Pronunciamento de Pedro Simon em 12/06/2002
Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal
Comemoração dos 111 anos de existência do Senado da República.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Comemoração dos 111 anos de existência do Senado da República.
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/06/2002 - Página 11608
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SENADO, REPUBLICA, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, GOMES DE CASTRO, RUI BARBOSA, PINHEIRO MACHADO (RS), LUIS CARLOS PRESTES, JOSE AMERICO DE ALMEIDA, ALBERTO PASQUALINI, AURO DE MOURA ANDRADE, JUSCELINO KUBITSCHEK, JOSAPHAT MARINHO, MARCOS FREIRE, TEOTONIO VILELA (AL), PETRONIO PORTELLA, JARBAS PASSARINHO, PAULO BROSSARD, TANCREDO NEVES, AFONSO ARINOS, RELEVANCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, distintas autoridades que nos honram com suas presenças, minhas senhoras e meus senhores, convidado a participar desta cerimônia de comemoração dos 111 anos do Senado republicano, resolvi fazer deste pronunciamento uma homenagem aos grandes tribunos desta Casa ao longo de todo esse tempo.
Sempre considerei a tribuna como sendo a alma do Senado. É aqui que, quotidianamente, os mais candentes problemas do País são tratados. Nos momentos mais graves da nossa História, a tribuna do Senado acabou funcionando como um farol que orienta a Nação para as melhores decisões. Afinal, este aqui é um tradicional reduto dos mais experimentados homens públicos. Foi assim no Império e é assim na Nova República. Este plenário congrega ex-Ministros, ex-Governadores, ex-Presidentes, homens e mulheres com vasto conhecimento da vida brasileira e da gestão dos negócios públicos.
Como disse antes, julguei importante homenagear, hoje, aqueles que se destacaram pelo uso da tribuna do Senado como fórum de discussão das questões maiores da nacionalidade. Assim, utilizando-me de uma antologia de discursos, publicada no livro História Institucional do Senado do Brasil, de Vamireh Chacon, fiz um longo estudo de alguns dos pronunciamentos mais significativos, feitos nos momentos mais decisivos da História republicana.
Começo com um trecho do discurso do Senador maranhense Gomes de Castro, pronunciado em 03 de setembro de 1895. Discutia-se, à época, a concessão de anistia aos militares de carreira que haviam participado da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul. Havia, no Senado, quem aceitasse a anistia total, com os militares voltando às fileiras; havia quem quisesse a anistia parcial, com os militares passando à reserva, e havia quem a rejeitasse. Então, Gomes de Castro atacou os que queriam a anistia parcial, e disse:
Vós ides estragar a obra da paz tirando do seio dela uma classe de indivíduos que se acolheram à generosidade prometida pelos altos poderes do Estado?
Não; e eu não me acho com competência para o fazer; mas, quando a tivesse, havia de hesitar, porque o sangue que banhava e ensopava as campinas do Rio Grande do Sul é o sangue que nos corre nas veias; o apelido que aqueles usam é o apelido que nós usamos e que transmitimos aos nossos filhos; o sol que alumiava as batalhas e refulgia naqueles sabres é o sol que alumia o Brasil inteiro; e aquele pedaço de terra, tão experimentado pelas vicissitudes da guerra, faz parte da Nação brasileira, a que nós todos pertencemos!
Eu, senhores, hei de recomendar às maldições da História quem se atrever a perturbar a paz que acaba de se firmar; eu hei de recomendar, embora com a minha voz fraca, ao ódio de todo brasileiro o temerário, qualquer que seja a eminência de seus méritos, que reacender as fogueiras da guerra, que acabam de ser apagadas com tanto trabalho.
Na mesma sessão de setembro de 1895, ocupou a tribuna aquele que é considerado por todos o maior dos Senadores brasileiros, o baiano Rui Barbosa, para se defender dos que o acusavam de não querer a anistia. Na verdade, ele havia sugerido a passagem aos quadros extranumerários e extraordinários dos oficiais que o Governo “julgasse de bom aviso arredar temporariamente da ativa”.
Rui apresentou um irretocável e irrespondível discurso com explicações jurídicas na defesa de sua posição, mas o seu pronunciamento atinge o ápice quando ele fala no modo como combateu o Governo de Floriano Peixoto.
Diz Rui Barbosa:
A minha luta contra o Governo era às claras. Eu esforçava-me por dirigir contra ele uma tríplice linha de combate: com a palavra deliberativa no Senado, com a palavra escrita no jornalismo, com a palavra forense no pretório. Era uma escola metódica de oposição constitucional, tal como nunca se tentara, talvez, entre nós, porque ela abrangia, simultaneamente, o voto legislativo, a propaganda popular e o apelo judiciário. Eu quis dar aos meus compatriotas esse exemplo; quis fundar praticamente os costumes republicanos. Eis o meu crime perante o poder militar.
Conspirações não se urdem da tribuna parlamentar, não se tramam nos periódicos, não se abrigam nos tribunais. E nos tribunais, nas folhas, no Congresso, é que eu estabelecera e entretinha, tenazmente, a resistência jurídica, a resistência civil, a resistência incruenta contra os opressores do meu País. Esse caráter legal, persuasivo, de uma oposição armada apenas com a força dos seus argumentos, era precisamente o desespero do déspota. Nada inquieta, irrita e desequilibra tanto as tiranias militares como a oposição constitucional. Com as rebeldias da rua dá-se a espada otimamente. Essas imprudências consolidam o domínio da força.
Rui Barbosa foi, sem dúvida, o mais erudito, o mais destacado Senador dos anos iniciais da República. Mas teve, nessa mesma época, a ombrear-se com ele, como adversário, aquele que foi, talvez, o mais poderoso de todos os Senadores brasileiros, o gaúcho Pinheiro Machado.
Os senhores ouviram, no filme, a voz do Presidente da República de então dizer que ele era tão amigo de Pinheiro Machado que, muitas vezes, Pinheiro Machado governava por ele. Aliás, era o que se comentava no Brasil inteiro.
Pois foi Pinheiro Machado que mandou e desmandou, às escondidas e abertamente, durante a Primeira República. Escolhi, como mostra da oratória de Pinheiro Machado, um pequeno trecho de pronunciamento que fez em 12 de novembro de 1897. Naquela ocasião estava sendo debatida, no plenário, a decretação do estado de sítio em função de um atentado contra o Presidente Prudente de Morais. O Senador gaúcho era contrário à decisão. Mesmo sabendo que era minoria, voto vencido, Pinheiro Machado pronunciou-se. Argumentava que medidas de exceção só devem ser concedidas pelo Parlamento em casos extremos. Disse o Senador gaúcho:
Sr. Presidente, sou daqueles que pensam que a sociedade, estando ameaçada, perigando a ordem pública, as instituições, não há vacilar; todos os poderes públicos, congregados, harmônicos, coesos, devem procurar fortificar o Poder Executivo, que é o poder essencialmente agente na comunhão social.
Em tais conjunturas, é essencial que da parte daqueles que delegam ou votam a medida extrema, de tanta gravidade, haja certeza de que existe verdadeiro perigo público, isto é, que a comoção social verifica-se de fato, e que, se não for concedida uma providência de tal excepcionalidade, que importa incontestavelmente no avassalamento do direito pela força, no reinado da prepotência e do arbítrio, no domínio do ferro contra a lei, a sociedade entrará em completa anarquia e a subversão das instituições será uma conseqüência de discreta previsão.
Realmente, Sr. Presidente, não estou convencido de que haja comoção no País e conspiração, esta, se houve, já deixou de ter perigo, e vós todos sabeis que as conspirações só aterram quando não descobertas.
Vamos, agora, dar um salto no tempo. Estamos em meados dos anos 40, época da redemocratização. Em 11 de novembro de 1946, ocupa a tribuna outro importante Senador gaúcho, Luiz Carlos Prestes, líder maior dos comunistas brasileiros, homem íntegro e grande patriota. Seu pronunciamento - em que tratava da União Soviética e do marxismo-leninismo - foi picotado por dezenas de apartes. Mas Prestes não perdeu a serenidade e a elegância diante de seus críticos. Para marcar aquele momento, escolhi o trecho em que Prestes trata da Imprensa. Reproduzo-o por julgar que ainda hoje as assertivas do líder da Coluna Prestes se mantêm.
Diz Luiz Carlos Prestes:
Sabemos o que é liberdade de imprensa na sociedade capitalista. É cada vez mais a liberdade para os ricos possuírem bons jornais. O proletário luta com dificuldade. A liberdade é teórica. Consta da letra das constituições, mas, para terem seu jornal, só o conseguem depois de grandes dificuldades, cada vez maiores. A liberdade de imprensa, mesmo nos Estados Unidos, é monopólio dos grandes trustes, das grandes empresas jornalísticas, hoje, cada vez maiores, nas sociedades capitalistas.
Um ano mais tarde, Prestes e os demais Parlamentares comunistas seriam cassados. No dia 25 de outubro de 1947, levanta-se para defendê-lo no Senado outro grande brasileiro, o paraibano José Américo de Almeida, autor de um clássico da nossa literatura - A Bagaceira. José Américo trouxe seu discurso escrito porque quisera ser simples e direto. E realmente seu texto é irretocável.
Disse ele:
Não trago à discussão nenhum elemento novo, nenhum esforço de hermenêutica, nenhum argumento de autoridade trazendo, entretanto, o que é meu, o que é, intrinsecamente, meu; a fundamento pessoal do meu voto. Porque ele dimana, mais do que uma convicção, de uma consciência; mais do que da conclusão de um estudo, de um balanço de responsabilidades.
Indaguei, cautelosamente, qual a razão de ser dessa investida, dessa espécie de mandado de despejo - já não posso dizer contra a família parlamentar, contra o mais inviolável dos recessos, resguardado por todas as prerrogativas e imunidades que podem proteger uma conquista humana.
Respondem todos, entre inquietos e implacáveis, que é um movimento de salvação da democracia, ameaçada na sua própria existência pelo chamado ‘perigo comunista’.
Para essa defesa eu correria à carga, cerraria fileiras com amigos e inimigos, já estaria na linha vanguardeira como dos mais resolutos sustentáculos das nossas liberdades renascidas.
Mas, - é a grande verdade - os que se apresentam, neste passo, como defensores da democracia, incorrem, flagrantemente, num tremendo equívoco, que é a mais penosa atitude do espírito, porque estão, ao contrário, agindo como seus inimigos.
Senhoras e Senhores, no início dos anos 50, integrava o Senado da República aquele que considero o meu mentor intelectual, o homem pelo qual eu tenho a maior admiração e o maior fascínio na história política brasileira, o Senador Alberto Pasqualini, o teórico do trabalhismo brasileiro, mas também cristão, social e solidário. Homem de cultura invulgar, digno e probo com quem tive a felicidade de conviver e aprender praticamente tudo o que conheço de social e econômico. Pasqualini teve atuação destacada no Senado, com estudos, pareceres e pronunciamentos de grande profundidade. Num discurso de 03 de outubro de 1951, ele já antevia os contornos da dramática situação do mercado de trabalho que vivemos hoje, meio século depois.
Disse Alberto Pasqualini:
Para o trabalhismo a sociedade humana deve ser a organização da cooperação e da solidariedade entre os indivíduos que a constituem. O que cumpre é que estabeleçam os termos e condições dessa cooperação para que se eliminem todas as formas de exploração e se assegure o que denominamos ‘justiça social’.
A forma individual de cooperação é o trabalho, isto é, uma atividade que possa ser útil aos demais e que, em conseqüência, encontre na atividade destes uma correspondência de benefícios.
Tomo sempre a palavra ‘trabalho’ no sentido de uma atividade econômica e socialmente útil, de uma atividade que produza ou contribua para produzir bens e serviços que contenham alguma utilidade para os demais membros da coletividade...
O agiota, o açambarcador, o monopolista, o especulador exercem atividades, mas não poderíamos considerá-las e classificá-las como formas de trabalho, porque “trabalho”, por definição, é uma atividade socialmente útil.
Passo agora para os anos 60. Pego como exemplar - no mau sentido, é claro - um dos tristes pronunciamentos feitos da tribuna do Senado pelo Senador Auro de Moura Andrade - cuja voz apareceu ali, há poucos instantes -, no dia 12 de setembro de 1963, na condição de Presidente do Senado, em que ele convoca os militares à intervenção na vida brasileira. Disse Auro de Moura Andrade:
Que os Chefes Militares [ele tinha uma voz fantástica!] e Oficiais responsáveis das três armas estejam bem advertidos daquilo que os espera e que a todos nós espera, se tal processo de subversão não for interrompido.
Como Presidente do Senado e do Congresso Nacional, entendo ser de meu dever alertar a Nação e exigir, nos limites máximos de minha autoridade institucional, que os demais responsáveis pela ordem democrática no País se reúnam e atuem com decisiva e sempre crescente energia e no sentido de pôr cobro à marcha a que, no plano inclinado da subversão, está atirada a ordem constitucional do Brasil.
O pronunciamento que ele fez, que ouvimos ali: “Considero vaga a Presidência da República”, era um pronunciamento falso, incorreto. O Presidente da República estava em Porto Alegre, eu estava com ele. Lá, naquela madrugada, ele estava em Porto Alegre. Ele saiu daqui e foi para Porto Alegre. Ele estava em lugar certo, sabido e conhecido. Com ele, estava o Comandante do 3º Exército. Eo Senador Auro de Moura Andrade, pura e simplesmente, declara vaga a Presidência da República.
Triste momento, triste participação de um Presidente do Congresso Nacional!
Passemos ao ano seguinte. Em 30 de abril de 1964, o Senador Barros Carvalho fez um pronunciamento defendendo a honra do ex-Presidente João Goulart. Naquela época, a maioria das críticas dos que apoiaram o golpe era dirigida à “corrupção” que teria existido no Governo Goulart. Disse o Senador Carvalho:
...no Brasil, talvez nenhum homem público haja tido a vida tão exposta à devassa e ao ódio, como o Presidente João Goulart. Até com aventureiros estrangeiros se acumpliciaram alguns homens públicos do País, como no caso da Carta Brandi, para golpear a sua honra. Mas o receio que não tínhamos ontem também não temos hoje. Aí está, Sr. Presidente, a entrevista concedida a O Cruzeiro pelo Presidente no exílio, representando os que o injuriaram, a que façam uma completa devassa em sua vida e em seu Governo. E mais: pede que tenham a coragem de fazê-la em toda a vida pública brasileira, inclusive nos patrimônios dos políticos.
É interessante! Eu era Deputado Estadual em Porto Alegre quando pegamos uma cópia da procuração em causa própria que João Goulart havia feito num cartório de São Borja, dando autorização para que o Diretor-Presidente da revista Time comprasse por US$1 qualquer propriedade que provasse ter sido comprada por ele desde o momento em que assumiu a Presidência da República. Fiz um pronunciamento importante sobre isso na Assembléia Legislativa, que os jornais de lá não publicaram, nem os jornais de lugar nenhum, e só muito tempo depois é que se ficou sabendo dessa triste realidade.
Pouco depois, no dia 3 de outubro de 1964, este Plenário assistiria a um impressionante discurso premonitório, feito por um dos maiores políticos brasileiros, o Presidente Juscelino Kubitschek, que estava prevendo a cassação dos seus direitos políticos, que ocorreria poucos dias depois. Disse o nosso querido Presidente Juscelino Kubitschek:
Na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria a cassação do meu direito de cidadão (ser candidato do Partido Social Democrático ao futuro pleito presidencial) e de representante do povo de Goiás, julgo de meu dever dirigir, desta tribuna, algumas palavras à Nação brasileira.
Julgo, sem jactância, ser este um dos mais altos momentos de minha vida pública. Comparo-o ao instante em que recebi a faixa presidencial, depois de uma luta sem tréguas contra forças de toda a ordem, inclusive as da calúnia, que em vão tentaram deter a vontade do povo brasileiro. Naquela ocasião, assumi, perante a minha própria consciência, a determinação de não me deixar guiar por ressentimentos ou por mágoas, por mais justas que fossem. Perante Deus, perante o povo, diante desta Casa, posso afirmar que o Presidente da República, durante cinco anos, zelou pela paz no Brasil, não autorizando, não permitindo, não pactuando com qualquer atentado à liberdade de quem quer que fosse e agindo sempre com a dignidade administrativa. Neste momento, sinto uma perfeita correlação entre a minha ação presidencial e a iníqua perseguição que me estão movendo. É que a mesma causa continua viva, a mesma da defesa das instituições livres pela qual lutei.
E Juscelino foi cassado três dias depois.
Passemos agora ao turbulento ano de 1968, época de graves transformações políticas, no Brasil e no mundo. Para mostrar um pouco da agitação daquele tempo, transcrevo breve trecho do pronunciamento de um grande Senador baiano, de um grande amigo nosso, cuja memória está aí fazendo com que todos sintamos a cada dia a sua falta, o grande amigo e irmão, o jurista Josaphat Marinho. No dia 13 de novembro de 1968, ele ocupou esta tribuna para tratar do pedido de licença para a cassação do mandato do Deputado Márcio Moreira Alves, episódio que, como se sabe, acabou desembocando na edição do Ato Institucional nº 5. Disse o jurista Josaphat Marinho:
Num regime bicameral, o pedido de licença para processo de um parlamentar não interessa apenas à Casa do Congresso a que ele pertence [Tratava-se de um Deputado].
Não sendo a imunidade, material ou formal, um privilégio do representante, um direito subjetivo dele, mas uma garantia do exercício de suas funções, toda tentativa de alcançar um parlamentar, seja deputado ou senador, interessa às duas Casas do Congresso Nacional.
As prerrogativas que protegem o parlamentar no exercício do mandato não são privilégios pessoais, não constituem direito subjetivo dele, mas garantia da função, ou seja, uma prerrogativa do órgão para resguardo de sua independência e de sua soberania...
Não está em jogo, no caso, apenas a sorte de um Deputado eventualmente de Oposição. O de que se trata é de amparar e resguardar a integridade da vida parlamentar, a independência de diretrizes e de ação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.”
Em 3 de março de 1975, vem a esta tribuna o jovem e brilhante Senador pernambucano Marcos Freire, outro companheiro de caminhada, tragicamente falecido. Em seu discurso, ele pinta um quadro bastante real do que foram aqueles primeiros anos - trágicos! - da década de 70. Disse Marcos Freire:
Em verdade, Sr. Presidente, Srs. Senadores, há salpicos de sangue vivo nos caminhos que trilhamos. Há muito suor de trabalho injustiçado. Há muito pranto, derramado em vão.
São, antes de mais nada, as vítimas da espiral de violência que se instalou em nosso País. A própria Oposição fez, na Legislatura que fundou, várias denúncias e inquirições sobre pessoas presas irregularmente, torturadas, mortas ou desaparecidas, numa quase luta fratricida que é preciso acabar. Por isso, continuaremos a cobrar do Governo os esclarecimentos e a responsabilização dos que, no exercício de funções de repressão, se tenham excedido ou abusado do poder que detinham.
...são, igualmente, as lágrimas de esposas, filhos, pais, irmãos, noivas, parentes outros e amigos vários dos que têm sido arbitrariamente punidos, sem lhes darem, sequer, o direito de defesa. Ou daqueles que estão nos cárceres privados, privados da liberdade, humilhados e ofendidos, dias ou meses a fio, aguardando a sentença que, muitas vezes, os absolverão de imputações descabidas, não raro didatas pelo sectarismo político dos nossos dias. Eles estão a cobrar de nós, representantes do povo, a defesa dos sagrados direitos do cidadão.
Chegamos a 1979, ano da anistia. Passo a palavra, agora, a outro dos grandes vultos da nossa história recente, o meu amigo e irmão Teotônio Vilela - tive a honra de tê-lo morando comigo, durante dois anos, nas horas finais de sua vida -, o Menestrel das Alagoas, a grande figura cívica que dispensa elogios. No dia 19 de abril de 1979, ele veio a esta tribuna e, com sua clarividência de sempre, disse:
Não podemos, assim, deixar de condenar a falsa democracia em que se pretendeu envolver a Nação, com os Senadores biônicos e os Governadores indiretos, a Lei Falcão e os Prefeitos nomeados, as salvaguardas e os atos de exceção. Tudo isso não passa de tentativa inútil de conter o curso da História.
A posse do General João Baptista Figueiredo abre nova etapa da experiência autoritária sob a qual a Nação vive há 15 anos. É hora de um balanço, ainda que sumário, das realizações do regime.
Comecemos pelo modelo econômico. Fruto da decisão de uns poucos, mostrou-se incapaz de promover a integração nacional: negligencia o povo e não contempla a Nação. O regime gerou um grupo de minorias privilegiadas que dominam os diferentes degraus da pirâmide social. É inegável que a estrutura burocrática militar não conseguiu descobrir, nem criar os meios para superar os problemas crônicos de nosso subdesenvolvimento. Nada de significativo foi feito para melhorar a sorte das dezenas de milhões de brasileiros que, no campo e na cidade, sobrevivem em estado de miséria. A questão social não se incluiu entre as prioridades do regime autoritário.
Ninguém nega que o País tenha crescido. Mas cresceu de forma desequilibrada e injusta.
No começo dos anos 80, morria um grande Senador brasileiro, Petrônio Portella. Presidente desta Casa, havia sido um dos articuladores, se não o principal, do processo de distensão que procurava reconciliar o País nas asas da anistia. Para traçar-lhe um perfil, veio a esta tribuna um grande Senador paraense, Jarbas Passarinho, que disse:
Temperamento polêmico, era, entretanto, um homem voltado para a conciliação. Rápido no raciocínio, duro na resposta, ora irônico, ora sarcástico, vergastava e era vergastado, mas a voz não silenciava, a voz que eu me perguntava por que mistério, com a tintura de uma cultura universal, permanecia provinciana? Porque os verbos da segunda conjugação nunca tinham final.
Crescia na argumentação que fazia, devolvia o ataque prontamente, não era dos que amadureciam o pensamento para responder depois.”
Por essa época, foi nosso contemporâneo um dos maiores oradores desta Casa, o gaúcho Paulo Brossard de Souza Pinto. Quando ocupava a tribuna, Câmara e Senado paravam para ouvir seu pronunciamento. Foi a sua voz, serena, mas segura, que se levantou contra a tortura. Calcado na sua imensa sabedoria jurídica, fez um pronunciamento irrespondível, tão bem estruturado, que nem se falou em retaliação do Governo, numa época em que as críticas ao poder eram coibidas com a cassação dos mandatos. No dia 17 de março de 1981, Brossard veio a esta tribuna, para falar da descoberta de uma casa em Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro, em que se praticava tortura. Disse Brossard:
Que relação pode existir entre uma casa de tortura e a instituição militar, que seria a intenção de denegrir, segundo versão ministerial?
Nenhuma relação tem, nenhuma relação pode ter. Basta ler os estatutos que disciplinam a instituição. E, quando alguma relação de fato pudesse ter existido, teria sido ilegítima, porque legalmente incompatível com a natureza, os deveres, as atribuições, a finalidade da instituição, que, por isso mesmo, não poderia acobertá-la, sem associar-se a ela.
Se mazelas existiram, eufemisticamente denominadas “excessos”, o remédio não está em ocultá-las, porque ocultá-las seria protegê-las e protegê-las seria mantê-las, conservando-as em condições de, quiçá, virem um dia a ressurgir e a proliferar. O remédio estaria em extirpá-las de modo a no organismo não ficar fibra contaminada que se reproduza amanhã.
Desgraçado o país que tenha medo de livrar-se dos próprios erros, porque para libertar-se deles tenha de exibi-los. Mil vezes exibi-los, e, expondo-os, inspirar horror, para que nunca mais voltem a repetir-se, do que, envergonhadamente, ocultá-los e, ocultando-os, protegê-los, com risco de voltarem amanhã, confiados na complacência que enseja, senão estimula os abusos.
Em 14 de março de 1983, despedia-se desta Casa o Senador mineiro Tancredo Neves, que se licenciava para concorrer ao Governo do seu Estado. Seria eleito Governador naquele mesmo ano e, no seguinte, venceria a eleição indireta para a Presidência da República, embora não chegasse a assumir o posto em função daquela tragédia que abalou o povo brasileiro. Escolhi o trecho em que Tancredo Neves fala do maior Presidente brasileiro de todos os tempos:
Despeço-me, hoje, do Senado da República.
Confrange-me o coração, ao constatar que não apenas me despeço do Senado, mas também que, neste momento e nesta hora, encerro para sempre as minhas atividades parlamentares.
A década de 50 se inicia, e com ela sou alçado, com o voto generoso do povo mineiro, à Câmara dos Deputados. Cumpria meu primeiro mandato, quando o Presidente Getúlio Vargas me convoca para ocupar, no seu Governo, a pasta da Justiça. Foi esse, sem dúvida, o instante mais alto de minha modesta vida pública. Convivi, de perto, com o grande estadista nos últimos anos de sua nobre existência. Pude conhecê-lo na integridade do seu caráter, no seu patriotismo inexpugnável, no seu zelo indormido pela sorte do nosso povo, na sua integral identificação com o Brasil.
A tragédia que o vitimou foi a mais bela, heróica e digna das lições que nos legou. Sacrificou-se, para que o sangue brasileiro não fosse por ele derramado e se imolou para deixar aos porvindouros o ensinamento indelével de que no serviço da Pátria a vida é o que menos vale.
Senhoras e senhores, para encerrar este discurso, que já vai longo - sou eu e vários Senadores que vieram do além-túmulo para se apresentarem aqui -, escolhi trecho de um discurso de outro destacado Senador e jurista, Afonso Arinos de Mello Franco.
Em 4 de agosto de 1987, Afonso Arinos fez a defesa do regime parlamentarista, que queria ver adotado na Assembléia Constituinte. É pronunciamento que muito me impressionou, porque me alinho entre aqueles que, em todas as oportunidades, defenderam e defendem o parlamentarismo. Afonso Arinos fez um resumo exato das mazelas do presidencialismo. Disse ele:
Sustento, Sr. Presidente, que o regime presidencial nunca foi aplicado no Brasil...
Aliás, o regime presidencial nunca foi aplicado convenientemente fora dos Estados Unidos. Não existe exemplo, em nenhum país, em nenhum continente, da reprodução desse sistema de governo, que obedece a condições específicas da formação sociológica, cultural e histórica daquela Nação, na época em que ele surgiu no campo das instituições políticas modernas.
O positivismo fundamentou no Brasil a idéia da ditadura, e o militarismo fundamentou ao Brasil a idéia da ditadura militar.
Então, a psicologia, a filosofia política era ditatorial - o positivismo; e a prática militar era ditatorial. A ditadura militar se implantou no Brasil desde o início da era republicana, desde o início da fundamentação do sistema presidencial.
Ela começou com Deodoro. Do Governo Deodoro ao fim do Governo Floriano, atravessamos seis anos de luta e de ditadura sangrenta, de violência de toda a parte.
Então, com essa idéia da filosofia política ditatorial, é assimilada, é acrescida, é aumentada a tendência militarista da América Latina. Por isso, na América Latina o presidencialismo norte-americano se desvirtuou completamente. Em todos os países da América Latina assistimos mais de um século às ditaduras militares.
Finalmente, a partir de 1964, 20 anos de autoritarismo militar. Cem anos de República, 54 anos de violência sem lei, de governos opressivos, de degradação do caráter, às vezes de vergonha nacional. Cinqüenta e quatro anos de governo absolutamente antidemocrático, absolutamente irreconhecível, absolutamente repugnante a qualquer modelo de governo respeitador da lei e da liberdade. Eis a face velada, mas inesquecível do presidencialismo republicano no Brasil.
Encerro, Sr. Presidente, lembrando que, talvez, mais do que tudo o que eu disse, o momento mais importante neste plenário e nesta Casa tenha sido um dos enumerados no filme a que assistimos: o impeachment, ocasião em o Brasil deu exemplo para o mundo ao afastar, democrática e pacificamente, um Presidente que não vinha cumprindo seus compromissos para com a Nação. Naquele momento, o Congresso brasileiro - de modo especial, o Senado Federal -deu uma demonstração do que pode e do que deve fazer.
Temos cumprido fielmente nossas missões, apesar de estarmos longe de fazer o que devemos, mas cada um procura fazer o que pode. Tenho visto, nesta tribuna do Senado da República, a passagem de homens que, nos momentos mais dramáticos, deram-nos uma palavra de orientação e de confiança. Podemos até divergir desses homens - eu próprio divirjo, e muito -, mas temos que respeitá-los por seu caráter e sua dignidade.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?
O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Como o Senador Eduardo Suplicy não está inscrito para falar, vou permitir que S. Exª faça o aparte. No entanto, lembro a todos que estamos em sessão solene, e, de acordo com o Regimento Interno, nessas ocasiões, não são permitidos apartes. Peço que o Senador Eduardo Suplicy seja breve e que outros se abstenham de fazer apartes.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, gostaria que as brilhantes palavras do Senador Pedro Simon em homenagem aos 111 anos do Senado Federal fossem tidas também como palavras da Liderança do Bloco de Oposição e do Partido dos Trabalhadores. Apenas gostaria de ressaltar que, entre as grandes figuras do Senado Federal, nesses 111 anos de história, está, certamente, a do Senador Pedro Simon, que muitas vezes nos tem abrilhantado com os seus mais veementes discursos em defesa da pátria, da cidadania e da justiça. Meus cumprimentos.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Que fique registrado nos Anais da Casa o aparte do Senador Eduardo Suplicy.
Muito obrigado.
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