Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com os rumos da economia no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Preocupação com os rumos da economia no País.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2014 - Página 100
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • PERDA, ESTABILIDADE, LONGO PRAZO, ECONOMIA NACIONAL, ENFASE, PROBLEMA, MERCADO EXTERNO, DIVIDA PUBLICA, INFLAÇÃO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, AUSENCIA, CAPACIDADE, INOVAÇÃO, POUPANÇA, CITAÇÃO, RELATORIO, AUTORIA, BANCO OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ASSUNTO, RISCOS, ECONOMIA, BRASIL, INFLUENCIA, AFASTAMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, NECESSIDADE, BUSCA, SOLUÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, creio que poucos temas são mais importantes para debatermos nesta e nas próximas semanas do que o documento que, no dia 11 de fevereiro, ou seja, na semana passada, o Banco Central americano divulgou sob o nome de Relatório de Política Monetária. É um relatório que é feito pelo seu Banco Central enviado ao Congresso analisando a situação da política monetária daquele país e de diversos países do mundo.

            Nesse trabalho, a autoridade monetária dos Estados Unidos, ou seja, o Banco Central americano, com toda responsabilidade que tem, analisou a vulnerabilidade de 15 países emergentes. Destes, o Brasil ficou na segunda pior qualificação, ou seja, em 14º lugar entre 15. O único país que, de acordo com esse relatório, representa ou apresenta uma vulnerabilidade maior é a Turquia.

            A análise que eles fazem é muito importante, pois é feita por um banco central dos mais referenciados do mundo inteiro. É com base nesses relatórios que os investidores internacionais agem. É com base nesse documento que eles consideram onde investir em comparação com a taxa de juros que se paga. Quanto mais vulnerável é um país, maior a taxa de juros e menor o prazo com que se faz o empréstimo a um país. O Brasil está mais do que nunca, portanto, precisando que capital venha para o País. Um documento como esse tem um impacto negativo na vinda de capital. As agências de qualificação, que, reiteradas vezes, apontaram a possibilidade de rebaixar a nota do Brasil, aquela nota em que a gente vê AA e tudo, com esse documento, vão ter um sinal negativo para a nossa economia, o que arrisca uma redução na nota de credibilidade da nossa economia no cenário internacional com a consequência ampliada.

            É preciso lembrar que, na economia, acontece muito o tal do círculo vicioso: você faz uma coisa ruim que leva a outra coisa ruim, que leva a piorar a coisa ruim do início. Nós podemos estar entrando em um momento desses círculos viciosos, que, às vezes, destroem uma economia. É uma triste constatação - é uma triste constatação! - que alertas feitos por tanta gente, tantos economistas no Brasil, sobre a política econômica brasileira, ao longo de diversos anos, estão sendo confirmados por fontes insuspeitas, que fazem análises cuidadosas e técnicas.

            Sei que temos escutado, Senador Mozarildo, há tempo suficiente, os alertas, para corrigirmos os nossos erros. Eu cito aqui alguns dos economistas: Gustavo Loyola; José Roberto Mendonça de Barros; o Deputado Armínio Fraga; o economista Delfim Netto; e, para que não digam que citei, sobretudo, economistas de tendência contra o Governo, que vêm do passado, o economista Carlos Lessa, um dos primeiros avalistas, no mundo da economia, durante o governo do Presidente Lula, e que foi o seu Presidente do BNDES - ele tem alertado -, e lembro-me de um jantar que tive, na casa do Senador Requião, com o Carlos Lessa e da preocupação que ele tinha diante da nossa situação; o Nelson Barbosa, que foi um dos homens mais importantes da política econômica brasileira e que saiu por algumas divergências, já nos seus gestos e, às vezes, nas suas palavras, em que alertava do risco; Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central, durante oito anos do governo Lula; Gonzaga Belluzzo, outro economista com longa tradição de apoio das forças progressistas; e, para não falar outra vez, para não repetir, o Delfim Netto, que tem sido um apoiador, e a sensação que temos é a de que o Prof. Delfim Netto cansou de fazer alertas e até deu uma recuada ultimamente.

            Mas cito um documento feito aqui, nesta Casa, um discurso que fiz no dia 22 de junho de 2011, há quase três anos, e que se transformou em um pequeno prospecto, uma plaqueta, que publiquei, elaborada juntamente com um dos meus assessores, Waldery Rodrigues, com o nome “A economia está bem, mas não vai bem.”

            O título era muito claro; os indicadores que aparecem não são ruins, mas o que a gente vê, por debaixo da economia brasileira, são sinais de uma grande vulnerabilidade. Quando eu vi o relatório do Banco Central, fiquei surpreso como algumas das frases são na mesma linha, parecidas. Lembro-me aqui, por exemplo, de uma frase que está em uma das seis vulnerabilidades que o documento do Banco Central americano analisa acerca das seis vulnerabilidades que nos ameaçam, a cada um daqueles países. A começar pela relação entre o saldo em transações correntes e o Produto Interno Bruto, que é a chamada vulnerabilidade do setor externo. No texto está:

Simples reduções no valor exportado [ou seja: pequena queda no valor exportado] (decorrente de queda nos preços ou nas quantidades demandadas destes produtos) [por conta de recessão lá fora] gerariam uma situação grave (ou mesmo de reversão) para a nossa balança comercial. Por exemplo, entre novembro de 2010 a outubro de 2011, o saldo na balança comercial foi de US$31 bilhões. Uma redução de 13% no valor das exportações (via redução de preço ou de quantidade demandada ou dos dois fatores) implicaria um déficit nas transações comerciais. Dada a gravidade da crise internacional atual, esse não é um quadro improvável.[...]

            Era perfeitamente possível prever que poderia acontecer; não que aconteceria. E, se poderia acontecer, as autoridades econômicas tinham de tomar precauções.

            No que se refere à dívida pública, outro dos seis indicadores:

O endividamento público brasileiro não vem explodindo graças ao esforço fiscal materializado na formação de superávits primários da ordem de 3% do PIB (em média). [Ou seja, o endividamento público só não vem explodindo por causa disso.] Mas eles são insuficientes para cobrir os juros, implicando a geração de déficits nominais superiores a 2% do PIB. [...]

            Diante disso, tinha de haver uma política de redução de gastos. Às vezes, é muito dolorido reduzir gastos públicos, mas mais dolorido é não reduzir os gastos públicos hoje e pagar um alto preço depois.

            A inflação, outro ponto que está escrito lá no documento:

...o ônus de eventuais políticas econômicas que visem somente taxas de aquecimento do PIB sem o necessário zelo com o controle inflacionário vai implicar um custo para a sociedade [por conta da inflação] [...].

            Isso aqui verificou-se, mas, felizmente, é preciso dizer que o Governo brasileiro percebeu e começou a tomar algumas medidas como a elevação da taxa de juros, Senador Flexa.

            Mas não é por aí que vai resolver, porque, ao se aumentar os juros, aumenta-se o custo da dívida também, e aumentar o custo da dívida aumenta a própria dívida. É mais um item em que, se não fizermos redução de gastos, nós não vamos conseguir ir adiante, até porque vem o outro ponto: inovação e competitividade. Está lá, no documento do Banco Central americano. No nosso, está escrito: Na economia do futuro, a competitividade virá da capacidade de inovar, não apenas inovar na forma de produzir - técnicas de produção -...

            (Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... para atender demandas já existentes ou reduzir gasto de produção, mas criar novos produtos, inventar novas alternativas, aumentar a demanda dos produtos, porque eles são novos e nós não fizemos o dever de casa nesse sentido ainda.

            O último item é baixa poupança agregada. Está escrito no documento: em comparações nacionais, o Brasil fica em posição bastante desconfortável para quem pensa em uma estratégia de crescimento sustentável de longo prazo, por exemplo, de 5% ano.

            Nós não temos poupança, nós não poupamos. Nós temos uma ânsia, uma voracidade pelo consumo e, aí, gastamos todas as nossas energias no presente. Não acumulamos energias para construir o futuro, e isso já está visível nos famosos “pibinhos” dos últimos anos, que vão continuar dessa forma. A não ser que aconteça algo extremamente improvável: uma retomada imensa do crescimento internacional que traga, ao mesmo tempo, uma retomada da demanda dos nossos produtos e que vai nos dar um alívio e trazer mais um problema sério, que é a euforia como a nossa economia é vista pelos seus responsáveis.

            Se eu fosse escolher, Senador Cyro, o maior problema da nossa economia, hoje, diria que é a euforia, porque a euforia cega e, ao cegar, você não vê os problemas; ao não ver os problemas, você comete outros e agrava os tradicionais problemas.

            O otimismo continua. Eu acho que há duas alternativas: ou o Governo sabe e está nos iludindo, o que é grave do ponto de vista da credibilidade conosco, ou o Governo não sabe e está iludido. É provável que essa segunda alternativa, embora menos grave sob o ponto de vista moral, possa ser mais grave ainda sob o ponto de vista do que vai acontecer com a nossa economia.

            Era isso que eu gostaria de colocar, Sr. Presidente. Estou repetindo, mais uma vez, alertas feitos aqui, que não fui só eu que fiz, que muitos têm feito, a oposição tem feito.

            Um governo que está preocupado com o futuro da economia tem que ouvir as oposições, tem que ouvir os críticos, tem que ouvir alertas. Não pode cair na ideia de que todos que fazem alertas são inimigos e que estão mentindo e que não entendem de nada, que são débeis mentais que não sabem de nada. Há inteligência fora do Governo também, e o governo que não usa a inteligência que está fora dele não é um governo inteligente.

            Eu lamento, mas acho que o Governo não está sendo inteligente na maneira como carrega a nossa economia, como orienta a nossa economia nesses últimos anos. E o perigo é muito grande, até porque em momento de eleição fica mais difícil trabalhar aquilo que exige sacrifícios. E nós vamos precisar de sacrifícios hoje para não deixar - eu não diria nem filhos - para nossos irmãos mais novos um pouquinho uma economia desastrosa.

            Temos exemplos mostrando aí fora a nossa situação. A Venezuela não é nada com o Brasil, mas está numa situação trágica. A Argentina, parecida com o Brasil, dizem que não tanto, mas está.

            E aí a velha lenga-lenga de que temos reservas suficientes. Nenhum país no mundo hoje tem reserva suficiente, porque a quantidade de dinheiro que circula por minuto no mundo é tão grande que nenhum país é capaz de resistir a uma campanha especulativa séria. Nem mesmo o Brasil, com a reserva que tem, e não é falsa essa reserva - eu espero que não estejamos sendo iludidos em relação a ela -, mesmo nós, com reservas, somos muito, mas muito vulneráveis a uma especulação mundial no capital imenso que vive rodando no mundo voraz, para arrancar o máximo de cada país, e velozmente.

            Nós ou despertamos - e quando digo nós é o Brasil e o Governo - ou o futuro não é brilhante. O que fez o Banco Central foi um alerta. Se nós tomarmos como tal, podemos corrigir, mas se, em vez disso, cairmos na ideia de que são inimigos querendo destruir a economia brasileira - o que não tem o menor sentido -, aí, nós vamos caminhar para uma situação incontrolável.

            Hoje, na Comissão de Educação, foi proposta a ideia - simplesmente, é difícil acreditar que foi feita - de se fazer um voto de protesto ao Banco Central americano. Não existe isso! Você pode dizer que um documento do Banco Central está errado. Você não pode julgar se é do bem ou do mal. E, aí, o presidente do Banco Central nosso que analisasse, fizesse o dever de casa, mostrasse que havia erro. Mas não consegue fazer isso. Voto de protesto não se faz contra documento técnico. Contra documento técnico, você desmoraliza a credibilidade mostrando o erro.

            Tentou-se fazer isso. E eu fiz um apelo para que não se discutisse isso porque, se fosse recusado, era como se a gente estivesse dando um apoio ao Banco Central americano. Se fosse aprovado, cairíamos no deboche mundial. Deboche, porque não existe, a meu ver, nenhuma experiência de algo desse tipo.

            Vamos usar os estudos que são feitos para corrigir os rumos, e não seguir no rumo reclamando dos estudos que são feitos.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2014 - Página 100