Discurso durante a 92ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas aos presidenciáveis pela falta de propostas concretas que possam mudar a realidade do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Críticas aos presidenciáveis pela falta de propostas concretas que possam mudar a realidade do País.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2014 - Página 229
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, CANDIDATO, ELEIÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, FALTA, PROPOSTA, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, COMENTARIO, AUSENCIA, DEBATE, SOLUÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL, POLITICA SOCIAL, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, OBJETIVO, INVESTIMENTO, AREA PRIORITARIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje, o Partido ao qual eu pertenço, o PDT, manifestou o apoio à candidatura da Presidente Dilma Rousseff. Hoje, aqui, o PMDB está demonstrando apoio à Presidente Dilma Rousseff.

            O Senador Aécio já está em campanha; Eduardo Campos já está em campanha. E eu me pergunto quais são as propostas dos candidatos, o que eles trazem de novo para o Brasil, que anseia por algo novo, por um rumo diferente.

            O Governo atual, a Presidente Dilma, pode-se dizer, é continuar o mesmo. Mas vamos analisar a situação hoje para ver se continuar o mesmo satisfaz.

            Olhemos ao redor e o que nós vemos: cidades falidas. As cidades faliram no Brasil. Elas faliram no transporte; elas faliram na segurança; elas faliram na pobreza generalizada. No caso de São Paulo, faliu até na água, que não está chegando. As cidades se transformaram de metrópoles em monstrópoles.

            Quais são as propostas dos candidatos - e eu vejo aqui o Deputado Mário Heringer - para as cidades brasileiras? Olhemos ao redor.

            A inflação está aí. A inflação só não estourou ainda - e tudo indica que, até o final do ano, vai estourar a meta de 6% - por causa da repressão aos preços do combustível e das tarifas elétricas. E isso não segura muito tempo. Essa é uma panela que vai ter de ser aberta em algumas semanas ou meses mais. E aí a inflação vem.

            Quais são as propostas dos candidatos para que este País não tenha inflação, quando a gente sabe que este é um País de altos gastos públicos, como proporção do PIB e da receita, quando nós sabemos que 70% da nossa receita hoje, federal, é comprometida com programas de transferências de renda que não podem parar por razões sociais? Veja o chamado imbróglio. Se continuamos com esses programas, a inflação estoura. Se nós pararmos com esses programas, a crise social estoura.

            Olhemos ao redor, a saúde. Quais são as propostas dos presidenciáveis para resolver a questão da saúde no Brasil?

            Aproveito até para dizer - é pura coincidência -, mas o Deputado Mário Heringer (PDT/MG), uma vez, me mostrou uma proposta que ele tem e que, de fato, mudaria as coisas. Nem vou aqui, de público, apoiar a sua proposta, Deputado, mas é novedosa, traz algo novo.

            Qual é a proposta nova dos candidatos a Presidente para que o eleitor vote sabendo que ele vai cuidar bem da saúde?

            E, para a educação, qual é a proposta nova? Eu não vou dizer que tem que ser a federalização, como eu defendo. É nova a federalização - pode não ser boa até. Mas qual é a deles? Qual é a deles? O que eles estão propondo?

            A Dilma está propondo aumentar, pouco a pouco, o número de escolas em horário integral. Eu pessoalmente acho que nem são escolas de horário integral, porque fingem o horário integral. Mas qual é a proposta dos outros candidatos?

            E a segurança? Qual é a proposta dos candidatos a Presidente para que o Brasil saia da guerra civil em que nós estamos, onde tráfico, de um lado, e desesperados, de outro, se juntam, e cria-se uma tolerância absoluta, uma convivência que não posso chamar de tranquila, porque seria absurda a expressão, mas uma convivência natural com a violência? Pais matando filhos, pessoas que não podem passear nas ruas sem ser assaltadas, muita gente que não sai mais para um restaurante. Os restaurantes estão se especializando em mandar a comida para as casas, porque os clientes não querem sair com medo de arrastão, como aconteceu ontem um grande. Cadê a proposta dos presidenciáveis para a questão da segurança no Brasil? Não estamos vendo.

            Tomemos a corrupção. Está aí a corrupção, que é generalizada, é espalhada, é cínica hoje. Hoje, as pessoas se corrompem preocupadas apenas com que não saibam e não que é uma coisa errada. Deixou de ser pecado. Apenas deve ser escondida. Cadê a proposta? O que eles vão fazer para que este País aja honestamente?

            E eu vou colocar mais um desses pontos com que, quando a gente olha ao redor, se perturba: o crescimento econômico. Qual é a proposta para duas coisas: retomar o crescimento e mudar o retrato do crescimento? Retomar o crescimento do PIB e mudar o perfil do PIB, de um PIB velho, baseado na agricultura e na produção industrial dos anos 50, 70, para uma economia baseada no conhecimento. O que eles propõem para que a produção aumente e para que o Brasil deixe de ser exportador de terra e importador de chips, de conhecimento?

            Qual é a proposta dos presidenciáveis? A gente não vê. E, por trás disso, há algo mais profundo: é que o modelo social e econômico que nós temos no Brasil, o modelo baseado em quatro pilares nos últimos 20 anos, este modelo entrou em crise, os pilares estão enferrujados.

            O primeiro pilar é a democracia. A democracia que está aí se esgotou, e o povo está na rua mostrando que não está satisfeito, quando pede uma reforma política radical. O pedido de reforma política radical, Senador, pelo povo é prova de que a democracia que está aí não atende mais aquilo para o que foi feita. Ela não cria mais a relação boa do eleito com o eleitor, não ouve o eleitor. Ela tem um sistema de financiamento de campanha que é vergonhoso e que, antes de começar a campanha, já se sabe, às vezes, quem vai ganhar por causa da quantidade de dinheiro que tem a sua disposição, e dinheiro, muitas vezes, ganho pela corrupção, que é outro problema do pilar da democracia.

            A democracia brasileira envelheceu, caducou, esgotou-se. E, como nenhum de nós quer um regime autoritário, é preciso mudar a maneira como a gente faz democracia. É preciso fazer essa reforma política radical, para que o Pais se sintonize com os novos tempos, e a democracia volte a ser um pilar forte do nosso modelo social e econômico. Qual é a proposta dos candidatos para retomar e fortalecer esse pilar? Nenhuma. Talvez nem estejam entendendo isso do pilar do modelo.

            O segundo pilar positivo é a transferência de renda para os mais pobres. Imagine, no Brasil, se a gente não tivesse, desde 1995, em algumas cidades, depois, desde 2001, no Brasil, com quatro milhões de famílias, e, hoje, com 13 milhões de famílias, graças ao Governo Lula e Dilma. Como seria o Brasil sem esses 52 milhões de pessoas que recebem a Bolsa Família? Olhe ao redor e pense em como seria isso. Veja a seca lá, no Nordeste, onde acompanhei tantas secas quando menino. Não houve fome, porque a Bolsa Família levava o dinheiro, e a comida ia de onde houvesse. Não tinha comida lá, mas a comida chegava.

            Mas essa transferência de renda está-se esgotando, ela não consegue continuar. Ela custa, não só a Bolsa Família, mas também a previdência de quem não contribuiu. Todos os programas, hoje, custam 70% da receita. Não tem como manter isso por muito tempo, até porque ele cresce de tal maneira que se esgota.

            Mas não é só isso. As transferências de renda se esgotaram com o pilar de um modelo, porque é temporária a transferência de renda, não pode ser permanente. E aí eu pergunto: qual é o candidato que está trazendo uma proposta - veja bem, Senador - de transformar os que recebem transferência de renda em geradores de renda? Esse é o desafio. Aqueles que recebem renda têm que ser transformados em geradores de renda.

            Quem é que está propondo isso entre os candidatos? Uns dizem que vão manter, outros acusam o candidato de que ele vai desfazer o Bolsa Família, alguns dizem que vão aumentar o número. Mas quem é que diz como transformar os beneficiários da Bolsa Família em geradores de renda? A gente não vê.

            O terceiro pilar é o pilar da estabilidade monetária. Esse está em crise também, esse está enferrujado pelos gastos públicos, pela desarticulação do sistema de infraestrutura logístico, que força o aumento de preços, pelo fato de que é óbvio que há inflação no País: o tomate anda 2 mil quilômetros entre o produtor e o consumidor; o arroz sai do Rio Grande do Sul, vai para São Paulo, na Ceasa, e volta para o Paraná, ou vai do Rio Grande do Sul para o Pará. Não há como não haver inflação, quando isso acontece, ainda mais quando a infraestrutura é deficiente. E a gente vê as filas de ônibus, filas de caminhões. Cadê a proposta para consertar o pilar da estabilidade de preços, que é o terceiro pilar?

            E o quarto, retomo, é o pilar do crescimento econômico, mas um crescimento econômico diferente, um crescimento econômico que produza os bens compatíveis com a contemporaneidade, com o moderno, com o hoje; que produza aquilo, Senador Alvaro Dias, que temos que importar, porque não se produz aqui, porque a gente não cria. Um remédio que cada pessoa toma no Brasil - estou falando diante de um médico, talvez ele me corrija - tem o componente científico que vem de fora. Pode até haver o nome na caixa de um laboratório brasileiro, mas foi a mão de obra que fez a pílula. A fórmula da pílula vem de fora, não criamos neste País.

            Nós somos um dos maiores produtores de automóveis do mundo, mas não há nenhum automóvel criado no Brasil.

            Na verdade, não há nada de moderno criado no Brasil. Nós fabricamos computadores, mas os chips são importados. Nós apenas montamos, como se estivéssemos ainda nos anos 1970, só que, ao invés de montar bicicleta, a gente monta laptop. E a gente não vê proposta dos candidatos.

            Eu hoje estive na convenção do PDT e fiz minha fala, dizendo que já não era hora de se discutir 2014 ali. Ali já estava decidido. O PDT já decidiu isso desde que assumiu um ministério. O que eu queria discutir é 2015, 2016, 2017, 2018. Eu queria discutir o futuro, e o futuro não pode ser continuar no mesmo. Não pode ser continuar no mesmo, no sentido de achar que as coisas já estão bem.

            Estou totalmente de acordo quando alguém diz: "Mas já foi pior." Já foi pior, mas não está bem. Algo tem que ser feito. O povo está na rua, o povo está manifestando-se.

            E há gente aqui que se acomodou, porque não vê mais cem mil pessoas. A manifestação de cem mil foi substituída por mil de cem pessoas. E mil manifestações pequenininhas, de cem, cinquenta, duzentas pessoas, é uma manifestação mais forte do que uma só de cem mil. A de cem mil vai e volta; as mil de cem ficam sempre por aí, pululando nas esquinas, nas estradas, na frente dos aeroportos, inviabilizando o funcionamento social, porque o pacto social quebrou, porque os pilares do pacto social, aqueles quatro pilares de que eu falei - a democracia, a estabilidade monetária, o crescimento econômico e as transferências de renda -, quatro pilares do pacto social brasileiro dos últimos vinte anos estão se esgotando. Não se esgotaram totalmente, mas estão se esgotando, estão enferrujando, estão carcomidos.

            E eleição é para mudar. Nós precisamos mudar. Eu nem vou fazer aqui propaganda de mudar pessoas que estejam no poder, mas de mudar a postura, o projeto, o programa de quem estiver no poder a partir de 1º de janeiro do próximo ano.

            Eu estou temeroso, hoje, do futuro, pela falta de discursos propositivos transformadores. Não vou dizer revolucionário porque chocaria muita gente. Transformadores, de não ficar apenas em manter o que está aí; em transformar a sociedade, como essa ideia de transformar os que recebem transferência de renda em geradores de renda.

            Eu concluo, até para não pensarem que deixei de lado meu tema, dizendo que, para mim, o que mais sinto falta até aqui nos discursos dos candidatos é sua proposta de fazer a grande transformação que só seria possível garantindo educação da máxima qualidade no Brasil, equivalente às melhores do mundo, e todo mundo em escolas equivalentes: pobres e ricos; trabalhadores e patrões em escolas equivalentes. Nós, eleitos, com nossos filhos em escolas dos eleitores.

            Esse seria o caminho, mas ainda temos alguns meses até a eleição. Eu espero que, até lá, seja possível contar com alternativa que nos gere esperança, para que possamos votar, não por exclusão dos que consideramos piores, mas por entusiasmo naquele ou naquela que considerarmos o melhor ou a melhor.

            É isso, Presidente, que tinha para colocar, agradecendo muito sua Presidência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2014 - Página 229