Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questão fundiária no Estado de Mato Grosso. Críticas à postura do governo relacionada à Previdência e aos Deficientes Físicos. Importância da reforma da Previdência. Indagações acerca dos transgênicos. Despejo de duas mil famílias no município de Sinope/MT.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.:
  • Questão fundiária no Estado de Mato Grosso. Críticas à postura do governo relacionada à Previdência e aos Deficientes Físicos. Importância da reforma da Previdência. Indagações acerca dos transgênicos. Despejo de duas mil famílias no município de Sinope/MT.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2003 - Página 37264
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, SENADOR, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, DEFICIENTE FISICO, RECONHECIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA SOCIAL (MPS), ERRO, EXIGENCIA, PRESENÇA, IDOSO, RECADASTRAMENTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), IMPEDIMENTO, SUSPENSÃO, BENEFICIO PREVIDENCIARIO.
  • COMENTARIO, POLEMICA, LIBERAÇÃO, CULTIVO, SEMENTE, ALTERAÇÃO, GENETICA, QUESTIONAMENTO, POSSIBILIDADE, ATIVIDADE AGRICOLA, PREJUIZO, MEIO AMBIENTE, DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA.
  • CRITICA, GOVERNO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), REMESSA, POLICIA, AGILIZAÇÃO, RETIRADA, PARTICIPANTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, REGIÃO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, quero falar um pouco sobre a questão da terra no meu Estado de Mato Grosso e também questionar este problema tão sério que está sendo tratado no Brasil hoje, que são os transgênicos.

Mas, antes de iniciar o meu discurso propriamente dito, quero dar uma palavra muito rápida sobre os discursos que ouvi até agora - aliás, parte deles, pois, embora já tenha presidido a Mesa do Senado, precisei dar uma saída, portanto, não estava presente durante todos os discursos.

Eu diria que isto é a democracia: é o amplo debate, é defendermos e nos contrapormos às idéias e questões que estão postas e acontecendo.

Gostaria de tratar, ainda, de duas questões. Esta semana, o Senador José Agripino afirmou, desta tribuna, que valorizava o debate. Disse que nada valorizava mais - S. Exª, realmente, faz oposição ao nosso Governo - do que a busca da superação, detectado o erro.

Erros existem, nunca deixarão de existir; espero que sejam minimizados. Existem percalços, infelizmente, até porque governar o Brasil não é fácil, ainda mais na situação em que o encontramos. Em duas situações, existiram erros que não deveriam ter acontecido, mas que foram superados. Uma diz respeito aos idosos acima de 90 anos. Eles têm que ser respeitados, sim. É inadmissível, mas, infelizmente, aconteceu. O Ministro Ricardo Berzoini pediu desculpas e está buscando resolver o problema. A superação está sendo encontrada. A outra é a dos portadores de deficiência, que também não poderia ter ocorrido. Precisamos de recursos do Fundef para os portadores de deficiência. Ontem, na reunião da Comissão de Assuntos Sócias, à qual eu estava presente, foi aprovada emenda no valor de R$50 milhões, para suprir os recursos destinados ao atendimento dos portadores de deficiência no ano de 2004. É necessário que se reveja essa questão que ficou equivocadamente colocada na lei. Mas há a demonstração, clara, explícita, de que houve erro no momento do veto. Que o vácuo que ficou na lei seja, então, superado, com a destinação desse recurso. Temos certeza de que houve vontade e determinação do Governo para buscar a solução. O equívoco será revertido por meio da lei.

Abordo, mais uma vez, a questão da reforma da previdência, embora não seja esse o tema principal do meu discurso. Acredito que nenhum Parlamentar tenha dúvida sobre a necessidade dessa reforma. Não podemos mais conviver com marajás, em um Estado quase falido, com dificuldades gigantescas, em que 40% da população está fora da previdência, em situação de necessidade absoluta. Com a reforma, pretendemos incluí-los na previdência. Isso é necessário? Sim. É preciso dar o basta aos salários de marajás neste País, às aposentadorias de R$20 mil, R$30 mil, R$40 mil, R$50 mil.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª me permite um aparte, Senadora?

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Só um momento, Senador; já lhe concederei o aparte.

Tem de ser contemplada na reforma da previdência a questão dos inativos e do subteto. A paridade também precisa ser assegurada; é hoje um dos pontos mais importantes a ser inserido na Emenda nº 67. Não sei de que forma poderíamos inseri-la, talvez por subemenda supressiva. Faz-se uma supressão na Emenda nº 67, e depois se delineia como ficará a paridade daqui para frente.

Há, ainda, a questão dos portadores de deficiência. Enfim, várias questões podem ser colocadas na reforma e resolvidas das mais variadas formas. As regras de transição são outro aspecto extremamente importante. Acredito que o subteto será suprimido da Emenda nº 67, para posteriormente ser regulamentado de outra forma, a fim de que os Estados resolvam essa questão.

Eu deixaria aqui um apelo: se conseguirmos suprimir a paridade da Emenda nº 67, haverá possibilidade de um entendimento muito mais amplo. Ela é extremamente importante, porque vem ao encontro dos interesses dos inativos. É claro! Acima de determinado teto, alguns inativos terão que voltar a contribuir para a previdência, mas, se a paridade lhes for assegurada, eles serão, pela paridade, contemplados.

Antes de entrar no tema dos transgênicos, concedo o aparte ao Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senadora Serys Slhessarenko. Primeiramente, reconheço méritos na atuação de V. Exª, uma Senadora idealista, com vocação, que vem para esta Casa com a melhor das intenções, para representar o seu Estado de Mato Grosso. No entanto, gostaria de discordar, no que diz respeito à questão dos marajás. Foi o Presidente Lula que proclamou estar, com esse projeto da reforma da previdência, acabando com os marajás do País. Já tivemos outro Presidente que se elegeu combatendo marajás; o País conhece a sua história. É bom que o Presidente Lula não fale mais que o projeto de reforma da previdência que apresenta ao País tem por objetivo acabar com marajás, porque, na verdade, de 1,5 milhão de contracheques, apenas 300 dizem respeito a servidores aposentados que ganham mais do que o teto estabelecido no projeto enviado pelo Governo. Portanto, apenas 300 servidores públicos aposentados serão alcançados pelo projeto, no que diz respeito ao teto estabelecido pelo Presidente da República. Então, o objetivo dessa reforma não é acabar com marajás. Nenhum marajá do País será incomodado com esse projeto. Quem está sendo incomodado, sim, é o trabalhador mais modesto, o assalariado, aquele que mais necessita de aposentadoria, aquele que não conseguiu, ao longo da vida, reunir um patrimônio que lhe ofereça a possibilidade de vida digna ao final de sua existência. Este, sim, está sendo alcançado pelo projeto de reforma da Previdência, que nós vamos combater até o fim. O PSDB não concorda com a manchete que saiu em um jornal: “o PSDB dá uma forcinha ao Governo”. Essa manchete não é verdadeira. Nós vamos votar contra o projeto da previdência pelas irregularidades, pela inconstitucionalidade, pela insensibilidade social, pelos erros crassos que apresenta. Até sugiro ao meu Partido que reúna sua Bancada e delibere sobre o fechamento de questão, a fim de que possa oferecer ao País uma postura de rigor em relação a essa proposta.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Nobre Senador, eu gostaria de dizer que 300 marajás - não tenho esse número exato - é muito sim, mas tão importante quanto acabarmos com os marajás - essa não é a função primordial da reforma - é incluirmos na previdência 40 milhões de brasileiros que estão fora. Do meu ponto de vista, isso é o mais importante.

Temos um teto estabelecido para descontos de inativos. Que ele seja ampliado; gradativamente, seja mais e mais ampliado. Precisamos de proposituras desse tipo, mas essa é outra discussão que, com certeza, teremos na próxima semana ou nas seguintes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passarei, agora, a falar sobre a questão dos transgênicos. Mais perguntarei do que me posicionarei. É extremamente importante as perguntas que farei a fim de que façamos uma reflexão sem o ardor de sermos contra ou a favor, sem o impasse geralmente colocado.

Para aqueles que se aventuram a opinar no perigoso terreno da falta de consenso com relação à questão dos transgênicos, germinou a semente de uma dicotomia aparentemente simples.

Vou tentar expor aquilo que me parece uma leitura preocupada, de quem não tem todas as respostas, mas muitas perguntas.

“A decisão será científica e não ideológica”. Foi o que disse o Presidente Lula antes de o Governo assinar a medida provisória que autorizou a comercialização de uma safra geneticamente modificada, no primeiro semestre deste ano. Foi uma safra plantada ilegalmente. Mais tarde, o Governo editou a MP 133, que autorizou o plantio e a comercialização de mais uma safra de soja transgênica para aqueles que dispusessem de sementes geneticamente modificadas. E estamos discutindo, agora, uma lei que é exatamente a repercussão do fenômeno biotecnológico.

Enganam-se os que acreditam que não existe contrariedade científica sobre os transgênicos. Existem pesquisas, sérias, contrárias e favoráveis aos transgênicos. Mas estão enganados os que pensam que o princípio da precaução é apenas uma defesa ideológica. Não é.

Os defensores dos transgênicos esbanjam otimismo. Sobram razões científicas para a liberação, na voz dos que representam os grandes produtores de soja. As sementes transgênicas, repete-se, sem estudos conclusivos, reduzem o custo para a manutenção das lavouras. Demandam menos agrotóxicos nocivos ao meio ambiente. Aumentam a produtividade por hectare. E a agricultura, lembram sempre - é a salvação da lavoura quando o assunto é a balança comercial brasileira. Para completar, dizem eles, não existe prova de que os transgênicos ofereçam risco à saúde humana e animal.

A grande empresa do ramo também aprovou a MP e torce por uma lei que libere, definitivamente, o plantio de transgênicos. “A Monsanto espera que o Governo implemente em breve uma solução definitiva, aplicável e baseada em ciência.” Essa é uma das frases do breve comunicado oficial da gigante da biotecnologia. A Monsanto, portanto, é partidária do critério científico, hoje transformado em senha para todos os defensores dos organismos geneticamente modificados.

Incrivelmente, às opiniões divergentes, diante da anunciada decisão científica do Governo, parece ter restado a defesa ideológica, no sentido mais pejorativo e limitado.

Os contrários à liberação do plantio de transgênicos são bem conhecidos. Integram um grupo onde um misto de histeria anti Monsanto e especulações acerca de supostos riscos conferem a tal matiz ideológica. O MST está bem no meio dessa turma. O Greenpeace e outras entidades ambientalistas também estão envolvidas na luta.

Em uma análise limite, os contrários aos transgênicos dizem que os países em desenvolvimento ficarão reféns das sementes desenvolvidas por multinacionais. O custo de produção irá aumentar. São falsos os ganhos de produtividade a longo prazo, dizem eles.

Especulam ainda acerca de danos à saúde e reações alérgicas. Falam da impossibilidade de controlar a polinização para lavouras convencionais. Falam, principalmente, do meio ambiente e da proteção à biodiversidade.

Existe, até o presente momento, absoluta ausência de estudos de impacto ambiental no Brasil sobre o assunto.

Alguém pode acreditar que a lei ambiental foi feita não só a partir de critérios científicos, mas também ideológicos? A precaução que hoje temos, além da exigência de estudo de impacto ambiental, deve ser superada?

A resposta para essa pergunta, embora óbvia em teoria, não é fácil na prática. Os sojicultores, por intermédio de seus representantes de classe e de políticos da bancada ruralista, avisaram que iriam partir para a desobediência civil se não houvesse a liberação este ano. Os esforços para tentar demovê-los foram muito menores do que o alarde desse aviso. 

Aliás, de nada adiantou a proibição que vigorava antes. Os sojicultores, sabidamente os gaúchos, já não observavam as regras. Contrabandeavam sementes da Argentina. Foi tanto contrabando que, nas palavras do Governador Germano Rigotto, não haveria semente convencional suficiente para a próxima safra de soja.

Contudo, o Ministério da Agricultura, quando liberou excepcionalmente a safra de soja transgênica colhida em 2003, afirmava que haveria sementes convencionais para o próximo plantio. Gostaria de saber se o Ministério da Agricultura errou nos cálculos ou se isso realmente existe.

A MP do Governo Lula evidencia receios de quem não está tão seguro assim do assunto. Não foram só as idas e vindas do Vice-Presidente José Alencar que, brilhantemente, assumiu desconhecer a complexidade do tema. Um trecho da medida ressalta que os produtores terão que assinar um termo de compromisso. O agricultor se responsabiliza pelo plantio e informa o governo que vai utilizar a semente de soja transgênica. Será responsável pelo pagamento de royalties, obviamente, mas também por prejuízos causados ao meio ambiente ou a plantações de terceiros.

Sr. Presidente, o nosso discurso é longo e, infelizmente, o nosso tempo, escasso. Portanto, peço a V. Exª o seu registro nos Anais da Casa, em sua totalidade.

Sr. Presidente, as dúvidas são inúmeras. O riscos, maiores ainda. Precisamos, sim, discutir essa questão com seriedade, com profundidade e responsabilidade necessária.

Não podemos admitir o plantio de sementes modificadas para, daqui a algum tempo, estarmos à mercê de riscos, por vezes, insuperáveis. É preciso, sim, o esforço científico de todos aqueles que inclusive já estão usando as sementes modificadas. Há a necessidade de um esforço do empresariado e do Governo brasileiro, diria até de todos os governos do planeta, porque, do contrário, não teremos segurança científica para apoiarmos tal medida.

Sr. Presidente, enquanto não tivermos segurança científica, faz-se necessário que haja um controle rígido, que realmente tenhamos os cuidados devidos para não nos arrependermos mais tarde. Não podemos simplesmente liberar os transgênicos e termos as nossas vidas comprometidas de forma irremediável, sem a possibilidade de revertermos a situação.

Por isso é aconselhável, e o bom senso nos dita, que os investimentos sejam realizados com seriedade e com responsabilidade nessa pesquisa científica. E, somente quando tivermos resultados científicos comprovados, possamos, aí sim, tomar a decisão de liberação dos transgênicos. Do contrário, incorreremos em risco de alta periculosidade.

Sr. Presidente, deixo para um outro momento a continuidade de minha fala, que se restringiu a menos de um terço, infelizmente, pelo pouco tempo que me resta. Mas, ainda quero registrar, nesses 30 segundos, a questão do despejo ocorrido em Mato Grosso, anteontem, no Município de Sinope, um problema grave, que atingiu a mais de duas mil famílias.

Infelizmente, o nosso Governador, assim que foi expedida a liminar, determinou o encaminhamento da polícia para que se procedesse o despejo imediatamente.

Calma, Governador de Mato Grosso! Não vamos despejar sem-terra dessa forma. Precisamos acelerar a reforma agrária, mas precisamos dar um mínimo de apoio e de segurança a essas famílias tão abandonadas de sem-terra que estão espalhadas pelo Brasil afora, mas que, neste momento, estão no nosso Município de Sinope, perdidas, sem saber para onde vão. Duas mil famílias não é pouca gente.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª. SENADORA SERYS SLHESSARENKO

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A SRª SERYS SLHESSAENKO (Bloco/PT - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,a leitura acerca da polêmica dos transgênicos é para muitos, com honrosa exceção ao deputado federal Fernando Gabeira, uma incógnita.

É uma pena o governo não ter mais o Gabeira em sua base para qualificar a discussão. Para aqueles que se aventuram a opinar no perigoso terreno da falta de consenso, germinou a semente de uma dicotomia aparentemente simples.

Vou tentar aqui expor aquilo que me parece uma leitura preocupada, de quem não tem todas as respostas, mas muitas perguntas.

“A decisão será científica e não ideológica”. Foi o que disse o presidente Lula, antes de o governo assinar a medida provisória que autorizou a comercialização de uma safra geneticamente modificada, no primeiro semestre desse ano.

            Foi uma safra plantada ilegalmente. Mais tarde, o governo editou a MP 133, que autorizou o plantio e a comercialização de mais uma safra de soja transgênica para aqueles que dispusessem de sementes geneticamente modificadas E estamos discutindo, agora, uma lei que é exatamente a repercussão do fenômeno biotecnológico.

Enganam-se os que acreditam que não existe contrariedade científica sobre os transgênicos. Existem pesquisas sérias contrárias e favoráveis aos transgênicos Mas estão enganados os que pensam que o princípio da precaução é apenas uma defesa ideológica. Não é.

Os defensores dos transgênicos esbanjam otimismo. Sobram razões científicas para a liberação, na voz dos que representam os grandes produtores de soja. As sementes transgênicas, repete-se, sem estudos conclusivos, reduzem o custo para a manutenção das lavouras. Demandam menos agrotóxicos nocivos ao meio-ambiente. Aumentam a produtividade por hectare. E a agricultura, lembram sempre, é a salvação da lavoura quando o assunto é a balança comercial brasileira. Para completar, dizem eles, não existe prova de que os transgênicos oferecem riscos à saúde humana e animal.

A grande empresa do ramo também aprovou a MP e torce por uma lei que libere, definitivamente, o plantio de transgênicos. “A Monsanto espera que o governo implemente em breve uma solução definitiva, aplicável e baseada em ciência”.

Esta é uma das frases do breve comunicado oficial da gigante da biotecnologia. A Monsanto, portanto, também é partidária do critério científico, hoje transformado em senha para todos os defensores dos organismos geneticamente modificados.

Incrivelmente, às opiniões divergentes, diante da anunciada decisão científica do governo, parece ter restado a defesa ideológica, no seu sentido mais pejorativo e limitado.

Os contrários à liberação do plantio de transgênicos são bem conhecidos. Integram um grupo onde um misto de histeria anti-Monsanto e especulações acerca de supostos riscos conferem a tal matiz ideológica. O MST está bem no meio dessa turma. O Greenpeace e outras entidades ambientalistas também estão envolvidas na luta.

Em uma análise limite, os contrários aos transgênicos dizem que os países em desenvolvimento ficarão reféns das sementes desenvolvidas por multinacionais. O custo de produção irá aumentar. São falsos os ganhos de produtividade em longo prazo, dizem eles.

Especulam ainda acerca de danos à saúde e reações alérgicas. Falam da impossibilidade de controlar a polinização para lavouras convencionais. Falam, principalmente, do meio ambiente e da proteção à biodiversidade.

Existe, até o presente momento, absoluta ausência de estudos de impacto ambiental (EIA) no Brasil sobre o assunto. Alguém pode acreditar que a lei ambiental foi feita não só a partir de critérios científicos, mas também ideológicos? A precaução que hoje temos, através de exigência de estudo de impacto ambiental, deve ser superada?

A resposta para essa pergunta, senhor presidente, senhores e senhores senadores, embora óbvia em teoria, não é fácil na prática.

Os sojicultores, através de seus representantes de classe e de políticos da bancada ruralista, avisaram que iriam partir para a desobediência civil se não houvesse a liberação este ano.

Os esforços para tentar demovê-los foram muito menores que o alarde deste aviso.

Aliás, de nada adiantou a proibição que vigorava antes. Os sojicultores, sabidamente os gaúchos, já não observavam as regras. Contrabandeavam sementes da Argentina. Foi tanto contrabando que, nas palavras do governador Germano Rigotto, não haveria semente convencional suficiente para a próxima safra de soja.

Contudo, o Ministério da Agricultura, quando liberou-se excepcionalmente a safra de soja transgênica colhida em 2003, afirmava que haveria sementes convencionais para o próximo plantio. Gostaria de saber se o Ministério da Agricultura errou nos cálculos.

A MP do governo Lula evidencia receios de quem não está tão seguro assim do assunto. Não foram só as idas e vindas do vice-presidente José Alencar que, brilhantemente, assumiu desconhecer a complexidade do tema. Um trecho da medida ressalta que os produtores terão que assinar um termo de compromisso. O agricultor se responsabiliza pelo plantio e informa ao governo que vai utilizar a semente de soja transgênica. Será responsável pelo pagamento de royalties, obviamente, mas também por prejuízos causados ao meio ambiente ou a plantações de terceiros.

Isso quer dizer que o governo autoriza o plantio. Mas, se houver problema com a Justiça, a responsabilidade é exclusivamente de quem plantou? Como assim? Quem autorizou não tem responsabilidades com o meio ambiente e com terceiros?

Agora, estamos diante de uma regulamentação definitiva. Baseada em critérios científicos, decerto, conforme disse o presidente Lula, lá no Rio Grande do Sul. Eu diria mais: a nova lei também deverá compreender aspectos ideológicos, especialmente aqueles que se ocupam das questões que afetam toda a coletividade.

Primeiramente, portanto, há que se reconhecer a intenção do legislador ao exigir o estudo de impacto ambiental. O estudo deve expor, com efeito de demonstração e contraste, os riscos, as responsabilidades, eventuais medidas preventivas, isto é, o custo ambiental de um impacto na natureza.

Sim, porque estamos sistematicamente impactando o meio ambiente e, por isso, devemos zelar pela sua sustentabilidade de modo constante e responsável.

Qualquer decisão que ignore a exigência de estudo estará afirmando, queira ou não, que um “estudo de impacto ambiental” não é um quesito científico.

É preciso ocupar essa e outras tribunas para explicar à sociedade que estudo não é quesito científico!

È um enorme erro acreditar que a defesa dos transgênicos é científica, enquanto o princípio da precaução é ideológico.

Não só a defesa dos transgênicos têm conteúdo ideológico, como o princípio da precaução tem profundas raízes científicas.

No site da Monsanto, por exemplo, existem no ícone “notícias” somente reportagens e artigos sobre as vantagens e vitórias dos transgênicos. Nenhuma contrariedade científica está na matiz ideológica das notícias divulgadas pela Monsanto.

A Monsanto está, portanto, exercendo o seu direito de afirmar que suas pesquisas e produtos representam avanços. Ao se inserir no seio social, ela assume uma idéia. Uma ideologia.

Ninguém nega a necessidade de pesquisa bioteconológica. Mas ninguém nega que não existem resultados conclusivos a respeito da segurança dos alimentos transgênicos.

Convenhamos: não é razoável fiar-se somente na produção científica da Monsanto. Boa ou ruim, ideologizada ou não, a empresa é parte interessada no negócio e, por princípio, deve estar impedida de dar a palavra final sobre o assunto.

Vamos fazer a nossa pesquisa, desenvolver nossa ciência. Estudo de impacto ambiental, seminário, congresso, debates, vamos discutir o assunto. Mas não vamos no atropelo, principalmente se o assunto é uma coisa que desconhecemos.

Existe uma comparação que, particularmente, ilustra aquilo que tentamos sustentar anteriormente. Os legisladores não podem ignorar as leis da Teoria da Evolução de Darwin. Nós evoluímos. Ninguém pode ser contra a evolução, porque estará sendo contra a natureza. A vida é o universo sobre o qual se debruçou Charles Darwin para elaborar todas as suas leis.

Ninguém nega que descobertas indiscutivelmente importantes para humanidade mereceram, em pouco tempo, cautela quanto ao uso. Foram os cientistas que descobriram e foram os cientistas que aconselharam a prudência.

A comparação que faço, de modo muito pertinente, acredito, é com os antibióticos, que surgiram a partir da penicilina e determinaram a cura para muitas doenças. Milhões de vidas foram poupadas graças ao advento dos antibióticos.

Sabe-se, no entanto, que o uso indiscriminado desses medicamentos provocou e ainda provoca mutações em bactérias. Bactérias sensíveis tornam-se resistentes. Tornam-se superbactérias e incrementam, enormemente, os riscos de infecção hospitalar, só para citar um exemplo.

A ciência farmacêutica sabe que tem nas bactérias um inimigo contra o qual perde muitas batalhas. Muitas vezes, até perde mais do que ganha. Assim, o esforço de combate às superbactérias e outros microorganismos continua a desenvolver novas drogas. Quase todas cada vez mais caras para o usuário.

Ao contrário do que muitos pensam, não basta tomar antibiótico seguindo rigorosamente as orientações médicas para se estar protegido das superbactérias. Um paciente sem traço de hipocondria que foi infectado por um microorganismo de “última geração” não poderá ser tratado pela penicilina, pois foi o meio em que esse paciente vive que determinou a contaminação pela superbactéria. Ele terá que tomar um antibiótico que, talvez, ainda nem exista.

E por que comparo antibióticos com transgênicos? Porque ambos lidam com a vida.

A palavra antibiótico é o braço da antibiose, isto é, da “antivida”. Os antibióticos impedem a vida de seres indesejáveis. Mas, muitas vezes, ao tentar dizimar a vida de bactérias nocivas à vida humana, esses antibióticos acabam por criar novas e mais perigosas formas de vida.

E os transgênicos, quando resistem às pragas, também são anti-vida, pois mesmo a pior praga tem vida. Sim, as pragas de lavoura têm vida e compõem a biodiversidade. Essa praga pode se transformar em uma super-praga, pois, pelo princípio da seleção natural, somente aquelas que resistem ao glifosato (princípio ativo do Rounduo Ready) sobreviverão. E, certamente, essa praga super-resistente comporá uma cadeia alimentar que, no final das contas, estará comendo alimento transgênico!!! Os cientistas, portanto, têm muito trabalho pela frente.

Ninguém nega que existem dúvidas, quando não certezas, quanto à possibilidade de as pragas hoje combatidas com agrotóxicos se tornarem resistentes às pulverizações - isso já acontece só pelo emprego do pesticida.

Ninguém afirma que não serão necessários agrotóxicos mais potentes, talvez mais tóxicos ainda, e mais caros, para, no futuro, combater as pragas resisitentes.

Ninguém nega a existência, por exemplo, das “superlagartas” rosadas, encontradas em campos de algodão transgênico dos Estados Unidos. Pode não haver certeza científica quanto à sua evolução, mas que esta praga está mais resistente hoje não há dúvida.

Ninguém nega que aspectos econômicos estão envolvidos. Os maiores importadores de soja têm reservas aos transgênicos - e o Brasil é um grande exportador. Há produtores rurais brasileiros que afirmam ganhos crescentes com as sementes geneticamente modificadas.

Por outro lado, existem relatos norte-americanos dando conta de que os ganhos só acontecem num primeiro momento: depois, a produtividade começa a cair e já não existe caminho fácil de volta ao cultivo de sementes convencionais.

Ninguém nega a importância dos aspectos econômicos e sociais. Parece que ninguém nega que estes não se sobrepõem à segurança alimentar, à saúde de homens e animais, à proteção da biodiversidade e do meio-ambiente.

Tomara que a ciência, o governo e sua ideologia consigam equacionar estas variáveis com equilíbrio e responsabilidade.

            Tomara que esta Casa, senhor presidente, senhoras e senhores senadores, possa ver além das eventuais oportunidades econômicas oferecidas aos que, inocentemente, as aceitam por falta de informação e com anseio de um crescimento econômico justificável, ou, Deus nos guarde, àqueles que, tendo acesso às informações, e portanto com ciência, visam apenas aos interesses econômicos pessoais.

Tomara que possamos todos ver o interesse do nosso futuro e da nossa Nação após um estudo NOSSO. Após uma avaliação NOSSA do impacto ambiental das alterações transgênicas propostas, à luz da nossa consciência e da nossa Constituição.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2003 - Página 37264