Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcrição de documentos relativos ao Dia Mundial de Cuidados Paliativos. Compromisso do governo federal de reabrir a discussão sobre a transposição das águas do Rio São Francisco, o que possibilitou o fim da greve de fome de Dom Luiz Flávio. Críticas ao projeto de gestão das florestas públicas no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Transcrição de documentos relativos ao Dia Mundial de Cuidados Paliativos. Compromisso do governo federal de reabrir a discussão sobre a transposição das águas do Rio São Francisco, o que possibilitou o fim da greve de fome de Dom Luiz Flávio. Críticas ao projeto de gestão das florestas públicas no Brasil.
Aparteantes
Alvaro Dias, Heloísa Helena, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2005 - Página 34573
Assunto
Outros > SAUDE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, DOCUMENTO, CRIAÇÃO, ENTIDADE, ALTERNATIVA, ASSISTENCIA, MEDICINA, PREVENÇÃO, SAUDE, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FOLHA DE S.PAULO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), COMPROMISSO, GOVERNO FEDERAL, RETOMADA, DISCUSSÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, PARALISAÇÃO, GREVE, BISPO, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • DEFESA, INCONSTITUCIONALIDADE, PROJETO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), DISPOSIÇÃO, GESTÃO, FLORESTA, PAIS, AUTORIZAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, ALUGUEL, TERRA PUBLICA, EXTRAÇÃO, MADEIRA, DIVERSIDADE, PRODUTO, RIQUEZAS, RESERVA FLORESTAL, CRIAÇÃO, SERVIÇO, FUNDO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO FLORESTAL, POSSIBILIDADE, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • COMENTARIO, SUBSTITUTIVO, AUTORIA, ORADOR, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FLORESTA, PAIS, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, pela ordem, só para fazer uma solicitação que esqueci de fazer na ocasião de meu pronunciamento. Peço a V. Exª que considere como lido o material anexo que me foi enviado pelo grupo de médicos que está tratando dessa questão dos cuidados paliativos. Portanto, que seja dado como lido e faça parte de meu pronunciamento.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do inciso I e § 2º do art. 210 do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Prática Hospitalar - Cuidados paliativos.”

O SR. PRESIDENTE (Alvaro Dias. PSDB - PR) - V. Exª será atendido na forma do Regimento.

Com a palavra, pela ordem de inscrição, o Senador Mozarildo Cavalcanti.

S. Exª dispõe de 15 minutos para seu pronunciamento. Depois será a vez do Senador Mão Santa, do Piauí.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a grande imprensa nacional e até mundial se ocupou, nos últimos dias, da greve de fome que um bispo lá do Nordeste fez para impedir o início das obras da transposição do rio São Francisco, exigindo, segundo ele, maior debate e que o Presidente desse garantias de que todos os aspectos seriam analisados.

Quero aqui fazer o registro desse fato para que faça parte integrante desse meu pronunciamento, porque é realmente um fato inusitado. Após anos de discussão sobre a matéria, envolvendo os Ministérios específicos, inclusive Meio Ambiente e Integração Nacional, após o Presidente ter anunciado, após, enfim, todo o trâmite da matéria, um bispo resolve fazer o protesto - não quero entrar no mérito da validade desse protesto, porque acho que todo mundo tem o direito de protestar.

No jornal O Globo de hoje, há uma charge, cujo título é justamente “O padre e a pizza”, em que o Presidente da Câmara, Aldo Rebelo, se aproxima com uma pizza na mão, e o bispo pergunta: “Por que demoraram tanto?”

A matéria mereceu a atenção da colunista Tereza Cruvinel em sua coluna Panorama Político.

            Vou só ler o resumo introdutório que ela sempre faz:

Hora das razões

A continuação do diálogo sobre o projeto do Rio São Francisco foi uma das condições aceitas pelo Governo para que Dom Luiz Cappio encerrasse sua greve de fome. Tal diálogo não deve ser bilateral, mas entre a sociedade e o governo. Os meios de comunicação trataram superficialmente do assunto, o Congresso também” - vejam só: os meios de comunicação e o Congresso trataram superficialmente do assunto e agora o bispo aprofundou. “A greve do bispo e a abertura do governo criaram uma nova chance”.

Vem a matéria seguinte no jornal O Globo:

Acordo encerra a greve de fome do bispo.

Governo promete a D. Luiz revitalizar o Rio São Francisco antes das obras de transposição.

Folha de S.Paulo:“Governo abre debate, e Bispo pára a greve”.

O Estado de S. Paulo:

Bispo suspende greve de fome, após promessas de Lula.

Governo se compromete a prolongar debate sobre transposição, intensificar a revitalização do rio e receber d. Luiz em audiência.

O Estado de S. Paulo:

Com promessa de debate, bispo suspende greve.

Governo prometeu prolongar discussões e intensificar as obras de revitalização do rio.

Começam aqui algumas matérias que mostram, mais ou menos, a perplexidade ou pelo menos a posição da Igreja:

“Secretário-geral da CNBB diz que espera que ‘essa moda não pegue’.

Dom Odílio afirma que greve de fome foi decidida de forma isolada”.

Quer dizer, o bispo não falou em nome da Igreja Católica, portanto. Ele não fez isso teoricamente, segundo a palavra do Secretário Geral da CNBB, em nome da Igreja Católica, mas o Presidente cedeu assim mesmo.

Outra matéria do Estado de S. Paulo:

Caso divide a Igreja e chega ao Vaticano.

Greve revela divergências no episcopado e representante do papa visita bispo.

Jornal do Brasil:

Promessa do governo põe fim à greve de fome do Bispo.

Jacques Wagner leva carta de Lula a religioso e se compromete a adiar obras.

Negociação com o ministro durou cinco horas até o desfecho.

Interessante, essa obra da transposição está sob os cuidados do Ministério da Integração, do Ministro Ciro Gomes, e quem foi discutir o problema foi o Ministro Jaques Wagner, que é da articulação política. Acho que isso significa atropelar o Ministro Ciro Gomes.

Finalmente, Sr. Presidente, diz o Correio Braziliense:

Após crítica, CNBB festeja fim da greve.

Depois de assistir a uma “guerra santa” entre religiosos a favor e contra a greve de fome do bispo dom Luiz Flávio Cappio, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) comemorou ontem o fim do protesto do religioso. Na avaliação do secretário-geral da CNBB, dom Odilo Scherer, o gesto representa a retomada do diálogo. ‘Vemos com alegria e alívio. A gente espera agora que o debate leve ao consenso. A Igreja não apóia nem é contrária ao projeto, mas se solidariza com o bispo. Esse gesto extremo de dom Cappio chamou atenção. Foi importante’, afirmou.

Peço que todo o conteúdo das matérias citadas seja transcrito.

Fiz esse registro para mostrar como projeto dessa natureza, que tem interesse nacional, que envolve interesse de vários Estados não pode realmente ser tocado às pressas, não pode ser atropelado, e o pior, sofrer crítica, depois, da imprensa, de que nem o Congresso deu atenção a um projeto dessa natureza.

E é pegando esse gancho que quero chamar a atenção para o projeto de gestão das florestas públicas do Brasil. O nome é interessante. O que é gestão das florestas públicas? Gestão, para quem estudou um pouco, é fazer a gerência, administração, mas, na verdade, o nome desse projeto tinha que ser traduzido claramente. É o aluguel das florestas do Brasil - repito -, o aluguel das florestas do Brasil, principalmente da Amazônia, para empresas que vão poder, portanto, de lá extrair madeiras e produtos diversos da floresta. Está-se fazendo, na verdade, Sr. Presidente, duas coisas: primeiro, ninguém poderá mais comprar terras na Amazônia; terras públicas na Amazônia serão somente alugadas. Essa é, portanto, uma forma de estatizá-las e, ao mesmo tempo, de privatizá-las, ainda que não seja por meio de uma concessão, que pode durar até quarenta anos e ser renovada. Lembro que o tema desse projeto é de alta implicância e significação para o País e para a região amazônica, que representa 60% do território nacional.

E não só o aluguel das florestas, Sr. Presidente, consta desse projeto que veio para cá e para o qual Presidente pediu urgência constitucional na Câmara e no Senado. Ele chegou aqui em julho, durante o período normal de recesso - por acaso, não estávamos em recesso, porque de propósito não havíamos votado a LDO - e fui seu Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Sou um homem da Amazônia; não a conheço por ouvir dizer ou por aulas em faculdades, mas porque nasci lá, vivi minha infância e juventude lá e moro lá. Então, não posso - disse aqui ontem, num pronunciamento - fazer como aqueles três macaquinhos da mitologia japonesa: um tem as mãos nos olhos; o outro, nos ouvidos; e o outro, na boca, o que significa “não estou vendo nada de mau, não ouço nada de mau, portanto não falo nada de mau”. Mas, no caso, ouvi muita coisa má sobre esse projeto de pessoas que conhecem, de cientistas, de funcionários do Ibama e de vários setores; ouvi muita coisa má. Ao mesmo tempo, vi muita coisa má; eu o li e estudei e estou falando muita coisa má desse projeto, que é, sim, de alto risco.

Apresentei um substitutivo, aperfeiçoando-o, porque a tese principal, Senadores Mão Santa e Alvaro Dias, é correta: temos de regulamentar o uso das nossas florestas, é verdade. A argumentação é a seguinte: temos de aprovar rapidamente, porque é melhor ter uma lei malfeita, do que não ter lei alguma. Há leis até demais. Leis para proibir coisas na Amazônia há até demais. Lá não se pode mexer em nada, porque estão o Ibama, o Incra, a Funai em cima.

Então, o Presidente Lula, que, na sua campanha, disse que proporia legislação que estabelecesse o que se pode fazer na Amazônia, agora apresenta esse projeto malfeito, cheio de buracos, que pode levar o País a prejuízos enormes.

O projeto, ao permitir o aluguel das florestas, cria outro órgão, outro cabide de empregos chamado Serviço Florestal Brasileiro, mas não mostra o organograma e o número de ocupantes desse serviço, deixando, portanto, esses itens em aberto, para o Presidente, amanhã, fazê-lo por medida provisória. E, lógico, eles vão “passar batido”. Cria também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, que, recebendo o aluguel das florestas, Senador Mão Santa, vai gerir bilhões de dólares. Pelo que estamos constatando nas CPIs, essa pode ser uma nova fonte de caixa dois para as futuras campanhas, como as do ano que vem.

Então, é preciso não ter pressa, não fazer nada agoniado. Aliás, pela minha formação de médico, aprendi o seguinte: tudo que é feito de forma apressada é malfeito. Temos primeiro de ouvir o paciente e pedir exames, para depois passar o remédio certo ou adotar uma conduta cirúrgica, se for o caso. Só porque sou metido a ser colega de Deus ou professor de Deus, decido operar, sem nenhuma convicção, um paciente que chega até mim, para depois constatar que não foi o melhor procedimento? É o que se está tentando fazer com esse projeto.

Era preciso que outro bispo fizesse uma greve de fome para provocar o debate. Era preciso que um bispo da Amazônia, que fosse nacionalista e não estivesse comprometido com multinacionais, fizesse uma greve de fome, para realmente esse projeto ser amplamente debatido nesta Casa. Não é para se dizer que foi debatido dois anos com a sociedade civil por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, que a Ministra Marina Silva comanda. Não; nós aqui fomos eleitos para quê? Para chancelar o que o Governo manda? Eu não concordo com isso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Vou já conceder o aparte a V. Exª, com muita honra.

Eu não serei nenhum daqueles três macaquinhos. Não estarei com as mãos nos olhos, nem nos ouvidos, nem na boca. Estou aqui fazendo meu papel de representante de um Estado da Amazônia, o menor deles, mas enfrentando, eu sei, o ódio de certas instituições que querem alugar as nossas florestas e ganhar muito dinheiro a essa custa.

Se fosse apenas, Senador Mão Santa, para alugar com os fins que estão na letra da lei, ainda seria muito bom. Mas sabemos que o Governo não tem como fiscalizar o contrabando de armas, a biopirataria na Amazônia. Ele não fiscaliza nada na Amazônia, que vem sendo saqueada há muito tempo, e agora vem com essa história de alugar. Quem vai fiscalizar quem aluga? Quem vai alugar essas florestas? São os pobres, que moram lá? São os pequenos madeireiros, legais, que moram lá? Não, Senador Mão Santa, serão as grandes corporações, que, sob a fachada de firma brasileira - a lei estabelece a proibição para as que não o são -, vão alugar as nossas florestas.

E, vejam bem, não são só as florestas da Amazônia, não. Estou falando da Amazônia, porque a maioria das florestas está lá. Mas são todas as florestas nacionais, do Pantanal, da Mata Atlântica, todas poderão ser alugadas.

Tememos tanto a cobiça internacional sobre a Amazônia, e somos nós, brasileiros, que estamos permitindo esse loteamento descarado da Amazônia?

Ouço V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo Cavalcanti, paradigma é uma verdade que se muda. Antigamente, quando se falava em Amazônia, vinha a minha mente a grandeza do rio, das florestas, dos pássaros, do Teatro Amazonas, do Hotel Amazonas. Hoje em dia, quando se fala em Amazônia, vem a minha mente a sua pessoa.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Nesses três anos em que aqui estou presente, nunca vi ninguém com tanto amor, com tanto conhecimento. V. Exª tem toda razão quando diz que deveria surgir um movimento de fome lá, algo que já faz parte da nossa cultura. Lula fez greve de fome, Siqueira Campos e, internacionalmente, Gandhi. E, agora, o nosso Padre do São Francisco. Mas queria dizer que isso é grave. No lugar do Lula, em vez de 20 Ministérios - lembro que são ao todo 38 Ministérios -, eu criaria o Ministério da Amazônia, e convidaria V. Exª para comandá-lo. Agora falarei sobre um quadro que vale por 10 mil palavras: ontem, recebi um e-mail - todos nós o recebemos - de uma professora que faz uma pesquisa na Amazônia. Ela estava revoltada. Lá existem as propriedades indígenas; não as conheço bem, mas aprendi muito, ouvindo V. Exª falar da Amazônia com amor. Seu Estado talvez seja o menor, mas a grandeza de V. Exª o faz grande defensor da Amazônia. Mas a professora estava revoltada: “Mão Santa, fale.” Trago a V. Exª o depoimento dela, que disse que não pôde passar numa estrada que estava interditada pelos índios, mas que viu americanos transitando, porque davam dólares para os chefes, para as ONGs e tal. Então, no mínimo, o que o Presidente Lula tinha de fazer era ouvi-lo. V. Exª é Senador da República, representa o povo da Amazônia, a grandeza dela. Ó, Lula, quando se diz da grandeza da Amazônia, do pulmão do mundo, desse fenômeno de respiração e fotossíntese, ninguém melhor do que o Senador Mozarildo Cavalcanti, professor de Biologia e médico, tem a visão de futuro saudável.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Antes de responder a V. Exª, Senador Mão Santa, gostaria de ouvir o aparte da Senadora Heloísa Helena.

Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Senador Mozarildo Cavalcanti, saúdo V. Exª pelo pronunciamento. O Senador Geraldo Mesquita tem a mesma posição de V. Exª em relação ao projeto. Já tive a oportunidade, em alguns momentos, de divergir democraticamente de V. Exª quanto à conceituação que faz de algumas entidades pelas quais tenho o maior carinho e respeito, com eles militei, como o Cimi, por exemplo. Todos sabem que já tivemos a oportunidade de aqui discutir interpretações distintas sobre o Conselho Indigenista Missionário. Mas eu não poderia deixar de fazer um aparte elogioso a V. Exª em relação ao debate que sempre traz a esta Casa: a Amazônia. Algumas pessoas pensam, e eu já disse isso a V. Exª também e me sinto na obrigação de repeti-lo, tendo em vista este momento muito difícil por que passa a vida nacional em termos de recursos naturais - e não se trata de algo simplório -, algumas pessoas pensam que é meio delírio persecutório falar que existem instituições internacionais, governos, Parlamentos no mundo que querem tomar conta da Amazônia. Não é. É uma realidade, inclusive, verbalizada. Várias instituições de financiamento multilaterais, o Parlamento americano, o europeu, o ex-presidente e o atual presidente dos Estados Unidos sempre trataram do tema: soberania limitada e administração compartilhada da Amazônia. Não é uma coisa inventada, é objetiva, concreta. Essas grandes instituições internacionais e esse modelo de civilização suicida, que é um modelo de civilização suicida em relação ao petróleo, em relação aos organismos que geram energias não-renováveis, sabem qual é o significado da Amazônia brasileira, dos seus recursos naturais, porque eles têm pouca energia não-renovável. Então, não é uma coisa simples. Existe, claramente, um desespero das nações, especialmente daquelas nuclearmente armadas, existe um problema gravíssimo em várias grandes potências do mundo. Algumas tratam a questão de uma forma; outras, fazem-no de modo mais abrupto, mais invasivo, como os Estados Unidos fizeram em vários países do Oriente Médio por causa do petróleo. Então, não se trata de uma coisa qualquer. É aqui, na nossa Amazônia, que está o maior potencial não apenas de biodiversidade, mas também de recursos renováveis e limpos.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Como a água, não é?

            A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Exatamente isso. Então, é uma coisa muito especial, é algo precioso não apenas para o Brasil. Não se trata apenas de dizer “a Amazônia é nossa”. Não se trata disso; e sim de uma questão de soberania nacional. Agora, infelizmente, os governos brasileiros, ao longo da História, às vezes, tratam da Amazônia como floreio ecológico. Eu defendo um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, considero-me ecologista, mas os governos vivem do floreio supostamente ecológico e, efetivamente, não é assim. Muitas das principais obras que estão sendo realizadas na Amazônia não são feitas pelo Governo brasileiro; elas são feitas mediante autorizações de crédito externo do Banco Mundial, do Banco Interamericano, das instituições de financiamento multilaterais, que depois poderão até dizer: “Ora, somos nós que investimos mesmo na Amazônia, eles não cuidam; então, vamos ter que pegar, porque somos nós que investimos”. E esse projeto que disponibiliza, para os próximos quarenta anos, com o Estado esvaziado, desestruturado, com poucos mecanismos para garantir o acompanhamento desse projeto, isso, sinceramente, não tem nada de racionalidade administrativa, não tem nada de lógica formal da administração pública. Realmente, fico impressionada ao ver determinadas pessoas, pelas quais tenho amor, carinho e amizade profunda, defendendo esse projeto. Não se pode pensar o Estado brasileiro, pensar o País simplesmente por uma ou outra personalidade de boa-fé, comprometida, que ama a Amazônia e que transitoriamente está no posto ou viva. Não é assim que se trata dos recursos naturais e do País, do Estado brasileiro! Não é dessa forma que se trata. Assim, espero que possamos realizar um grande debate aqui no Congresso Nacional, no Senado. A energia do futuro está aqui no Brasil, muito especialmente na Amazônia. É a Amazônia que pode impedir qualquer introdução do Brasil nesse modelo de civilização suicida que estamos vivenciando. É uma coisa terrível o que estão fazendo agora em relação ao petróleo: vão abrir a sétima rodada de petróleo. Tudo que se encontrou agora e que foi descoberto, eles vão abrir agora - é o “liberou geral” para as multinacionais, para outros países do mundo. Portanto, desculpe-me por ter-me alongado no aparte. É que a Amazônia é um tema sobre o qual o Brasil tem de ter realmente muita responsabilidade; temos de agir com muita cautela, com muito debate técnico, especialmente pensando no País, na soberania nacional e em seu significado. Desculpe-me repetir, Senador Mozarildo, mas quarenta anos!!! Podia ser dez. Não podia ser feito assim! Não é assim, não é uma coisa simplória. Há ainda a possibilidade até de colocar como um mecanismo de obtenção de crédito nas instituições bancárias. Como se controla uma coisa como essa? Parabéns a V. Exª. Chegou aqui o Senador Geraldo Mesquita, sobre quem acabei de falar, de mencionar a sua posição - S. Exª está acompanhando o assunto pelo P-SOL com muita competência e responsabilidade, como sempre. Espero que possamos sensibilizar o povo brasileiro em relação a um debate tão sério e que mexe diretamente com a soberania nacional como este da Amazônia. Obrigada.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Sr. Presidente, gostaria de pedir a tolerância de V. Exª, já que o tema precisa ser bem desenvolvido.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Sr. Presidente, é mais uma reclamação e não um aparte ao brilhante pronunciamento do Senador Mozarildo Cavalcanti. É uma reclamação, porque não sabemos qual a razão de estar a TV Senado fora do ar neste momento. O pronunciamento de V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti, não está sendo transmitido ao vivo; certamente o será, posteriormente, por intermédio de gravação. Mas, neste momento, a TV Senado está fora do ar. Precisamos de uma justificativa técnica e aguardamos que chegue à Mesa a explicação sobre esse fato, uma vez que, surpreendentemente, o discurso de V. Exª, que deveria estar sendo transmitido para todo o País, não está sendo transmitido.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Alvaro Dias, não quero dar uma de Ubaldo, aquele paranóico do Pasquim, mas parece realmente uma coincidência terrível justamente quando se está discutindo, como diz o Bispo, a questão do rio São Francisco, que não foi adequadamente discutida. Estou trazendo para a discussão deste Plenário a questão desse projeto que, diga-se de passagem, é inconstitucional. Esse projeto tem uma inconstitucionalidade que não é sanável. E a proposta do Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, é que o aprovemos assim mesmo. Ora, nós da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania não podemos, além desses aspectos todos - do aluguel das florestas ser uma questão muito séria, do que será arrecadado ser uma fábula da internacionalização disfarçada, da tentativa de fugir dos controles normais do Senado e do Conselho Nacional -, fugir do que está previsto na Constituição.

Na verdade, fico surpreso que esse projeto tenha vindo com a chancela da Ministra Marina Silva, que considero uma pessoa de bem, uma pessoa séria e comprometida com o futuro deste País, mas acho que S. Exª está sendo vítima de um processo de pressão desnecessária, e, portanto, repito, como médico, não posso admitir que um procedimento de tamanha complexidade seja feito aqui com rapidez. Amanhã, vão dizer: “Vocês que votaram esse projeto foram os que permitiram que acontecesse isso com as florestas nacionais, especialmente as da Amazônia”.

Louvo o Senador Geraldo Mesquita que, apesar de ter sido mais amplo, pois foi contra totalmente o meu substitutivo, no que, em parte, tem até muita razão, mas, tentando salvar o projeto, apresentei uma série de modificações que não alteram... A argumentação do Governo é que, se mexer, volta para a Câmara. Ora, e daí? Não devia haver urgência constitucional nesse caso. Na Amazônia, segundo dados do próprio Governo, o desmatamento diminuiu em 80%, a grilagem de terra caiu drasticamente, quem está lá hoje, produzindo, está sufocado, porque é Portaria 10 do Ibama, é portaria x do Incra, que não permite que se faça mais nada na Amazônia, e, até por isso mesmo, eles colocaram todos esses bodes na sala e, hoje, o setor madeireiro está implorando que aprovemos esse projeto, para eles poderem respirar. A pena é retirar o bode da sala e, depois, eles sofrerem as conseqüências. Tenho recebido muitos e-mails e apelos nesse sentido. Faço esse alerta aqui e vou fazê-lo até o dia dessa votação. Vamos discutir o assunto. Vou provocar essa discussão, independentemente do fato de casualmente a TV Senado ter saído do ar. Espero seja retransmitido esse pronunciamento, que interessa à Nação.

Obviamente, a grande imprensa, como disseram o Bispo e a jornalista Tereza Cruvinel, não deu muita atenção para a questão da transposição do rio São Francisco. Espero que a situação seja analisada e receba a devida atenção. Não estou achando que eu, o Senado Geraldo Mesquita Júnior e a Senadora Heloísa Helena sejamos donos exclusivos da verdade, mas, com certeza, os tecnocratas do Ministério do Meio Ambiente não o são também.

É aquela velha história que o povo sempre diz: “Quando a esmola é grande, o santo desconfia”. Quando se pretende por tudo aprovar o projeto como está, para depois tentar corrigi-lo no decreto, é porque há maracutaia por trás. E, com tanta maracutaia já feita por este Governo para caixa dois, dá para desconfiar que a pressa é para que se tenha dinheiro no ano que vem, do aluguel das nossas florestas, para financiar campanha do PT e daqueles que estiverem aliados a ele.

Portanto, insurjo-me contra a pressa e as imperfeições desse projeto, começando por sua inconstitucionalidade. Voltarei à tribuna outras vezes.

Senadora Heloísa Helena, agradeço o aparte de V. Exª e o do Senador Mão Santa, que falou sobre o Ministério da Amazônia, projeto do Senador Valdir Raupp. Creio que a Amazônia mereceria ter esse status mesmo. Há Ministérios até de outras coisas de somenos importância, por que não um Ministério da Amazônia?

Agradeço as palavras de elogio a minha pessoa. A Senadora Heloísa Helena disse que temos algumas divergências, mas são divergências muito superficiais, porque, no fundo, somos nacionalistas e queremos o melhor para o nosso País. Acredito sejam divergências quanto ao modus operandi.

V. Exª citou o Cimi. Sou contrário à forma como o Cimi age aqui. Espero que o Cimi não repita o que braços da Igreja no passado fizeram, como a Inquisição e as Santas Cruzadas. Espero que não façam agora, na atualidade, o que braços da Igreja fizeram no passado. Sou católico, mas não me submeto a essas coisas fundamentalistas de alguns braços da Igreja. Acima de tudo, o ser humano tem o direito de pensar e de escolher o melhor para si e para o seu país. É isso que tenho procurado fazer durante meu mandato.

Agradeço também o aparte do Senador Alvaro Dias, que alertou para o fato de estarmos fora do ar.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Hora das razões”, O Globo.

“Acordo encerra greve de fome de bispo”, O Globo.

“Governo abre debate, e bispo pára greve”, Folha de S.Paulo.

“Bispo suspende greve de fome, após promessas de Lula”, O Estado de S. Paulo.

“Com promessa de debate, bispo suspende greve”, O Estado de S. Paulo.

“Secretário-geral da CNBB diz que espera que ‘essa moda não pegue”, O Globo.

“Caso divide Igreja e chega ao Vaticano”, O Estado de S. Paulo.

“Promessa do governo põe fim à greve de fome de bispo”, Jornal do Brasil.

“Após críticas, CNBB festeja fim da greve”, Correio Braziliense.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2005 - Página 34573