Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da melhoria da educação de base; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS). EDUCAÇÃO.:
  • Defesa da melhoria da educação de base; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2014 - Página 275
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS). EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • REGISTRO, NECESSIDADE, MELHORIA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, REDUÇÃO, ANALFABETISMO, INSUFICIENCIA, CRIAÇÃO, COTA, NEGRO, SERVIÇO PUBLICO, UNIVERSIDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Paim.

            Fico satisfeito de que o senhor esteja presidindo, pelo tema que vou trazer aqui, que diz muito respeito a uma luta nossa e minha também, embora nem sempre exatamente da mesma maneira.

            Mas antes de entrar nesse assunto, quero apenas manifestar meu total apoio ao fato de que nós precisamos, no Congresso, fazer a CPI da Petrobras.

            Eu errei, quatro anos atrás, quando não dei apoio à CPI naquele momento. Se tivéssemos feito, teríamos certamente evitado a situação que atravessamos hoje, porque, no mínimo, no mínimo, uma CPI cuidadosa, respeitosa, dessa coisa maravilhosa, talvez a maior realização da história do Brasil, que é a Petrobras, faria com que ela tivesse sido administrada com mais cuidado. Teríamos alertado sobre a situação e ela não teria chegado a este ponto. Por essa razão, dou todo o meu apoio à realização da CPI, que não é contra a Petrobras. Não é contra a Petrobras. É em defesa da Petrobras, tentando alertar a todos, especialmente ao Governo, que os erros cometidos nesses últimos anos têm que ser corrigidos.

            Mas dito isso, Senador, quero falar de um assunto que lhe diz muito respeito porque o senhor é um dos grandes defensores, e eu tenho sido também: o uso de cotas raciais no Brasil.

            A Câmara aprovou, anteontem, a ideia de cota de 20% de negros para o serviço público. Não tenho a menor dúvida de que temos uma dívida profunda, em primeiro lugar, com o povo negro, mas, mais do que isso, temos o constrangimento nacional de sermos um País de brancos, negros e outras raças com uma elite totalmente branca.

            Esse embranquecimento da elite de um povo que não é branco apenas é uma vergonha nacional. Não termos um embaixador negro é uma vergonha! Não termos juízes negros na quantidade que deveria. Não termos médicos negros. Eu conto, Senador Paim, que a primeira vez que fui a um médico negro eu tinha 60 anos e estava em Angola. E olhe que sou de Recife, um lugar de população negra intensa. Pois bem, a primeira vez que fui a um médico negro eu tinha 60 anos e estava em Angola.

            Isso mostra que é preciso haver uma política que traga mais caras com a pele negra para fazerem parte da elite brasileira. Mas o que chamo a atenção aqui, e sempre chamo, é que essa é uma política correta do ponto de vista racial, mas elitista, elitista porque traz o benefício para uma camada social da população negra e não para todos.

            As cotas para negros na universidade eu defendo, sim, que é uma necessidade para quebrar a cor branca da elite, mas a gente faz cota para negros na universidade, deixando negros analfabetos e sem nenhuma cota para eles, que deveria ser de 100% de alfabetizados. Não existe uma cota para que 100% das crianças deste País terminem o ensino médio com qualidade.

            E é exatamente por causa dessa falta de uma política de educação igual para todos que damos um jeitinho, damos um jeitinho para escurecer a cor da cara da elite brasileira.

            Eu gostaria de ver, Senador Paim, todos que lutam pelas cotas para negros no serviço público, nas universidades, eu gostaria de vê-los todos lutando por 100%, uma cota de 100% para concluir o ensino médio com qualidade. E a partir daí, a cota racial para emprego público e a cota racial para universidade tornam-se desnecessárias. Mas não vemos essa percepção.

            Os amigos, companheiros que lutam pelos direitos das cotas estão lutando pelos direitos das cotas na cúpula, na parte de cima da sociedade, sob o ponto de vista social, para quebrar a branquitude. Está na hora de termos a ousadia de quebrarmos o elitismo de como tratamos as cotas. Cotas para os que estão em cima, esquecendo cotas para os que estão abaixo.

            Com as cotas no serviço público, vamos passar a ter juízes, procuradores, vamos passar a ter médicos, graças à cota na universidade e à cota no serviço público. Mas não vamos ter cota para reduzir o analfabetismo entre o povo negro. Não vamos ter cota para que a escola seja igual desde a primeira série do ensino fundamental até a última do ensino médio para negros e brancos neste País.

            Então, quero aqui manifestar que é muito pouco lutarmos por cotas apenas para a parcela de cima da sociedade, a parcela negra que consegue terminar o ensino médio e que usamos cotas para que ingresse na universidade, sem nos preocuparmos com uma cota que atenda 13 milhões de analfabetos, em todas as cores, mas a maior parte deles de cor negra.

            Fica aqui meu desafio para o mesmo movimento negro que luta pelas cotas no ensino superior, que luta pelas cotas no emprego público, que lutem pela escola de qualidade para todos. Até porque, se não fizerem isso, a sensação que dá é que a cota termina sendo não só um jeitinho, mas um benefício entre os incluídos sem querer que os excluídos entrem. Garantimos cotas, mas deixamos de fora todos aqueles que não terminaram o ensino médio. Então, no fundo, é uma cota que beneficia uma parcela que, de alguma maneira, já tem algum privilégio. Vamos eliminar a necessidade de cotas, beneficiando a todos com uma escola igual, com uma escola que não faça distinção de pele, que não faça distinção de renda, que não faça distinção geográfica de onde vive a criança. É o desafio que eu faço.

            Todos aqueles que lutam por cotas para os que estão em cima, lutem por cotas para os que estão abaixo, e essa cota é a escola do negro igual à do branco, do pobre igual à do rico, do patrão igual à do trabalhador. Isso é possível. Outros países já fizeram e alguns estão fazendo.

            O Brasil tem os recursos. É preciso apenas se organizar para isso, e organização para isso - eu não tenho dúvida - é a federalização da educação de base. É fazer com que cada criança deste País ao nascer tenha o mesmo acesso à escola, independente da renda dos pais, independente da cidade onde vive. O mesmo acesso. Cada criança receber a mesma quantidade de dinheiro para o financiamento da sua educação.

            Isso é possível se for resultado da união de todos os brasileiros, e não apenas dos municipais, não apenas dos estaduais. Se for um processo em que cada criança seja adotada como sendo brasileira, antes mesmo de ser municipal. Precisamos desmunicipalizar as crianças deste País. É preciso nacionalizar as crianças deste País para que um dia essas cotas fiquem tão gerais, tão espalhadas, tão 100% para todos que disputem com as mesmas condições, conforme o talento, conforme a persistência, conforme a vocação. Que elas fiquem tão generalizadas que fiquem desnecessárias.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2014 - Página 275