, e, como Líder do Partido Novo, eu não podia deixar de participar. Então, a nossa equipe, desde o começo, acompanhou aqui, através do Dr. Roberto Lasserre, e agora nós vamos dar sequência, agradecendo à Dra. Clarissa Paranhos Guedes e à Dra. Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira, e a todos os outros palestrantes que aqui estiveram.
Vamos ouvir o Dr. Vitor e passar o vídeo. A nossa sempre atenciosa assessoria aqui da Casa, sempre presente com muita competência, fez toda a programação. (Pausa.)
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Já vou passar. Não está aqui, mas está conectado. Na sequência, Dr. Vitor, tem dez minutos para sua exposição.
Depois, vamos passar ao Dr. Fábio Gomes de Matos, que vai fazer a sua explanação, também em videoconferência, para este assunto de extrema importância, que toca em defesa da vida. Vemos uma pandemia, neste momento, da questão de suicídio, afligindo, de norte a sul, de leste a oeste, não apenas o Brasil, mas o mundo todo.
Aqui, no Senado Federal, nós temos que, cada vez mais, nos aprofundar para ver o que fazer diante desse grave problema que tem feito muitos brasileiros sofrerem.
Já passo, imediatamente, a palavra ao Dr. Vitor.
O SR. VITOR CARDOSO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia.
Vocês me escutam?
É, para mim, uma responsabilidade muito grande falar depois de tantas pessoas brilhantes, que trouxeram contribuições para o projeto.
Em primeiro lugar, agradeço à Presidência da mesa, que foi feita pelo Senador Paulo Paim, e agora ao substituto, o Relator, Eduardo Girão, e a todos os demais presentes aqui.
Eu brinco que, para mim, é uma honra ver este projeto sendo debatido na Casa do Povo, no Senado Federal.
Já antecedendo uma das linhas que eu costumo pontuar sobre o maior interesse deste projeto de lei, em diferença da Lei 13.819, pelo Deputado, pelo autor, é justamente partindo do pressuposto, da primazia na questão do cuidado especial para criança e adolescente.
A nossa Constituição traz esse atendimento especial e, quando nós vamos nos debruçar sobre a questão de saúde mental de crianças e adolescentes, a gente precisa entender que criança e adolescente são sujeitos com particularidades. E isso também se aplica quando a gente fala em uma política, que não pode ser uma política comum. Ela precisa ser específica justamente por esses sujeitos requererem um atendimento especial.
Quando a gente traz as proposições do PL atual, um dos pilares que ele traz são os princípios, as diretrizes, o modelo de gestão e o mecanismo voltado para criança e adolescente.
Em comparação à lei que hoje está vigente, que também teve uma grande contribuição para a saúde mental, a lei que agora está sob discussão traz a oportunidade de a gente criar uma política nacional que, desde o início, na sua fase embrionária, venha a ter a participação de todos os atores.
É a primeira vez, aqui no Senado Federal, podemos dizer, que a gente conta com a participação de todos os atores, para que venham, de fato, fazer uma construção coletiva, trazer um dos pormenores da política nacional. Ela se diferencia quando a gente cria a semana de diálogo.
Eu digo que é trazer para o Estado a responsabilidade de levar, nas escolas públicas e privadas, essa necessidade de trazer a desmistificação sobre saúde mental.
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Então, o PL traz como responsabilidade de todos, mas principalmente do Estado, a necessidade de a gente pontuar sobre saúde mental com crianças e adolescentes; criar esse espaço de segurança onde essas crianças e adolescentes possam, de fato, entender o que é uma emoção; processar que, naquele momento, no grande sofrimento psíquico, não necessariamente ela quer dar fim à sua vida, mas, a partir do momento em que ela, de uma forma articulada, tem acesso à informação de que aquilo é um sentimento, de que aquilo é passageiro e que tem rede de apoio, ou seja, os psicólogos, os assistentes sociais, a infraestrutura da educação, a criança e o adolescente podem vir a se permitir ser acolhidos.
Um outro fator que traz esse PL que está em discussão é a criação de indicadores. A gente precisa, novamente, especificamente sobre crianças e adolescentes, construir indicadores específicos. A gente precisa ter hoje, no Brasil, a quantificação, os dados concretos sobre esse problema, porque nós estamos trabalhando hoje no país, sobre esse tema, com indicadores que, infelizmente, são arcaicos e não necessariamente refletem a realidade, e é a partir desses indicadores que a gente vai de fato promover uma articulação e criar mecanismos de atuação para atender esse problema.
Um outro ponto é a questão da integração com todos os gestores. Quando a gente fala sobre saúde mental de crianças e adolescentes, a gente discute que não é somente a escola a responsável; é a assistência social, é o serviço de psicologia, é o sistema de Justiça, é o sistema de saúde. Então, a lei que está em discussão agora, a proposta, traz essa integração, mais uma vez, trazendo uma construção coletiva. Para a gente enfrentar o suicídio de crianças e adolescentes, ela tem que ser compartilhada. E o modelo de gestão desse projeto de lei é descentralizado: a gente vai ter a articulação de diversos setores da sociedade para a gente combater essa mazela social.
E, por último, a gente tem um convite à reflexão sobre a real necessidade de a gente entender as mazelas sociais que dão início à questão do suicídio de crianças e adolescentes. Eu costumo falar que o suicídio é a última violação do direito da criança e do adolescente. Podem ter certeza de que, antes de violar, a vida da criança e do adolescente teve uma violação na educação; teve uma violação à parte sexual dessas crianças, quando estas, por uma questão de abuso sexual, vão culminar na parte da ideação ao suicídio por outros fatores. Então, o suicídio é a ponta final da supressão de outros direitos.
E, aí, a política nacional traz isto: quando a gente integra a saúde, a educação, o serviço comunitário, isso é para novamente mostrar para a sociedade que a articulação para a gente de fato construir uma política nacional é a participação de diversos atores, porque, quando a gente fala na seara da saúde mental, a gente tem direitos anteriores que foram suprimidos. E aí, novamente, a gente tem a convocação de todos, seja em nível institucional, seja na sociedade, para fazer essa intervenção compartilhada.
E, por último, um grande debate que, enfim, veio da literatura: hoje a gente, enquanto sociedade, não está se questionando como a influência das tecnologias e jogos digitais de cunho agressivo impacta para essa culminância do suicídio de crianças e adolescentes.
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Trago uma provocação aqui para vocês: de que maneira a parte de jogos violentos afeta o desenvolvimento cognitivo dessas crianças e adolescentes e, de certa forma, vem a impactar na saúde mental dessas crianças? Será que estamos criando sujeitos em desenvolvimento mais agressivos, perante o jogo, quando a gente os coloca numa exposição da internet... (Falha no áudio.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Acho que... Dr. Vitor Cardoso, aconteceu algum problema aí no seu áudio. Não sei o que houve. Vamos tentar restabelecer...
O SR. VITOR CARDOSO (Por videoconferência.) - Vocês conseguem...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto, agora voltou.
O senhor tem dois minutos, se possível - a gente parou o cronômetro -, para concluir. Eu lhe agradeço.
O SR. VITOR CARDOSO (Por videoconferência.) - Obrigado. Já vou concluir.
Então, a gente precisa pensar em uma política de saúde mental - mais uma vez, esse projeto de lei traz isto - como uma política nacional, de forma articulada e específica, porque, quando a gente fala de saúde mental de crianças e adolescentes, isso não tem que ser abrangente, porque, senão, a gente não vai resolver de fato o problema da saúde mental; tem que ser específico, porque a criança e o adolescente são sujeitos que têm particularidades diferentes das de um jovem adulto. E, mais uma vez, a política traz esses mecanismos, alguns princípios, diretrizes específicas para essa população - no caso, para criança e adolescente.
Por fim, eu queria finalizar convidando a todos... Justamente, a audiência pública é para a gente ouvir, ter convergência, para que a gente venha de fato a construir uma política nacional com a participação de todos vocês.
Obrigado pela participação.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dr. Vitor Cardoso.
O senhor tocou num assunto aí que também é algo que me preocupa muito: esses jogos violentos. A gente já fez, inclusive, audiência pública aqui nesta Casa sobre isto, o vício em telas, algo que, com esses jogos violentos, vai trabalhando o inconsciente coletivo da criança, do adolescente. E a gente sabe que isso pode, segundo alguns especialistas trouxeram aqui, culminar em expressões violentas físicas, a partir de todos esses inputs nada saudáveis, que fazem parte.
Tem jogo, Dra. Marcia Aparecida, Dr. Clarissa, em que, quanto mais você mata, mais pontos você ganha; quanto mais você atropela velhinhas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - É um negócio surreal o que a gente... Hã?
A SRA. MARCIA APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA (Fora do microfone.) - O maior ponto é realmente atropelar o idoso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - É, atropelar idoso, matar... O matar por matar, porque você não está ali atingindo um alvo, uma coisa que é de tiro esportivo; você está atingindo pessoas. Então, isso vai incutindo a cultura da violência. Eu me preocupo muito com isso, porque isso tem um efeito, que é devastador.
Assim também a gente vê cada vez mais as crianças e os adolescentes viciados em telas. E muitas vezes não se sabe... Para o pai, para a mãe, muitas vezes, na inocência de buscar uma tranquilidade, é cômodo. É cômodo: "Não, meu filho não está dando problema, está ali no quarto, está no joguinho, está no celular dele". Mas muita coisa ali... E aí tem aquelas situações dos jogos perigosos também, vários tipos, mas tem também uma depressão muitas vezes ali, fora do contato com as pessoas, com a família, com quem ama, não é? A pessoa acaba... A criança ou adolescente pode estar com uma dor terrível ali, que pode estar sendo... Com esse isolamento no celular, sem o contato físico, sem o contato do olhar com os pais, aquele vício pode desencadear algo sério também, sem falar na questão da pornografia, que é outra audiência pública que nós fizemos aqui no Senado Federal, que eu conduzi, ouvindo especialistas, que é um mercado bilionário e que tem afetado a sociedade como um todo de forma muito grave, também adolescentes. Então, a gente percebe, isso vai criando um vazio existencial, o que é muito problemático.
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Então, eu peço a você que está nos assistindo agora, você que é pai, que é mãe, que é tio... Nós vamos tentar trabalhar aqui. O Deputado Osmar Terra já colocou que existe lei, que precisa aplicar. Esse projeto é um projeto muito bem-intencionado do Senador Alessandro Vieira, nós vamos conversar com ele, ver cada palavra que foi dita aqui pelos palestrantes para aprofundar a nossa visão sobre esse caso, que me toca profundamente a alma, mas eu digo a você que a família é a base de tudo. A família...
Por mais que o Governo tenha leis, e já tem muitas leis, e a gente deve sempre ter canais para, de uma certa forma, prevenir o suicídio, a automutilação, de uma certa forma criar canais em instituições públicas como escolas, hospitais, para que as autoridades sejam alertadas, mas eu acredito que a base de tudo são os pais, são as pessoas que amam, não é? É a minha posição de que a sociedade saudável precisa ter uma família saudável como pilar, então abrace seu filho, sua filha, tente conversar com ele e conscientizá-lo sobre o perigo que é o vício em tela, o vício em pornografia, o isolamento. Tente se aproximar, conversar, dizer que ama.
Essa é uma questão muito desse contato com a família, porque pode ser tarde demais; se deixar para fazer isso depois por comodidade, "não, ele está quietinho ali no celular", você pode se surpreender - como muitos casos chegaram para mim -, se surpreender com uma notícia muito triste do seu filho e você vai se culpar, muitas vezes você vai levar isso para o resto da existência e dizer: "Poxa, eu poderia ter feito aquilo, eu poderia ter falado mais com ele, eu poderia ter tido um contato com o meu ente querido que pudesse mostrar o quanto ele é importante para mim". Às vezes o sentido da vida que falta é esse amor entre a família. A questão de consumo de drogas, isso vai por um caminho também praticamente sem volta, então, que a gente possa resgatar através do amor da família, da atenção.
Para encerrar, Dr. Fabio Gomes de Matos e Souza. Tem um vídeo dele, eu peço que já coloque no ar. (Falha no áudio.)
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O SR. FABIO GOMES MATOS DE SOUZA (Para expor. Por vídeo.) - Bom dia a todos. Eu sou o Prof. Fabio Gomes de Matos, sou... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Bom, é bom só parar a fita aí, que está me repetindo. Já sei até o que eu vou dizer daqui a pouco. (Risos.) (Falha no áudio.)
Não dá para tirar o som daqui, não? O som nosso? (Falha no áudio.)
Vamos resolver? É importante o...
Eu agradeço por ter sido agora suspendido, foi interrompido. Será que dá para passar só o vídeo dele? (Pausa.)
O Dr. Fabio, eu o conheço muito, um grande psiquiatra, Presidente da Associação Cearense de Psiquiatria, ele promove...
Agora vai. Vamos lá.
O SR. FABIO GOMES MATOS DE SOUZA (Por vídeo.) - ... sou Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará e, em 2004, eu tive a oportunidade de fundar o primeiro programa de prevenção ao suicídio do Brasil, e esse programa chama-se Pravida. Então, o Pravida, que é o Programa de Apoio à Vida, nesses 20 anos que completamos agora... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - É porque é tão importante o que ele vai falar... Quando as coisas começam a dar errado assim é porque a gente tem que persistir, tem que ter resiliência. Eu tenho certeza de que a equipe vai... Já tinha começado, tinha dado certo. Tinha dado certo.
Então, enquanto se ajusta tecnicamente, se quiser dar um reset aí para começar tudo de novo, eu queria pedir para vocês terem atenção ao que ele vai falar, porque ele inclusive é um dos fundadores do Pravida, que é um movimento que acontece lá no Ceará, na minha terra, e são impressionantes as caminhadas que são feitas, seminários de conscientização sobre o Setembro Amarelo. Nós estamos chegando no Setembro Amarelo, e lá no Ceará tem essa cultura muito bacana.
Acho que agora vai dar certo, é isso? Que a gente possa ouvir o que o Dr. Fabio Gomes de Matos, que preparou esse vídeo com todo carinho, com todo amor, com todo respeito, tem a falar para a gente. Vamos tentar? Podemos tentar? (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Vai dar certo ao meio-dia. São 11h59. Está vindo um técnico para... (Falha no áudio.) (Pausa.)
O SR. FABIO GOMES MATOS DE SOUZA (Para expor. Por vídeo.) - ... Souza, sou Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará e, em 2004, eu tive a oportunidade de fundar o primeiro programa de prevenção do suicídio do Brasil, e esse programa chama-se Pravida. Então, o Pravida, que é o Programa de Apoio à Vida, nesses 20 anos que completamos agora, atendeu mais de 2 mil pessoas que tinham tentado recentemente o suicídio e que foram encaminhadas para o Pravida por hospitais, por emergências, por demanda espontânea, por Caps, por postos de saúde, enfim, toda uma série de pessoas que haviam passado por uma situação extremamente dramática e que, em um momento, acharam que a morte seria uma alternativa.
Eu tenho uma boa notícia para vocês: essas 2 mil pessoas, durante os três meses em que nós as acompanhamos no Pravida, não tentaram o suicídio novamente, então é perfeitamente possível a prevenção do suicídio. Como a gente pode prevenir o suicídio é o grande desafio em termos de saúde pública.
Temos que lembrar a todos no Congresso e a toda a sociedade brasileira que a taxa de suicídio em crianças e adolescentes tem aumentado sistematicamente no nosso país. Hoje, de acordo com o ano, varia, nessa faixa de 15 a 29 anos, como a segunda ou terceira causa de morte nesse extrato da população. E, obviamente, medidas urgentes precisam ser tomadas para que essa tragédia não aconteça todo dia em todo o Brasil.
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É possível diminuir a taxa de suicídio em adolescentes e crianças? Sim. Para isso, nós fundamos o Pravidinha, conhecido como Pravidinha pelo carinho das pessoas, mas é o Pravida Criança e Adolescente, que acontece aqui também, no Hospital Universitário Walter Cantídio, nas sextas-feiras, enquanto o Pravida acontece nas quintas-feiras.
Todas essas atividades são feitas por equipes multidisciplinares, com uma intervenção interdisciplinar. O que é que eu quero dizer com isso? Usualmente a equipe é composta por psiquiatra, por psicólogo, por assistente social e por enfermeiro. Todas as atividades são discutidas, todas as condutas são discutidas pelo grupo, e nós adotamos, para cada caso, as medidas específicas para isso.
O que é que a gente pode fazer mais do que o que a gente está fazendo? Nós sabemos que temos que ter a escola como sendo uma parceira fundamental em qualquer programa de prevenção de suicídio na infância e na adolescência, então nós temos que esclarecer professoras, supervisoras, diretoras de todas as escolas no nosso país. E tem uma questão: não é só a psicoeducação que é importante, mas também a família participar, a família ser orientada para detectar sinais precoces de que essa pessoa está pensando que a morte pode ser uma alternativa. Quais são as perguntas que a família tem que fazer sistematicamente para um adolescente que esteja pensando em morrer por suicídio? "Quais são os seus planos para o futuro, meu filho, minha filha?" Se o filho ou a filha disser que não tem nenhum plano para o futuro, opa, o primeiro sinal amarelo surgiu. "Para você, meu filho, minha filha, a vida sua é importante?" "Não, eu sou um peso para todos vocês e minha vida não vale nada." Opa, segundo sinal amarelo. Terceiro: "Se a morte viesse hoje, para você ela seria bem-vinda?". Ou seja, não ia procurar a morte, mas se a morte chegasse, seria bem-vinda? "Ah, seria uma bênção se ela chegasse hoje." Terceiro sinal amarelo. Isso aí já vale a pena levar para um psicólogo ou um psiquiatra, para avaliar esta criança.
Os pais têm que estar muito atentos também à questão da droga e do álcool. O álcool e a maconha têm reconhecidamente aumentado a taxa de suicídio em adolescentes. Infelizmente, agora o Supremo definiu que 40g de maconha é uso pessoal. Não é, 40g de maconha dá para fazer cem baseados, pela experiência que os meus pacientes colocam. Cem baseados são muitos baseados: se ele fuma dois por dia dá 50 dias de baseado, quase dois meses. Então, não é um consumo pessoal.
Há de haver também uma campanha muito forte em relação aos Caps Infantis. Nós temos aqui em Fortaleza - não posso falar por todo o Brasil -, para uma população de 2,5 milhões de habitantes, três Caps Infantis. Então, desse jeito também não dá para fazer, porque os Caps não têm infraestrutura de pessoal, de recursos materiais, de salas para atender.
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Eu tenho uma proposta muito mais simples: que, em cada posto de saúde, seja colocado um consultório de psicólogo e um consultório de psiquiatra - simples: um consultório de psicólogo e um consultório de psiquiatra -, porque ele estará próximo ali daquela área em que as pessoas vivem e moram e vai fazer uma triagem muito melhor. Já tem lá outros médicos, já tem enfermeiros, já tem assistentes sociais, mas, colocando um médico numa sala e o consultório de psicologia em outra sala, a gente dará uma assistência muito melhor a isso.
A gente tem que fazer a conexão com a escola através de um programa que, nos Estados Unidos, chama-se Gatekeeper, que é o guardião do portão, como aqui no Brasil é conhecido. O que é? São aquelas pessoas que são treinadas para que a gente possa identificar sinais precoces de que aquela pessoa está correndo um sério risco de vida. Aquele discurso de "a vida não vale a pena", "eu não tenho nada a fazer nesse mundo", "eu queria dormir até meus problemas se resolverem" e várias frases podem ser muito sugestivas de uma pessoa que está em risco de suicídio. E o que é que nós temos que fazer? Nós temos que dar um encaminhamento urgente para aquela pessoa.
Existe uma legislação brasileira que é a lei de prevenção do suicídio, que diz, com todas as letras, que a tentativa de suicídio ou o suicídio consumado têm que ser comunicados em 24 horas. Eu proponho um adendo a essa lei: que não seja só comunicado à Secretaria Municipal de Saúde ou à Secretaria Estadual de Saúde, mas que seja tratado. Então, em 24 horas, uma tentativa de suicídio tem que ter um encaminhamento imediato. Por quê? Porque essa pessoa continua em risco. Não é possível que a pessoa vá ser tratada... Vamos supor que ela tenha ingerido muitos comprimidos; então, é feita uma lavagem gástrica e essa pessoa volta para a sua casa. Não, essa pessoa tem que imediatamente ver um profissional da saúde mental. Com isso, a gente vai diminuir muito... E quero lembrar que suicídio é contagioso. Então, não só essa pessoa tem que ser vista, mas os colegas, os amigos, as redes sociais que ela está acessando, se existem receitas de suicídio nessas redes sociais.
A gente tem que ter uma política também, um número nacional de prevenção do suicídio. O Centro de Valorização da Vida faz um trabalho maravilhoso, mas é um trabalho localizado, não é um trabalho integrado e não encaminha para um centro de atendimento. Então, nós precisamos que haja o 195, que é o número da prevenção de suicídio, em todo o Brasil, 24 horas por dia, 7 dias por semana. E aí a gente atenderia esse telefone e imediatamente encaminharia para um centro de prevenção de suicídio mais próximo da casa dessa pessoa. Vale a pena também treinar os pediatras e os hebiatras para que a gente possa fazer uma cooperação, uma parceria para que todos eles possam participar desse programa.
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Um outro ponto importante é a gente disponibilizar tratamento para transtorno mental para a criança. A gente sabe que tratar a depressão diminui o suicídio, tratar o transtorno bipolar diminui o suicídio. Hoje nós temos técnicas mais novas, como a quetamina, e técnicas mais antigas, como os psicofármacos e a eletroconvulsoterapia, que é o meio mais eficaz de prevenção do suicídio. Então, pelo menos em cada cidade grande acima de 100 mil habitantes, teria que ter um centro de prevenção do suicídio. Se é uma capital muito maior, tem que ter dois, três ou quatro. A gente tem que ver conforme essa população brasileira está distribuída. O certo é que nós não podemos permitir que 15 mil brasileiros morram a cada ano sem ter uma chance de um tratamento adequado.
Então, é extremamente importante esta audiência aqui no Senado Federal.
Eu parabenizo o Senador Paulo Paim, bem como o nosso Senador aqui do Ceará, Eduardo Girão, por estarem sempre lutando pela vida.
Vamos lutar todo mundo junto. A vida pertence a todos nós e queremos fazer com que essa vida não seja desperdiçada num momento de desespero, num momento de angústia ou tragédia.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Olhem, eu disse que valeria a pena. Eu não disse que valeria a pena esperar? Muito bom, muito obrigado, Dr. Fabio Gomes Matos, psiquiatra cearense, que nos presenteia com essa exposição tão clara, com dicas práticas para os pais, com dicas práticas inclusive também para familiares, para identificar uma tendência ao suicídio, à automutilação. A gente precisa ficar atento aos sinais. Muito obrigado, Dr. Fabio.
Nós vamos encerrar a sessão, mas eu quero conceder um minuto para a Dra. Marcia Aparecida Ferreira, se quiser fazer alguma consideração, que é representante do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde do Brasil.
Muito obrigado pela sua presença, pela presença do Ministério da Saúde aqui nesta sessão tão importante para a nação.
A SRA. MARCIA APARECIDA FERREIRA DE OLIVEIRA (Para expor.) - Eu que agradeço, Senador Eduardo Girão.
Eu vou encerrar, nesse um minuto que eu tenho, tentando trazer um pouquinho uma síntese de todas as perguntas que chegaram nesse momento para nós. Infelizmente, a gente não tem tempo para responder uma a uma; então, eu vou fazer uma síntese geral e vou trabalhar mais em cima dos desafios.
O primeiro dele é o enfrentamento ao estigma, é a quebra do silêncio. A gente tem que falar de suicídio não só no mês de setembro, mas de janeiro a janeiro. Sobre o acesso que é voltado por conta tanto do estigma quanto da pouca visibilidade que a gente dá aos centros de atenção psicossocial ou à rede nossa de atenção psicossocial, a gente precisa dar mais visibilidade e conseguir perceber isso.
Quando todos os ministérios nos chamavam para que a gente pudesse falar um pouquinho da saúde mental do trabalhador após quatro anos, três anos de crise sanitária, de momento pandêmico, de trabalhos que foram todos reorganizados na vida da gente, nós ainda sentíamos isso como trabalhadores e também com os nossos contratos precários e vários outros motivos que nos trazem a uma vida difícil. E, quando eu falava em centro de atenção psicossocial, a maioria dos nossos colegas não sabia o que era - e são trabalhadores de quase todos os ministérios aqui da Esplanada. Então, essa visibilidade cabe a nós, todo dia, passar em frente.
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Concordo com o Prof. Fabio Gomes, que a gente precisa trabalhar em cima de uma educação permanente, sobretudo na detecção precoce e intervenção breve. E a gente tem isso na atenção primária à saúde, como eu falei na minha explanação.
Sobre as escolas, como bem falado pela nossa colega Clarissa, do Conselho Federal de Psicologia, a gente precisa estar nas escolas de ensino básico, ensino fundamental e médio, para que a gente possa levar uma formação de cultura de paz e de empatia. Isso está dentro dos nossos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a Agenda 2030.
E, por fim, a notificação compulsória obrigatória de todos os casos para que a gente possa fortalecer os nossos dados epidemiológicos e saber em que lugares a gente precisa de maior intervenção.
Obrigada.
Até a próxima.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dra. Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira, representante do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Todas essas perguntas que chegaram antes e durante a sessão nós vamos encaminhar, a nossa Mesa, sempre atenciosa, vai encaminhar para os palestrantes aqui para, se quiserem, mandar as respostas ou estudos para que a gente possa deixar nos anais desta audiência pública. É possível fazer isso, porque fica tudo registrado no sistema, e a gente já fez outras vezes.
Passo a palavra para a Dra. Clarissa Paranhos Guedes, Conselheira representante do Conselho Federal de Psicologia, mais uma vez agradecendo a sua presença. Muito obrigado.
A SRA. CLARISSA PARANHOS GUEDES (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Eu queria, mais uma vez, agradecer pelo convite, pela oportunidade de estar aqui.
Foi uma manhã rica de debates, e eu acho que a gente conseguiu, através das diversas falas, pensar o quanto é complexo o enfrentamento do suicídio, em especial desse público, mas eu acho que a gente também conseguiu pensar respostas, não é? E aí eu acho que isso nos ajuda porque é um objetivo comum de todo mundo que está aqui e acho que não é possível pensar nesse enfrentamento sem o fortalecimento das políticas públicas. A gente precisa de uma Raps, a gente precisa de escolas, do Suas, do esporte e do lazer, mas fundamentalmente a gente precisa que essas políticas dialoguem.
Eu já trabalhei em escolas, e as professoras estão ali muito preocupadas com seus estudantes e não conhecem o Cras que fica na esquina, a unidade básica que está na outra, porque elas não sabem exatamente como funciona. Então, eu acho que muita gente falou aqui da intersetorialidade, o quanto é importante que as nossas políticas dialoguem e trabalhem juntas, porque, às vezes, a gente já fez tudo dentro daquele local, mas a gente não fez junto. Então, quando a gente faz junto com o Cras, a gente consegue se aproximar das famílias; quando a gente se aproxima do Suas, da Raps, a gente consegue pensar a especificidade daquela demanda.
Por isso é que eu queria reforçar mais uma vez a nossa proposta de emenda - a gente vai encaminhá-la formalmente -, que é lincar esse PL com a implementação da Lei 13.935, que é a lei que fala sobre a presença de psicólogas e assistentes sociais nas escolas, porque essas profissionais conseguem fazer essa interlocução, conseguem identificar essas demandas. Então, vai ser muito importante, no enfrentamento dessa questão, essa presença.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dra. Clarissa Paranhos Guedes, ela que é Conselheira Representante do Conselho Federal de Psicologia.
Então, não havendo nada mais a tratar nesta sessão, vai ficar aí no YouTube da TV Senado por décadas todo esse conhecimento, debate de alto nível.
E que a gente possa, no relatório, trazer encaminhamentos, ouvindo tudo o que foi dito aqui, o que vai ser mandado para cá, para que a gente possa aprimorar, se assim for necessário, a lei de prevenção ao suicídio e automutilação no Brasil.
Muito obrigado, Deus abençoe, muita paz a todos.
Está encerrada a sessão.
(Iniciada às 9 horas e 53 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 19 minutos.)