Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

– Reflexão sobre a importância da decisão sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a democracia.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • – Reflexão sobre a importância da decisão sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a democracia.
Aparteantes
Ana Amélia, João Capiberibe, Randolfe Rodrigues, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2012 - Página 1520
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RELAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, REFERENCIA, MANUTENÇÃO, ORGÃO FISCALIZADOR, PODER, JUDICIARIO, FATO, CONTROLE, ADMINISTRAÇÃO, FINANÇAS, PODERES CONSTITUCIONAIS.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Srª Presidente desta sessão, eminente Senadora Ana Amélia.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, a polêmica em torno dos poderes do Conselho Nacional de Justiça serviu, a meu juízo, como uma lição importante e exitosa para a nossa democracia; uma lição, a meu juízo, de primeiríssima grandeza.

            Os princípios de transparência e de igualdade falaram mais alto que o corporativismo. A solidez de nossas instituições não chegou a ser arranhada pelo tiroteio interno entre magistrados da mais alta Corte do nosso País, e a suposta crise deu lugar a um Judiciário mais forte e, certamente, mais respeitado.

            Ao resgatar as competências originais do CNJ, o Supremo Tribunal Federal demonstrou estar à altura do poder constitucional a ele atribuído: fazer valer a lei máxima do País, que confere ao Conselho a competência de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, competência que é concorrente, e não subsidiária das corregedorias estaduais - aliás, como consagrou a Lei nº 45, entendida como reforma do nosso Judiciário, assim como consagrou também o constituinte de 1988.

            Esvaziar o papel do CNJ seria caminhar na contramão da história, na contramão da maturidade política e de todas as conquistas democráticas que o Brasil alcançou nas últimas décadas. Longe de representar interferência indevida nos tribunais e de alimentar uma crise no Judiciário, a fiscalização exercida pelo Conselho garante transparência e respeito a um Poder já apontado tantas vezes como “caixa preta”.

            Vale lembrar que o CNJ nasceu do anseio popular, depois de uma série de escândalos, em especial dos desvios milionários na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.

            Por que juízes seriam intocáveis? Deputados e senadores que cometem irregularidades podem ser investigados e correm o risco de serem cassados. O próprio presidente da República está sujeito a processo de impeachment.

            A certeza de que nenhum Poder, nenhum ocupante de qualquer cargo ou função pública pode ter direitos absolutos ou ser imune à fiscalização fez com que a criação de um órgão de controle do Judiciário fosse uma das mais importantes decisões, festejada através da Emenda 45, em 2004.

            Dizer que as corregedorias estaduais dão conta do recado é virar as costas para a realidade. É só lembrar as notícias de supersalários, de movimentações milionárias suspeitas nos tribunais regionais, de tantos privilégios moralmente questionáveis e até a venda de sentenças judiciais.

            Durante o julgamento da última quinta-feira, o Ministro Gilmar Mendes lembrou bem que “até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando é para investigar os próprios pares”.

            É mais que óbvio que ninguém pode julgar em causa própria. Que quem controla não pode se confundir ou ter vínculos diretos com quem é controlado.

            Desvios de conduta existem, infelizmente, em qualquer lugar, seja na esfera pública ou na iniciativa privada. Apontar o dedo para uma pequena minoria de juízes de conduta irregular é resguardar e fortalecer a ampla maioria de juízes que se pautam pela integridade e pelo interesse público.

            Ouço com prazer o eminente Senador Roberto Requião.

            O Sr. Roberto Requião (Bloco/PMDB - PR) - Senador Ferraço, no sentido desse combate pela moralização que V. Exª vem travando - e não é um combate contra o Judiciário, que fique bem claro isso, é um combate contra o corporativismo, porque esta mesma doença corporativa que atinge o Judiciário atinge a OAB, atinge as associações de médicos, e o corporativismo nada mais é do que uma manifestação coletiva do individualismo, da falta de visão social, global, da falta de interesse público nas decisões internas das corporações - nesse mesmo sentido, eu estou colhendo assinaturas para uma PEC, uma emenda constitucional que se destina a tornar obrigatória a publicação das folhas de todos os agentes públicos, folhas de pagamento de todos os três poderes, das empresas públicas, da administração direta e indireta, a folha com salário, com a remuneração e todas as vantagens que, em determinados momentos, a cada mês, forem atribuídas aos agentes públicos. Isso resolve, por exemplo, esses mistérios de parlamentares sendo denunciados por recursos que não receberam. Nós aqui tornamos tudo transparente. Não tornamos? Não estão na Internet, inclusive, as despesas do nosso gabinete? O que gastamos em um restaurante no interior? Mas torna transparente, por exemplo, a situação do Rio de Janeiro, com juízes recebendo 450, 500 mil, 600 mil, um milhão. E a única solução para isso é a transparência. O Supremo Tribunal, em um voto magistral do Ministro Ayres Britto, já consagrou a necessidade da publicação. Mas, por exemplo, no meu governo no Paraná, quando eu enfrentei uma greve no Porto de Paranaguá, em que o pessoal estava na frente do porto dizendo que estava passando fome - e o Porto pagava muito bem, eram salários de R$16 mil, R$20 mil para cada um -, eu mandei publicar a folha. E o Porto publicou a folha de pagamento. O que aconteceu? O diretor do Porto, o superintendente, está sendo processado até hoje por crime moral e sendo condenado a pagar indenizações porque revelou o salário real, e acabou com a greve instantaneamente. Não se sustentava mais o discurso da miséria com salários nutridos como os que o Porto pagava. Eu quero, neste momento em que me solidarizo com seu pronunciamento, pedir seu apoio a essa emenda constitucional moralizante que pretendo apresentar ao Plenário do Senado e às Comissões.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Com esse aparte, V. Exª me dá a oportunidade de me manifestar pessoal e publicamente em apoiamento a esta boa iniciativa, tempestivamente, que V. Exª traz ao debate neste Plenário, neste tempo em que a transparência precisa ser a todo custo aprofundada.

            É uma oportunidade que tenho de poder estar ao lado de V. Exª, apoiando-o nessa proposta.

            Mas ouço com prazer também o eminente Senador Capiberibe. 

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Ferraço, com relação a este tema, a este debate sobre o Judiciário, principalmente essa decisão do Supremo Tribunal Federal nos fez respirar fundo, porque havia uma tensão muito grande. Uma conquista, a constituição do CNJ, com as suas prerrogativas de investigar e pelo menos tentar pôr fim ao corporativismo do Judiciário em todo o País, estava sob risco. Agora todos nós respiramos aliviados. Eu tenho uma preocupação muito grande com o cumprimento das leis no País. Nesse sentido, estive ontem com o Presidente do TSE, do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Lewandowski, discutindo, conversando com ele sobre o cumprimento das leis no País, porque este é um país bizarro. Existem leis que pegam e outras que não pegam. Ou, então, elas pegam num Estado, mas não pegam em outro. O caso da Lei Seca, por exemplo. A Lei Seca pegou no Rio de Janeiro. A Lei Seca pegou e está sendo cumprida no Rio de Janeiro. No entanto, em São Paulo, não se cumpre a Lei Seca. A Lei da Transparência, a Lei Complementar 131, que obriga a exposição dos gastos públicos em tempo real na Internet pegou em vários Estados e Prefeituras. No entanto, há outros em que não. Inclusive, a Lei Complementar 131, Senador Requião, obriga a exposição das folhas de pagamento. São todos os gastos públicos. Até agora nós temos dois casos que eu conheço que colocam suas folhas de pagamento integralmente na Internet, que são a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado do Amapá. Sindicados deram entrada em algumas ações judiciais, mas não prosperaram. Até agora, a Justiça vem mantendo essa exposição das folhas de pagamento porque a lei assim o determina. Portanto, eu quero parabenizá-lo por trazer esta questão específica dessa vitória da sociedade brasileira sobre o corporativismo dada pelo Supremo Tribunal Federal. Eu espero que a gente possa melhorar o controle da aplicação das leis. Nesse sentido, esta Casa precisa debater como nós podemos tornar as leis mais efetivas. No caso da Lei da Transparência, da Lei Complementar 131, há alguns entes públicos, alguns Estados da Federação, algumas assembleias legislativas, alguns tribunais de justiça que resistem e não cumprem a lei. Estou pensando também, na direção do Senador Requião, de construir uma lei capaz de fazer o acompanhamento da aplicação da lei em todo o País. Muito obrigado.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Agradeço a S. Exª suas importantes contribuições, até porque - Senador Randolfe, já ouço V. Exª, com muita honra - tramita em nossa Comissão de Constituição e Justiça proposta do eminente Senador Demóstenes Torres, da qual V. Exª é o eminente Relator, que vai deixar clara, vai deixar absolutamente consolidada a posição do CNJ, porque a decisão do Supremo foi muito dividida. Foram posições que podem ser alteradas. E cabe sim, a meu juízo, ao Senado da República, aprovar a PEC 97, do Senador Demóstenes, que vai transformar essa questão numa questão definida. Estivemos muito próximos de votá-la em 2011. Não foi possível. Estamos com audiência pública marcada para discutirmos esse tema na CCJ e, em seguida, poderemos votá-lo. Aí, sim, o Senado poderá dar uma contribuição excepcional na direção de consolidarmos, de uma vez por todas, este que foi um aperfeiçoamento extraordinário no Brasil, que foi a criação e a consolidação do CNJ.

            Ouço com enorme prazer o Senador Randolfe Rodrigues.

            O Sr. Randolfe Rodrigues (PSOL - AP) - Senador Ricardo, na verdade, é no mesmo sentido do que V. Exª aqui apresenta. Nós festejamos a última decisão do Supremo Tribunal Federal, mas é verdade que ainda pairará como uma espada de Dâmacles sobre o Conselho Nacional de Justiça. Outras ações tramitam no Supremo Tribunal Federal, e me parece que a proposta de emenda à Constituição do Senador Demóstenes Torres e de outros Senadores, inclusive de V. Exª, que também subscreve essa proposta de emenda à Constituição, dirime essa questão, sem dúvida alguma, porque substitui o dizer no texto constitucional atual, de que cabe ao CNJ instruir, pelo dizer de que cabe ao Conselho Nacional de Justiça também processar magistrados e tribunais que tenham cometido qualquer tipo de ilícito. Esse é um desejo da sociedade brasileira, como ficou demonstrado. Essa polêmica em torno do CNJ, ficou mais do que demonstrada que é uma polêmica entre o desejo da sociedade brasileira de ter uma instância de fiscalização e controle sobre o seu Judiciário e o interesse do corporativismo, não de todos os magistrados, porque tenho certeza que a ampla maioria da magistratura brasileira quer, sim, ser fiscalizada.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - O Supremo Tribunal Federal esteve dividido.

            Cabe ao Senado assentar e decidir de maneira clara e definitiva o papel concorrente originário do Conselho Nacional de Justiça para que nós possamos dar passos adiante. Na eventualidade de comprovação de algum desvio, de alguma irregularidade, o que se espera é uma punição exemplar, não apenas uma advertência ou uma sanção administrativa, ou uma aposentadoria compulsória, que pode até mesmo ser considerada uma premiação em alguns casos.

            Ouço, com prazer, a queridíssima Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Ferraço, eu queria também cumprimentar o Presidente desta sessão, Senador Waldemir Moka, porque quando discutimos um tema dessa natureza, com essa relevância, o tempo não deve ser considerado. O País inteiro, a sociedade toda acompanhou o dilema dessa decisão do Supremo Tribunal Federal. Eu queria aproveitar o seu pronunciamento para cumprimentá-lo pelo momento em que fala sobre essa necessidade urgente de o Senado Federal dar sua resposta para confirmar na Constituição uma garantia de segurança das prerrogativas e competências do Conselho Nacional de Justiça. Queria aproveitar também, Senador Ricardo Ferraço, para dar um voto, como cidadã e como Senadora que obteve 3 milhões e 401 mil votos no Rio Grande do Sul e, em nome dos meus eleitores, cumprimentar a Corregedora, Ministra Eliana Calmon, pela coragem e pela forma como, com muito desprendimento e com muita lealdade, defendeu o princípio da correção e da seriedade do compromisso do CNJ. Quero cumprimentar também a OAB pela iniciativa de ter promovido um ato em defesa das prerrogativas do CNJ. Por fim, cumprimento os Ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram a favor da manutenção das prerrogativas do CNJ. Muito obrigada. Cumprimento o Senador Ricardo Ferraço.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Agradeço a S. Exª a Senadora Ana Amélia.

            Já encaminhando para o encerramento, Sr. Presidente, a garantia de vitaliciedade, prevista na Constituição, não pode contradizer os princípios de moralidade e probidade administrativa também previstos constitucionalmente.

            É preciso, portanto, amadurecer a ideia de que, a exemplo de qualquer servidor público, um magistrado também possa estar sujeito à perda do cargo, dependendo, evidentemente, da gravidade do desvio cometido e do devido processo legal.

            Longe de desmerecer a nossa magistratura, constituída em grande parte, na sua maioria, por figuras da mais alta estatura moral, a adoção dessa nova norma resgataria, de uma vez por todas, a imagem de correção e respeitabilidade que sempre marcou o nosso Poder Judiciário.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Moka.

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2012 - Página 1520