Pronunciamento de José Jorge em 10/02/2004
Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Casos de corrupção no Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT).
- Autor
- José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
- Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
- Casos de corrupção no Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT).
- Aparteantes
- Alvaro Dias, Ney Suassuna.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/02/2004 - Página 3772
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CORRUPÇÃO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DOS TRANSPORTES (DNIT), CONFLITO, PARTICIPAÇÃO, ANDERSON ADAUTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), JOSE ANTONIO SILVA COUTINHO, DIRETOR GERAL, AUTARQUIA.
- COBRANÇA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR).
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 16 de janeiro, o Diretor-Geral do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), José Antonio Silva Coutinho, enviou três correspondências ao Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, e ao Corregedor-Geral da União, Waldir Pires, denunciando 15 casos de corrupção no próprio órgão que dirige. Parece uma coisa inédita: o próprio diretor do Dnit, em vez de tomar providências, comunica-se com o Procurador-Geral da República e com o Corregedor-Geral da União para denunciar casos de corrupção no órgão que dirige.
O Dnit é a principal autarquia do Ministério dos Transportes. Engloba o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner), extinto, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, exatamente por seu envolvimento em denúncias de corrupção. O Dnit foi criado como agência, mas, na realidade, não o é. Seus diretores são aprovados em audiências públicas - como aconteceu com o próprio Dr. Coutinho -, realizadas na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura, da qual sou Presidente e o Senador Valdir Raupp é membro. Contudo, apresentei um projeto à Casa para que esses nomes não sejam mais submetidos à aprovação da nossa Comissão, porque nos tornamos co-responsáveis por esse tipo de problema, quando, na realidade, o Dnit não é uma agência, mas órgão de execução. Portanto, a responsabilidade das nomeações deve ser exclusiva do Presidente da República e do Ministro da área, e não do Senado.
Apesar de todos os cortes orçamentários, o Dnit ainda é um dos órgãos mais ricos da União, principalmente pelo volume de obras que realiza. De um orçamento global de R$3,3 bilhões, R$2,3 bilhões são para investimentos. A cobiça das empreiteiras refere-se principalmente à polpuda verba destinada à manutenção das rodovias: R$958,1 milhões.
Coutinho e o Ministro dos Transportes, Anderson Adauto, não se entendem. O ministro já tentou demitir Coutinho, que inclusive já redigiu uma carta de exoneração. Ocorre, porém, que ministro e diretor disputam uma queda-de-braço. Ambos têm o mesmo padrinho: o Vice-Presidente da República, José Alencar. Coutinho é, originalmente, funcionário da Secretaria de Transportes de Minas Gerais. Trabalhou com Alencar quando S. Exª foi presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais. De Adauto, Alencar aproximou-se quando entrou no PMDB para se candidatar ao Senado. Quando o vice deixou o PMDB rumo ao PL, Adauto foi um dos políticos que seguiu com ele.
Há duas semanas, Adauto buscou quebrar braços e pernas administrativos de Coutinho. Demitiu todos os assessores diretos do diretor-geral, as pessoas de sua confiança. Por tabela, parou também com o andamento da apuração de denúncias na autarquia por um tempo. Entre os demitidos, estava a Corregedora-Geral do Dnit, Ângela Mamede. O Departamento, agora, está sem Corregedoria.
Na quinta-feira, o jornal Correio Braziliense publicou o conteúdo da primeira denúncia, destacando que um funcionário terceirizado anunciava-se como Coordenador de Estudos, Custos e Orçamentos do Dnit, cargo inexistente, para promover um programa de computador que desenvolveu.
Na segunda carta, Coutinho repassa uma denúncia de cobrança de propina pelo Coordenador-Geral de Operações Rodoviárias do Dnit, Afonso Guimarães Neto, um contra-parente do Ministro dos Transportes, Anderson Adauto (é casado com uma prima dele).
A denúncia parte de uma carta anônima que acusa Guimarães Neto de ter cobrado propina de 18% e 22% do consórcio Segurança nas Estradas, que gerencia o sistema de lombadas eletrônicas nas rodovias. Na carta, Coutinho justifica que está encaminhando denúncia porque a forma encontrada por Anderson Adauto para investigar o caso, até aquele momento, não tinha dado resultado. Adauto resolvera encaminhar a denúncia para a Polícia Federal, que teria, no máximo, 60 dias para dar uma resposta sobre o caso. Passados, porém, sete meses, tudo continuava parado.
No dia 12 de agosto de 2003, a então Corregedora do Dnit, Ângela Mamede, recebeu outra carta anônima que denunciava detalhes de um caso de cobrança de propina - verifiquem bem o nível em que as coisas estão colocadas nesses órgãos. O autor da carta afirma ser funcionário de uma empresa que faz parte do consórcio Segurança nas Estradas. Na carta, o funcionário conta que esteve no Dnit para cobrar pagamentos atrasados. Segundo ele, Afonso Guimarães respondeu que os empenhos já estavam prontos, mas os pagamentos só seriam feitos se fosse paga uma propina de 18% do valor líquido, para ele e para Leonardo Cardoso Naves, Lincoln José Ribeiro e José Paulino da Silva Filho, funcionários terceirizados da empresa Siscon - Consultorias e Sistemas Ltda., que trabalham com ele. Portanto, verifiquem V. Exªs que era um percentual de 18%. No Governo de Collor, com PC Farias, o percentual foi de 10%, e o Presidente sofreu impeachment. Agora, aumentou-se para 18%, Sr. Presidente.
Combinou-se, então, que o pagamento da propina se daria em Uberaba, cidade onde reside Guimarães nos fins de semana. Nos dias 5 de junho de 2003 e 4 de julho de 2003, o consórcio recebeu R$3,7 milhões e R$7,7 milhões, respectivamente. Em 31 de julho de 2003, houve mais um empenho (reserva para pagamento posterior), de R$4,3 milhões. Segundo o autor da denúncia, depois disso, Afonso Guimarães Neto chamou-o novamente ao Dnit. “Me disse que existiam outras novas pessoas envolvidas no negócio e que agora nos novos pagamentos o montante seria de 22% do valor do recebimento” - escreve o denunciante.
A apuração posterior do caso atesta os pagamentos mencionados pelo denunciante. Além desses, ao todo, em 2003, o consórcio Segurança nas Estradas recebeu R$41,7 milhões. Confirma a existência dos funcionários terceirizados mencionados na carta anônima, ou seja, tudo que foi dito está-se confirmando. Apura, junto à Siscon, que eles foram contratados a pedido de Afonso Guimarães Neto, o mesmo da propina, mas não consegue confirmar se houve ou não a cobrança da propina. Anderson Adauto resolve encaminhar o caso à Polícia Federal.
No dia 15 de setembro de 2003, Afonso Guimarães Neto envia à Corregedoria carta em que afirma: “Não solicitei e nem recebi nenhum pagamento, de qualquer espécie, conforme a denúncia anônima deste processo”. O caso, porém, vai parar na mesa do todo-poderoso Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ele recebe a mesma denúncia anônima, além de outra dando conta de que o contrato das lombadas eletrônicas tinha vícios que lesavam os cofres públicos.
O consórcio recebe de acordo com as multas que são cobradas, a partir da detecção das infrações pelas lombadas eletrônicas. Segundo a denúncia, o Dnit não espera o resultado de recursos para fazer os pagamentos. Antes de receber o dinheiro, ele já paga o percentual dessa empresa, gerando, assim, pagamentos antecipados. Além disso, uma cláusula do contrato garante um pagamento mínimo do valor de 75 infrações para cada faixa de rodovia, em cada uma das lombadas. Então, mesmo que não existam, a empresa recebe pelo menos 75 infrações.
A terceira carta encaminha denúncia contra “autoridades superiores” do Ministério dos Transportes. São uma série de possíveis irregularidades em licitações e uma denúncia mais grave de desvio de recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (BIRD).
De acordo com a denúncia, R$32,3 milhões de recursos do BID e do BIRD para obras rodoviárias foram desviados no Ministério dos Transportes. O responsável pelo desvio seria o próprio Ministro dos Transportes, Anderson Adauto. Coutinho verificou que o recurso não chegou ao Dnit. Sem, no entanto, apurar onde o dinheiro foi parar ou de que forma foi desviado, ele simplesmente encaminhou a denúncia.
Nas cartas, Coutinho dá a entender que, por falta de força política, apela a Waldir Pires e Cláudio Fonteles para sanar as irregularidades, insinuando o envolvimento de Adauto. “Entretanto, tratando-se, dentre os indicados, de autoridade superior, nem a Corregedoria do órgão nem a Diretoria-Geral possuem competência legal no prosseguimento do feito”. Superior ao Diretor-Geral do Dnit, na hierarquia, somente o Ministro dos Transportes.
Sr. Presidente, essa denúncia é da maior gravidade. Trata-se do Ministério dos Transportes, um dos Ministérios mais importantes do País, que, agora, se transforma em palco de uma briga jamais vista sequer em prefeituras do interior. Enquanto o sistema de fiscalização do Governo, na pessoa do Ministro Waldir Pires, fiscaliza pequenas prefeituras do interior, sob os nossos narizes, também brigam o diretor do DNIT, órgão importante, antigo DNER, e o Ministro dos Transportes, e o Governo não toma providências. Aliás, o Governo acabou de fazer uma reforma ministerial.
Sr. Presidente, o Ministro Anderson Adauto está demissionário desde que assumiu a Pasta. Após uma semana no cargo, S. Exª disse que iria sair. Agora, disse que não vai mais. Só vai deixar o Ministério em abril, quando sairá candidato.
Ora, um Ministro que se mete em uma briga desse nível - uma briga com carta anônima, com um subordinado denunciando S. Exª - não tem força para tomar providências. Um Ministro desse tinha que ser demitido.
Senador Alvaro Dias, concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador José Jorge, isso é muito grave! É gravíssimo! Há quanto tempo ouvimos essa discussão? Há quantos meses se fala na substituição do Ministro dos Transportes em função de denúncias de corrupção? O Presidente Lula convive com isso dessa forma? Sua Excelência aceita conviver passivamente com essa situação de envolvimento em denúncias de corrupção entre homens de sua confiança? Penso que se impõe esse tipo de pergunta. Enquanto V. Exª destaca o crescimento dos percentuais de propina no Governo, que chegam a 22%, os percentuais relativamente a indicadores fundamentais do Governo sofrem queda brutal. Veja, Senador José Jorge, aproveito este aparte - é claro que a concessão de V. Exª me permite isso - para destacar números de uma pesquisa, que será divulgada hoje, realizada neste mês pela CNT Census. Emprego - nos últimos seis meses -: aumentou 12%; diminuiu 61,3%. É o desempenho do Governo Lula. Na área social, veja nobre Senador José Jorge: saúde: melhorou 26%; piorou 34%. Pobreza: melhorou 10%; piorou 60%. Violência: melhorou 5,5%; piorou 79,1%. Para não dizer, Senador Cristovam Buarque, que só piorou, há um item que melhorou: a educação. Nos últimos seis meses, melhorou 41,2%; piorou 21,6%. Será que é por isso que o Presidente da República mudou o Ministro?
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Talvez.
O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Será porque melhorou? Aliás, é o único item na área social que apresenta um desempenho positivo. Será essa a razão da demissão do Ministro Cristovam Buarque? Vejamos mais um dado. Renda mensal, nos últimos seis meses: aumentou 11,9%; diminuiu 30,2%. Portanto, o Presidente Lula precisa acordar para a realidade que estamos vivendo. Sua Excelência não pode viver o deslumbramento das aparências, do que é virtual. É preciso sentir o que é real no País. A realidade desses números é dramática, com indicadores sociais e econômicos terríveis, dramáticos mesmo, Senador José Jorge. E, ao lado de indicadores econômicos e sociais dramáticos, há agora esse cenário de corrupção que, sem dúvida, mancha os primeiros 400 dias do Governo Lula.
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias. V. Exª tem absoluta razão, inclusive quanto aos indicadores.
Antes de encerrar, eu gostaria de citar dois pontos. Primeiramente, peço ao Presidente Lula que tome uma providência mínima. No caso, que demita ambos. Penso que em uma discussão desse nível, não cabe saber quem tem razão. O nível baixou tanto que o que precisamos é demitir o diretor do DNIT e o Ministro, que não toma providência, que não tem nem poder nem autoridade para o trato com seus auxiliares. Ademais, como não sei se o Presidente Lula irá demiti-los, tomarei a seguinte providência: amanhã, apresentarei um requerimento convocando o Diretor do DNIT, Dr. Coutinho, e o Ministro dos Transportes, para uma audiência conjunta na Comissão de Infra-Estrutura e Serviços do Senado. Aliás, foi essa Comissão quem aprovou o nome do Dr. Coutinho para o cargo. À Comissão, também compareceu o Ministro dos Transportes anteriormente para falar da programação de seu Ministério. Portanto, outra vez o Senado ouvirá S. Exª, assim como todo o Brasil, ao vivo, para ver quem tem razão; se essas pessoas realmente estão cobrando propina ou não. Inicialmente, cobravam 18%. Senador Ney Suassuna, tiraram o Presidente Collor da Presidência porque diziam que PC Farias cobrava 10% de propina. No DNIT, cobravam 18%, mas consideraram pouco e aumentaram para 22%.
Era o que queria dizer.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Concede-me V. Exª um aparte?
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Senador Ney Suassuna, ainda há oradores inscritos.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador José Jorge, quero dizer a V. Exª que, com certeza, o Governo não será contrário, pois deseja transparência. Certamente o Senado obterá as informações pretendidas. Penso que não haverá obstáculo por parte do Governo.
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado. Espero que V. Exª nos ajude a trazê-los a esta Casa na próxima semana para que possamos passar o assunto a limpo.
Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento, agradecendo a V. Exª.