Pronunciamento de Cristovam Buarque em 19/02/2015
Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Desaprovação do modelo político-eleitoral vigente no País .
- Autor
- Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
- Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ELEIÇÕES, PARTIDO POLITICO.:
- Desaprovação do modelo político-eleitoral vigente no País .
- Aparteantes
- Hélio José, João Capiberibe, Reguffe.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/02/2015 - Página 19
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES, PARTIDO POLITICO.
- Indexação
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- CRITICA, MODELO, POLITICO, ELEIÇÕES, VIGENCIA, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, ANUNCIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, LOCAL, INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO (ILB), ASSUNTO, DISCUSSÃO, SITUAÇÃO, BRASIL.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem o Ministro Levy comunicou, desde Nova York, que a taxa de crescimento esperada para 2015 é de menos meio por cento. Tudo indica que, ao fechar definitivamente as contas de 2014, será também negativa, pertinho de zero.
Quando eu vi isso, Senador Hélio, eu fiquei pensando como estamos em um momento hoje diferente de dez anos atrás. Que diferença! Há dez anos, Senador Cássio, o Brasil era o país emergente preferido internacionalmente como exemplo. Era um país que tinha estabilidade monetária e crescimento econômico. Perdemos a estabilidade monetária e não temos crescimento.
O Brasil é um País que tinha a sofisticação e o reconhecimento por uma rede de proteção social, a Bolsa Família consequente da Bolsa Escola. Mas há dez anos a Bolsa Escola tinha passado de quatro milhões para, se não me engano, oito e chegar a 12. Era um exemplo mundial, mas estamos perdendo por causa da inflação.
Cada mês, o bolsista do Bolsa Família recebe um valor menor em poder de compra do que anteriormente.
O Brasil, dez anos atrás, já estava com toda a ideia de que iríamos nadar em petróleo, Senador João Capiberibe, e que entraríamos na Opep e que seriamos um país com dólares para fazer tudo que fosse preciso, primeiro solucionando totalmente a educação, depois desenvolvendo ciência e tecnologia.
Nós tínhamos, Senador Paulo Paim, - e aqui lhe toca até bem - programas reconhecidos mundialmente pela capacidade de pagar dívidas históricas como as quotas, como o Fies, com o ProUni. Nós éramos um país francamente emergente.
Para não esquecer mais um item, dez anos atrás, o Brasil é um país com imensa presença internacional. Graças ao oito anos do Presidente Fernando Henrique Cardoso e graças à dinâmica e à popularidade internacional do Presidente Lula, associado ao grande Ministro de Relações Exteriores que Sua Excelência teve, Celso Amorim.
O que aconteceu que - em dez anos - estamos hoje envolvidos em uma tragédia da corrupção, nós estamos com a inflação sem ser controlada, que nós estamos em depressão econômica, que nós estamos com falta de água em grandes cidades, com a clara possibilidade de falta de energia, com a balança comercial tendo déficit como nós nunca vimos, e as contas públicas em déficit como nós nunca vimos, fazendo aquilo que os economistas chamam de déficits gêmeos, que são os déficits das contas internas e os déficits nas relações exteriores. Nós vemos, dez anos depois disto, o Brasil envolvido em uma crise política absolutamente inimaginável pela falta de clareza dos partidos, pela degradação da forma como as campanhas são financiadas, pelos jogos que envergonham a todos nós como vimos dentro, muitas vezes, na aprovação de projetos de lei ou mesmo na eleição de dirigentes.
O que aconteceu? Onde é que nós erramos? Nós erramos. Não foi um terremoto que devastou o Brasil, não foi uma tromba d'água em todos os 8,5 milhões de quilômetros quadrados que inundou o Brasil. Senador Capiberibe, onde é que nós erramos? Onde é que nós erramos para, dos indicadores tão fantásticos de um país que era exemplar, termos indicadores negativos de uma nação que, hoje, é deboche na imprensa internacional? Onde erramos? O que aconteceu? E nós, que já estávamos aqui, erramos mais ainda, porque somos os líderes deste País.
É claro que a gente pode buscar muitas razões de erros. Na economia, por exemplo, gastamos mais do que era possível. E muitos de nós subimos aqui para dizer isto: não dá para insuflar o consumo nesta dimensão, porque faltará poupança; sem poupança, não há investimento; sem investimento, não haverá crescimento. Gastamos demais. O Governo gastou muito mais do que era possível, não apenas do ponto de vista do desembolso de recursos, como também abrindo mão de impostos para incentivar a venda de automóveis e de outros produtos industriais, o que, no fim, não trouxe o impacto que era prometido de aumento da taxa de crescimento; como também na promessa de Copa do Mundo, em que eu cheguei a ver 3% de crescimento, e ninguém viu o resultado.
Nós podemos buscar muitos erros cometidos, muitos, mas eu acho que há um que é fundamental: foi na política. Nós erramos na maneira como as lideranças nacionais, nós, nos organizamos, desde a campanha para sermos eleitos, desde os partidos aos quais nos filiamos, ao tomarmos o poder e exercermos as funções públicas com negociatas, com aparelhamento, sem perspectivas, sem projetos. Não podemos mais jogar a culpa - Capiberibe e eu somos dessa geração -, como a gente jogava, nos latifundiários, nos banqueiros. Não! Nós elegemos um Presidente da República trabalhador, líder sindical, de um partido de esquerda, do qual estão fazendo parte todos os partidos de esquerda, sem exceção, salvo alguns mais radicais, que se afastaram do PT.
Onde foi que nós erramos? Se nós não entendermos isso, daqui a dez anos, talvez, a gente tenha indicadores piores ainda. Onde foi que nós erramos?
Eu passo a palavra ao Senador Reguffe, que pediu um aparte e que muito me honra com isso.
O Sr. Reguffe (PDT - DF) - Senador Cristovam, V. Exª - aqui, eu tenho que lhe chamar assim... Primeiro, eu quero dizer que tenho muito orgulho de fazer este meu primeiro aparte no Senado a um discurso de V. Exª. V. Exª foi meu professor na universidade há 22 anos - o que me orgulha muito -, e uma dessas coisas do destino fez com que 22 anos depois nós estejamos aqui, juntos, no Senado Federal, representando a população do Distrito Federal. Quero aqui fazer um reconhecimento à carreira de V. Exª e dar os parabéns pelo seu aniversário amanhã, já antecipado aqui. V. Exª foi reitor de uma Universidade Federal -
a UnB -, foi Governador do Distrito Federal, foi Ministro de Estado, foi Senador da República por dois mandatos e nunca teve sobre a sua história, sobre a sua biografia uma única mancha. Às vezes, neste País, para as pessoas reconhecerem um homem público, ele tem que falecer, ele tem que morrer. E a gente tem que saber reconhecer as virtudes dos homens públicos que a gente tem neste País. Então, eu queria aqui fazer esse reconhecimento a V. Exª, que construiu uma carreira política lutando pela educação, vendo a valorização da educação pública como elemento transformador deste País, e construiu essa carreira sem uma única mancha do ponto de vista ético. Isso precisa ser reconhecido, e eu quero aqui deixar o meu reconhecimento a V. Exª, junto com os parabéns pelo seu aniversário no dia de amanhã. Quero dizer também que V. Exª faz um discurso muito apropriado para este momento. Nós vivemos, no Brasil, uma grande confusão entre os conceitos de governabilidade e fisiologismo. Governabilidade, no Brasil, virou sinônimo de fisiologismo, e se contraria a Constituição Federal no sentido de que não existe a separação dos Poderes. Hoje Parlamentares e Partidos escolhem pessoas o tempo inteiro na máquina do Estado, aparelhando a máquina do Estado, muitas vezes, sem pessoas qualificadas tecnicamente para aqueles cargos e dando em troca os seus votos no Parlamento. Isso é muito ruim. O Parlamento deveria ser independente. O elogio ia ter mais autoridade, porque ia ser por convicção, e a crítica ia ter mais legitimidade, porque ela não ia ocorrer por uma simples contrariedade de uma demanda no Executivo não cumprida. Nós teríamos um Parlamento que orgulharia melhor a Nação e cumpriria o melhor papel para o contribuinte brasileiro. V. Exª colocou, muito bem, que nós vivemos uma grande crise em vários aspectos. O Governo gastou mais do que arrecada, gerando uma crise de responsabilidade fiscal inaceitável - na minha opinião -, mas nós vivemos também uma crise política, que passa por esse aparelhamento constante. Eu acho, por exemplo - alguns dizem que isso é um sonho, nunca vai ocorrer -, que a pessoa, para estar no Poder Legislativo, não deveria indicar ninguém para o Governo, para que tivesse autonomia nos seus votos, nas suas ações, nos seus discursos e cumprisse um papel. A forma como está o nosso Presidencialismo, no Brasil, de coalizão, faz com que aquilo ali seja uma fábrica de crises, porque é crise atrás de crise, e, se não se contemplar os interesses daquelas forças políticas - que nem sempre são os interesses da Nação brasileira e do contribuinte brasileiro -, o tempo todo vem uma crise nova. Então, nós temos que conseguir pensar no interesse do País e não simplesmente no interesse político das forças partidárias. Enquanto não se resolver esse dilema - e talvez eu não seja vivo para vir ver, e V. Exª, com o seu inconformismo constante, o tempo todo recorre a esse discurso de tentar chamar as pessoas a uma reflexão -, enquanto não se resolver esse dilema, nós não vamos ter neste País um caminho, porque a política, que é algo nobre, passa a ser achincalhada o tempo todo. É claro que os partidos políticos existem para ter o poder e desenvolver políticas públicas para o cidadão. Agora isso não pode ser confundido com o aparelhamento, simplesmente, da máquina do Estado, como existe hoje, em que o Estado parece que existe não para servir o contribuinte, e sim para a construção e perpetuação de máquinas políticas. E aí o tempo todo se cria um Ministério novo para atender a mais um partido. Se for criado um partido novo, tem que haver um Ministério novo. O tempo todo tem que haver mais cargos comissionados. A França possui 4,8 mil cargos comissionados; os Estados Unidos inteiros, 8 mil cargos comissionados - de acordo com resposta a mim, como Deputado, das embaixadas desses países -; e o Brasil, de acordo com uma resposta oficial do Ministério do Planejamento a um requerimento formal meu de informações, possui 23.579 cargos comissionados. Alguns cargos têm que ser comissionados, sim. Mas esse excesso é inaceitável para a administração pública, para o contribuinte. Queria parabenizar mais uma vez V. Exª pelo seu pronunciamento, pelo aniversário amanhã, e dizer que V. Exª conte comigo aqui para travar uma luta em defesa da federalização da educação básica, que é um sonho de V. Exª, e em defesa de que tenhamos um País com uma vida pública melhor para o contribuinte e para o cidadão deste País. Nem sempre vamos pensar igual, até porque nós dois temos nossas posições e convicções muito firmes, mas tenho certeza de que na maioria dos temas estaremos juntos, pensando no País e numa vida melhor para o brasileiro. Muito obrigado.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Quero dizer que - devo ter escutado de alguém, porque acho que eu não conseguiria imaginar uma frase tão boa - o melhor aluno é aquele com quem a gente aprende; e eu tenho aprendido muito na convivência, ao longo desses 22 anos, porque, é preciso dizer, não apenas foi aluno durante dois anos, mas nunca deixamos de ter contato permanente, político e de amizade. Muito obrigado.
Voltando ao que eu falava: onde é que nós erramos? Essa pergunta deveria permear todos nós. Acho que o centro não foi a economia. Não foi nem mesmo a falta de investimentos na educação, que é algo tão profundo para mim. Tudo isso, todos os erros são consequência do erro na política. E, aí, creio que a gente pode listar alguns erros.
Primeiro erro: o custo das campanhas eleitorais. Não há como não haver corrupção com os custos das campanhas eleitorais nos níveis brasileiros, porque como se vão financiar essas campanhas? O dinheiro não cai do céu. De onde você arranca esse dinheiro? Das tetas das empresas, que querem, depois, tirar algum proveito. Então, tem que acabar o custo.
O próprio Senador Reguffe tem falado nisso, Capiberibe também: a ideia de que a campanha eleitoral tem que ser feita com apenas o candidato aparecendo na televisão, sem marketing nenhum. Barateia, fica quase que de graça; só tem que pagar a passagem do ônibus para mandar a fita, porque nem é preciso, também, que seja ao vivo. Tem que reduzir o custo.
Segundo: financiamento. E aí minha posição é de que o financiamento por empresas não tem como deixar de ser carregado de desvios, para não usar a palavra corrupção.
O financiamento apenas privado com um limite pode ser o caminho. O financiamento público o povo não está querendo. Além disso, esse dinheiro vai sair de que setores? Talvez o correto mesmo - e creio que o Senador Suplicy já falou isso aqui - é que financiamento de campanha tem que ser uma tarefa dos filiados do partido e dos seus aliados, cada um dando a sua contribuição. Quando a gente baixar o custo, ficará possível isso. Nenhum partido pequeno termina conseguindo. E Brizola é um exemplo, com as campanhas baratas que ele fazia, sem marketing, que é o terceiro ponto onde erramos.
Erramos na publicidade, que faz com que, em vez de líderes, tenhamos políticos escolhidos como se fossem sabonete ou cerveja - que aparecem tanto na publicidade. Temos que mudar! Temos que criar uma espécie de Procon para acabar com a mentira na televisão. Nós estamos pagando o preço de campanhas eleitorais caras com financiamentos por empresas interessadas em depois receber beneficiamento e com uma publicidade mentirosa, como a gente viu na última eleição contra, por exemplo, a Marina Silva.
Quarto: a organização partidária. Onde nós erramos para o Brasil deixar de ser um emergente para ser um imergente? Saímos do nadar de braçada para estarmos nos afogando. Onde erramos? Repito: a organização partidária, que nada tem a ver com a ideologia, nem com valores éticos que unam pessoas que querem servir ao público, como Reguffe tanto fala, que é o papel de um político. Nós temos clubes eleitorais, não temos partidos. E esses clubes eleitorais fazem organizações sem nenhuma perspectiva de mudar, de melhorar o País; é apenas o poder pelo poder. E, aqui, incluo todos. Não estou falando dos outros partidos. Qual partido hoje não está viciado na disputa pelo poder? E é capaz de dizer: vamos perder uma eleição por defendermos princípios para um País melhor.
Outro - onde erramos? -: a subordinação do Poder Legislativo ao Poder Executivo. Essa subordinação fez com que o Poder Executivo cometesse erros. Em vez de ouvir o Parlamento e, a partir daí, corrigir o rumo, seguiu no mesmo rumo, esnobando as críticas que aqui eram feitas.
E, ao seguir no mesmo rumo do erro, levou à imersão em que nós estamos, em vez da emergência em que a gente estava há dez anos atrás.
Outro, é a promiscuidade, a promiscuidade com que a gente faz política. Eu nem falo a promiscuidade do ponto de vista do encontro de pessoas diferentes do ponto de vista político, não. Parlamento é para isso, sim; isso não é promiscuidade. Promiscuidade é quando tem troca de favor; promiscuidade é quando acontecem coisas que ficam suspeitas.
Com todo o respeito, o Ministro da Fazenda não devia receber os advogados de empresas que estão envolvidas nesses julgamentos, o Ministro da Justiça. Não devia! É uma forma de promiscuidade. Não vou dizer que é corrupção, não vou dizer que está querendo apagar os crimes, não vou dizer nada disso, mas é uma forma de promiscuidade. E nós temos uma promiscuidade entre os poderes, nós temos uma promiscuidade daquilo que o Lula chamava de a grande elite brasileira, que se entende, se conhece e casou seus filhos entre eles.
Nós temos o aparelhamento. Nós erramos no aparelhamento. O que acontece na Petrobras é resultado do aparelhamento da Petrobras, aliado ao financiamento de campanha. Se fosse só o aparelhamento sem o financiamento de campanha, seria capaz de não ter havido os desvios. Seria o aparelhamento a serviço de um projeto, mas não tinha que encontrar dinheiro para o financiamento de campanhas.
E, finalmente, antes de passar a palavra ao Senador Capiberibe e ao Senador Hélio José, eu colocaria algo que talvez seja consequência de tudo isso ou mereça uma análise independente. É o imediatismo como nós fazemos política. A gente não pensa dois anos na frente, três anos. A gente pensa, no máximo, no próximo mês. No máximo, no máximo, na próxima eleição. Quem está pensando na próxima geração? Quem está pensando o Brasil daqui a 30 anos? A falta de visão de médio e longo prazo é que levou a sairmos da emergência para a imersão, sairmos de um País que nadava o futuro para um País que está se afogando nos erros que cometeu. Nós precisamos refletir cada vez mais onde é que nós erramos.
O escritor Mario Vargas Llosa, que foi candidato a Presidente uma vez, usou uma expressão bem mais grosseira quando ele perguntou: “Onde foi que nós fizemos besteira?” Com uma palavra bem grosseira que ele usou naquela hora, mas que na linguagem dele caia bem, em relação ao Perón.
Não vou dizer daquele jeito, mas eu digo: onde foi que nós erramos? E, se não entendermos isso, não vamos corrigir. E não voltaremos a ser um emergente em direção à superfície; vamos continuar como estamos hoje, submergindo na tragédia da corrupção, da pouca vergonha na maneira de fazer política, de uma economia cheia de déficits, em recessão, com a população absolutamente deseducada, sem saúde, sem segurança. Nós vamos continuar nessa tragédia de hoje, que é o contrário de dez anos atrás.
Sr. Presidente, eu quero passar a palavra ao Senador Capiberibe, embora esse seria o discurso que eu queria fazer.
Senador Capiberibe.
O Sr. João Capiberibe (Bloco Democracia Participativa/PSB - AP) - Muito bem, Senador Cristovam. De fato V. Exª tem inteira razão de se questionar onde é que nós erramos. E nós erramos muito. Mas acertamos em algumas questões cruciais para o povo brasileiro. E esse acerto não vem de longas datas. O Brasil é um País, e nós, povo brasileiro, somos um País de pouca cultura democrática. Acho que esse é o grande problema. O século XX, em que se organizou a República neste País, essa República foi organizada por poucos e para poucos. E, ao longo desse processo, quando a sociedade emergia para exigir de fato uma repartição melhor do esforço coletivo, ela é sufocada pelas ditaduras. A última durou 21 anos. E, para a gente reconstituir aquela conjuntura de 1964, de democracia, em que nós estávamos vivendo uma efervescência democrática, em 1964, nós vamos precisar de 42 anos, do dobro. Mas nós estamos caminhando para a democracia. Eu acho que o que está acontecendo no Brasil é consequência da construção democrática, e essa crise que nós estamos vivendo terá uma resposta aqui e da rua. Eu tenho convicção de que em poucos meses nós teremos este Congresso cercado pelo povo, exigindo resposta. A reforma política, por exemplo, nós temos que fazê-la. Não há como postergar. Eu estou totalmente de acordo: financiamento de pessoa física, limitado, acompanhado do fim do voto obrigatório. Aí, sim, nós teremos a militância, que, além de suar a camisa - como nós fazíamos na resistência democrática -, além de arriscarmos nossas vidas, nós éramos submetidos a enorme sacrifício para exercer a militância política, o direito de se opor. Esses dois passos são importantes, mas o fundamental é reduzir os custos da campanha, reduzir geral e impedir essa contratação de cabos eleitorais que nada mais é de que compra de voto. Os partidos não precisam ter militância, e a gente vê aqui, na porta do Congresso, a militância de última hora, contratada para vir para cá. Os partidos deixaram de investir na militância. Eu acho que nós vamos dar um passo adiante; nós vamos sair da crise. Agora é preciso haver agentes políticos com um grau de independência, de equidistância do Governo, porque não dá para atirar pedra em um ou em outro, isso faz parte da história do nosso País; a corrupção faz parte, ela é congênita, ela nasce com a família real mandando tirar as pessoas das suas residências no Rio de Janeiro, na hora da chegada, e, na hora em que Dom João volta para Portugal, ele leva tudo que tinha nos cofres do Banco do Brasil. Então, como é que nós vamos responder a essas questões? O que nós erramos, onde nós erramos? A pergunta é: como acertar daqui para frente? Parece-me que devemos bater a cabeça nessa causa. Nós precisamos acertar daqui para frente. Nós precisamos fazer essa reforma política, reduzir esses custos, não permitir mais a propaganda mentirosa em que você vende um Brasil que não existe, enfim. Então, nossa esperança na retomada do Estado de direito, do Estado democrático é avançarmos com mais velocidade, tanto é que nós tivemos, de fato, um partido de esquerda, um conjunto de partidos de esquerda governando o País, comprometidos com o avanço da mudança. E a política é isso, a política é essa atividade fundamental na sociedade, e o povo brasileiro gosta de política, o povo brasileiro fala de política no café da manhã, no almoço, no boteco, no estádio de futebol. O povo gosta, só que ele se sente distante das suas lideranças. Ele elege, depois esquece quem elegeu. E a responsabilidade não é apenas do Executivo, a responsabilidade é também do Parlamento. Nós temos uma grande responsabilidade com a crise que nós estamos vivendo e agora nós temos de superar essa nossa deficiência em relação às aspirações coletivas. Portanto, eu tenho convicção de que aqui neste Senado alguns Senadores podem ser representativos em tempo de crise, e V. Exª é um deles. V. Exª pode exercer um grande papel falando com os dois extremos, com as duas pontas. Eu acho que... É esse centro de mediação política que nós precisamos construir aqui no Parlamento. V. Exª pode e tem a respeitabilidade e o reconhecimento nosso para conduzir e ajudar a conduzir nesse processo.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.
Eu vou encerrar, mas apenas farei alguns comentários, antes de passar para o Senador Hélio José.
Primeiro, eu entendi a ideia do centro, mas eu acho que a gente precisa mais, hoje, de ponte do que de centro, porque os centros que nós tivemos na política terminaram sendo formas de negar posições: ficavam, na verdade, indo de um lado para o outro. Acho que a gente precisa reafirmar a diferença entre quem pensa assim e quem pensa assim... Como, aliás, se dizia - e eu ainda gosto de dizer: quem pensa pela esquerda e quem pensa pela direita; agora, construindo pontes. Nós precisamos mais de pontes do que de centros.
Segundo a ideia da propaganda eleitoral, quando o Senador estava falando, eu pensei que já temos um excelente Tribunal Eleitoral. Nós precisamos é de um Procon eleitoral agora. Nós precisamos de um Procon eleitoral que fiscalize a venda de produtos falsificados como se fossem autênticos. Talvez, como todo Procon, ele só possa funcionar no dia seguinte à entrega da mercadoria, mas a gente tem de descobrir uma maneira de proibir isso.
Finalmente, sobre... Nós avançamos muito, muito e muito, sem dúvida alguma. Nós estamos melhor hoje do que há 20, 30 anos. Agora, nos últimos 10 anos, aquilo que listei aqui sobre as coisas positivas, eu acho que elas trouxeram todos os avanços que nós tivemos. Nos últimos 10 anos, eu não consigo me lembrar de avanços maiores. O Bolsa Família já existia há 10 anos, o Prouni já existia há 10 anos ou por aí, o Fies já existia, as cotas já existiam, a estabilidade monetária do real já existia. Ou seja, eu considerei 10 anos, porque é exatamente o período em que, creio, não demos mais avanços. Pode ter havido um ou outro que eu tenha me esquecido, mas não tem... No passado, sim! Até antes, um pouco, demos muitos avanços, inclusive o imenso avanço de, em 2002, elegermos um operário para Presidente da República. A eleição de Lula é um dos marcos da história deste País, sem dúvida alguma. Um salto considerável de um país escravocrata para um país de um Presidente operário e sem ter deixado de ser operário do ponto de vista nem de diploma, nem de riqueza ou de casamento com a elite. Um homem do povo. Foi um salto.
E ele deu saltos também nos primeiros anos, por exemplo, o próprio Bolsa Família foi levado a todo o Brasil. Cota, Prouni, Lula é que fez. A estabilidade monetária ele consolidou, até porque, nos últimos anos de Fernando Henrique, ela estava estremecida.
Agora, nos últimos dez, não houve grandes avanços de que eu consiga me lembrar. Houve, sim, uma marcha inexorável e lenta até a situação atual. E era previsível.
O que lamento é que esteja sendo necessária uma catástrofe para a gente aprender a tal da teoria da pedagogia da catástrofe, que é o que aconteceu em São Paulo, com a falta d’água.
Há quantos anos, a gente joga água fora, asfalta e faz estádio em vez de reservatório? E ninguém ligava. Como a catástrofe que talvez a gente tenha de esperar, de que, em qualquer dia desses, os carros não consigam sair do lugar por causa de um monumental engarrafamento, para perceber que vai ter de haver transporte público de qualidade.
Na política estamos vivendo uma catástrofe. Oxalá a gente consiga tirar uma pedagogia desse processo. E o medo é que aconteça - como a chuva vem - de a gente esquecer a falta d’água até alguns anos depois. Essa crise aí de repente a gente vai esquecer e continuar no mesmo rumo.
Com muito prazer, passo a palavra ao Senador Hélio.
O Sr. Hélio José (Bloco Maioria/PSD - DF) - Senador Cristovam, é com muita alegria que quero comemorar aqui, junto do meu colega Reguffe e dos demais colegas, seu aniversário amanhã. Acho isso muito importante. Acho que você é um achado para o nosso Distrito Federal. Lembro-me de quando você, um excelente reitor e professor, foi convidado a entrar na vida política aqui, disputando cargo no Distrito Federal. E, com muita dificuldade, levamos a campanha aos vários rincões do DF. Lembro-me de uma memorável plenária em que o senhor me deu a honra de comparecer com meus colegas eletricitários. Estava, naquela época, derrapando lá nos 2%, e ganhamos uma eleição. E, com muita dificuldade no início, nós a terminamos, com aprovação enorme no Distrito Federal. Lembro-me de que o senhor fechou o Governo com uma aprovação muito maior do que 70%, o que deixou Brasília com bastante saudade daqueles anos em que o senhor pôde governar o DF, fazendo várias inovações muito importantes para a nossa cidade, para o nosso Estado, para a Capital do País. Sem dúvida, o senhor é uma autoridade para relatar os assuntos que ora relatou em seu discurso. Eu acho que, realmente, precisamos fazer essa reflexão de onde erramos. Nós estamos vivendo hoje uma dificuldade grande no DF. Tanto eu quanto o senhor e o Senador Reguffe ajudamos muito a vitória do Governo do Distrito Federal. Talvez precisemos sentar, discutir, debater alguns rumos para o DF, para que não erre, para que não demore tanto a acertar - vamos dizer assim. Eu, que convivo há 32 anos da minha vida com uma servidora pública do DF, uma servidora da saúde, uma enfermeira, estou vendo a dificuldade que está sendo hoje esse parcelamento de salário. A gente está ali contando moedas. Não dá para pagar as contas. Eu imagino os professores, o pessoal da saúde, todo mundo que está passando essa dificuldade no DF. Como está difícil! Além das esperanças de urbanização, das esperanças de fazer rápido bastantes coisas que ficaram pendentes e que estão sendo adiadas. Mas eu tenho certeza do empenho de V. Exa, do empenho de S. Exa, Reguffe, do Senador Capi, que é um amigo de Brasília, e do Senador Paim, em colaborar com nossa Capital do País. Nós estamos à disposição para dialogar, trazer, conversar. Agora mesmo devemos apresentar algumas emendas que os Senadores novatos, tanto eu quanto o Reguffe, teremos condições de apresentar até o dia 24. Vamos procurar ajudar, naquilo que for possível, o Distrito Federal. Vamos reunir nossa Bancada para discutir algumas coisas. Hoje mesmo eu falava com o Ivan, colega meu de formatura e atual reitor da UnB, sobre algumas importâncias que estão acontecendo na UnB hoje. A infraestrutura já está um tanto quanto precária, porque já faz muito tempo que a UnB foi inaugurada, então ele está solicitando de nós algumas ajudas. Mas isso tudo são coisas importantes que nós faremos aqui. Eu quero comentar aqui, com relação ao dito pelo senhor, primeiro que, sem uma reforma política, realmente nós não podemos continuar. Precisou acontecer que o candidato oficial perdesse a eleição na Câmara para que, de fato, ela seja colocada na pauta. Eu acho que ela vai, porque o Senador Renan já deixou claro que vai discutirmos também aqui. Então, nós teremos, até que enfim, a oportunidade de discutirmos o financiamento público de campanha, de discutir o fim desse financiamento pela iniciativa privada da forma como é colocado hoje, e toda a moralidade nesse processo. Para nós que estamos aqui é muito importante que tenhamos condições de fazer um bom trabalho, que sejamos julgados pelo trabalho que realizamos e não pelas concessões ou favores que alguém possa, porventura, ter feito e que vai receber mais ou menos financiamento de campanha. Então, não deve ser dessa forma. Eu acho que são muito importantes as palavras ditas por V. Exª com relação a esse ínterim e também com relação a essa confusão. Puxa, que pena! Um País em que apostamos tanto. Eu passei 32 anos no Partido dos Trabalhadores e ajudei em tudo que pude para o Lula chegar à Presidência da República. Tantas coisas boas surgiram a partir dali e, hoje, estamos estagnados, o País está imerso em uma paralisia. Seria muito interessante se conseguíssemos fazer uma grande audiência pública, um grande seminário, sei lá, um grande evento em que pudéssemos discutir este questionamento que o senhor faz: onde nós erramos? Todo mundo: situação, oposição, quem está no meio de campo. O que está faltando é a ponte para se chegar ao acerto. Eu quero fechar dizendo que hoje estou aqui e, quando posso, falo em energia fotovoltaica. O senhor já me ouviu falar por mais de mil vezes nisso, e vou continuar repetindo pelo menos até mudarmos bastante o conceito da matriz energética brasileira, embora não tenhamos apenas a fotovoltaica. Há outros tipos de energia que deveremos discutir aqui. Temos a nuclear, a heliotérmica, novos reservatórios para se poder fazer uma melhor utilização do nosso potencial hídrico. Há um monte de outras questões que estaremos discutindo aqui e que vão suscitar vários debates a respeito do tema. Mas estou provocando isso porque, há dez anos, ninguém falava que a eólica seria a energia tão importante e competitiva que é hoje. Foi preciso haver investimentos sérios do BNDES e de outros, para que pudesse se baratear o preço e hoje a energia eólica ficasse apenas 30% mais cara do que a hidroeletricidade, sendo altamente competitiva dentro do nosso País. Vamos ter de fazer a mesma coisa com as outras fontes. Então, quero concluir dizendo a V. Exª que, primeiro, corroboro as palavras do nosso amigo e colega de Bancada Reguffe, quando descreveu e mencionou os bons préstimos feitos pelo senhor à sociedade de Brasília. V. Exª só nos orgulha como cidadão, como colega e como morador desta cidade. Quero dizer que o senhor conta e contará sempre com o nosso apoio, com o nosso trabalho e com o nosso conjunto na discussão. Tudo bem que, como o Reguffe colocou e é fato, nem sempre estaremos na mesma posição, nem sempre estaremos com o mesmo tipo de encaminhamento, mas estaremos sempre semelhantes, respeitosos e procurando fazer o melhor para a nossa cidade. Então, o senhor conte com a solidariedade do seu amigo aqui. Estamos juntos e é com muito orgulho - ouviu, Presidente Paim? - que eu tenho o prazer de fazer este aparte e receber este aparte do Senador Cristovam. Como se diz, V. Exª, além de ser um colega aqui, é um ídolo que a gente preserva.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado.
O Sr. Hélio José (Bloco Maioria/PSD - DF) - Acho que tanto eu quanto o Reguffe temos o prazer de dizer isso.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado. Muito obrigado e, olhe, graças à sua provocação, eu aproveito para comunicar aos três um convite que lhes vai chegar: no dia 27, ou seja, na próxima quinta-feira, eu estou organizando uma reunião. A gente pegou o termo usado na campanha do Rodrigo Rollemberg, roda de conversa. Vamos fazer uma roda de conversa das 19 às 21, chamando 50 pessoas, para debater que crise é essa, onde nós erramos e que reformas faltam fazer.
Eu gostaria muito de ter a presença dos três e de outros mais. Vai ser num ambiente que não é muito grande, de propósito. Não vai ter palestrante especial e gente ouvindo. Vamo-nos reunir ao redor, é claro, de algumas pessoas mais experientes que estou trazendo, na área de energia, por exemplo, e em outras áreas. Mas as perguntas são: que crise é esta, que é, ao mesmo tempo, fiscal, econômica, social, ecológica, moral e política, e que reformas a gente precisa fazer?
Vai ser na quinta-feira, às 19 horas, no Instituto Legislativo Brasileiro.
Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para colocar. Gostaria muito de ter a sua presença também, se estiver em Brasília na quinta-feira próxima. Obrigado.