Pronunciamento de Cássio Cunha Lima em 18/03/2013
Fala da Presidência durante a 31ª Sessão Especial, no Senado Federal
Homenagem à memória intelectual e à carreira política de Ronaldo Cunha Lima, falecido em 7 de julho de 2012.
- Autor
- Cássio Cunha Lima (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
- Nome completo: Cássio Rodrigues da Cunha Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Fala da Presidência
- Resumo por assunto
-
Outros:
- Homenagem à memória intelectual e à carreira política de Ronaldo Cunha Lima, falecido em 7 de julho de 2012.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/03/2013 - Página 10854
- Assunto
- Outros
O SR. PRESIDENTE (Cássio Cunha Lima. Bloco/PSDB - PB) - Recebi a incumbência de concluir esta sessão, agradecendo de forma penhorada, em meu nome, em nome da minha família que aqui se faz presente, dos amigos do meu pai, do nosso poeta Ronaldo, e de forma muito especial, ao Senador Cícero, ao Senador Vital do Rêgo, ao Senador Eduardo Suplicy, que tão fidalgamente ainda se mantém no plenário até a esta hora; assim como o faz o Senador Roberto Requião, colega e vizinho de bancada do meu pai, e para minha alegria e deleite também hoje meu vizinho de bancada; assim como agradeço aos Senadores Aloysio Nunes, José Agripino, Cyro Miranda e, de forma muito especial, a honrosa presença do Exmº Sr. Ministro do STJ Herman Benjamin, paraibano de melhor quilate.
Peço licença à Tia Tetê, Tia Dedé, aos meus primos, para saudar toda a família do meu pai na pessoa do meu Tio Ivandro Cunha Lima; ao tempo em que cumprimento igualmente o Prefeito e Vice-Governador, quebrando o protocolo e, confesso, tentado a pedir apenas a transcrição do discurso que tive, hoje, extrema dificuldade de redigir. Desde cedo, lágrimas incontidas encharcaram o papel diante de um desejo de fazer talvez, hoje, o mais belo, o mais eloquente, o mais comovente discurso de toda a minha vida, Deputado João Agripino, Deputado Damião, Deputado Ruy Carneiro, Deputado Manoel Júnior, Deputado Clerot, Deputado e Senador Marcondes Gadelha e tantos outros que nos honram com suas presenças. Peço-lhes desculpas por não citá-los neste instante.
Queria eu fazer uma ode ao meu pai, fazer uma elegia ao poeta, mas a emoção, testemunhada por minha mãe, por minha irmã Glauce, por meu irmão querido Ronaldo Filho, por sua esposa Roberta, testemunhada igualmente por Savigny, por Gabi, por Pedro e por Diogo, meus dois filhos, que aqui representam também Marcela, não me deixou ir muito além.
Resolvi fazer a seleção de alguns sonetos, de algumas passagens da vida do poeta, colhidos dos diversos livros por ele publicados, praticamente 17 livros, que não vou aqui elencar - tinha feito na peça que consegui redigir.
Como alguns dos sonetos foram, pelos que me antecederam, citados, declamados, vou, por economia processual, sintetizar minha fala suprimindo algumas referências. Mais uma vez, peço escusas àqueles que não se sentirem lembrados diante de tão cara presença. Falo dos amigos que vieram da Paraíba, que tiveram a imensa gentileza de vir aqui para trazer sua solidariedade e para fazer essa proclamação de carinho, de amor ao poeta, aos que, morando em Brasília, também compareceram.
Vou me permitir tentar conter a emoção, engolir o choro, segurar as lágrimas, para declamar um soneto que foi lido na missa da minha posse, no meu primeiro mandato de Governador, escrito pelo meu pai. Sacrossanta Maria, mãe de Deus é o título do soneto.
Sacro Santa Maria Mãe de Deus,
Ó Mãe silenciosa, Ó Virgem Santa,
A Missa terminou, a Igreja canta
As hosanas de amor dos filhos teus.
Os Evangelhos de Lucas e Mateus
Aclamam a tua graça, Ó Mãe, e é tanta,
que em preces a minh’alma se levanta,
buscando alento aos pensamentos meus.
Abençoa o meu filho em seu intento,
De ser veste, teto e alimento,
Para os humildes, governados seus.
Protege Cássio, o filho que amo tanto
Fortalece-o e cobre-o com Teu manto,
Sacrossanta Maria, mãe de Deus!
(Palmas.)
Eu havia selecionado outros trechos em que, sobretudo nos fragmentos, no íntimo da minha vida - me ajude, Pedro -, fragmentos urbanos e humanos, eu talvez tenha trocado aqui, traído pela emoção, o título fidedigno. Ele faz uma série de relatos da sua trajetória, ao lado de Ivandro, de vovó Nizinha, dos parentes já citados. Mas Gláucia minha irmã pediu que eu lembrasse um soneto que é muito singelo e que foi, talvez, um dos primeiros que nós memorizamos, que nós guardamos no coração, escrito pelo poeta ainda ao tempo em que morávamos no Rio de Janeiro.
O Menino que Sonhava:
O menino que sonhava,
Brincava, contando estrelas, cresceu.
O homem que foi menino,
Sem ligar ao seu destino,
Do menino se esqueceu.
Criou a sua imagem
Diferente da paisagem,
Que sua infância viveu.
Quando o homem quis amar,
Sentindo algo faltar,
À infância recorreu.
Mas ele nada encontrava.
O menino, que sonhava dentro do homem, morreu. (Palmas.)
E vou avançando, e não há forma melhor de homenagear o poeta do que lembrá-lo na sua expressão mais viva e talentosa. No discurso, eu não falava do advogado, do agrimensor, do jornalista, do promotor de Justiça, não fiz referências à trajetória política, que foi decantada aqui por tantos, extremamente vitoriosa. Ronaldo foi um vitorioso, um visionário, um humanista, sobretudo. E ele costumava dizer: “Não sei se sou humanista por formação ou se por deformação”. E escolhi os sonetos, recorrendo, como fiz tantas vezes na minha vida, ao próprio Ronaldo, que dizia que - e foi a dificuldade que encontrei para selecionar algumas de suas peças - é como se nós tivéssemos que escolher uma entre as cores do arco-íris. Meu pai sempre falou, de forma repetida, essa frase. E abro aspas para mais um terceto do poeta:
Eu cumpro, pela minha vocação,
Um destino de total doação,
Que lentamente me consome a vida.
No livro Versos Gramaticais, há uma passagem que o ex-Senador e Deputado Federal Espiridião Amin, toda vez que me encontra, menciona, onde o poeta define o que são aspas. E disse ele:
Duas vírgulas hasteadas,
Em frases de outro autor,
Que você não vê usadas,
Nas minhas frases de amor. (Palmas.)
E, por falar em frases de amor, selecionei dois sonetos escritos pelo meu pai para minha mãe, sonetos que nos tocam profundamente. E não quero cansá-los, mas permito-me lê-los.
O primeiro deles tem como título: Única.
Quem seria capaz de suportar,
A vida atribulada e repartida,
Do político que vive na avenida,
E do poeta que frequenta o bar?
Quem seria capaz de relevar,
Uma e outra falta cometida,
E quem, entre três casas, dividida,
Deixaria cada coisa em seu lugar?
Quem participaria, uma por uma,
De todas as minhas lutas e vitórias,
Sem exigir compensação alguma?
Quem é escrava, podendo ser rainha?
No mundo não existem duas glórias:
Apenas uma. E a que existe é minha! (Palmas.)
Em outro soneto, o poeta, ofertando à minha mãe, D. Glória, intitulado: Eu falarei das tuas mãos que tu me ofertas:
Eu falarei das mãos que tu me ofertas
São lindas essas mãos que tu me entregas,
São frágeis essas mãos com que me pegas,
São fortes essas mãos com que me apertas.
Dadivosas tuas mãos se estão abertas,
São nervosas as mãos que tu esfregas,
Prudentes tuas mãos quando me negas,
São minhas tuas mãos nas horas certas.
Essas mãos que se juntam para as preces,
São as mesmas que sempre me ofereces,
Para tirar-me da vida dos desvãos.
Essas mãos que me cobrem de carinhos,
São as mãos que apontam os meus caminhos,
E minha vida está em tuas mãos. (Palmas.)
Depois da referência à minha mãe, D. Glória, vem um outro soneto lindo, singelo, que nos toca profundamente e termina sendo um instante intimista intitulado Azul - somos três filhos - e Cor de Rosa, à filha Gláucia, que foi dedicado a mim e a meus irmãos e dividido, claro, com minha mãe.
Quando o nosso quarto
Se enfeitou de azul
Com sapatinhos azuis
E com fitinhas azuis,
Eu fiz uma prece
Que cada um tivesse uma vida cor-de-rosa.
Quando o nosso quarto
Se enfeitou de rosa
Com fitinhas cor-de-rosa,
Sapatinhos cor-de-rosa
Eu pedi a Deus
Que nos dias seus
Fosse tudo AZUL. (Palmas.)
Aqui, no Senado, Requião, em determinado momento, o poeta vicejou: “Sendo eleito Secretário - ele foi eleito, como Cícero o foi -, não deixei de, no plenário, exercer atividade, trabalho, atuo e luto para mudar o instituto que trata da imunidade”.
Vou avançando aqui. Eu queria fazer referências à autodefinição dele como poeta. Sei que todos estão cansados, insisto, alguns inclusive com avião a ser pego, a ser tomado. Vou me permitir fazer um monólogo de um poeta, quando ele faz referência a Campina Grande. Não posso deixar de, neste instante, fazer essa vinculação telúrica, mesmo ele nascido em Guarabira com Campina Grande.
Monólogo de um poeta
Onde vais, poeta errante,
Nas passadas desse instante,
Das rotas do caminhar?
Vou aonde o sonho começa,
Na carne que não me impeça
De os sonhos realizar
Vens de longe... qual cidade essa tua mocidade deixa agora de escutar?
Venho de Campina Grande
Que, por mais terras que eu ande,
Nunca vou querer deixar.
Que levas nessa sacola?
Um pouco de cada esmola, pedaços do que te dão?
Levo planos, pensamentos,
Guardados da voz dos ventos
Trementes de solidão.
Eu havia feito um conjunto de seleções, que vou suprimir, em que ele faz referência à vovó Nenzinha, a cada um dos irmãos, os irmãos mortos, inclusive, Aluísio, Fernando, Lúcio. Vou pedir a transcrição, na íntegra, de tudo o que havia selecionado.
Mas eu gostaria de cansá-los um pouco mais e, no dizer do próprio Ronaldo, tomar por empréstimo, por alguns minutos mais, os seus ouvidos, para declamar ou ler “Fortaleza Interior”:
Cansado de sofrer do mal de amor
Procurei proteger meu coração
E comecei a grande construção
Da minha fortaleza interior.
Fiz vigas de concreto contra dor,
Revesti as paredes de razão,
Portas, janelas, piso, elevador,
Tudo impermeável à emoção.
Como não tem no mundo quem não falhe,
Esqueci, entretanto de um detalhe,
E meu trabalho não ficou completo.
Meu coração, em paz, adormecido
Acordou, de repente, com um ruído:
Era a saudade entrando pelo teto. (Palmas.)
E, já nos instantes finais da vida dele, talvez um dos mais belos sonetos que ele compôs, exatamente no período da enfermidade - e aí eu já me aproximo do final -, ele escreveu “Santa Maria (A Enfermeira)”, já no leito hospitalar:
Há sombras no silêncio que apavora,
Há dores e temores no meu peito,
Há preces em minhas mãos peia demora do tempo que se escoa contrafeito.
Há rumores de passos, lá fora,
Há dependências em mimi que não aceito,
Mas há, meu Deus, a dor que me devora
No imobilismo chagástico do leito
Há um ruído de porta sendo aberta,
Há, junto a mim, alguém que desperta,
Com sorriso de amiga e companheira,
E que me diz com a voz cheia de amores:
"Eu vim trazer o alívio às suas dores.
Eu sou Maria, eu sou tua enfermeira". (Palmas.)
E, neste mesmo período, “Quero Morrer de Manhã” - e ele faleceu em uma manhã de sábado -:
Quero morrer de manhã.
Janelas abertas.
Contemplando o sol e a vida.
Quero morrer de manhã.
Deve ser bonito um ocaso numa aurora.
Não quero camas brancas, cadeiras brancas
que fazem pensar que a gente vai morrer.
Quero morrer de manhã.
Os galos cantando.
O sol na vidraça,
e a vida passando lá fora.
Quero morrer de manhã.
A interminável noite virá depois claro-escuro, de madrugada,
quero morrer de manhã.
Deve ser bonito um ocaso numa aurora
haverá sol, haverá luz, haverá vida
e ninguém há de pensar que eu vou morrer. (Palmas.)
Aqui já foi feita referência, não me lembro exatamente por qual orador, aos filhos e aos netos.
Concluo, lembrando o que ele disse: “Quando meus filhos disserem a meus netos o quanto eu os amava e quando meus netos disserem a meus filhos que guardam lembranças minhas e de mim sentem saudade, não terei morrido nunca, serei eternidade.” (Palmas.)
Havia Bruno separado para declamar o poema “Conversando com meu Pai”. Mas esse é um poema longo, que muitos conhecem. Ele ficará transcrito.
Eu encerro a sessão com o último terceto do poeta, que foi escolhido para este momento.
Convido a todos para, mesmo com imenso atraso, o lançamento da republicação do livro Eu, de Augusto dos Anjos.
Disse o poeta:
LUZES DA RIBALTA
Apagaram-se as luzes da ribalta
E para mim, agora, o que é que falta?
A plateia aplaudir, e eu ir embora. (Palmas.)
SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR CÁSSIO CUNHA LIMA.
O SR. PRESIDENTE (Cássio Cunha Lima. Bloco/PSDB - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Cícero Lucena; Srªs e Srs. Senadores; autoridades do meu Estado, aqui presentes; amigos vindos de João Pessoa e de Campina Grande; ouvintes e telespectadores da Rádio e da TV Senado; que sua infância viveu. Quando o homem quis amar , sentido algo faltar , a infância recorreu. Mas , ele nada encontrava . O menino que sonhava dentro do homem morreu.
Hoje era para eu fazer o mais belo, eloqüente e comovente discurso da minha vida. Uma ode ao meu pai, uma elegia ao Poeta.
Lágrimas teimosas, que não cessaram durante todo o dia, encharcaram o papel, impedindo-me de escrever algo na dimensão do merecimento e da grandeza dele.
Diante da minha conhecida e reconhecida incapacidade de estar à altura do meu pai, mais uma vez - como já fiz tantas e incontáveis vezes ao longo de nossas vidas -, recorro-me a ele e socorro-me dele para prestar-lhe esta sentida e modestíssima homenagem.
Creio que não há melhor maneira de homenageá-lo do que tentar, e tentarei com a melhor das minhas forças, contendo as mais genuínas emoções, relembrar alguns de seus sonetos, tercetos, quadras e poemas.
Parafraseando o próprio poeta Ronaldo, eu diria que lhes escolher é tão difícil quanto escolher uma dentre as cores do arco-íris.
Busquei, como um órfão procura pelo pai, em seus livros:
Poemas de Sala e Quarto;
13 Poemas;
A Serviço da Poesia;
As flores na janela sem ninguém;
Gramática Poética;
50 Canções de Amor e um Poema de Espera;
Poemas amenos, Amores demais;
Sal no rosto;
Livro dos Tercetos;
Azul Itinerante;
A Missa em Versos e outros Poemas de Fé;
Livro dos Tercetos;
Roteiro Sentimental: Fragmentos humanos e urbanos;
Poesias Forenses;
Eu nas Entrelinhas;
Breves e Livres Poemas;
Velas Enfunadas: Poemas à Beira Mar.
Como eu dizia, busquei uma sintética cronologia e, mais que isso, versos que não vão desaparecer com o tempo, porque para sempre estarão em nossos corações.
Não falarei de Ronaldo Cunha Lima jornaleiro, garçom, agrimensor, professor, promotor de Justiça nem tampouco do brilhante, ético e talentoso advogado.
Sequer falarei do Ronaldo político, que venceu todas, repito, todas as eleições que disputou na vida e recebeu, na totalidade, os diplomas que um TRE pode outorgar: vereador, deputado estadual, prefeito, deputado federal, governador e senador.
Um vencedor, idealista, visionário e, sobretudo, um humanista. Desapegado de bens materiais, Ronaldo nos deixa, como legado, uma vida digna, reta, honesta e virtuosa, plena de amor e de fraternidade.
Impossível, para aqueles que tiveram a ventura da convivência - seja próxima ou mais distante, não ter sido tocado pelo olhar carismático, o sorriso franco e as palavras amáveis do Poeta. Como ele mesmo dizia,
“Não sei se sou um humanista
por formação ou por deformação”.
É hora de respirar fundo, engolir o choro, conter as lágrimas e louvar a Deus pela existência dele e rogar a Ele que o mantenha em bom lugar. Impossível resumir uma vida tão bela e intensa...
Vou lembrá-lo com alguns instantes de sua tão rica e ampla criação poética, que toca profundamente o meu e o coração de muitos.
E começo, Deus sabe como, com um dos sonetos a mim dedicados por ele:
Andarei pelos teus passos
Guiei teus passos na vida, um dia, quando Precisavas de colos e regaços,
Eram fortes e firmes os meus braços,
E eram frágeis teus passos, quando andando.
E o tempo, em nossos passos, foi passando
E descobrimos, nós dois, novos espaços,
Com a tua juventude e os meus cansaços
Tu me amando bem mais e eu mais te amando.
Hoje, filho, és meu norte e a minha meta.
Em ti, o meu futuro se projeta,
Permitindo da morte ir mais além
Porque me deixas, Cássio, convencido
Que através da sua voz, serei ouvido,
Que por seus passos andarei também.
“Advogado, promotor,
Professor, radialista,
Na luta pela conquista
De um futuro promissor,
Sempre fui um defensor
Dos deserdados da sorte.
E Deus me deu, por consorte,
Uma mulher destemida,
Que me apoiou toda vida
E me fez, na vida, um forte!”
“Essa chuva intermitente
É o céu mostrando à gente
O valor dos intervalos.”
“Fazem curvas e desvios
E, assim, adiam os rios
Os encontros com o mar.”
EU FALAREI DAS MÃOS QUE TU ME OFERTAS
Para Glória Cunha Lima (minha mãe)
Eu falarei das mãos que tu me ofertas
São lindas essas mãos que tu me entregas
São frágeis essas mãos com que me pegas
São fortes essas mãos com que me apertas.
Dadivosas tuas mãos se estão abertas
São nervosas as mãos que tu esfregas
Prudentes tuas mãos quando me negas
São minhas tuas mãos nas horas certas
Essas mãos que se juntam para as preces
São as mesmas que sempre me ofereces
Para tirar-me na vida dos desvãos
Essas mãos que me cobrem de carinhos
São as mãos que apontam meus caminhos
E minha vida está em tuas mãos
O MENINO QUE SONHAVA
O menino que sonhava ,
brincava , contando estrelas cresceu.
O homem que foi menino ,
sem ligar ao seu destino
do menino se esqueceu.
Criou a sua imagem diferente da paisagem,
Que sua infância viveu.
Quando o homem quis amar,
Sentindo algo faltar,
À infância recorreu.
Mas ele nada encontrava.
O menino, que sonhava dentro do homem, morreu.
que sua infância viveu
Quando o homem quis amar ,
sentido algo faltar ,
a infância recorreu .
Mas , ele nada encontrava .O menino que sonhava dentro do homem morreu.
“Meus sonhos me fazem bem.
Com eles, eu vou além,
Dos limites dos meus passos.”
Iluminado arrebol!
Nasci na Rua do Sol,
Sob as bênçãos de Jesus
Numa cidade brejeira
Tendo como padroeira
Nossa Senhora da Luz!
Comecei, logo cedo, a discursar,
Com meu pai, diligente, a me ensinar,
Desde os tempos felizes de Araruna.
Foi assim que compôs a sua ideia:
Ele e meus irmãos eram plateia,
E a janela da casa era a tribuna.
“Um dia, eu fui eleito
Prefeito de meu quintal.
De barro cru fiz casinha,
Fiz colégio e hospital,
Pensando que, quando grande,
Ia fazer tudo igual!”
“Foi o meu primeiro emprego,
Pelo qual não tive apego,
Mas recordar me faz bem.
Quando jornais eu vendia,
Minha mãe sempre dizia:
“Meu filho, você um dia
Será manchete também.”
“Eu cumpro, pela minha vocação,
Um destino total de doação
Que lentamente me consome a vida”
AZUL E COR-DE-ROSA
( Dedicado: “Aos meus filhos Ronaldo, Cássio, Glauce e Savigny, divindo com Glória a alegria da chegada de cada um”)
Quando o nosso quarto
se enfeitou de azul com sapatinhos azuisE com fitinhas azuis,
Eu fiz uma prece
Que cada um tivesse uma vida cor-de-rosa.
Quando o nosso quarto
Se enfeitou de rosa
Com fitinhas cor-de-rosa,
Sapatinhos cor-de-rosa
Eu pedi a Deus
Que nos dias seus
Fosse tudo AZUL.
Única
Quem seria capaz de suportar
A vida atribulada e repartida
Do político que vive na avenida
E do poeta que freqüenta o bar?
Quem seria capaz de relevar
Uma ou outra falta cometida
E quem, entre três casas, dividida
Deixaria cada coisa em seu lugar?
Quem participaria, uma por uma,
De todas minhas lutas e vitórias,
Sem exigir compensação alguma?
Quem é escrava, podendo ser rainha?
No mundo não existem duas glórias:
Apenas uma. E a que existe é minha!
Já nesta Casa, Ronaldo versejou:
“Sendo eleito Secretário,
Não deixei de, no plenário,
Exercer a atividade.
Trabalho, atuo e luto
Para mudar o instituto
Que trata da imunidade.”
“Todos os discursos meus
Tem a inspiração de Deus,
Que creio jamais ter fim.
É Ele quem me completa
E que me faz ser poeta
Na voz que fala por mim”.
Conversando com meu Pai
Na quietude d'aquela noite densa,
reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito já morreu!...
Sorumbático e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.
Continuei sozinho da vigília,
contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o gemer da rede,
as pancadas do relógio na parede
e o pulsar do coração dentro do peito.
De repente, coberta com um véu,
uma nuvem nascia lá do céu,
na sala onde eu estava, caí...
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.
Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha mais um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, filho querido!...
Tenho assistido todos os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.
Tenho visto também seus sofrimentos
suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o pranto de suas madrugadas.
Compreendo, também, sua tristeza
ante a ânsia que traz na alma presa
de adejar cortando monte e serra;
sua ânsia de voar, cantando notas,
misturar seu vôo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.
Mas, ao lado dos atos de grandeza,
você me causa, filho, também tristeza,
em desgosto minh'alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
prá sua mãe você fez cara feia,
bateu a porta e foi jantar na rua.
Você não soube, meu filho, e no entanto,
ela caiu prostrada em um pranto
soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
pois para o filho não há maior desgraça
que em sua mãe deixar rugas no rosto.
Nunca mais a ofenda, nem de leve!...
O seu amor a ele aos céus eleve
e escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
e, se assim fizer de consciência,
você, na vida, tem que ser feliz.
Conduza-se na vida com altivez,
fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se, meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como ao seu irmão.
Continue no trabalho a que se entrega
sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.
E nisso a nuvem comoventemente,
aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!
E eu fiquei chorando de saudade,
alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
esperando que meu Pai rompa a distância,
pra vir de novo conversar comigo.
Sacrossanta Maria, Mãe de Deus
Sacrossabta Maria, Mãe de Deus,
Ó Mãe Silenciosa, ó Virgem Santa,
A missa terminou, a Igreja canta
As hosanas de amor dos filhos teus.
Os evangelhos de Lucas e Mateus,
Aclam a Tua graça, ó Mãe, e é tanta,
que em preces a minh’alma se levanta,
buscando alento aos pensamentos meus.
Abençoa o meu filho em seu intento,
De ser veste, ser teto e alimento,
Para os humildes, governados seus.
Protege Cássio, o filho que amo tanto,
Fortalece-o e cobre-o com Teu manto,
Sacrossanta Maria, Mãe de Deus!
Aspas
Duplas vírgulas hasteadas
Em frases de outro autor,
Que você não vê usadas,
Nas minhas frases de amor
(Parafraseando o poeta Severino Pinto de Monteiro e homenageando todos os poetas nordestinos)
O POETA
O poeta, sem seu mundo imaginário,
Esboça cenas cheias de paisagens,
Imagina caminhos e viagens
De seus passos no espaço visionário.
O real não lhe é sempre necessário.
Quando muito, auxilia nas montagens
Dos poemas, no alcance das miragens
Além da luz do pensamento vário.
O poeta não é um fingidor.
O poeta é um ser transformador
Da própria dor que sobre si desabe.
E um grande privilégio ele detém:
“É capaz de tirar de onde não tem
E sabe colocar onde não cabe.”
Poeta da noite *
*(“Instância Santa Teresa”, de Paulo Nepomuceno, em madrugada de 24 de junho de 2005, na companhia dos queridos amigos Fernando Catão, Carlos Aquino e João Furtado)
Sou poeta do amor, entre os amantes,
Vigia das estrelas e dos mares,
Inquilino que sou, nalguns instantes,
Das auroras de todos os lugares.
Sou poeta-cantor de amores dantes,
Das edênicas rondas pelos bares,
Um poeta de esperas e vagares,
Nos andares dos sonhos delirantes.
Sou poeta das crenças no infinito
De meu amor, e tanto eu acredito
Que a sua ausência em nada me afeta.
E sendo espera desse amor bonito
Que canto em versos, em meus versos grito:
“- Sou poeta do amor, eu sou poeta!”
Monólogo de um poeta
“Onde vais, poeta errante, nas passadas desse instante, das rotas do caminhar?”
Vou aonde o sonho começa,
No carme que não me impeça
De os sonhos realizar
“Vens de longe... qual cidade essa tua mocidade deixa agora de escutar?”
Venho de Campina Grande
Que, por mais terras que eu ande,
nunca vou querer deixar.
“Que levas nessa sacola? Um pouco de cada esmola, pedaços do que te dão?”
Levo planos, pensamentos,
Guardados da voz dos ventos
Trementes de solidão.
FOTOS
I
Bonita foto de Glória,
Com a clássica dedicatória:
“O original é só seu”.
II
Foto do açude, onde a sorte
Tirou-me das mãos da morte,
Livrando-me do afogamento.
III
Uma foto desbotada
Da antiga namorada
Difícil de identificar.
IV
“Como acontece à flor, o amor é lindo!”
Versos na foto de mulher sorrindo
Em meio ao preto e branco de um jardim.
V
Foto de Dona Nenzinha,
Que até mesmo em fotos vinha
Com rosto e riso de santa.
VI
Foto antiga de meu pai.
Da vida o tempo se esvai
Mas ele não sai de mim.
VII
Foto de Lúcio sorrindo,
Sem ver a vida fugindo,
Em seu sorriso de adeus.
VIII
Fernando, olhando pra mim,
Como que dizendo assim:
“Seja forte, meu irmão!”
IX
Uma foto de Aluísio,
No rosto bem posto e elísio
Dado aos bem-aventurados,
X
Hoje, o passado, em meandro,
Nesse retrato de Ivandro,
Traça traços de meu pai,
XI
Ivandro usando batina
No corpo, a roupa combina
Com as virtudes de su’alma
XII
Foto das Bodas de Ouro
De meus avós, um tesouro
Da família reunida.
XIII
Foto do dia Sete
Onde o desfile repete
A vida marcando passo.
XIV
No hospital eu exibo
A vida dando recibo
Daquilo que a gente fez.
XV
Sem ter ido à escola,
Na rua, jogando bola,
Chutando a vida pra frente.
XVI
Lembrança de belos dias:
Elísio, Ernany e Abdias,
Amigos da vida inteira.
XVII
Numa gaveta escondida,
Vejo foto parecida
Com alguém que eu nunca vi.
XVIII
Da movimentada festa,
A foto que agora resta
É só do salão vazio.
Prece do perdão
(À mãe dele, minha avó, Dona Nenzinha)
Sem querer ofender, eu a ofendi.
Tomei-me de remorso e de espanto.
Nos olhos de minha mãe, em cada canto,
Uma lágrima triste percebi.
A dor que ela sentiu, também senti.
Jamais assim a ofendera tanto.
Recolhida, silente, ao desencanto,
O pranto de seus olhos ainda vi.
Falou mais alto o arrependimento.
Procurando pôr fim ao meu tormento,
Convoquei, ali mesmo, o coração
Exercitando os seus conselhos sábios,
Eu coloquei o coração nos lábios
E em tom de prece lhe pedi perdão
Fortaleza interior
Cansado de sofrer do mal de amor,
Procurei proteger meu coração
E comecei a grande construção
Da minha fortaleza interior.
Fiz vigas de concreto contra a dor,
Revesti as paredes da razão,
Portas, janelas, piso, elevador,
Tudo impermeável à emoção.
Como não tem no mundo quem não falhe,
Esqueci, entretanto, de um detalhe,
E meu trabalho não ficou completo.
Meu coração, em paz, adormecido,
acordou, de repente, com um ruído:
era a saudade entranto pelo teto.
SANTA MARIA (A ENFERMEIRA)
Há sombras no silêncio que apavora,
há dores e temores no meu peito ,
há preces em minhas mãos pela demora
do tempo que se escoa contrafeito .
Há rumores de passos, lá fora,
Há dependências em mim que não aceito,
Mas há, meu Deus, a dor que me devora
No imobilismo chagástico do leito
Há um ruído de porta sendo aberta,
Há, junto a mim, alguém que desperta,
Com sorriso de amiga e companheira,
E que me diz com a voz cheia de amores
“Eu vim trazer o alívio às suas dores
eu sou Maria, eu sou tua enfermeira”.
Há rumores de passos, lá de fora ,
há dependências em mim que não aceito,
mas há, meu Deus a dor que me devora
no imobilismo chagástico do leito .
TESTAMENTO
Porque sentimentais, quase abstratos,
Os meus bens a dispor em testamento,
Às mulheres que amei nalgum momento
Deixo os meus versos junto aos seus retratos.
Aos meus irmãos eu deixo os meus sapatos
Mas que não andem, nem por pensamento,
Os caminhos que andei seguindo o vento
Nos rumos de meus gestos insensatos.
A cada amigo meu, uma oração.
Aos inimigos, deixo o perdão,
Perdão com que a mim me perdoei.
Aos meus filhos e netos, minha história
Para que guardem sempre na memória
O quanto pela vida eu os amei.
QUERO MORRER DE MANHÃ
Quero morrer de manhã.
Janelas abertas.
Contemplando o sol e a vida.
Quero morrer de manhã.
Deve ser bonito um ocaso numa aurora.
Não quero camas brancas, cadeiras brancas
que fazem pensar que a gente vai morrer.
Quero morrer de manhã.
Os galos cantando.
O sol na vidraça,e a vida passando lá fora.
Quero morrer de manhã.A interminável noite virá depois
claro-escuro, de madrugada
,quero morrer de manhã.
Deve ser bonito um ocaso numa aurora
haverá sol, haverá luz, haverá vida
e ninguém há de pensar que eu vou morrer.
“Quando os meus filhos
Disserem aos meus netos
O quanto eu os amava.
E quando os meus netos
Disserem aos meus filhos
Que guardam lembranças minhas
E de mim sentem saudade,
Não terei morrido nunca
Serei eternidade”
LUZES DA RIBALTA
Apagaram-se as luzes da ribalta
E para mim, agora, o que é que falta?
A plateia aplaudir e eu ir embora