Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a relação do desmonte do Estado e o esvaziamento da universidade pública com o pensamento único da globalização.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Considerações sobre a relação do desmonte do Estado e o esvaziamento da universidade pública com o pensamento único da globalização.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2001 - Página 26094
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, BRASIL, DESENVOLVIMENTO, POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, LIBERALISMO, ECONOMIA NACIONAL, GLOBALIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, DETERIORAÇÃO, PAIS, PREJUIZO, SOBERANIA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, FORMAÇÃO, CRITICA, MODELO, GLOBALIZAÇÃO, DETERIORAÇÃO, PAIS, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.
  • REGISTRO, IMPOSIÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, MODELO ECONOMICO, GOVERNO FEDERAL, ABANDONO, UNIVERSIDADE FEDERAL, OBJETIVO, COMBATE, OPOSIÇÃO, POLITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, PRIVATIZAÇÃO.
  • NECESSIDADE, DEFESA, UNIVERSIDADE FEDERAL, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, CRITICA, MODELO ECONOMICO, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante muito tempo, imaginávamos estar encaminhando as nossas mais brilhantes inteligências para as melhores universidades do planeta para que, doutores e com teses louvadas, pudessem transformar a nossa realidade, tamanhos os problemas e, igualmente, os nossos principais potenciais. Fome, miséria, exclusões de toda ordem, de um lado. Todos os recursos naturais do planeta, de outro.

            Ledo engano. Nosso, dos argentinos, dos mexicanos, dos indianos, e de tantos outros países que confiaram as suas melhores cabeças para as mais renomadas universidades americanas, inglesas, francesas ou alemãs. A história está a demonstrar que, na verdade, não fomos assim tão remetentes. Foram eles que se colocaram como destinatários, para moldar cérebros escolhidos a dedo, para que se debruçassem sobre as suas cartilhas e assimilassem as suas lições. Não é à toa que essas mesmas cabeças ocupam, hoje, os lugares mais estratégicos da Administração Pública, colocando em prática o chamado “pensamento único”, no Brasil, na Argentina, no México ou na Índia.

            Não é por acaso, portanto, que todos esses países passaram, através de uma mesma linguagem, por processos de “demonização” do Estado e de “endeusamento” do mercado. Era o que rezava a tal cartilha, fielmente acreditada por seus “seguidores”. Tornar o Estado indefeso, desacreditá-lo, desmontá-lo, parecem ter sido os pontos mais estudados e, pelo que se observa, devidamente assimilados.

            Palavras como corporativismo, estado mínimo, ajuste fiscal privatizações, burocracia e tecnocracia foram, certamente, as mais dissecadas, cada uma no melhor contexto, segundo os interesses do que se convencionou chamar, depois, de globalização.

            A globalização dos mercados e o desmonte do Estado feriu a soberania dos países, que se transformaram em verdadeiros reféns dos credores, mesmo com a quase completa privatização das empresas estatais, as mais estratégicas arrematadas, a preços vis, por grandes corporações internacionais. Anos a fio de investimento e luta foram descartados, na bacia das almas, a título de “amortização da dívida”, embora ela tenha crescido a taxas exponenciais, em particular no Brasil, decuplicada exatamente no período dos principais leilões. 

            Entretanto, persistiram, heroicamente, focos de resistência ao tal “pensamento único”, principalmente nas universidades locais. E o Brasil não foge à regra. Pode-se dizer, grosso modo, que, hoje, a universidade brasileira é, ainda, a grande trincheira da soberania nacional. Pode-se afirmar que a nova geração de pesquisadores que se formou nessas universidades são os críticos mais contumazes da globalização dos mercados nos moldes que se apresentam, enquanto a geração que se formou a partir de cartilhas exógenas, principalmente os economistas, ocupa os postos mais avançados da Administração Pública  
Federal. Talvez seja por isso que a universidade brasileira seja a crítica mais contundente da Administração Pública.

            Se, por um lado, isso significa alvíssaras, por outro, era de se esperar que essas universidades, tal qual o Estado como um todo, se tornassem, também, como reação, alvo de um semelhante processo de desmonte. Havia que se minar as resistências ao modelo imposto pelos credores. Daí, a decisão deliberada e consciente de esvaziamento das universidades públicas. Não é uma decisão deste ou daquele Ministro da Educação. É a imposição de um modelo.

            O esvaziamento das universidades é mais contundente para um projeto de país democrático e soberano que a privatização das empresas estatais. É porque isso significa um golpe na inteligência colocada a serviço do bem comum. Na empresa ou na universidade privada, o lucro não necessariamente se move pelo pudor. Minar a universidade pública é destruir o último reduto do processo criativo posto a serviço da maioria, do país como nação independente. Destruí-la, significa abrir mão do futuro. Não é por acaso, portanto, que os centros de pesquisa das universidades públicas foram desmantelados. É que eles produziam conhecimento para o desenvolvimento de um país independente, na contramão dos ditames da globalização.

            Nesse sentido, a defesa da universidade pública vai além dos aspectos da autonomia universitária propriamente dita. Ela significa a luta pela soberania do país como um todo. Não haverá país independente sem liberdade de gerar conhecimento que permita retratar a realidade de seu povo, e transformá-la, se necessário.

            O desmonte do Estado brasileiro passou por cima de todos os protestos e, não raramente, de todos os princípios éticos. Talvez não seja a mesma a coragem de destruir, de penada, a universidade pública. A míngua de recursos para as pesquisas e a erosão dos salários dos professores dos demais funcionários das universidades é algo assim como uma “morte severina”, aquela através da qual se morre (ou, no caso, se mata) um pouco por dia.

            A defesa que faço da universidade pública tem a mesma garra, portanto, do meu protesto contra o desmonte do Estado e a mesma veemência da minha luta por um país mais democrático e soberano. É que são os mesmos os princípios. São, também, os mesmos personagens que, do outro lado, já desmantelaram o Estado, querem esvaziar a universidade pública e não se importam com a construção de uma nação soberana.

            Todos esses problemas brasileiros são, obviamente, os mesmos da Amazônia e, em particular, de Rondônia. A diferença é que lá, eles assumem dimensões maiores. Não há, por exemplo, como falar de soberania nacional sem referência da (e na) Amazônia. Preocupa-me, sobremodo, em que direção se alinhará a sanha dos credores internacionais, quando não houver mais o que privatizar. A cobiça de tais credores pode voltar-se contra a nossa geografia. Contra essa cobiça e essa sanha, nada melhor que o conhecimento da realidade daquela região e a construção de uma referência para a sua ocupação e defesa.

            É esse o papel que tem desempenhado a Universidade de Rondônia: gerar conhecimento para o País, em especial sobre a Amazônia e constituir-se num dos principais centros de inteligência sobre o processo de desenvolvimento regional. Seus problemas são, também os mesmos das demais universidades brasileiras, mas se potencializam porque ela está sendo golpeada quando dá seus primeiros passos. Ela quer e tem potencial para crescer e caminhar segura, mas está sendo minada na sua estrutura, para que não se permita que, no mínimo, mantenha-se em pé. Se já eram escassos os recursos, imagine-se um corte de custeio da ordem 30%. Isso significa mais de R$ 4,7 milhões, entre 1999 e 2000, nas rubricas de manutenção. Se não se mantém nem mesmo nas questões mais básicas, é óbvia a impossibilidade de investir e de criar novas áreas de conhecimento que a realidade regional está a exigir.

            A UNIR é guardiã e reduto do pensamento amazônico que dispensa cartilhas paginadas pela imposição de valores e de condutas. Por ali trilha o futuro da Amazônia e da soberania nacional. A luta pela melhoria de suas condições passa, portanto, por dois níveis: um, enquanto integrante da comunidade universitária brasileira, esvaziada por interesses exógenos para quem não interessa o desenvolvimento de nossos cérebros; outro, pelas suas especificidades, pela sua localização e por se tratar de um projeto ainda incipiente e com vasto potencial de desenvolvimento.

            Na questão geral, a defesa da universidade pública e voltada para os interesses nacionais tem que se inserir na discussão maior, de um projeto de desenvolvimento verdadeiramente nacional, onde a geração e a propagação do conhecimento é questão vital. O País tem que decidir sobre os seus destinos. Não há como manter-se integrado ao mercado globalizado com mais de cinqüenta milhões de deserdados, pobres e famintos. Há que se buscar conhecimento para integrar um mercado interno de mais de 170 milhões de consumidores, em um país com todos os ecossistemas do planeta. Isso não acontecerá, com certeza, com um estado desmontado e com uma universidade esvaziada.

            De pronto, há que encontrar meios para que professores, pesquisadores e funcionários recebam, pelo menos, o devido. Isso é um ditame constitucional. Permanecer na universidade pública tem se transformado, cada vez mais, num verdadeiro sacerdócio. Mas, as privações também impõem os seus limites, até mesmo para os sacerdotes. A luta pela sobrevivência tem motivado a transferência do conhecimento científico para as universidades privadas que, por definição óbvia, não são públicas e não necessariamente buscam o bem comum. Por isso, em muitos casos, não são, nem mesmo, universais.

            Quanto à UNIR, há que se atribuir-lhe atenção especial. Integrada no ecúmeno amazônico, ela já demonstrou ter condições de se tornar um centro de excelência de conhecimento de uma região que desperta interesses nem sempre atrelados ao nosso projeto de país enquanto nação independente. A nossa história e o futuro da nossa geografia dependem do ardor dessa mocidade que hoje quer por em prática os seus imensos potenciais. A crise nas universidades brasileiras e a míngua da UNIR podem significar abrir mão dessa mesma história e dessa mesma geografia. As gerações do futuro não nos perdoarão!

            É hora de construirmos a nossa própria cartilha, na língua pátria. Se há algo a se traduzir, que o seja do desejo e das aspirações de todos os brasileiros, para que os frutos do conhecimento tornem-se, verdadeiramente, públicos e universais. Neste caso, os nossos melhores tradutores ainda se encontram nas universidades brasileiras. Que suas teses sejam, portanto, também louvadas!

            Era o que eu tinha a dizer


            Modelo112/2/243:09



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2001 - Página 26094