Discurso durante a 67ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a insatisfação dos brasileiros com o serviço público, a partir da cultura imediatista dos políticos e cidadãos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Reflexões sobre a insatisfação dos brasileiros com o serviço público, a partir da cultura imediatista dos políticos e cidadãos.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2014 - Página 223
Assunto
Outros > ELEIÇÕES, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • CRITICA, CANDIDATO, ELEIÇÃO FEDERAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MOTIVO, AUSENCIA, DEBATE, FUTURO, PAIS, ENFASE, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, POUPANÇA, CIENCIA E TECNOLOGIA, INCENTIVO, DESLIGAMENTO, BOLSA FAMILIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a cada dia que nós, de manhã cedo, assistimos ao noticiário, ele dá um susto na gente. Dá um susto a violência generalizada. A impressão que temos é que os jornais de hoje, os jornais de televisão, são jornais policiais.

            Foram 420 ônibus depredados. Ontem, quando eu falei aqui, eram 320. Mais 100 depredados ao longo da noite. E continua. Paralisações por todos os lados.

            Creio que isso merece uma reflexão. O que está acontecendo hoje é uma falta de atenção, no passado, aos problemas que ocorreriam no futuro. E aí passa, Senador Mozarildo, uma sensação estranha: a de que nós somos um País que não amamos o futuro. Isso para não radicalizar e dizer que nós somos um País que odeia o futuro.

            Nós não trabalhamos no presente olhando o futuro do País!

            Para começar, um aspecto da economia. Este é um País que não poupa. Quem não poupa é quem não está preocupado com o futuro, é quem não está olhando o futuro. O Brasil é um país de baixíssima taxa de poupança, comparado com o resto do mundo. Nosso País, nossa sociedade, nós todos somos um País do consumo. Consumo é o presente; poupança é o futuro. Nós não gostamos do futuro. Se gostássemos, Senador Paim, poupávamos mais parte da renda nacional para investir, para com isso gerar, no futuro, mais produtos, um aumento na produtividade, uma maior eficiência. Não fazemos isso.

            Prova de que não amamos o futuro é como nós relegamos ao segundo plano a infraestrutura econômica deste País, em parte como consequência da baixa poupança. Nós queremos os benefícios imediatos para todos nós! Nós queremos aumentar a renda e o consumo imediatamente! Não pensamos nos nossos filhos, nos nossos netos, cujo consumo e bem-estar vão depender não de quanto a gente consome hoje, mas de quanto a gente poupa hoje para investir na construção do futuro.

            O que está acontecendo hoje nas nossas cidades, o que a gente vê na televisão - a violência generalizada e, ao mesmo tempo, essa insatisfação com os serviços sociais - é uma prova da falta de compromisso, da falta de amor do Brasil com o futuro. Lá atrás, nós não olhamos o futuro, que é hoje. Há trinta anos, estamos governando para o presente, sem olhar o futuro.

            Outro item que mostra isso é como este País não investe em ciência e tecnologia. O futuro está na ciência e na tecnologia. O futuro está no conhecimento, mas nós não gostamos de perder tempo com o conhecimento. Nós não gostamos de investir em novos institutos de ciência e tecnologia. E nós ficamos prisioneiros dos outros países que estão pensando no futuro e que vão nos investir o conhecimento que nós não formos capazes de construir daqui para frente. E aí está por trás a educação, que é a mãe do futuro. A mãe do futuro é a educação.

            Quando nós vimos ontem mais um resultado dramático para a educação brasileira - 38º entre 40 países; 38º entre 40! Antepenúltimo! -, é porque não amamos o futuro.

            Se nós amássemos o futuro lá atrás - aliás, muito tempo atrás, Senador Paim, em 1888 -, nós teríamos começado a dar escola para os filhos dos escravos. Lá atrás! Não fizemos isso. Não demos escola para os filhos dos pobres. Não fizemos isso. E deixamos a escola dos ricos como algo secundário. Até porque, como a imensa maioria não estuda, os poucos que podem não precisam estudar muito porque não há concorrência. Não há disputa.

            Então, nós não investimos em educação pelo desamor ao futuro, que caracteriza a cultura da sociedade brasileira.

            Uma prova de falta de amor ao futuro é que até com relação a uma coisa boa, generosa que nós temos hoje, que é o Programa Bolsa Família, não estamos nos preocupando em como fazer para que, daqui a vinte anos, ele não seja mais necessário para nenhuma família.

            O presente, necessário, importante é dar Bolsa Família, sim, mas é prova de um desamor ao futuro, porque, lá atrás, se tivéssemos feito o dever de casa deste País pensando no futuro, nenhuma família hoje precisaria de R$70,00 por mês para sobreviver, ou R$77,00, com o aumento de 10%.

            O Bolsa Família, um gesto generoso, é prova do desamor ao futuro lá atrás. E, ao comemorarmos hoje o aumento do número de famílias que recebem Bolsa Família, constatamos o desamor ao futuro, por falta de um projeto que diga que, dentro de tantos anos, nós não vamos mais precisar disso, porque os filhos das atuais famílias do Bolsa Família vão receber educação suficiente para liberá-las da necessidade dessa ajuda. Elas vão ser capazes de ter autossuficiência. Elas vão ser - como a gente lutou contra a escravidão no passado - emancipadas.

            A emancipação é um compromisso com o futuro. O Bolsa Família é um compromisso social, correto, justo com o presente. Não é um amor pelo futuro no Brasil. Isso deveria nos preocupar mais. Lamentavelmente, não há essa preocupação, porque ela exige, inclusive, uma ruptura cultural. É uma cultura. O Brasil tem uma cultura de preferência imensa pelo presente.

            Os filósofos chamam de hedonismo o prazer imediato, o horror ao sacrifício de poupar, por exemplo. Há um horror ao sacrifício de poupar, por falta de previsão do futuro que a poupança constrói. Dos problemas da economia brasileira - altos custos do setor público, a taxa de inflação que está aí -, eu reputo que o mais grave, Senador Paim, é a baixa poupança que caracteriza a cultura brasileira e, em consequência, a economia brasileira.

            Eu gostaria de ver esse debate mais forte entre os candidatos a Presidente, mas a maneira como eles estão se comportando até aqui é prova do desamor ao futuro. O discurso dos candidatos é para o presente. Eu ainda não vi um discurso dos candidatos a Presidente olhando para o futuro. A Presidenta defendendo o que faz, e os outros acusando a Presidente, e nenhum dizendo como será o futuro do Brasil daqui para frente.

            Para mim, o desamor ao futuro está na cabeça dos candidatos à Presidente, e talvez, porque pensando nos votos, eles queiram se aproximar de uma população que não ama o futuro.

            É uma pena, mas o desamor ao futuro é a destruição de uma Nação.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2014 - Página 223