Discurso durante a 84ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa das mudanças aprovadas para o Programa Bolsa Família e da necessidade de transformá-lo em uma política de Estado; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA SOCIAL.:
  • Defesa das mudanças aprovadas para o Programa Bolsa Família e da necessidade de transformá-lo em uma política de Estado; e outro assunto.
Aparteantes
Acir Gurgacz, Ana Amélia, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2014 - Página 144
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. PROGRAMA DE GOVERNO, POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, PROCESSO ELEITORAL.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA, ALTERAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, BOLSA FAMILIA, REFERENCIA, FIXAÇÃO, PRAZO, AVALIAÇÃO, CRITERIOS, PARTICIPAÇÃO, CRIAÇÃO, PRAZO DE PERMANENCIA, DEFESA, NECESSIDADE, TRANSFORMAÇÃO, PROGRAMA, POLITICA, ESTADO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia, Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu queria ter feito um pequeno aparte ao Senador Mozarildo - lamentavelmente, tive de me dispersar um pouco ali - para dizer que ele tem toda razão. É preciso que as pessoas saibam que sem a política não funciona nada. Três pessoas juntas só tomam decisão fazendo política. Duas, pode ser por amor - não é preciso política. Mas três, precisa de política.

            Quando três jovens querem ir a uma balada e vão escolher o lugar, eles têm que decidir fazendo política. O dono do carro diz: “Você vai para onde eu quiser” - a política do poder econômico. O outro diz: “Sou forte, se você não for, bato em você” - é o poder da força, no caso dos golpes militares. E o terceiro quer conversar para saber o que é melhor - essa é a democracia.

            Se três pessoas, Senador Mozarildo, precisam, imagine 200 milhões. O problema é que parece que a gente não está fazendo política para os 200 milhões; a gente está fazendo política para corporações e, às vezes, até para interesses escusos. Essa é a verdade.

            Esta semana, nós votamos uma quantidade de PECs, e todas eram de interesse corporativo, salvo a do trabalho escravo. Fora essa, todas eram de corporações. Eram para aumentar salários, para mudar a estrutura do serviço que faziam, não do serviço, mas da carreira, tudo sobre carreira. E isso está levando a esse descontentamento geral. Por quê? O que a gente aprovou aqui esta semana vai aumentar os gastos públicos, vai gerar inflação ou tirar dinheiro de algum outro lugar. Esses e outros erros.

            Aí, Senador Mozarildo, o que eu queria dizer é que, ontem - e acho que não seria indiscrição dizer -, ouvi do Senador Pedro Taques, que é candidato e está sofrendo todos os problemas que os candidatos sofrem - e a senhora vai sofrer também...

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Maioria/PP - RS. Fora do microfone.) - Já estou sofrendo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Já está sofrendo.

            Ouvi do Senador Pedro Taques que uma pessoa da família dele disse que fazer política beneficia o povo e prejudica a família. Acho que se esqueceu de colocar adjetivos: fazer boa política beneficia o povo e prejudica a família; e fazer política ruim beneficia a família e prejudica o povo. Faltou isso.

            Mas, de fato, hoje, não é só cada um de nós que se pergunta se deve ou não continuar - e acho que o senhor tem razão, é preciso -, mas são as famílias que perguntam.

            Ontem, liguei para o Senador Blairo Maggi por conta do aniversário dele e para conversar um pouco sobre uma entrevista que ele fez, onde, no último parágrafo, Senadora Ana Amélia, ele diz claramente que não quer mais saber disso, que vai concluir o mandato dele com muito esforço. Depois, ele diz: “Eu quero ser feliz e ter uma vida em paz, porque eu já dei a contribuição que eu deveria dar.” Ele não vai dizer que não cumpriu um papel social: cumpriu, foi governador, creio que em dois mandatos, está sendo Senador. Ou seja, somando, pelo menos dezesseis anos de vida pública. Ele acha que, mais do que isso, o preço que ele está pagando é muito alto, a ponto de o acusarem de pegar R$300 mil, o que para nós aqui é até muito, mas ele diz que o movimento da empresa dele é de R$5 bilhões - cinco bilhões! (Risos.)

            Então, é prova de que está ficando difícil continuar na vida pública. Por um lado, pela contaminação da imagem; e, por outro, pelo risco da honra. São duas coisas diferentes. O risco é quando, de fato, de repente, você descobre que esteve metido em coisas que não são corretas - como, por exemplo, no meio da campanha, receber um pacotinho de dinheiro, está desesperado, não sabe de quem veio o dinheiro, você declara até, mas depois vai descobrir que esse dinheiro tinha uma origem escusa, e aí mancha a honra. Ou, então, a honra está até limpa, mas o convívio com outras pessoas termina lhe fazendo uma imagem negativa só por fazer parte do grupo; mesmo que você não esteja contaminado, faz parte do grupo.

            Então, era esse aparte que eu queria fazer, lembrando essa frase, que achei muito oportuna, de um familiar do Senador... Não, a frase é do Senador Taques. O Blairo é de que vai sair da política, não quer mais saber disso.

            Mas, Senador, a diferença, o engraçado é que eu aqui fazendo um aparte - lá era um aparte - e, agora, eu falando aqui, o senhor é que vai ter um aparte, com muito prazer.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco União e Força/PTB - RR) - Primeiro, quero me desculpar, Senador Cristovam, porque não percebi que V. Exª estava com o microfone de aparte. Mas quero aproveitar essa primeira parte do seu pronunciamento para dizer que realmente foi um, diríamos assim, complemento do meu pronunciamento, com mais brilho, evidentemente. Mas eu tenho visto gente muito boa, gente honesta dizer assim: "Ah, eu não vou nem votar. Pago a minha multa, que é pequena, e não vou votar." Por quê? Isso não é uma coisa nova. Lá em 1914, Rui Barbosa disse que "de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem honesto chega a ter vergonha de ser honesto." E eu quero falar para os homens e mulheres honestos deste País que não tenham vergonha porque alguém macula o cargo que vai ocupar, seja por eleição ou por nomeação. Cabe a nós, portanto, as pessoas de bem, lutar, e não apenas reclamar e ficar, digamos assim, pondo a culpa noutros e não pondo em si, quando ela não colabora para aperfeiçoar o ato de votar, portanto aperfeiçoar a democracia. Eu acho que nós devíamos, realmente, fazer uma verdadeira frente parlamentar, ou só no Senado ou na Câmara e no Senado, para, de fato, usarmos esse tempo, mesmo aproveitando o período desta Copa, para chamar a atenção do eleitor que é ele que decide quem vem para a Câmara, para o Senado, para os Governos Estaduais ou para a Presidência da República. Se você não faz direito sua tarefa, não adianta reclamar depois. Portanto, é o ponto que eu quero deixar em aparte ao pronunciamento de V. Exª, que disse, com outras palavras, a mesma coisa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu diria até que quem não vota está votando em quem não quer, porque, ao não dar o voto em quem você preferiria, quem você não queria está se beneficiando e vai ganhar a eleição. Segundo, complementando essa frase de Rui Barbosa - o que é muita pretensão alguém complementar sua frase -, acho que ele poderia dizer que as pessoas têm vergonha de ser honesta, não desonesta, porque parece burrice. Essa é a tragédia! Começa a parecer burrice ser honesto quando todos são desonestos.

            Mesmo assim, a luta continua, Senador Mozarildo, e é preciso que o eleitor entenda isso e faça sua parte também, escolhendo pessoas das quais ele se orgulhe. E, caso erre - todo mundo erra na vida -, corrija na eleição seguinte.

            Mas, hoje, eu vim falar, Senadora Ana Amélia, de outra coisa.

            Eu vim falar de um assunto que virou polêmica, que foi a aprovação, na Comissão de Assuntos Sociais, de um projeto de reforma no Bolsa Família. Senadora Ana Amélia, de repente, houve uma reação muito forte, por parte do Governo, contra mudar o Bolsa Família - e eu nem digo esta mudança apenas.

            Eu quero dizer que, hoje, há 50 propostas de mudança na Câmara; 27 propostas de mudança no Senado. Ou seja, um projeto que tem 77 propostas de mudança precisa de alguma mudança. Mas até um projeto que não tenha nem uma proposta de mudança sempre precisa de mudança. Eu não entendo essa resistência ferrenha do Governo Federal a qualquer mudança em qualquer coisa que eles fizeram ou começaram e que eles não tomam a iniciativa da mudança.

            O Bolsa Família é um projeto que tem de continuar enquanto uma família, neste País, precisar. Por isso, até deve ser lei, e não simplesmente um programa de governo. Por isso, deve ser uma coisa de Estado, e não uma coisa de Governo, até para tranquilizar as famílias de que nenhuma pessoa eleita vai poder tirar esse - não vou dizer direito, vou dizer outra coisa - atendimento dessa necessidade que ela tem; um direito enquanto precisar, um direito provisório. Eu não entendo essa resistência. É preciso, sim, fazer mudanças.

            Quando fui candidato à Presidência, no meu programa, eu propus uma reforma do Bolsa Família muito mais radical do que a que agora apareceu. Eu propus transformar o Bolsa Família em três programas, Senador Mozarildo. Um era o Programa Bolsa Escola, que era dirigido às famílias pobres com crianças em idade escolar. Essas receberiam a bolsa vinculada à educação, vinculada à frequência, exigindo - veja bem, que é o que o Governo não quer, usar o verbo exigir, porque tira voto. Porque, se você exige, a pessoa, dando de volta, está pagando o que recebeu. Se as crianças vão à escola, a família está pagando: “Eu pago ao Brasil colocando os meus filhos na escola e recebo em troca o salário do Bolsa Família.” Mas, quando não há exigência, é um favor do Governo, e aí vincula, amarra. Então, um era esse.

            O outro é para jovens, sem filhos, mas jovens. Era um programa de trabalho social: dar emprego por seis meses. Eu não inventei isso, a Índia está fazendo isso. As pessoas de uma certa idade têm direito a um emprego por seis meses. Para fazer um açude em São Paulo, por exemplo, para resolver o problema da Cantareira; fazer estradas, obras, como sempre se fez em qualquer momento, aqui e no exterior, as chamadas soluções keynesianas, inventadas pelo grande economista Keynes. Vamos empregar as pessoas mesmo que para fazerem coisas desnecessárias, mas, ao ganhar uma renda, vão dinamizar a economia e vão levar a comida para casa. Então, esse era outro.

            E o terceiro era para aqueles que não têm filhos, mas que já não são tão jovens: os velhos. Aí a gente manteria o Bolsa Família como é, com dinheiro transferido. Porque são pobres e são velhos, precisam disso, não têm que dar mais nada ao País, como uma mãe jovem tem que dar ao País seu filho na escola; como um jovem sem filhos pode dar de volta ao País, construir algo, recebendo esse emprego social.

            Então, essa era a ideia, que é muito mais radical do que o que está aí, e que não custaria muito mais, talvez até menos.

            A reforma que foi proposta consiste...

            Eu nem votei nela, porque não sou membro da Comissão, então não estou aqui com necessidade de justificar voto, mas vale a pena analisar.

            Uma é que fixa o prazo de dois anos para avaliar se a pessoa deve continuar ou não. É correto. Eu não sei se dois ou três ou quatro, mas é correto ter prazo. É preciso fazer com que as pessoas sintam: esse é um benefício que eu tenho enquanto eu preciso. E aí é avaliar, a cada tanto tempo, se a pessoa vai ter ou não ainda as condições que justifiquem receber.

            Além disso, a outra mudança é que alonga por seis meses. Veja como é interessante: ao mesmo tempo em que cria um prazo para avaliar, cria um prazo para que a pessoa saia, sendo protegida ainda por seis meses depois que perde o direito na avaliação. Ou seja, aquela família que recebeu uma renda que a faz saltar para um patamar superior, em que não tenha mais direito à Bolsa Família, ainda teria seis meses para se adaptar.

            Qual é a lógica disso? Não é uma lógica apenas social, de dizer “Não, vamos cortar de repente”. Não, há uma lógica social, uma lógica do interesse nacional. É que, ao dar seis meses, Senador Mozarildo, a família que estava perto de conseguir a renda, e que iria perdê-la, vai aceitar a renda, sabendo que tem mais seis meses. Ela não vai fugir de alternativas que melhorem sua renda para poder segurar a Bolsa Família. Não. Ela sabe que, pegando aquele emprego que vai fazer com que não tenha mais necessidade da Bolsa Família, ainda tem seis meses. Psicologicamente até, fará com que muitos aceitem aumentar a renda sem medo de perder a Bolsa.

            São duas mudanças que foram propostas, além de transformar um programa de governo em um programa de Estado nacional. Qualquer Presidente eleito vai ter que manter!

            Senadora Ana Amélia, ontem eu falei e a senhora estava presidindo. Eu vou repetir. Desculpe repetir o que já lhe falei, mas para um público bem maior.

            Eu temeria muito um candidato a Presidente que ameaçasse tirar a Bolsa Família de qualquer família que precise, mas eu não me contento com o caso da Presidente, que comemora aumentar o número de famílias na Bolsa Família. Eu queria um que chegasse aqui e dissesse: “Enquanto eu for Presidente, toda família que precisar vai receber uma Bolsa Família, mas eu só vou comemorar no dia em que nenhuma mais precisar”. É aí que a gente pode comemorar!

            A gente não comemora aumentar o número de desabrigados numa inundação ou num terremoto ou numa guerra. Ninguém comemora, Senador Acir, aumentar o número de famílias numa quadra de jogos de uma escola, desabrigadas da cheia, como aconteceu recentemente no Norte. A gente não comemora o aumento. A gente comemora a diminuição dos que precisam disso. A gente comemora abaixar a água e as pessoas voltarem para casa. Abaixar a água é encontrar um emprego, é encontrar um trabalho, é ter uma renda que lhe permita viver sem precisar dessa ajuda.

            Mas, além da proposta que foi colocada, eu coloquei duas emendas, Senadora Ana Amélia, que foram aprovadas. Uma é que, se tiver filhos estudando, mesmo que supere as condições da Bolsa Família, continuará recebendo até que a criança continue na escola, porque o objetivo é botar a criança na escola, é colocar a criança na escola.

            Então, se a criança está estudando, vamos manter a Bolsa. A gente não dá bolsa para estudar na França, nos Estados Unidos? Doutorado para quem já sabe ler, escrever? Por que a gente não dá uma bolsa para quem vai estudar aqui, português, vai aprender a ler? É uma bolsa de estudos. Então não tem por que cortar se as crianças estão estudando.

            E a outra condiciona a família a ter pessoas estudando em cursos profissionalizantes. E ouvi a Ministra, num videozinho que ela colocou numa rede social, dizer que isso é sacrificar as famílias, dizer que isso é impossível, porque as famílias não têm condições de aprender um ofício.

            Alfabetizar-se é um ofício. Aprender a ser pedreiro é um ofício. Qualquer conhecimento que você adquire é um curso. E a gente tem que incentivar essas pessoas a estudar, até mesmo dizendo: “Se não estudar, não recebe a bolsa”, da mesma maneira que um trabalhador, quando não vai trabalhar, não recebe o salário. Trabalhador que não vai trabalhar não recebe seu salário, mesmo que a família precise em casa. Então o pai e a mãe que não derem uma contribuição ao País não receberão a bolsa a serviço do País.

            Eu tenho outra proposta, que não coloquei como emenda, mas está, ainda, no finalzinho, na Câmara, que a Ministra Tereza Campello faz um esforço enorme para ser derrotada e arquivada, de que a as famílias terão que ir à escola do filho pelo menos uma vez por ano, para ver como está o menino estudando.

            Eu fui lá, discutir isso com ela, quando soube que ela é contra, coisa que eu evito fazer, que é andar nessa Esplanada de Ministros. Fui lá, e ela disse que isso é sacrificar os pais. Sacrificar um pai ir à escola para saber como o filho está?

            Aí, insinua-se que os pais não têm condições de falar com os professores. Como não têm condições de saber como estão seus filhos? Claro que têm! Os professores que se ajustem à fala dos pais dos seus alunos. Mas é claro que têm! E, depois, que é longe. Como é longe? A escola tem que estar perto! Se ele mora longe da escola, a escola é que está longe dele, porque a lei determina escola perto das casas. Mesmo assim, essa emenda não é querida, não é desejada e luta-se contra ela.

            Eu creio que, sim, precisa mudar. Tudo é preciso mudar, nada é perfeito.

            O Bolsa Família é um programa maravilhoso do ponto de vista da necessidade do povo, porque antes não havia o programa.

            Eu só não elogio mais o programa porque fui o criador inicial dele, com o nome de Bolsa Escola, ainda nos anos 80, em um livro, quando eu era professor. Eu fui a Campinas, participar da implantação em Campinas. Eu comecei, no Distrito Federal, o primeiro programa, simultaneamente com Campinas, mas aqui tinha mais característica educacional, tanto que era da Secretaria de Educação e não da Secretaria de Assistência Social, como em Campinas.

            Eu não posso criticar esse programa, mas ele precisa mudar. Precisa mudar até porque ele perdeu a característica de vincular à educação e porque, ao lado dele, não veio a educação. Sem educação, a Bolsa Escola fica permanente.

            Uma tragédia social no País seria acabar com a Bolsa Família. Uma tragédia histórica será precisar dela daqui a 20 ou 30 anos. Se, daqui a 20 ou 30 anos, a gente ainda precisar da Bolsa Família será uma tragédia histórica, da mesma maneira que se a gente acabasse com ela agora seria uma tragédia social.

            A escola não está sendo cuidada como deveria.

            Nós precisamos entender que a escola não vai ser boa enquanto ficar nos ombros dos prefeitos pobres, dos Municípios sem dinheiro. Por isso, uma irmã da Bolsa Família é a federalização da educação. A federalização é irmã da Bolsa. A Bolsa para colocar na escola; a federalização para fazer a escola boa.

            Mas nada disso se quer fazer. Está-se querendo um programa que mantém, felizmente, a família sobrevivendo na pobreza. Felizmente esse programa existe, mas não querem um programa transforme a sociedade a ponto de não precisar de ajuda, tirar as crianças das famílias que têm Bolsa Família da necessidade de serem mães da Bolsa Família no futuro. É uma pena, mas a caixa-preta da Bolsa Família não nos permite saber quantas mães de hoje, Senador Acir, da Bolsa Família, foram crianças da Bolsa Família. A gente não consegue descobrir ou o Governo não nos quer indicar.

            Nós precisamos saber quantas mães de hoje foram filhas da Bolsa Família, porque isso provaria que é um programa generoso, o que é muito bom, um programa assistencial, que é necessário, mas não é um programa transformador, que mude a sociedade, um programa que hoje apóia os que necessitam, mas que não ajuda a superar a necessidade. E esse é o verdadeiro papel do Estado, ao lado de ajudar quem precisa naquele momento.

            Nós precisamos colocar as famílias que vivem em áreas sob inundação em abrigos, mas o que a gente precisa mesmo é que as pessoas fiquem em suas casas, o que a gente precisa mesmo é tomar as providências para que as inundações não ocorram, cuidando dos rios, ou, se ocorrerem, que a gente tenha como fazer isso de maneira organizada.

            E aí o Governo diz que tudo isso vai complicar o programa.

            Veja bem, o que eles chamam de simplicidade, na verdade, é facilidade. Eu não quero facilidade; eu gosto de simplicidade.

            Por exemplo, nós tínhamos diversos programas antes. Era Bolsa Escola, vale-alimentação e vale-gás, por exemplo. Complicado. Aí, simplificou-se colocando tudo.

            Não se simplificou; apenas facilitou-se, porque aquela separação era necessária para diferenciar ajuda que é ajuda e a Bolsa, que transforma a sociedade. São duas coisas diferentes. Ao misturar tudo, acontece o de hoje: tem beneficiado que tem menino na escola e tem beneficiado que não tem menino na escola. Fica difícil exigir a frequência às aulas.

            Carece de sentido hoje exigir frequência às aulas na Bolsa Família, porque uma grande parte dos que têm a Bolsa não têm crianças, não têm escola para levar o menino. Antes era separado. Era correto separar!

            Simplifiquemos dentro do que é necessário, e não facilitemos para tornar a gestão mais simples. Simplificaram a gestão, prejudicando resultados. Facilitaram, não simplificaram.

            Por isso eu creio que essas mudanças, que não votei, mas apresentei duas emendas que defendo como necessárias... E ainda defendo a minha proposta de que as famílias têm que ir à escola dos meninos. Eu botei: “pelo menos, uma vez por ano”, o que é pouquíssimo! Essa minha proposta, essa minha lei devia ser criticada, porque eu botei uma vez por ano. Os ricos vão muito mais vezes.

            A gente precisa atrair as famílias pobres para a escola, para saber se os seus filhos estão indo ou se estão indo e ficando na escola, ou se estão indo, ficando e passando de ano, ou se estão indo, ficando, passando de ano e aprendendo. E a gente se nega a fazer por não querer mudar para melhor um programa que é bom; um programa que é bom, mas que não é ótimo, um programa que é bom, mas é preciso deixar de ser necessário.

            A maldade é da Bolsa Família? Não está na Bolsa Família, não! A Bolsa Família é uma coisa boa! A maldade está na sociedade, que faz com que alguns precisem dela. E se contentem. E se contentem! E nos contentemos com isso!

            Não é possível. Eu acho que a gente precisa ter mais clareza do que é transformar e do que é assistir. E ter mais clareza de quais são os políticos que querem ficar apenas assistindo e quais são os políticos que querem transformar a sociedade, quais são os conservadores generosos, é verdade, que querem assistir, e quais são os transformadores, que querem mudar a sociedade.

            Existem dois tipos de conservadores: os conservadores egoístas e os conservadores generosos. Mas são conservadores. E existem os transformadores, os que querem transformar.

            Eu quero transformar a sociedade brasileira para que, neste País, não seja necessário alguém receber transferência de renda como ajuda. Até lá, eu quero que meu País mantenha as ajudas necessárias, as transferências necessárias, mas que não seja para sempre, porque isso é dizer: nosso País é inferior, como, aliás, a Presidenta disse ontem, quando falou que não se pode exigir aeroporto padrão Fifa no Brasil. O aeroporto do Brasil tem que ser padrão Brasil, ou seja, nós somos pequenininhos.

            E, depois, ela, um dia desses, falou que Ronaldo, o jogador, tinha complexo de vira-latas. Complexo de vira-lata é dizer que não podemos ter padrão FIFA em tudo. FIFA, nem gosto disso. Padrão ótimo, padrão bom. E até acho que não precisava aeroporto com padrão bom antes de haver casa com padrão bom, escola com padrão bom, saúde com padrão bom, até acho que a prioridade não devia ser aeroporto, mas temos condições de ter um programa que assista as famílias e que transforme a sociedade.

            O Governo abriu mão do seu papel transformador, ficou um Governo conservador, felizmente generoso, felizmente generoso, que aceita distribuir parte da renda nacional para os pobres e isso merece nosso apoio. Mas quero mais: quero um Governo transformador e que assista enquanto for preciso.

            Senadora, era isso que eu tinha que falar, mas o Senador Acir pediu um aparte.

            O Sr. Acir Gurgacz (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Apenas para cumprimentar V. Exª, Senador Cristovam, pelo tema abordado que V. Exª traz nesta manhã. De fato, o Bolsa Família é importante para a população brasileira, ajudou muito na evolução do nosso País, mas nós temos que sonhar com um Brasil sem a necessidade de ter a Bolsa Família, como V. Exª muito bem colocou, só vamos conseguir isso através da educação, do ensino. No meu entendimento, também temos que ter a federalização do ensino, fazer com que as crianças de Rondônia, lá de Cabixi, de Ji-Paraná, de Porto Velho, de Candeias, tenham a mesma qualidade de ensino dos meninos que vão à escola aqui em Brasília, lá em São Paulo, em Curitiba, em Fortaleza; enfim, essa federalização é importante para que possamos nivelar a qualidade de ensino no nosso País e também nivelar o desenvolvimento das nossas crianças, dos nossos jovens. Entendo que esse é o caminho correto que temos. Muitos avanços conseguimos nos últimos anos, mas esse avanço, de fato, não estamos conseguindo, que é o avanço com relação à qualidade do ensino, para fazer com que a família tenha uma participação direta e muito forte na questão do ensino. Dá-me a impressão de que alguns familiares deixam a educação dos filhos somente a cargo do Estado, que isso é uma responsabilidade dos professores, das professoras, e não é isso. Nós temos que ter a família junto com os professores, junto com a sociedade, para educarmos e conduzirmos essas crianças e esses jovens para o futuro. Nós estamos numa grande expectativa das nossas eleições deste ano, que é exatamente as propostas que nós vamos ver dos nossos hoje pré-candidatos e, depois, candidatos à Presidência da República. Quem quer estar na Presidência tem que ter propostas claras com relação ao Bolsa Família, com relação ao investimento no ensino público brasileiro. V. Exª coloca a questão dos aeroportos. É claro que não é uma prioridade número um do nosso País hoje, mas é uma necessidade. Em Ji-Paraná, por exemplo, o nosso aeroporto tem deficiências, não na pista, pois já houve uma obra que resolveu a questão da pista do aeroporto, mas na estação de passageiros, que deixa muito a desejar. A Presidenta Dilma, no passado, lançou um pacote de obras para os aeroportos regionais do Brasil. Juntamente com a SAC e o Banco do Brasil, estão fazendo um trabalho para a licitação. Infelizmente, nós tivemos uma paralisação no processo licitatório porque um ministro do TCU pediu para que não fossem feitos através do RDC os aeroportos regionais. Ora, a licitação dos grandes aeroportos foi feita através do RDC. Por que os aeroportos regionais não podem ser feitos através do RDC? Qual a diferença? É uma discriminação? Eu fico me perguntando sobre a ética na política, sobre a ética dos candidatos à Presidência da República, que eles têm que ter como ponto de partida das suas campanhas. E aí eu vejo a mãe de um candidato paralisando algumas obras do Brasil. Será por interesse político? É uma pergunta que faço e que deixo aqui para reflexão. Não seria mais ético se dar por impedida neste momento de uma campanha em que seu filho é candidato, para que não venha a atrapalhar o desenvolvimento do País? No meu entendimento, esta é uma questão que deva ser debatida e, com certeza, vai estar na pauta dos candidatos, porque nós precisamos do TCU, evidentemente, atendente e firme, mas nós não podemos fazer com que a politicagem - porque isso não seria política - possa atrapalhar obras importantes para o nosso País. Ou seja, o Aeroporto de Ji-Paraná vai retardar a sua obra, o processo licitatório, pelo entendimento de um Ministro do Tribunal de Contas da União que não quer que se faça através do Regime Diferenciado de Contratação. Então, é dos problemas que nós temos. Esperamos que o debate com relação à disputa presidencial seja de fato de alto nível e não seja apenas como nós estamos vendo hoje: candidatos atacando o Governo, mostrando os seus defeitos e não apontando as soluções, principalmente com relação à educação dos meninos brasileiros. Meus cumprimentos Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador. E quero reafirmar a sua posição de que a educação é mais do que a escola. A educação é a escola, é a mídia, são os amigos, é a rua e são as famílias, sobretudo as famílias.

            Por isso o meu projeto de que para receber o Bolsa Família os pais devem uma vez por ano, pelo menos, na escola do filho, ver como está o filho, conversar com os professores. Uma obrigação, uma obrigação mesmo. Tem gente que diz que não se deve colocar obrigação, que é antidemocrático haver obrigação. Eu que é democrático pagar imposto - que é uma obrigação - e outras obrigações.

            Então, eu fico satisfeito com isso e passo a palavra à Senadora Ana Amélia.

            A Srª. Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - Caro mestre Cristovam Buarque, nosso colega, se alguém aqui nesta Casa tem autoridade moral e coerência para tratar de Bolsa Família é V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado.

            A Srª. Ana Amélia (Bloco Maioria/PP - RS) - Eu, como jornalista, acompanhava aqui em Brasília. V. Exª foi Governador e, como tal, introduziu essa prática com essa relação de condicionante para ter acesso ao benefício, é um benefício social o Bolsa Família, na época, o Bolsa Escola, que era o mais adequado, Bolsa Escola. E percebíamos os avanços que isso produzia. Quando o senhor diz que é necessário que o pai ou a mãe vá pelo menos uma vez por mês à escola para acompanhar o filho, é uma coisa absolutamente lógica e coerente, porque não se pode transferir só para os professores, para a diretora da escola, para os servidores, para o Conselho de Educação ou para o Ministério Público a responsabilidade de saber se a criança está indo à escola, ou está gazeando a aula, especialmente nas nossas periferias. Então, esse envolvimento tem um compromisso sério com a educação, com o acompanhamento e o comprometimento de quem mais interessa: o pai, a mãe ou um familiar. Então, nós criamos uma lei que proíbe a palmada, ou seja, uma intromissão dentro de casa pelo Estado. Ninguém quer a violência contra a criança, não, mas você vê uma contradição: você cria uma lei que proíbe um ato que diz respeito aos pais, que é dentro de casa, e não quer que os pais vão acompanhar, uma vez por mês, o filho na escola. Para mim, é uma contradição enorme, Senador Cristovam. V. Exª, visceralmente atento à questão da educação, entende melhor do que eu até essas questões. Eu fico muito feliz de ver a sua autoridade para discutir e fazer essas observações críticas, construtivas todas. V. Exª não quer, de nenhum modo... Tudo o que o senhor disse eu assino embaixo a respeito do Bolsa Família, tudo o que o senhor disse eu assino embaixo. Eu vou lhe dizer até o seguinte: quando esse tema começou, e foi uma longa discussão na Comissão de Assuntos Sociais, da qual eu faço parte, eu até cheguei a dizer, Senador Cristovam, que se você quer fazer um aumento da distribuição da renda com os mais pobres, um caminho seria ter como condição não apenas o filho na escola, mas a Carteira de Trabalho assinada. Na Bíblia, está escrito que a gente tem que ter o pão com o suor do rosto: é o trabalho e a educação. Então, não haveria nenhum problema se distribuísse o Bolsa Família com a condição de a pessoa ter uma Carteira de Trabalho, que, com a identidade e o título de eleitor, para mim, são os mais importantes documentos da cidadania, os mais importantes documentos da cidadania. Então, distribua o Bolsa Família e, para determinado nível de um salário mínimo, mantenha isso ao tempo necessário para a pessoa deixar o programa e dizer: “Agora eu tenho o meu curso médio completo, ou o meu curso técnico completo, ou o meu Pronatec completo, e eu agora não preciso mais dessa ajuda da sociedade.” Isso não é um benefício do Governo, é a sociedade que paga. O Governo não gera receita, a receita somos nós. Então, Senador Cristovam, eu fico muito feliz quando V. Exª, de maneira absolutamente serena, equilibrada, tecnicamente perfeita, socialmente justa e politicamente muito correta, aborda esse tema. O que nós discutimos na CAS foi apenas e tão somente - e o meu voto favorável - um projeto de um candidato, sim, do candidato Aécio Neves, que quer o quê? Transformar esse programa que todos defendem num programa de Estado. Como um programa de Estado, ninguém poderá mexer nele, a não ser para aperfeiçoar. E nem isto estavam desejando que fosse feito: aperfeiçoar. Uma lei é boa até que provemos que ela precisa de um aperfeiçoamento, de uma modificação, que é exatamente o que V. Exª está fazendo. Foi uma discussão muito rica. Felizmente, conseguiu-se aprovar. Suspeito que, na Comissão de Direitos Humanos, em caráter terminativo, será difícil manter esse resultado, mas eu acho que, ali, naquele momento, a sociedade pôde ver um compromisso nosso, das pessoas de bem, como V. Exª tão bem reflete, de fazer a boa política. Nós ali conseguimos votar para que haja, no caso do Bolsa Família, isso como uma política de Estado, que não pode ser mais mudada por quem quer que seja, nem pela oposição, nem pelo Governo, nem nada. É pena que não se saiba entender a lógica desse programa. Parabéns ao senhor - o senhor me representa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senadora.

            Eu quero encerrar dizendo, Senador Mozarildo, que a Senadora, além de me deixar muito contente com os três adjetivos que usou - politicamente correto, socialmente justo e tecnicamente robusto, digamos assim -, trouxe um ponto importante: manter isso como política de Estado é fundamental, primeiro, para que um governo futuro não acabe e também para que um governo atual não diga que o outro vai acabar, comportando-se eleitoreiramente, ameaçando que o outro vai acabar. Nada assegura mais que o outro não vai acabar que virar política de Estado, até porque, com a crise que vem aí, com o aumento da inflação, com os gastos públicos fora de controle, até o governo que criou pode acabar com o Bolsa Família, porque há duas maneiras de acabar com o Bolsa Família: uma é acabar e a outra é deixar que a inflação corroa. Mantendo o valor fixo, a inflação a 6% ou 7% ao ano, em três anos, já come quase 40%. Essa é uma maneira de acabar disfarçadamente, e precisamos impedir que aconteça. Mas o que a gente precisa mesmo, mesmo, mesmo impedir que aconteça é, daqui a vinte, trinta anos, o Brasil ainda precisar do instrumento do Bolsa Família.

            Nós não seremos perdoados historicamente, se não formos capazes de tomar as medidas, as decisões certas para que o Brasil faça com que ninguém precise de ajuda, do jeito que a gente não quer que ninguém precise ser apoiado nas inundações. Isso é provisório. A gente não quer que ninguém precise ser apoiado pelo estado de pobreza do qual a gente quer que todos saiam, salvo uma ou outra exceção que sempre vai haver, por razões até de saúde. Fora isso, a gente tem de ter uma sociedade tão justa e que todos tenham condições de sobreviver.

            É isso, Sr. Presidente, que eu tinha para colocar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2014 - Página 144