Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento de Ignácio Rangel e Rômulo Almeida.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento de Ignácio Rangel e Rômulo Almeida.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2014 - Página 28
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, IGNACIO RANGEL, ROMULO ALMEIDA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, REFERENCIA, ATUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, GESTÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REGIÃO NORDESTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Uma pequena correção, Senadora: de Olinda.

            Eu quero cumprimentar a cada um dos presentes, começando pelo Senador Inácio, que não está, neste momento, fisicamente, mas está aqui como autor, junto à Lídice da Mata, desta audiência. Eu parabenizo os dois pela iniciativa. Mais do que justo e correto, é importante estarmos aqui reunindo essas duas figuras que, certamente, gostariam de saber que estão sendo homenageados juntamente, pelo centenário de cada um deles.

            Cumprimento o Nelson Antônio de Souza, presidente interino do Banco do Nordeste; o sobrinho-neto do homenageado, Luís Eduardo Rangel; o irmão do Rômulo Almeida, Aristeu Almeida.

            Cumprimento o Marcos Otaviano Robalinho de Barros, meu conterrâneo, que aqui representa o Ministério da Integração Nacional; e essa figura formidável que é a Srª Helena Maria Martins Lastres, cuja fala aqui foi muito importante.

            Eu creio que, com todo o respeito às outras regiões, é surpreendente o papel do Nordeste na reflexão sobre o Brasil. Esses dois já foram fundamentais, mas, ao lado deles, a gente ainda poderia colocar um da mesma geração que é Celso Furtado. Esses três foram fundamentais na reflexão sobre o Brasil naqueles anos tão importantes, dos anos 50, 60.

            Mas, um pouquinho mais velhos que eles, eu colocaria três: Manoel Bomfim, Gilberto Freyre e Josué de Castro; todos nordestinos. Um maranhense, um baiano, um que é disputado entre a Paraíba e Pernambuco, que é o Celso Furtado - nasceu lá, mas viveu cá; o Gilberto Freyre também pernambucano; Josué de Castro também pernambucano. Esses são os homens que interpretaram o Brasil. Mas eles interpretaram o Brasil, deixando alguns desafios para nós.

            Eles foram os pensadores do desenvolvimento brasileiro, do rumo do Brasil. E eles estudaram duas coisas: os entraves ao atraso e à igualdade e a estratégia para superar esses dois problemas. É isso que resume. Eles analisaram quais eram os entraves que faziam do Brasil um país atrasado em relação ao que, naquela época, chamavam-se os países metropolitanos, deixando-nos na periferia. E, depois, como é que, aqui dentro, nós éramos tão desiguais ao ponto de termos quase que castas sociais diferentes, e, ao tempo deles ainda, isso diminuiu regionalmente.

            Eu insisto em que hoje a nossa desigualdade é mais social. Nós fomos conseguindo, de certa maneira, que alguns Estados do Nordeste, uns mais do que outros, dessem um avanço; mas não conseguimos que os pobres avançassem como nós gostaríamos, nem no Nordeste, nem no Sul, onde hoje está concentrada uma população grande de pobres.

            Não quero citar aqui o que eles fizeram - foi dito, foi falado. Eu queria pensar um pouco, junto com vocês, o que eles diriam hoje.

            A primeira coisa é que nós continuamos com os mesmos entraves. O entrave do investimento baixo, poupança baixa: foi divulgado, essa semana, 14% de poupança. Isso é irrisório para um País dar um salto. Mesmo colocando investimento estrangeiro, chega a 17%; é irrisório, insuficiente, sobretudo quando a gente sabe que, desses 17% do PIB, ou melhor, os 3% que vêm de fora, uma parte não gera impacto produtivo, é especulação; ajuda na balança de pagamentos, mas não ajuda na construção de um PIB novo, maior nem melhor.

            Eu acho que eles pensavam também - e aí é o papel fundamental deles -, além do baixo investimento, a falta de infraestrutura que tínhamos. E hoje a gente continua com os problemas do que hoje se chama de logística. Na agricultura, sobretudo, todo mundo diz que, da porteira para dentro, vai bem; da porteira para fora, vai mal. Se nós continuarmos precisando levar adiante as análises deles, que se mantêm ainda hoje atuais, e as estratégias dele, que se mantêm até hoje atuais. E o nosso caminho, como naquela época, é o BNB, o BNDES - eles defenderam e inventaram os incentivos fiscais; as entidades como o DNER, como Sudene, tudo isso continua fundamental.

            Mas há uma coisa que eu quero colocar aqui, meu querido Inácio, que acho que, naquela época, não se dava tão forte nem presente: o papel da ciência e da tecnologia, e, na base da ciência e da tecnologia, o papel da educação. Em todos os documentos, mesmo do Nordeste, do BNB daquela época, aparecia a educação, mas como algo secundário, auxiliar, não como elemento fundamental, não como vetor central do progresso. Talvez, naquela época, ainda não se justificasse tanto, mas hoje é a ciência e tecnologia que defendem o progresso.

            O progresso não está mais em produzir mais; está em produzir coisas novas, que geram a própria demanda, que não precisam depender de que haja novos consumidores entrando no mercado, mesmo como os consumidores de carne, de soja na China, mas pessoas que, mesmo já tendo um produto, querem um novo, porque foi inventado um melhor. A competitividade hoje não está apenas em produzir mais do mesmo, mas em produzir, cada dia, algo novo. E nós estamos atrasados nisso. E nós estamos atrasados porque é um País que não cria, não produz inteligência. Nós exportamos minério de ferro e importamos computador; nós exportamos matéria e importamos conhecimento. Aí não vai haver futuro.

            Além disso, o que não se imaginava então era que a desigualdade vinha da desigualdade de como a educação é ofertada às pessoas. Naquela época, a desigualdade vinha do salário, que vinha do baixo investimento, que criava baixo emprego. Se a gente investisse, criava emprego. Se tivesse emprego, o salário subiria. Não acontece mais isso, até porque não há tanto emprego nos setores modernos como antigamente. E, para ter emprego nos setores modernos, é preciso educação.

            Eu creio que essa seria a contribuição que a gente poderia dar a Ignácio Rangel, a Rômulo de Almeida, a Celso Furtado: é mostrar a importância hoje da ciência e da tecnologia, e, para elas, a importância da educação de base na estratégia de longo prazo do desenvolvimento brasileiro na superação do atraso. Esse foi o ponto um.

            E, no ponto dois, ainda mais. O que vai quebrar a desigualdade social neste País é a distribuição igual da educação. Não tem outro jeito! A gente pode até fazer o Nordeste crescer, mas as classes continuarão desiguais se a educação não for distribuída igualmente para todos. Nós podemos até aumentar a nossa participação no PIB nacional em comparação ao Sul, mas a desigualdade vai continuar socialmente se a educação não for distribuída igualmente para pobres e ricos.

            E aí eu creio que - insisto, não vou dizer que eles defenderiam isso; eu posso estar errado, e eles não erravam, eles eram gênios - isso só vem pela federalização da educação de base. Não tem como, meu caro Presidente, fazer com que Município pobre tenha escola boa. Não tem como, salvo uma, duas, três. Mas nenhum Município, nem o rico, é capaz de ter todas as suas escolas boas. Pagar R$9 mil ao professor, por exemplo. Nenhuma! Nenhuma! Está aí São Paulo, sofrendo com a greve, e não é porque o prefeito de lá não queira dar aumento; é que não tem como.

            As greves que pipocam hoje pelo Brasil afora de professores são para 10% de aumento. Ninguém vai ter boa educação dando 10% de aumento a professor; tem que ser 300%, 400%, 500%, e nenhum Município é capaz de fazer isso; só um esforço nacional, só um programa nacional. Eu não digo através da intervenção do Governo Federal nos Municípios, mas da adoção das escolas nos Municípios que assim o desejarem.

            Helena Maria, eu gostaria de ver aqui o prefeito chegar e dizer: “Presidente, eu não tenho condições de dar a escola que minhas crianças merecem, porque eu não tenho dinheiro. Por favor, adote as escolas da minha cidade”. E eu gostaria de ver um presidente dizendo: “Eu vou adotar as escolas das cidades cujos prefeitos pedirem, no ritmo que eu determinar.” Isso porque, se chegarem todas, não há como adotar. Não é por falta de dinheiro. É por falta de professor preparado.

            Então, eu creio que a reflexão que a gente pode fazer hoje é sobre a ampliação, o aumento do papel da ciência e da tecnologia na estratégia do que eles queriam fazer de nós: um País adiantado e um País sem desigualdade.

            Ontem havia uma matéria, em um dos jornais, sobre como um programa tão magnífico como o Pronatec está sofrendo por causa do abandono dos alunos. Eles abandonam porque não tiveram o ensino fundamental que lhes permitisse fazer um curso técnico de nível médio. Eles não aprenderam o que é regra de três. Não dá para ensinar nada técnico sem se saber o que é regra de três.

            Então, a gente faz coisas boas e fracassa por falta da base. As universidades têm uma maravilha chamada Prouni, e o Reuni para as federais. Mas está pecando porque os alunos que entram tiveram ensino ruim. Veja que 50% dos alunos de Engenharia estão abandonando os cursos. Não é mais por falta de dinheiro, porque o Prouni resolveu a falta de dinheiro das particulares, e o Reuni aumentou o número de vagas nas federais. Mas eles não conseguem acompanhar os cursos. E olhe que está caindo, vai cair a qualificação dos nossos engenheiros, porque hoje, nos primeiros dois anos, uma parte substancial do tempo dos professores é para ensinar aos alunos o que eles não aprenderam no ensino médio. Lá, na minha escola de Engenharia, que você conhece tão bem, eu entrei lá já sabendo cálculo, aprendido no ensino médio. Hoje eles não sabem álgebra direito.

            Então, é a base da educação no ensino fundamental que vai fazer com que nós possamos cumprir as metas, as estratégias e os sonhos que tinham aqueles dois grandes homens que nós estamos hoje homenageando.

            Eu acho muito bom relembrá-los, é fundamental. A História vive de lembrar a história dos movimentos, dos atos e das personalidades. Então, é importante. Mas mais importante ainda é nós pensarmos: hoje o que a gente faria, hoje o que eles diriam se estivessem aqui.

            Finalmente, para concluir, foi a Helena que falou em colonialismo. Todos esses tinham uma visão de colonialismo e de que a gente tinha que superá-lo. Para eles, sair do colonialismo era a industrialização. Eu creio que, hoje, sair do colonialismo é não sermos importadores de conhecimento, é sermos produtores de conhecimento, porque esta é a grande forma do colonialismo: manter-nos importando conhecimento e exportando minerais, produtos agrícolas ou até algumas indústrias dos anos 50, como a indústria automobilística.

            Vejam que o nosso grande setor, a Embraer, é o quê? Produto de uma escola de Engenharia que foi criada na época deles e por outro nordestino, cearense, o Montenegro, que foi o criador do ITA.

            Então, hoje o colonialismo está na desigualdade como se distribui o conhecimento no mundo.

            Vamos dizer que Ignácio Rangel e Rômulo de Almeida estão vivos em nós, e que nós estamos procurando seguir o que eles iniciaram, fazendo aquilo que é adaptado para este momento: uma revolução educacional no Brasil.

            É isso que eu tinha para dizer. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2014 - Página 28