Pronunciamento de Pedro Simon em 15/12/2008
Discurso durante a 237ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
A presença dos gaúchos na Amazônia.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- A presença dos gaúchos na Amazônia.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/12/2008 - Página 52255
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- CONTINUAÇÃO, HISTORIA, CONTRIBUIÇÃO, POPULAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COLONIZAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, MOTIVO, FATOR, NATUREZA ECONOMICA, BUSCA, OPORTUNIDADE, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO.
- COMENTARIO, BIOGRAFIA, CIDADÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SAUDAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, CONSTRUÇÃO, ESTADOS, REGIÃO NORTE, REGISTRO, MANUTENÇÃO, COSTUMES, CRIAÇÃO, CENTRO CIVICO, TRADIÇÃO, REGIÃO SUL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, continuo a minha tarefa, Sr. Presidente, porque pretendo escrever um livro sobre a história dos gaúchos na vida brasileira. O meu último pronunciamento foi sobre os gaúchos no Mato Grosso. E hoje eu quero falar dos gaúchos na Amazônia.
A diáspora do povo gaúcho.
Segundo os dicionários, diáspora é a dispersão de um povo em conseqüência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica. No nosso caso, o motivo que levou os agricultores gaúchos à dispersão forçada foi econômico. O excessivo fracionamento das pequenas propriedades, nas colônias pioneiras no Rio Grande do Sul, fazia com que os filhos dos produtores saíssem em busca de terra. Os descendentes dos imigrantes alemães e italianos, já no início do século passado, chegaram ao norte, ao nordeste do Rio Grande do Sul e, pouco depois, sempre pelo mesmo motivo, começaram a cruzar o Rio Grande, primeiro para se instalar em Santa Catarina.
Nas primeiras três décadas do Século XX, os gaúchos criaram aquelas cidades que viriam a ser as maiores do Oeste e do Meio-Oeste catarinense. Nos anos 50 e 60, a migração concentra-se no Oeste do Paraná. A partir dos anos 70, milhares de produtores, em um êxodo maciço, deixam a nossa terra para ampliar as fronteiras agrícolas que estavam sendo abertas nos cerrados e na Amazônia.
Por tudo isso, creio que não exagero quando chamo de diáspora a essa movimentação de grandes proporções do povo sul-rio-grandense pelas terras brasileiras, mais exatamente pelas novas fronteiras agrícolas que foram sendo abertas por nós, sucessivamente, desde o início do século passado.
No primeiro dos meus pronunciamentos, esbocei um quadro dessa migração por terras brasileiras. Num segundo discurso, descrevi a verdadeira proeza que foi a ocupação dos cerrados, o que transformou o Brasil, efetivamente, num celeiro, com grande produção de grãos e carne. Em outro pronunciamento, falei da transformação, em poucos anos, do Estado de Mato Grosso, que virou uma potência agro-pecuária.
Hoje eu quero falar da presença dos gaúchos na Amazônia. Pela definição de Amazônia Legal, eu teria de incluir obrigatoriamente neste pronunciamento o Estado de Mato Grosso. Ocorre, porém, que os números da mudança em massa de agricultores gaúchos para aquele Estado são tão impressionantes que me senti obrigado a fazer um pronunciamento à parte.
Para mostrar o impacto da migração gaúcha para o Mato Grosso, citei o fato de, no momento, dois dos Senadores eleitos por aquele Estado terem nascido no Rio Grande do Sul. Estima-se que hoje já vivem em Mato Grosso cerca de 100 mil gaúchos.
O que se nota quando se estuda a diáspora do povo gaúcho é que o migrante, embora continue apegado à cultura gaúcha, ama com igual intensidade sua nova terra. Ninguém quer regressar. Esse migrante ingressa num CTG, canta e dança nossas músicas, escuta programas de rádio do Sul, torce pelo Grêmio e pelo Inter, mas se fixa fortemente em sua nova terra. Isso se explica porque os agricultores são gente apegada ao chão que lhes dá o sustento.
Mais do que o hábito do chimarrão diário e do churrasco no final de semana, a nossa gente carrega consigo a vontade de se entregar totalmente ao trabalho. Viram os seus pais e seus avós trabalharem do nascer ao pôr do sol e é por isso que fazem também a mesma coisa. Mas são solidários com os seus familiares e vizinhos. Mal se instalam na nova terra, chamam os pais e irmãos. Também convocam seus vizinhos para ocupar aquela região. E logo a cidadezinha nascente toma os ares de uma cidade grande. O trabalho é mais fácil quando se ampara no núcleo familiar. As famílias já instaladas vão ajudando as outras que vêm depois.
E, assim que possível, formam uma cooperativa. O cooperativismo nasceu no Rio Grande do Sul, entre os imigrantes italianos. Nas nossas cidades do interior, as pessoas se associam para tudo, para vender e para comprar. Em todas as novas terras que ocuparam, os gaúchos fizeram prevalecer o hábito do trabalho cooperativo, da forte coesão comunitária. A Igreja tem um papel determinante na união das comunidades do interior.
E é isso que eles constroem, de saída, nas novas fronteiras: escolas, igrejas, cooperativa e CTGs. Por falar nisso, é bom ter em mente que, hoje em dia, milhares de Centros de Tradição Gaúcha espalham-se hoje de Sul a Norte do País.
Hoje, eu quero falar da presença dos gaúchos nos Estados Amazônicos: Acre, Rondônia, Pará, Amazonas, Roraima e Amapá.
Decidi começar pelo Acre por um motivo bastante simples: se há um Estado da Amazônia que tem forte ligação com o Rio Grande do Sul, esse Estado é o Acre. Isso ocorre porque a incorporação daquelas terras ao território brasileiro foi obra de um jovem idealista gaúcho, nascido na cidade de São Gabriel.
Idolatrado no Acre como um grande herói local, Plácido de Castro comandou uma revolução que saiu vitoriosa contra as forças bolivianas, muito mais numerosas.
Plácido de Castro nasceu numa família de militares. Era filho do Capitão Prudente da Fonseca Castro, veterano das campanhas do Uruguai e do Paraguai. Recebeu o mesmo nome de seu avô, José Plácido de Castro, um major paulista que, após combater na Campanha Cisplatina, trocou São Paulo pelo Rio Grande do Sul. Um de seus bisavós, Joaquim José Domingues, participou da conquista das Missões em 1801, quando aquele território foi incorporado ao território brasileiro.
Um dos melhores alunos da Escola Militar da então província do Rio Grande do Sul quando eclodiu a Revolução Federalista, Plácido aderiu à Revolução, alcançando o posto de Major. Em 1899, aos 22 anos, resolve tentar futuro melhor no Norte do País, trabalhando como seringalista. Estava demarcando o seringal quando ficou sabendo pelos jornais, em 1901, que a Bolívia havia arrendado o Acre - cuja posse era disputada pelo Brasil desde 1750 - a uma companhia norte-americana. Plácido viu na notícia uma ameaça à integridade do Brasil.
Enquanto arregimentava combatentes, o Governo do Brasil reconheceu os direitos bolivianos sobre o Acre. Mesmo assim, Plácido de Castro iniciou um movimento armado para garantir a posse da região.
O governo boliviano enviou um contingente de 400 homens, que foram derrotados por 60 seringueiros comandados por Plácido de Castro. A seguir, suas tropas venceram outras guarnições bolivianas em Empresa e Porto Alonso. O próprio Presidente da Bolívia, General José Manuel Pando, no comando de suas tropas, vai ao ataque, mas sem sucesso. Plácido tinha 27 anos de idade quando liderou os brasileiros em combate que envolveram mais de 30 mil homens. Sua vitória definiu a fronteira oeste do Brasil. Em 1903, pelo Tratado de Petrópolis, a luta foi encerrada.
Nomeado Governador do Acre, em 1906, Plácido de Castro viajou para o Rio de Janeiro, onde lhe ofereceram os galões de Coronel da Guarda Nacional, que rejeitou. Quando de seu retorno ao Acre, foi nomeado Prefeito. Dois anos depois, em agosto de 1908, caiu ferido numa emboscada que lhe prepararam mais de uma dezena de jagunços.
No dia 11, ardendo em febre, implorou ao irmão Genesco, na presença de vários companheiros: “Logo que puderes, retira daqui os meus ossos. Direi como aquele general africano: ‘Esta guerra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei, é indigna de possuí-los’. Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e de sangue as páginas da história do Acre... Tanta ocasião gloriosa para eu morrer...”
Plácido de Castro foi sepultado no cemitério da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre, num túmulo em cuja lápide a família mandou gravar o nome e sobrenome dos seus 14 carrascos.
Em 17 de novembro de 2004, o nome de Plácido de Castro foi incluído no Livro de Aço dos Heróis Nacionais, localizado no Panteão da Pátria, em Brasília.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para a redação deste pronunciamento, tive a ajuda fundamental de dois dos mais destacados líderes da colônia gaúcha no Acre: o Deputado Estadual José Luís Schafer, mais conhecido como Tchê, e o desembargador Pedro Ranzi.
O Deputado Tchê nasceu em 1960, em Humaitá, no noroeste do Rio Grande do Sul. Em 1985, em busca de oportunidades, ele chegou ao Acre, então um Estado novo e com carência de mão-de-obra qualificada. Empreendedor, começou no ramo de transportes e passou, em seguida, ao comércio.
José Luís Tchê entrou para a vida pública impulsionado pelo desejo de enfrentar o desafio que era mudar a realidade política do Acre daquela época, marcada pela violência e pela impunidade. Em seu primeiro mandato, foi considerado como um dos cinco deputados estaduais mais atuantes. Entre seus projetos, destacou-se a lei que dispõe sobre o Acompanhamento na Hora do Parto, que garante à parturiente o direito a um acompanhante, iniciativa que, depois, tornou-se lei federal.
“A concentração no Acre de pessoas que nasceram no Rio Grande do Sul impressiona”, diz o Deputado Tchê. “São inúmeros os ocupantes de altos cargos políticos e administrativos, empresários, políticos, médicos e cidadãos comuns vindos do Sul que adotaram o Acre como uma nova terra. Estimo que hoje vivam no Acre entre 30 a 40 mil sulistas, sendo que a maior concentração de gaúchos é na capital, Rio Branco. Pela ordem de chegada, acredita-se que a colônia dos sulistas tenha sido a terceira a chegar ao Acre, logo após os nordestinos e nortistas”.
De acordo com o Desembargador Pedro Ranzi, os gaúchos que vivem no Acre estão concentrados nos Municípios de Rio Branco, Acrelândia, Plácido de Castro, Senador Guiomard, Brasiléia e Epitaciolândia. Assentamentos de colonos gaúchos ocorreram na década de 70, em Brasiléia e Epitaciolândia, cidade que fica na fronteira com a Bolívia.
Segundo José Luiz Tchê, além de numerosos, os gaúchos se destacam pela união. Para maior congraçamento, os sul-rio-grandenses criaram, em 1974, na capital, um Centro de Tradições Gaúchas que recebeu o nome de José Plácido de Castro.
“O Centro nasceu da vontade de um grande grupo de cidadãos que têm o Acre no coração, mas que sentem saudades das tradições de sua terra natal”, diz o Deputado Tchê. “Como o amor que nos une é mais forte que a distância e as diferenças que os separam, a meta do CTG é zelar pelas tradições gaúchas, suas histórias, lendas e costumes. Assim, o Centro não desenvolve quaisquer atividades político-partidárias, filosóficas ou religiosas. Trabalha-se lá pela elevação moral”.
O Desembargador Pedro Ranzi foi um dos fundadores do CTG, junto com seu irmão Alceu, professor da área de Paleontologia da Universidade Federal do Acre. O primeiro patrão e incentivador, Osório Rodrigues, reside na cidade de Plácido de Castro. A sede própria foi inaugurada em setembro de 2006, com a presença do cantor e compositor Rui Biriva. Também Gaúcho da Fronteira, Renato Borghetti e os Gaudérios, de Caxias do Sul, tocaram por lá. Para os bailes, são contratados grupos musicais gauchescos de Rondônia. “No nosso CTG, todas as sextas-feiras à noite temos jantar dançante e bóia campeira, muitas vezes um costelão assado à moda”, explica o Desembargador.
Pedro Ranzi nasceu em 1947 no Município de Soledade, na localidade de Pontão do Butiá, hoje pertencente a Espumoso, no Rio Grande do Sul. Sua família era originária de Bento Gonçalves, onde seu bisavô, Carlos Jerolimo, recebeu o lote 200 da colônia Santo Antão, em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul.
Chegando ao Acre em 1969, foi residir em Cruzeiro do Sul, onde fundou um colégio. Na Prefeitura daquela cidade, exerceu as funções de Secretário, Contador e foi nomeado Prefeito em 1971. No ano seguinte, mudou-se para a capital do Estado, onde estudou Direito, formando-se em 1977. Ingressou na Magistratura em 1980. Passou a Desembargador em 2005.
Um fato peculiar na vida de Pedro Ranzi é que, além do trabalho pesado no Tribunal de Justiça, onde ocupa a Vice-Presidência, ele é um dos apresentadores do “Programa de Gaúcho”, que vai ao ar todos os sábados, das 9 às 11 horas, na FM Gazeta de Rio Branco, a principal emissora do Estado.
“A idéia de um programa de rádio nasceu de uma visita que fiz a Passo Fundo, onde residem meus familiares. Escutei lá a [Rádio] Planalto 105 FM, que toca 24 horas música gaúcha. De volta ao Acre, iniciei o programa em 2001, com meia hora de duração. Fui o criador e sou o programador, mas considero que o programa é do nosso CTG. Em geral, somos quatro apresentadores. Soubemos que o programa já foi ouvido nos Estados Unidos, Itália, Bolívia e Peru”, disse Pedro Ranzi. E acrescenta: “Eu não era envolvido no movimento tradicionalista lá no Rio Grande do Sul, mas freqüentava o CTG em Passo Fundo. A gente é mais gaúcho quando está longe do pago e da querência amada”.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passo agora a falar da presença dos meus conterrâneos no Estado de Rondônia.
Um dos melhores conhecedores do acelerado processo de ocupação do Estado de Rondônia é o ex-Senador Amir Lando, que ficou nacionalmente conhecido quando foi o Relator da CPI que investigou Paulo César Farias.
Entre 1970 e 1982, Amir Lando foi advogado do Incra e ocupou a Presidência da Comissão de Discriminação de Terras, que comandava a ocupação tanto em Rondônia quanto no Acre. De acordo com o ex-Senador, foi instalada cerca de uma dezena de grandes assentamentos ao longo da BR-364, que resultaram depois em importantes cidades de Rondônia, como Cacoal, Rolim de Moura e Ariquemes. Os lotes concedidos inicialmente aos colonos eram de 100 hectares, depois caíram para 50. Os assentamentos variavam entre dois mil e seis mil lotes.
Foi assim que Rondônia, em pouco mais de uma década, recebeu 100 mil famílias de agricultores. A grande maioria de assentados veio do Oeste do Paraná, das cidades gaúchas do Paraná: Cascavel, Pato Branco e Toledo, áreas ocupadas por descendentes do Rio Grande do Sul, que para lá haviam migrado a partir de 50 e, de lá, partiram para Rondônia.
Amir Lando, que por duas vezes ocupou uma cadeira de Senador por Rondônia, se diz um “gaúcho cansado”, que é uma expressão entre brincalhona e carinhosa usada para designar os filhos da gente do Rio Grande do Sul que nasceram em Santa Catarina ou no Paraná. São chamados de “gaúchos cansados” porque nasceram quando seus pais faziam uma parada para descanso na sua viagem em busca de novas terras no Norte.
Amir Lando é um dos mais destacados integrantes da diáspora do povo gaúcho. Nasceu na Vila Uruguai, distrito do Município de Concórdia, em Santa Catarina, numa família de gaúchos migrantes do Rio Grande do Sul. Seu pai era natural de Bento Gonçalves e sua mãe, de Garibaldi. Depois de estudar Direito e Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre 1965 e 1969, partiu do Rio Grande do Sul para Rondônia em 1970, funcionário do Incra.
As centenas de milhares de lotes distribuídos a agricultores de Rondônia apresentaram duas tendências ao longo dos últimos 30 anos, diz Amir Lando. Muitas dessas propriedades foram subdivididas em função de heranças, enquanto outras sofreram um processo de concentração em mãos de pessoas com mais dinheiro.
Há hoje uma numerosa colônia de gaúchos em Rondônia. No interior, a maioria está nas cidades de Vilhena e Ji-Paraná, na maioria plantando soja. A cidade de Ji-Paraná evoluiu ao redor de uma casa usada pelo Marechal Rondon quando de sua passagem por lá. As terras planas da região propiciam a mecanização da lavoura.
“Gaúcho é aquele que, montado num pingo de aço, o trator, domina terras bravias”, diz Amir Lando. “O gaúcho tem a alma ousada. É otimista, ousado, alegre”, acrescenta. Na capital, Porto Velho, há um grande número de profissionais liberais e funcionários públicos federais e estaduais vindos do Sul. Notável também é a presença de gaúchos na exploração de madeira ou na busca de ouro no Rio Madeira.
No Livro O Brasil de Bombachas, escreve o jornalista Carlos Wagner:
A doença que mais matou gaúchos na selva amazônica foi a febre do ouro. De uma hora para outra, pacatos agricultores venderam tudo o que tinham e se embrenharam mata adentro em busca de riquezas.
“Depois que um homem vira garimpeiro, ele jamais volta a ser uma pessoa normal”, descreve Gilberto Beal de Lima, 38 anos, conhecido como Gaúcho no garimpo de Arará, em Vila Nova Mamoré, Estado de Rondônia. Há cinco anos era empreiteiro de obras em Canoas, no Rio Grande do Sul, e resolveu arriscar a sorte como agricultor no Norte do Brasil. Gaúcho não chegou nem perto da lavoura em Rondônia. “Fui direto para o garimpo”, recorda. Pegou todas as suas economias e comprou uma velha draga que operava no Rio Madeira. “Nunca tinha visto tanto dinheiro junto”, lembra. No primeiro ano, houve uma transformação no seu comportamento. Comprou um imenso chapéu de caubói, mandou fazer grossos correntões de ouro para o pescoço e pediu para um ourives gravar numa medalha seu retrato e de uma draga.
Sr. Presidente, passo agora ao Estado do Pará.
Um dos mais destacados cidadãos da diáspora gaúcha no Pará é o atual Secretário de Transportes daquele Estado, Valdir Ganzer, Deputado Estadual licenciado, e que já ocupou uma cadeira de Deputado Federal por aquela unidade da Federação.
Em 1972, com apenas 16 anos, desembarcou com seus pais e nove irmãos em uma agrovila formada pelo Incra às margens da Transamazônica, na altura de onde fica hoje o Município de Rurópolis. Os Ganzer vinham de Iraí, onde haviam ficado os dois filhos mais velhos. O início da vida no Pará foi duríssimo para eles.
“O nosso maior problema era a falta de assistência médica. Se uma pessoa da nossa agrovila quebrasse a perna numa segunda-feira teria que esperar até sexta-feira, quando passava o caminhão do Incra, para ser levada a uma das cidades mais próximas: Santarém (250 km), Itaituba (170 km) ou Altamira (300 km). ou Altamira (300 km). Educação também era um grande problema: nas agrovilas.. A gente só tinha o ensino primário. Eu, que era guri, queria jogar bola, mas não tinha campo de futebol. Era tudo mato”, conta Valdir Ganzer.
A situação começou a melhorar nos anos seguintes, quando as comunidades começaram a se organizar. “Quando chegamos, a gente não sabia nada do clima e da terra. Tivemos que aprender, na marra”, diz o político paraense.
Da família Ganzer, apenas um dos irmãos voltou ao Sul por problemas de saúde. Os demais permanecem na região. No entanto, Valdir Ganzer acredita que cerca da metade dos agricultores gaúchos, levados ao Pará durante o governo militar, deve ter permanecido na região. O retorno ao Sul também foi grande. Nos últimos 10 anos, de acordo com o Deputado, surgiu uma nova corrente migratória gaúcha, mas de agricultores que vieram para plantar grãos.
Segundo o pesquisador Pedro Celestino Filho, supervisor do Núcleo de Pesquisas da Embrapa na Transamazônica, com sede na cidade de Altamira, ainda hoje existe na região uma quantidade grande de famílias de colonos gaúchos, que chegaram por lá no início da década de 70. “Vários deles foram bem-sucedidos e hoje plantam café ou cacau. Seus filhos se casaram por aqui, com gente da terra”, diz o Dr. Celestino.
Segundo ele, os sul-rio-grandenses estão concentrados em Medicilândia, Município a uns 90 quilômetros de Altamira. Além de cacau e café, há quem plante cana-de-açúcar na região, porque o solo é parecido com o do Paraná. Também a pecuária é forte. O café é vendido pela Bahia, de onde sai para o Espírito Santo. Altamira fica a 800 quilômetros de Belém em linha reta. Já a viagem por terra para a capital, de 1.200 quilômetros, não é feita em menos de 18 horas.
Altamira é considerada como sendo a cidade que tem maior concentração de gaúchos no Pará, porque foi por lá que começou a colonização da transamazônica, no início da década de 1970. Acontece que Altamira, Ituitaba e Santarém, os Municípios às margens da rodovia, que, na época, estava sendo aberta, a partir da década de 80 subdividiram-se em num grande número de novas cidades: Brasil Novo, medicilândia, Novo Progresso, Uruará, Placas, Novo Repartimento, Anapu e Pacajás.
“Os gaúchos estão espalhados por esses Municípios, mas principalmente em torno de Medicilândia. Se considerarmos que Altamira é uma cidade-pólo, porque tem hospital, aeroporto e comércio de produção agropecuária, então podemos garantir que a concentração é em Altamira”, diz o pesquisador da Embrapa.
Também na região de Paragominas, que fica a menos de 300 quilômetros de Belém, há muitos agricultores gaúchos, segundo José Carminati, Presidente do Sindicato de Produtores Rurais daquela cidade. A produção de grãos do Estado do Pará, que ainda é pequena, nasceu, em boa parte, graças às migrações gaúchas. O cultivo de soja, por exemplo, começou em 1996, quando José Carminati e o gaúcho João Zanchetto começaram a plantar naquela região. Hoje, o pólo de produção de grãos do Pará está concentrado em quatro cidades: Paragominas, Pixuna, Dom Eliseu e Ulianópolis. Na região de Paragominas, a área plantada de soja passa de 23 mil hectares.
João Zanchetto é gaúcho. José Carminati, que tem parentes distantes no Rio Grande do Sul, nasceu no Espírito Santo. Aliás, ele é natural de Castelo, terra do nosso companheiro Senador Gerson Camata. Segundo Carminati, os gaúchos que plantam na sua região chegaram, na maioria, depois de 2000, vindos de Mato Grosso.
Nos anos 80, Paragominas já havia recebido muitos migrantes sul-rio-grandenses, que chegavam para explorar madeira. A exemplo dos produtores de soja do Maranhão e do Piauí, os do Pará exportam sua produção pelo porto de São Luís, no Maranhão. A produção de milho é vendida em Belém.
O pesquisador Olinto Gomes de Rocha Neto, da Embrapa em Paragominas, tem sua história pessoal ligada à migração dos gaúchos para o Pará, seu Estado de origem. Recém-formado, em 1972, ele foi trabalhar pela Embrapa com os agricultores gaúchos que estavam sendo instalados às margens da transamazônica. Foi lá, na agrovila do Quilômetro 90, que conheceu sua esposa, Nely Batista, gaúcha de Tenente Portela.
De acordo com aquele pesquisador, também há um bom número de gaúchos na região de Paragominas e de Santarém, locais de migração mais recente. Em torno de Santarém, estabeleceram-se plantadores que já haviam sido bem-sucedidos em Mato Grosso. Compraram grandes propriedades. Os gaúchos estão mais concentrados na cidade de Belterra. No planalto de Belterra e no planalto de Santarém, plantam hoje soja, arroz e milho. Os gaúchos também estão espalhados ao longo da BR-163, mais conhecida como Cuiabá-Santarém. Nos últimos dez anos, tomaram a direção de Curuaúna. Segundo fontes da Embrapa, em Belterra, os plantadores do Sul estão inovando, plantando com foco na recuperação do solo fazendo rodízio de culturas e diversificando para girassol e milheto.
Srªs e Srs. Senadores, passo agora ao Estado do Amazonas.
Todos são unânimes em afirmar que a cidade mais gaúcha do Estado do Amazonas é Apuí, no extremo sul daquele Estado, quase na divisa com o Mato Grosso. Trata-se de um Município, hoje com cerca de 20 mil habitantes, que nasceu da migração gaúcha, nos anos 70, quando avançava o processo de ocupação da Amazônia.
Em Apuí, como na maioria dos pólos de migração, os agricultores catarinenses e paranaenses descendem de gaúchos. Esse é o caso do atual Prefeito da cidade, Antonio Roque Longo, nascido em União da Vitória, Paraná. Sua família, originária de Bento Gonçalves, já havia feito uma escala em Videira, Santa Catarina.
Atualmente, concluindo seu segundo mandato, Longo chegou a Apuí pela primeira vez em 1980. Veio por sua livre vontade. Tivera informações da região por outros paranaenses que ali já se haviam instalado. Queria comprar terras baratas para iniciar-se na produção de gado. Achava que a cidade, pelo fato de estar às margens da transamazônica, logo entraria num surto de progresso acelerado.
(Interrupção do som.)
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Instalou-se na cidade em 1981 com uma serraria e, com o dinheiro amealhado, conseguiu começar sua fazenda de gado.
Em 1982, o Incra começou na região o Projeto de Assentamento do rio Juma, um dos maiores que já desenvolveu, com a concessão de cerca de 5.000 lotes. Inicialmente eram concedidos lotes de 100 hectares, mas como a procura de agricultores sulistas foi muito intensa, a área de concessão caiu logo para 60 hectares. Ao lado de um grande número de colonos, que veio para trabalhar a terra, também apareceram alguns aventureiros, que desistiram da terra, quando descobriram que teriam de trabalhar pesado, diz Antonio Roque Longo.
Erguida à condição de Município, em 1988, Apuí hoje enfrenta o problema mais comum da Amazônia: o desmatamento. Mas, como atualmente há mais controle na exigência de preservação de parte das propriedades como reserva, a renda dos produtores caiu bastante. Como as propriedades são pequenas para os padrões do Norte e do Centro-Oeste, só vigora por lá a agricultora familiar. A produção local está concentrada em café, guaraná, cacau, arroz e milho.
A principal atividade econômica da cidade é a criação de gado. O rebanho é 150 mil cabeças, sendo que os maiores fazendeiros têm entre 5.000 e 7.000 cabeças. O café e o gado são vendidos para Manaus. Já o cacau é comercializado na cidade de Maués para uma empresa de refrigerantes ali instalada. O arroz e o milho são consumidos no Município. Embora a cidade esteja a pouco mais de 400 quilômetros de Manaus em linha reta, a viagem até a capital do Estado é demorada. O trecho inicial, de 300 quilômetros por terra até Novo Aripuanã, é feito de carro em 7 horas. A parte final do trajeto é feita pelo rio Madeira. Em lancha rápida, são 11 horas de navegação. Já nos barcos tradicionais, a viagem leva 36 horas.
A transamazônica não foi asfaltada até hoje. Para viajar à cidade mais próxima ao sul, Jacareacanga, no Pará, num trajeto de 260 quilômetros de estrada apenas cascalhada, levam-se cinco horas.
Antes de mais nada, devo dizer que meu prezado companheiro Senador Mozarildo Cavalcanti, mesmo nascido em Roraima, é homem que tem forte ligação com a comunidade gaúcha do seu Estado. É freqüentador emérito do Centro de Tradições Gaúchas Nova Querência, que é um dos principais locais de eventos da capital Boa Vista.
Nos seus pronunciamentos, o Senador Mozarildo faz questão de ressaltar que a classe produtora de Roraima é basicamente formada por gaúchos. Estima-se que os nossos conterrâneos por lá representem 90% dos agricultores e pecuaristas, quase todos pequenos e médios produtores. O Senador Mozarildo sempre elogia a coragem dessa gente que foi investir o seu capital num Estado que então se formara.
“Não podemos esquecer que ...
(Interrupção do som.)
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - ... produtores de arroz que no momento estão lutando para poder produzir arroz no Estado de Roraima, na borda da polêmica Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, são gaúchos”, diz o Senador Mozarildo Cavalcanti. “Não podemos jamais esquecer que o trabalho desses homens e mulheres, que deixaram para trás o seu querido Rio Grande do Sul há décadas, representa 25% do PIB do Estado de Roraima.”
Estima-se que os sul-rio-grandenses formem a terceira maior colônia de Roraima, depois dos maranhenses e dos cearenses. Seriam entre 10 mil e 15 mil pessoas num Estado cuja população está em torno de 400 mil habitantes.
Se há um típico migrante gaúcho em Roraima, ele é o Deputado Estadual Erci de Moraes. Nascido em Cachoeira do Sul, ele é filho de um antigo companheiro meu de MDB, Astrogildo de Moraes. Ainda universitário, estudando na Universidade Federal de Santa Maria, Erci conheceu Roraima, onde sua universidade mantinha um campus. Gostou muito do lugar. Em 1974, formou-se em Zootecnia. Oito anos depois, já na condição de pesquisador da Embrapa, ele mudou-se para Roraima a fim de trabalhar lá numa estação da empresa. Desenvolveu sua carreira profissional naquele Estado até aposentar-se, quando ingressou na vida política. Exerce agora o seu segundo mandato como Deputado Estadual, depois de ter atuado como Vice-Governador entre 2004 e 2006.
Segundo Erci de Moraes, a migração gaúcha para Roraima deriva, em sua maior parte, do campus da Universidade Federal de Santa Maria. Muitos dos que passaram por lá, tanto como professores quanto como estudantes, voltaram já formados, tendo em vista que o Estado oferece amplas possibilidades de crescimento profissional.
Segundo Erci de Moraes, os gaúchos transformaram a economia do Estado com o cultivo do arroz irrigado, nos moldes do Sul. Hoje, o Estado é um dos maiores produtores nacionais. Por isso, os gaúchos querem que a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol seja descontinuada, de modo a não prejudicar quem desbravou aquela região. Também há um grande número de pequenos produtores sul-rio-grandenses que trabalham com agricultura familiar em projetos de assentamento estabelecidos pelo Incra, mas a ampla maioria dos gaúchos reside na capital, Boa Vista.
Domiciliado há quase 30 anos em Roraima, o Deputado Erci de Moraes já se considera um makuxi, que é como os roraimenses são chamados. Makuxis eram os índios que habitavam a região antes da chegada dos brancos.
Num livro muito interessante, intitulado Gaúchos em Roraima, a professora Carla Monteiro de Souza, da Universidade Federal de Roraima, traça um painel da presença de sul-rio-grandenses na região.
Na sua obra, ela reproduz depoimentos de pequenos agricultores que se fixaram em Roraima. Um desses migrantes, Sr. Filippin, assim se refere ao Brigadeiro Otomar Pinto, a figura política mais popular de Roraima e grande incentivador da colonização:
Era ele que ia nas lavouras, ia para as roças, lá pelo mato. Ele chegava de tardezinha lá no interior e dizia: “Onde é que eu boto a minha rede?” A gente ficava pensando [:..]
(Interrupção do som.)
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) -
[...] será que ele vai pousar aqui? E, olha, em certos pontos ainda, a gente pode dar graças a Deus por ele aqui em Roraima. Ele só fez um erro, trazer muita gente. Agora o resto, ter feito alguma coisa que aparece aqui foi ele. Tanto na cidade como no interior. Isso daí, por incrível que pareça, não se pode negar.
Um outro gaúcho, Sr. Ernesto, afirma:
Aí, no fim, juntou todo o grupo e viemos na caminhonete, na qual viemos do Paraná. A terra foi dada pelo governo, porque quem deu, quem chamou nós foi o Brigadeiro, o Ottomar. Deu um lote para cada família. Uns compraram, outros não.
Segundo a professora Carla Monteiro de Souza, o processo de ocupação humana de Roraima, embora dependente da iniciativa oficial, por outro, apresenta alto grau de espontaneidade. Levantamento feito entre 1981 e 1984, num centro de triagem daquele Estado, foram registrados 11.921 migrantes, dos quais 6,2% vinham dos Estados do Sul do País. Porém, quando se perguntava o lugar do nascimento, constatava-se que os sulistas eram 12,2%. Isso mostra que boa parte dessa gente tinha passado pelo Centro-Oeste antes de chegar a Roraima.
É sabido que alguns Estados, nos anos 60 e 70, foram receptores de migrantes, como Rondônia, Pará e Mato Grosso, e passaram a expulsar os pequenos agricultores por causa da crescente concentração fundiária, da especulação imobiliária e da falta de infra-estrutura e de apoio.
Dos naturais da Região Sul domiciliados em Roraima, os mais numerosos são os paranaenses. No entanto, todos os estudos de migração mostram que em geral os migrantes paranaenses são filhos dos gaúchos que se mudaram para aquele Estado entre os anos 40 e 60.
Vejamos alguns números: em 1960, apenas 18 gaúchos estavam em Roraima. Em 1970, já eram 1.132. No Censo de 1991, somavam 1.526 os nossos conterrâneos por lá.
Um outro levantamento apontou que 46% dos agricultores inscritos em dois grandes projetos de colonização da Perimetral Norte - Jauapery e Jatupu - haviam nascido nas Regiões Sul e Sudeste.
Sete dos gaúchos entrevistados pela professora Carla viveram em outras áreas de expansão agrícola antes de se radicar em Roraima. Ou seja, realizaram uma migração por etapas. Escreve a professora: “Cinco viveram no Paraná antes de virem para Roraima, sendo que um deles passou também pela Transamazônica (Pará); dos outros dois, um saiu do Rio Grande do Sul direto para Altamira, no Pará, e o outro para Ji-Paraná, em Rondônia”.
Nos seus depoimentos, os gaúchos falam de como chegaram a Roraima.
Diz o Sr. Ernesto: “Soubemos [no Paraná] através de Tarcísio que eles tinham comprado área grande [em Roraima], através de um padre também que deu rolo”.
Fala Dona Elza: “Como é que nós soubemos do Pará? Por causa de um primo que morava lá. Por causa do primo dele fomos para lá e por causa do filho do primo dele viemos para cá”.
O Sr. Filippin depõe: “Aí foi a história que eu cheguei em Roraima, né. Eu vi em uns jornais de Cruz Alta, eu vi uns jornais que o governo aqui dava terra de graça. Aí eu enfiei na cabeça que queria terra”.
Segundo a professora Carla, os migrantes são movidos por dois fatores: impessoais, como os ligados à vida econômica do País, e pessoais, que seriam insatisfação, inadequação, falta de perspectiva e divergência em relação à sociedade de origem. E apresenta o depoimento de Dona Catarina sobre a trajetória da família Filippin:
A gente namorou cinco anos, depois foi que a gente casou. Daí a gente foi morar na terra do sogro... Trabalhando na lavoura, na terra do sogro, que ele tinha só meia colônia de terra. Quando eu me casei moramos um ano na lavoura depois fomos para o Paraná tentar trabalhar. Colocamos um mercadinho, também a gente não foi bem, né, que a gente foi criando os filhos. Aí voltamos de novo para o Sul e aí fomos para a cidade tentar a vida. Ele trabalhava de empregado, para dar estudo para os filhos. Moramos dez anos em Ijuí e de lá que nós viemos para cá.
Outro depoimento importante é o de Dona Goretti Dresch:
Todo mundo aqui, com terra. Realizado, meu pai morreu feliz. Primeiro que todos os filhos quase tinham terra, quem não tinha terra estava como eu e o Plínio, mas nós já temos o nosso pedacinho de chão feito. Eu acho que ele passou longe dos sonhos, ele deslumbrou. Ver os filhos dele trabalhando nessa terra aqui, ele deslumbrou.
(Interrupção do som.)
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - ...
E feliz, porque meu pai, ele conseguiu uma área de terra muito grande, né, que o meu irmão que é solteiro cuida até hoje. Terra, gado... que ele comprou, ele investiu.
Sr. Presidente, para concluir o meu pronunciamento de hoje, falarei da presença de sul-rio-grandenses no Amapá.
Vou começar falando da ligação com o Amapá de um magistrado e líder político gaúcho: Germano Bonow Filho, Deputado Federal do Rio Grande do Sul. Um dos fundadores do Partido Socialista no Rio Grande do Sul, ele dirigiu a agremiação na década de 60. Pois bem, em meados dos anos 60, no Governo de JK ou de Jango, Germano Bonow Filho prestou concurso público para a magistratura dos territórios. Como era costumeiro na época, o processo de admissão arrastou-se por anos. Assim, só em setembro de 1964 Germano Bonow Filho viajou para o Amapá a fim de tomar posse no cargo.
Um dos seus filhos, o atual Deputado Federal Germano Mostardeiro Bonow, então estudante de Medicina, com apenas 22 anos, escondeu do pai que - um dia depois da partida dele - teria de depor num inquérito policial-militar na Sexta Região Militar. À época, o rapaz participava ativamente do Grupo dos Onze, núcleo de um futuro Exército Popular de Libertação, proposto por Leonel Brizola. “Não contei da convocação porque não quis causar preocupação ao velho. Queria que ele viajasse tranqüilo”, conta o Deputado Bonow. Só quase um ano depois, em julho de 1965, o atual Deputado viajaria ao Amapá para passar um mês de férias com seus pais onde relataria o episódio.
Durante os anos em que foi e serviu como magistrado no Amapá, Germano Bonow Filho teve a companhia da esposa, dona Dora Mostardeiro Bonow. Os três filhos, já universitários, permaneceram em Porto Alegre, estudando. Depois, já de volta ao sul, dona Dora diria aos filhos que os melhores anos de sua vida foram aqueles que passou ao lado do marido no Amapá.
O Deputado Germano Bonow guarda com carinho muitas das histórias que lhe foram contadas pelo pai a respeito da sua passagem pelo Amapá. Uma delas se refere à política. Naquela época; só havia um Partido no território, a Arena. Mas as brigas internas eram tão violentas que o partido ia para as eleições dividido até em três sublegendas.
Para restabelecer o clima de paz na época de uma eleição muito acirrada, o juiz pediu reforço militar. Dias depois, chegou à cidade um destacamento de 30 homens comandados por um tenente que foi diretamente à casa do juiz apresentar-se. Lá, perguntou o Dr. Bonow em que unidade militar deveria instalar seus homens. “Aqui mesmo”, disse o magistrado, e apontou para o fundo do pátio na sua casa. As barracas dos soldados foram montadas ali e, daquele dia em diante, os bagunceiros que costumavam passar diante da residência do juiz para xingá-lo, desapareceram.
A ligação dos Bonow com a Amazônia teria seqüência em janeiro de 1969, quando, já formado em Medicina, Germano Bonow foi trabalhar como médico na cidade de Benjamin Constant, no Amazonas. Passou dois anos numa cidade que, na época, só contava com três automóveis.
Gil Marra, meu conterrâneo de Caxias do Sul, onde nasceu em 1960, é hoje proprietário de uma das mais famosas churrascarias do Macapá. Como todo migrante gaúcho, queria melhorar de vida. Assim, aos 18 anos, mudou-se para Belém do Pará. Trabalhou inicialmente em um restaurante; depois, numa mineradora. Como funcionário dessa última empresa, seguiu, em 1989, para o Amapá, onde, um ano depois, abriu sua churrascaria.
Conhecedor daquela cidade, Gil assim define a presença dos gaúchos naquele Estado:
Temos por aqui muitos militares que vieram, serviram e acabaram ficando, depois de reformados. Há também um grande número de engenheiros que vieram para trabalhar na mineração, que aqui é uma atividade muito forte. O número de advogados gaúchos também é grande. Essas pessoas criam vínculo com a terra e acabam ficando. É o meu caso, que já me sinto um amazônico.
Segundo Gil Marra, ser amazônico significa estar acostumado com uma temperatura que chega aos 40 graus com uma umidade relativa do ar permanentemente alta.
Quanto aos gaúchos ligados às atividades rurais, especialmente criação de gado e produção de soja, segundo Gil Marra, houve um refluxo nos últimos em função das restrições do Governo do Estado a essas atividades. Assim, alguns produtores sul-rio-grandenses preferiram seguir para o Pará ou para Tocantins. De acordo com Gil Marra, com o desestímulo à criação de gado e, no sentido inverso, o avanço da produção de cana, a carne vai acabar se tornando “produto de rico” no Amapá.
Ainda nessa minha pesquisa procurando a presença de gaúchos nos Estados do Norte, descobri um casal de conterrâneos nossos - Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha, ambos arqueólogos - que atua no setor de Arqueologia no Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá.
Segundo João Darcy, os gaúchos não são muito numerosos no Amapá, apesar de o número estar aumentando a cada dia.
Existe, apesar da nossa pouca presença, um programa de rádio só com músicas gauchescas. Inclusive este programa promove uma festa no dia 20 de setembro, que junta a gauchada pra comer um churrasco.
Segundo o arqueólogo, as áreas de atuação dos gaúchos são variadas, mas ele cita especialmente o setor de mineração, na indústria ainda incipiente, e também “uma lenta migração, em busca de terras, que aqui são baratas, porém não muito férteis”.
No que se refere ao trabalho de arqueologia, os gaúchos Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha estão estudando o interessantíssimo sítio de Calçoene, a 390 quilômetros da capital. O achado arqueológico consiste em 127 pedras escuras, fincadas no solo num círculo de 30 metros de diâmetro. Para os leigos, o local lembra Stonehenge, o famoso monumento megalítico localizado na Inglaterra. Para os arqueólogos, o sítio de Calçoene, a 390 quilômetros ao norte de Macapá, é uma excelente oportunidade para se desvendarem segredos dos índios pré-colombianos e principalmente da ocupação humana da Amazônia. Os blocos de granito chegam a mais de 4 metros de altura. Certamente talhados para esse fim, foram levados para o alto de uma colina - as possíveis fontes rochosas ficam de 300 a 400 metros dali, pelo menos.
“Quanto a Calçoene, são realmente sítios muito interessantes”, diz João Darcy. “Os menires foram intencionalmente colocados naquela posição, comprovamos isto com as escavações. O material de lá é datado de 1.000 anos atrás”.
Sr. Presidente, Srs. e Srªs Senadoras, encerro este meu pronunciamento dizendo que, de fato, eu me orgulho da capacidade que os gaúchos têm de enfrentar os maiores desafios. Como acabai de mostrar, é grande o número dos nossos conterrâneos que moram nos distantes estados do extremo Norte. Temos aqui o relato de pessoas que vivem a cinco, seis, sete mil quilômetros de distância do Rio Grande do Sul, onde, na maior parte dos casos, ainda têm parentes. São pessoas que enfrentaram grandes desafios, que tiveram que se adaptar a um meio totalmente estranho e que, mesmo assim, alcançaram sucesso. Amam a sua nova terra, mas ainda guardam um cantinho do coração para o seu torrão natal. A essa brava gente brasileira quero deixar aqui a minha saudação.
É com alegria, Senador Neuto De Conto, que falo tendo a honra de ter V. Exª na Presidência. V. Exª é um brilhante Senador por Santa Catarina, como foi um brilhante Deputado Federal, um homem dos mais ilustres, dos mais dignos e dos mais extraordinários do meu Partido. Para honra nossa, também saiu do Rio Grande do Sul, onde nasceu, na cidade de Encantado, e hoje honra, dignifica e traz orgulho para todos nós no Estado de Santa Catarina, que V. Exª representa com extraordinária dignidade.
Tenho muito carinho pela amizade de V. Exª, e é para mim uma felicidade muito grande estar falando aqui essa série sobre os gaúchos que se espalharam pelo Brasil tendo na Presidência um catarinense filho do Rio Grande, como V. Exª.
Muito obrigado.
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